D.E. Publicado em 18/07/2016 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial e à apelação da União Federal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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Data e Hora: | 07/07/2016 17:26:17 |
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RELATÓRIO
Cuida-se de remessa oficial e apelação da União Federal em face da r. sentença de fls. 2298/2306 e 2311/2313, mediante a qual restou julgado procedente o pedido, a fim de reconhecer a inexistência de relação jurídica tributária impositiva entre a autora e a ré referentes a créditos tributários de Imposto de Renda Pessoa Jurídica e Contribuição Social sobre o Lucro do período base de 1999, decorrentes de glosa de redução efetuada pela autora nas bases de cálculo desses tributos (P. A. n 19.515.002923/2003-85), referente à dedutibilidade dos valores das debêntures emitidas pela autora e subscritas por seus acionistas. A r. sentença, decretou, ainda, a nulidade do auto de infração, na forma da fundamentação supra em especial o art. 462 do RIR, e do artigo 269, I, do Código de Processo Civil, bem como concedeu a antecipação da tutela, para suspender a exigibilidade dos créditos tributários de IRPJ e CSL objeto da notificação ART/TSR/SARAC N 001/10, de 04.01.2010, oriunda do processo administrativo n 19.515.002923/2003-85.11. A ré União Federal foi condenada a arcar com custas e honorários advocatícios arbitrados em 1% do valor dado à causa.
Em suas razões, a União Federal argumenta, em apertada síntese, seja com a ausência de normalidade e usualidade no negócio de emissão de debêntures, ora em análise, seja com a indedutibilidade da remuneração dessas debêntures da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Há, portanto, necessidade da manutenção da autuação no tocante aos valores da CSLL, bem como a impossibilidade de se glosar da autuação o valor do suposto crédito utilizado pela autora para fins de retenção do IR-Fonte quando do pagamento da participação no lucro das debêntures emitidas. Pleiteia, por fim, a redução do valor dos honorários advocatícios (fls. 2327/2352).
Contrarrazões a fls. 2356/2456, nas quais a ora apelada alega, preliminarmente, o não conhecimento do recurso de apelação, em razão do não atendimento ao princípio da dialeticidade, insculpido no artigo 514, II do Código de Processo Civil de 1973. No mérito, sustenta que a sentença reflete, de forma cristalina, a aplicação do Direito e está em perfeita harmonia, motivo pelo qual não merece reforma.
É o Relatório.
VOTO
Afasto a preliminar arguida em contrarrazões, de não conhecimento do apelo por ausência de ataque às razões da sentença, porquanto nos termos do citado artigo 514, inciso II, do Código de Processo Civil de 1973, a apelação deve apresentar os fundamentos de fato e de direito. Trata-se, pois, da positivação do denominado "princípio da dialeticidade", o qual cumpre ao apelante apresentar as razões de sua inconformidade, impugnando os argumentos da decisão proferida na origem.
No caso em apreço, as razões de apelação apresentadas pela ré enfrentam os argumentos contidos no julgado singular.
Portanto, rejeito a preliminar arguida.
Passo, então, à análise do mérito.
O cerne da controvérsia travada nestes autos diz respeito à diferença de créditos tributários de Imposto de Renda Pessoa Jurídica - IRPJ e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSL, relativos ao período-base de 1999, em razão da glosa, nas bases de cálculos dos referidos tributos, da remuneração assegurada a debêntures emitidas pela apelada e subscritas pelos seus acionistas.
In casu, questiona-se a interpretação da lei no tocante à correta qualificação jurídica da participação nos lucros, atribuídas às debêntures de emissão privada, para fins de sua dedutibilidade na base de cálculo do IRPJ, ou seja, se tais participações devem ser consideradas como redutoras do resultado da apelada e, consequentemente, submetidas ao regime geral de dedutibilidade das despesas operacionais da pessoa jurídica, previsto no art. 47, §§1º e 2º da Lei 4.504/64 (art. 299 do RIR/99), ou, se tais participações seguem o regime da dedutibilidade incondicional que lhe é próprio, conforme determinado pelo art. 58, II do Decreto-lei 1.598/77 (cf art. 462 do RIR/99)
As normas, anteriormente mencionadas pelas partes, possuem a seguinte redação:
Por primeiro, destaco que, à época dos fatos, a apelada, Natura Cosméticos, era tida como sociedade anônima de capital fechado, isto é, sem participação na bolsa de valores.
À época dos fatos, era ela detentora de uma dívida com seus acionistas, devidamente registrada em seu passivo.
Pois bem, Em 02/05/1998, a ora apelada emitiu debêntures remuneradas com base nos seus lucros, as quais foram subscritas por seus acionistas e integralizadas mediante compensação dos créditos, mantidos em contas correntes (conforme registra a Ata de Reunião da Diretoria a fls. 139/141).
Anoto, por pertinente, que, em razão dos acionistas encontrarem-se na posição de credores da autora, a título de dividendos naquele ano, uma parte da integralização ocorreu por meio da compensação (art. 1.009 do Código Civil), de forma que os acionistas nunca sacaram os dividendos já apontados em conta no valor de R$ 66.801.000,00 (sessenta e seis milhões e oitocentos e um mil reais), pois tal valor serviu de integralização às debêntures, subscritas - repito - por esses acionistas.
Diante de tal situação, entendeu o Fisco que as participações no lucro asseguradas às debêntures seriam indedutíveis das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, visto que não teria havido nenhuma captação de recursos externos ao argumento de que os acionistas foram os subscritores das debêntures, pelo fato de que não teria havido pagamento de juros a título de remuneração das debêntures e, portanto, não teria havido circulação monetária para aquisição das debêntures.
Pois bem.
No tocante à possibilidade da remuneração das debêntures exclusivamente com base na participação nos lucros, há que se observar o disposto no art. 56 da Lei 6.404/76, cuja redação é a seguinte:
Da leitura de tal dispositivo, depreende-se que a debênture pode atribuir ao seu titular juros e/ou participação no lucro e/ou prêmio de reembolso, de onde se conclui que o pagamento de juros é, portanto, uma faculdade prevista na referida legislação.
De outra feita, a ausência de circulação monetária, no sentido exclusivamente físico, não implica na inexistência de circulação econômica e jurídica de recursos financeiros.
In casu, o que caracteriza a circulação monetária e o ingresso de novos recursos financeiros para a apelada é a natureza do negócio jurídico pelo qual a mesma passou a reter os recursos em seu poder, embora inalteradas as figuras originais de credor e devedor, foi efetivada a compensação nos termos em que disposto no art. 1009 no Código Civil vigente à época.
Ressalto, por oportuno, que a escolha do negócio jurídico para equacionar a dívida em aberto da apelada para com os seus acionistas recaiu na emissão de debêntures privadas remuneradas com base em participação nos lucros da companhia, mas poderia perfeitamente ter recaído sobre o instituto do mútuo remunerado com base nas taxas de juros usuais de mercado, nos termos em que dispõe o Parecer Normativo - PN CST nº 138/75.
Com efeito, as debêntures diferenciam-se de despesas operacionais, na medida em que as despesas operacionais alcançam insumos ou custos diversos do contribuinte e não deduções financeiras como as debêntures.
Ademais, não há como se analisar as razões pelas quais as debentures foram emitidas, ou por quais motivos decidiu-se por esta ou aquela forma de captação de recursos, devendo o aplicador da lei se limitar à legalidade ou não de tal captação. Admitida em lei, é o quanto basta.
De fato, não há como ser acolhida a pretensão da apelante, União Federal, visto que o disposto no art. 47 e parágrafos da Lei nº 4.506/64 (e art. 299 do RIR), não se aplica à questão suscitada nos autos, porquanto não refletem os fatos ora narrados, bem como anterior à vigência da legislação que dispõe sobre dedutibilidade de despesas, nos seguintes termos:
De fato, a legislação fiscal não considera a participação nos lucros assegurada às debêntures como despesa integrada nos resultados operacionais da empresa, subsumidas ao art. 299 do RIR/99, mas como participações dedutíveis.
Anoto, ainda, que o disposto no art. 462 do RIR/99 não impõe qualquer restrição quanto à dedutibilidade da remuneração das debêntures - salvo as regras gerais próprios dos atos jurídicos gerais, a sua efetiva existência, validade, como a forma e os seus requisitos gerais.
Por outro lado, o art. 187 da Lei das S/A obedece ao critério de divisão de resultados. Senão vejamos:
A operação efetivada pela apelada, portanto, atende aos requisitos de validade dos atos jurídicos em geral, então prevista no art. 82 do CC/1916, quais sejam objeto lícito, agentes capazes e forma prescrita em lei.
Realmente, consta dos autos a Ata da Assembléia Geral que deliberou na forma legítima sua emissão, bem como as publicações oficiais e os registros do ato na Junta Comercial e no Cartório de Registro de Imóveis.
Ademais, a emissão das debêntures obedeceu às disposições da Lei da S/A como a preferência de sua emissão aos acionistas:
Anoto, ainda, que o pagamento de cada debênture legítimo foi o relativo a 0,0005% (cinco milésimos percentuais) dos lucros da autora, conforme explicitada na escritura de emissão das 140 mil debêntures no valor nominal de R$ 1.000,00 (mil reais cada). E o pagamento das debêntures ocorreu em parte da conversão dos dividendos dos acionistas, através de compensação, o que na prática comercial é praxe, dada a dinâmica da vida empresarial.
Por sua vez, em sede de Direito Comercial vige o princípio da ampla legalidade, de forma que aquilo que não está vedado na letra da lei é tido como lícito.
Cabe ressaltar que o fato de os acionistas terem sido os subscritores das debêntures não descaracterizou o negócio ou o tornou ilegal, eis que é expressamente previsto em lei a possibilidade dos acionistas da companhia passarem a ser seus debenturistas, aspecto que não pode ser utilizado para caracterizar a operação como anormal e, portanto, desnecessária.
Aliás, muito provavelmente, somente os acionistas da apelada se submeteriam a integralizar as debêntures nas bases em que pactuadas, o que justifica plenamente uma emissão de natureza privada.
No presente caso, ressalto que a operação ora questionada, contemplou a efetiva natureza jurídica do capital de risco nela contratado e não à figura dos contratantes (acionistas e sociedade).
Portanto, conclui-se, que é legal e eficaz a emissão de debêntures e sua subscrição, devendo ser afastada a glosa da base de cálculo efetuada efetivada pela autoridade fiscal no IRPJ da autora no processo administrativo nº. 19.515.002923/2003-85.
Já no que concerne à dedutibilidade dos valores das debêntures emitidas da base de cálculo do CSL, ressalto a utilização de parâmetros equivalentes ao imposto de renda, ao menos quanto às normas de apuração de pagamento.
Nesse sentido é o disposto no art. 2º da Lei n. 7.689/88, in verbis:
Por sua vez, o art. 57 da Lei nº 8.981/95 dispõe que:
Assim, não havendo previsão legal à adição de despesas operacionais não dedutíveis para o IRPJ (art. 47 da Lei 4.506/64), não se pode exigir da apelada qualquer quantia a título de CLS, visto que ausente previsão legal que determinasse a adição dessas despesas em sua base de cálculo.
Desse modo, entendo ser inequívoca, na espécie, a dedutibilidade dos valores das debêntures emitidas pela autora nas bases de cálculo da CSL, o que torna ilícita a glosa fiscal realizada pela autoridade fiscal, nos autos do Processo Administrativo n 19.515.002923/2003-85.
Em relação à condenação em honorários, mormente quanto ao percentual fixado, o Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido de que, "vencida a Fazenda Pública, a fixação dos honorários não está adstrita aos limites percentuais de 10% e 20%, podendo ser adotado como base de cálculo o valor dado à causa ou à condenação, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC de 1973, ou mesmo um valor fixo, segundo o critério de equidade", in verbis:
Na hipótese dos autos, considerando o valor da causa (R$ 22.633.213,49 em 07/04/2010 - fls. 76), bem como a matéria discutida nos autos, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido ao seu serviço, entendo que devem ser mantidos os honorários advocatícios nos termos em que fixado pelo r. juízo a quo (1%).
Note-se que, de acordo com os enunciados aprovados pelo Plenário do C. STJ, na sessão de 09/03/2016, a data do protocolo do recurso é parâmetro para aplicação da honorária de acordo com as regras do então vigente Código de Processo Civil/1973, como na espécie.
Conclui-se, portanto, pela manutenção da r. sentença a quo.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da União Federal e à remessa oficial, mantendo in totum a r. sentença a quo, consoante fundamentação.
É o meu voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 07/07/2016 17:26:20 |