D.E. Publicado em 04/08/2016 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, declarar de ofício a nulidade parcial da sentença quanto à condenação pecuniária pelo dano ambiental, prejudicado o apelo ministerial em relação ao tema, dar provimento às apelações e parcial provimento à remessa oficial, tida por interposta, a fim de julgar procedente a ação e condenar os corréus a demolir todas as edificações erigidas dentro de área de preservação permanente, faixa de 100 metros a contar da cota máxima de inundação do reservatório UHE Engenheiro Sergio Motta (Porto Primavera), excetuada a área de domínio da CESP, e restaurado o meio ambiente degradado, bem como a não promover qualquer outra intervenção, utilização ou exploração da área sob pena de multa diária de um salário mínimo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra EDEMILSON CARMO MILANESE e IRACI NOGUEIRA DE SOUZA em 31/08/2010, com o objetivo de impor aos corréus condenação pelos danos ambientais causados em área de preservação permanente - APP, entorno do reservatório da Usina Hidrelétrica Engenheiro Sergio Motta (Porto Primavera), por meio de demolição das edificações e plena restauração ambiental, além da proibição de promoção de qualquer outra ação antrópica que altere ainda mais o meio ambiente sub judice, sob pena de multa diária, bem como sua condenação ao pagamento de custas e honorários advocatícios. Pugnou, também, pela intimação da União e do IBAMA para se manifestarem sobre o interesse em compor a lide. Atribuído à causa o valor de R$ 1.000,00 para efeitos legais "por se tratar de direito difuso, de valor inestimável".
A liminar postulada foi deferida pelo Juízo a quo (fls. 291/292).
A União e o IBAMA requereram seu ingresso no polo ativo da lide, na qualidade de assistentes litisconsorciais do Ministério Público Federal (fls. 301/303, 308/309).
Contestação dos corréus às fls. 322/360.
Réplica do IBAMA às fls. 419/425, do Ministério Público Federal às fls. 427/451 e da União às fls. 455/463.
Determinada a especificação de provas (fl. 411), o MPF informou não ter provas a produzir (fl. 449) e a União requereu o julgamento antecipado da lide (fl. 463). Os corréus, a seu turno, pugnaram pela realização de perícia e "prova para comprovar a ausência de decreto de desapropriação pela CESP quanto à nova faixa de APP" (fl. 466), o que foi indeferido pelo Juízo de 1º grau (fl. 470).
Conclusos os autos, e nos termos do artigo 330, I, do CPC/1973, foi prolatada sentença de parcial procedência da ação, condenados os corréus a demolir todas as edificações erigidas na área de preservação permanente de 30 metros de largura, em projeção horizontal, medida a partir do nível máximo normal do reservatório, a restaurar o local por meio da execução de plano de recuperação ambiental devidamente aprovado pelas autoridades ambientais, sob pena de multa diária de R$ 100,00, bem como ao pagamento de indenização pecuniária fixada em R$ 567,93. Sem condenação a honorários advocatícios. Custas ex lege (fls. 480/486). Sentença não submetida ao reexame necessário.
Apelação do Ministério Público Federal às fls. 488/518, em cujas razões pugnou pelo provimento do recurso, com parcial reforma da sentença, para o fim de serem acolhidos todos os pedidos formulados na exordial, nos seguintes termos:
a) deve ser considerada como área de preservação ambiental a faixa de 100 metros de largura, em projeção horizontal, medida a partir do nível máximo normal do reservatório, porquanto inserida em área rural e não urbana, donde neste ponto equivocado está o decisum;
b) inválido o critério eleito pelo magistrado sentenciante para a delimitação da APP, qual seja, a definição de zoneamento contido em lei municipal e que caracteriza o local como "área de expansão urbana". Tal situação revelaria equívoco de interpretação, porque estaria o município autorizado a legislar sobre matéria ambiental em desacordo com a legislação federal. In casu, teria tornado mais "flexíveis" os parâmetros fixados pela lei federal, o que não se pode admitir, em especial se considerado o cunho "político" de tal delimitação, porque sujeito a todo o tipo de "pressão por regularização";
c) os planos diretores, as leis de uso do solo e os atos administrativos (e.g. licenças, autorizações) devem se adequar às restrições impostas pelas normas ambientais, no caso dos autos, artigo 2º, "a" e "b", do Código Florestal, regulamentado pela Resolução CONAMA nº 302/2002;
d) a área sub judice está localizada às margens do Rio Paraná e tinha como APP, até 1998, em razão da largura do curso d'água, a faixa de 500 metros. Naquele ano, com a criação do lago da Usina Hidrelétrica Sergio Motta (Porto Primavera), a faixa de preservação permanente caiu para 100 metros, limite que deve ser observado na espécie, inclusive se considerado que já à época da aquisição do imóvel pelos corréus era este o critério contido nas Resoluções do CONAMA: a de nº 04/1985 sequer diferenciava área rural e urbana e a de nº 302/2002 distingue tão somente "área urbana consolidada" de "área rural", inexistente qualquer menção a "zona de expansão urbana";
e) o local não pode ser considerado área urbana consolidada, o que foi reconhecido pelo IBAMA, DEPRN e corpo pericial do Ministério Público, pois não tem malha viária com canalização de águas pluviais, rede de esgoto, iluminação, coleta de resíduos sólidos urbanos e densidade demográfica superior a 5.000 habitantes por km2 (fl. 43);
f) a sentença fixou, para fins de indenização pelo dano ambiental causado, o valor de R$ 567,93, com base nos estudos apresentados pelo DEPRN, montante que não representa o dano ambiental, mas tão somente o "custo de reflorestamento". O importe deve ser arbitrado por meio de perícia ou em fase de liquidação de sentença, como postulado no exórdio (artigos 475-C e 475-D do CPC/1973).
Apelação da União às fls. 521/534, a qual objetiva a reforma da sentença para que seja descaracterizada a área sub judice como de "expansão urbana", considerada, portanto, a APP na ordem de 100 metros, medida a partir do nível máximo do reservatório UHE Sérgio Motta. Arguiu que:
a) está legitimada a defender o local objeto da demanda na qualidade de litisconsorte do autor, pois os danos ambientais ocorreram às margens do Rio Paraná, bem da União, assim considerado por banhar mais de um Estado da Federação (artigo 20, III, CF/88);
b) a intervenção em área de preservação permanente e sua degradação constituem matéria incontroversa;
c) a legislação municipal pode abarcar matéria ambiental, desde que confira maior proteção ao meio ambiente e seja compatível à legislação federal (inclusive resoluções do CONAMA), ou seja, ao interesse da coletividade, o que não ocorreu in casu;
d) a área de propriedade dos apelados não configura "área urbana consolidada", sequer de "expansão urbana", porque não preenche os pertinentes requisitos, donde a área de preservação permanente a ser considerada não é de 30 metros, mas de 100 metros;
e) há necessidade de manifestação expressa quanto a dispositivos infralegais, legais e constitucionais, para fins de prequestionamento: artigos 5º, XXII e XXIII, 170, II e III e 225 da CF/88; artigo 2º, "b", da Lei nº4.771/65; Resolução CONAMA nº 302/2002; artigo 14 da Lei nº 6.938/81.
Devidamente intimados (fls. 535v), os corréus não apresentaram contrarrazões.
Remetidos os autos a esta corte, foram distribuídos à Desembargadora Federal Salette Nascimento e, posteriormente, a mim por sucessão.
Parecer do Ministério Público Federal, nesta instância, às fls. 545/552, no sentido do provimento aos apelos.
É o relatório.
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VOTO
I - DO REEXAME NECESSÁRIO
O decisum deve ser submetido ao reexame necessário, à semelhança do que se verifica no manejo da ação popular, aplicada por analogia a Lei nº 4.717/65, em razão da interpretação sistemática e teleológica do microssistema de tutela dos interesses coletivos e difusos, nos termos de seu artigo 19, verbis:
Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
In casu, verifica-se não ter sido contemplada a integralidade dos pleitos formulados em sede do exórdio, porquanto requereu o Parquet Federal fosse reconhecida como área de preservação permanente a faixa de 100 metros, em projeção horizontal, medida a partir do nível máximo normal do reservatório, ao passo que o decisum recorrido considerou configurar APP apenas o limite de 30 metros.
Assim, far-se-á o reexame necessário da sentença.
II - DAS PRELIMINARES PROCESSUAIS
II. 1 - DA LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM
Em sua contestação (fl. 339 e seguintes), sustentaram os corréus não estar configurada legitimidade para figurarem no polo passivo da presente lide, tema que foi objeto de análise no bojo da sentença recorrida (fls. 482/483). Alegaram que a responsabilidade pela conservação da área de preservação permanente é exclusiva da CESP, porque é a "empreendedora" quanto à margem ciliar de 30 metros, tanto que dito terreno foi por ela desapropriado, bem como concedidas licenças de operação por parte das autoridades ambientais para a companhia recuperar a área (fl. 345). Desse modo, eventuais danos ambientais não podem ser imputados aos corréus, "proprietários". Sucessivamente, arguiram que a responsabilidade pela restauração do meio ambiente não pode ser assumida por particular, mas deve ser atribuída ao poder público.
Os argumentos não prosperam. Como será detalhadamente explicitado a seguir, a responsabilidade pela ocorrência do dano ambiental é objetiva e propter rem, ou seja, independe de dolo ou culpa e vincula todos os proprietários e possuidores do bem de modo solidário, além dos sucessores a qualquer título. Ademais, a indigitada faixa de 30 metros não é objeto da presente ação, como expressamente registrado na exordial. Portanto, comprovado serem os corréus titulares do domínio da área objeto desta demanda, tanto por meio de documentos (escritura pública de venda e compra, fls. 134/136), como por expresso reconhecimento aposto em sua defesa, verifica-se presente a legitimidade passiva ad causam.
II. 2 - DA DENUNCIAÇÃO DA LIDE
Pelos mesmos motivos delineados no item anterior, deve ser mantido o indeferimento de denunciação da lide à CESP (fls. 482/483). Alegaram os requeridos que a companhia é a proprietária da área de preservação permanente consistente na faixa de 30 metros da margem ciliar, de modo que deve responder pelas edificações existentes dentro da APP. Ainda, no caso de ser estendida a área de preservação permanente para 100 metros, deveria ser obrigatoriamente desapropriado o local e paga a correlata indenização (fl. 357).
Como acima consignado, considerado serem os corréus proprietários da área sub judice, não se verifica qualquer fundamento para a denunciação, posto ser de sua responsabilidade a utilização da área em observância aos regramentos atinentes ao devido uso da propriedade.
Descabido discutir a respeito da faixa de 30 metros, pois não é objeto desta demanda e desborda dos limites da lide, como visto. Tampouco se põe a debate se a desapropriação deve ser estendida ao limite de 100 metros, caso assim considerada a APP, porque realizada com o fito de formar o reservatório e autorizada pelo Decreto nº 83.501/1979 e atos subsequentes, com delimitação e definição das áreas a serem desapropriadas, declaradas de utilidade pública.
II. 3 - DA SENTENÇA ULTRA PETITA
A sentença recorrida, em seu item 3.e, condenou os requeridos ao pagamento de indenização pelos danos ambientais causados, no valor de R$567,93, posicionado para setembro de 2008, em favor do Fundo Constitucional de Interesses Difusos e Coletivos, o qual deveria ser corrigido monetariamente quando do efetivo pagamento, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal.
Na peça inicial, todavia, não há pedido para condenação ao pagamento de indenização pela ocorrência de dano ambiental. Afere-se a fl. 26 que os pleitos pecuniários estão adstritos a: a) depósito em conta judicial de importe suficiente à execução da restauração do meio ambiente, tão somente no caso de não ser a obrigação cumprida nos prazos fixados na sentença, a ser apurado em liquidação; b) multa diária em caso de descumprimento total ou parcial das obrigações de fazer e não fazer.
A interpretação do pedido, em especial nas ações que objetivam a proteção aos direitos difusos e coletivos, deve ocorrer de forma a revelar a maior proteção jurídica possível e a máxima efetividade do provimento exarado. Esse é também o entendimento do STJ: "O pedido deve ser extraído da interpretação lógico-sistemática da petição inicial, a partir da análise de todo o seu conteúdo" (AgRg no Ag 784.710/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 06.10.2010). Ainda, há posição consolidada no sentido da necessidade de se conferir ao pedido "uma exegese sistêmica, que guarde consonância com o inteiro teor da petição inicial, de maneira a conceder à parte o que foi efetivamente requerido, sem que isso implique decisão extra ou ultra petita" (STJ, REsp 1162643, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, v.u., DJe 17/08/2012).
Considerado esse entendimento e em que pese a priori cabível dita condenação, não se afigura possível no caso destes autos, posto não formulado em absoluto tal pedido pelo autor. Não se está a falar em interpretação de pedido formulado, mas de sua ausência no exórdio. A interpretação que se extrai dos pleitos de fato apresentados não permite inferir de forma alguma ter o MPF pugnado pelo arbitramento de indenização pecuniária por dano ambiental, pois a fixação de valor para depósito judicial ficou, sem qualquer margem de dúvida, limitada à hipótese de descumprimento dos termos das obrigações fixadas, relativas à execução da restauração do meio ambiente.
Inexistente pedido para a aludida indenização, o decisum recorrido extrapolou os limites da inicial ao determinar seu pagamento, no montante de R$567,93. Por tal motivo, nula a sentença nesse ponto por ser ultra petita, cujo reconhecimento, por se tratar de vício de natureza absoluta, pode dar-se ex officio (artigo 278 do CPC; artigo 245, parágrafo único, do CPC/1973). Imperiosa, assim, a exclusão da condenação constante do citado item 3.e da sentença.
Ainda sobre o tema, registre-se que o Parquet Federal, em seu apelo, arguiu, verbis: "muito embora o Ministério Público Federal, dentre os pedidos elencados na inicial, pretendido a condenação dos réus ao pagamento de indenização quantificada em perícia ou por arbitramento do Juízo Federal em decorrência dos danos ambientais causados, o D. Juízo a quo arbitrou indenização de apenas R$ 567,93 (...) o dano ambiental restou sobejamente demonstrado nos autos, razão pela qual o valor a ser indenizado deve ser apurado em fase de liquidação de sentença" (fls. 507/508).
As assertivas recursais relativas à quaestio da indenização por dano ambiental não se coadunam ao pedido posto na inaugural e seriam passíveis de não conhecimento. No entanto, por se reportarem ao teor da sentença, e em decorrência da declaração de nulidade ora exarada, provimento ultra petita, tal análise resta prejudicada.
Quanto à condenação à obrigação de fazer, consistente na construção de fossa séptica, não se revela fora dos limites do pedido, mas decorre de sua interpretação integrativa, lógico-sistemática, porquanto estaria inserido no plano de recuperação do meio ambiente. Todavia, restará afastado ao final, pois inadmissível a manutenção de qualquer intervenção no local, consoante será analisado nos itens a seguir.
III - DOS FATOS
Em sua exordial, narrou o Ministério Público Federal que, conforme apurado em sede do procedimento administrativo nº 1.34.009.000386/2009-82 (fls. 02, 28), foi realizada vistoria no local sub judice no dia 11/11/2004, coordenadas UTM 7644302 km N e 0411814 km E. Constatadas indevidas intervenções em área de preservação permanente, consistentes em manutenção de edificação relativa a "rancho de lazer", para cuja construção e conservação houve eliminação de vegetação nativa e, em seu lugar, plantio de gramíneas e plantas exóticas, inclusive com prejuízo à nascente existente no local, além de instalação de "fossa negra", sem tratamento específico, fora dos padrões da NBR nº 7229/93 e NBR 13969/97, o que revelaria grave dano ao meio ambiente.
Tais fatos geraram, também, a instauração do inquérito policial nº 8-0030/2007 (Delegacia da Polícia Federal em Presidente Prudente; fl. 31 e seguintes) e, em consequência, a ação penal nº 2007.61.12.001384-4 (3ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Presidente Prudente, fl. 218 e seguintes, denunciado o corréu Edemilson Carmo Milanese), bem como a "ação de reintegração de posse com pedido de liminar, cumulada com pedidos de recuperação ambiental da área, perdas e danos e cominação de pena pecuniária", autos nº 1.470/2009 (416.01.2009.003865-2, Vara Única da Comarca de Panorama/SP) intentada pela CESP (fls. 134/135, 231, 240/259) - motivo pelo qual a margem ciliar de 30 metros não configura objeto da presente demanda, consoante expressamente apontado pelo Ministério Público Federal em sua inicial.
A vistoria em âmbito administrativo constatou que: "a distância das construções quando considerado a cota 257 e a cota 259 (cota de desapropriação efetuada pela CESP), é de aproximadamente 35 metros do corpo d'água, situando-se desta forma, no interior da APP e na área de domínio da CESP. Com relação à área de encharcado as construções estão a 20 metros. Os solos locais não são recomendáveis para absorção de efluentes domésticos, significando um grande impacto ambiental sobre o lençol freático no local. Na área não construída e ainda de preservação permanente, uma série de interferências pode ser observada, como: construção de fossa negra; passarelas; e plantio de espécies exóticas; e gramado impedindo a regeneração da APP". Constatado, ainda, que há no local uma estrada de terra na qual há redes de energia e rede de abastecimento de água (fls. 04/05, 51).
A manutenção de tais intervenções violaria os seguintes dispositivos (fl. 05): artigo 225, § 3º, CF/88, artigos 192 e 195 da Constituição do Estado de São Paulo, Leis nº 6.938/1981, nº 9.433/1997 e nº 6.766/1970, Leis do Estado de São Paulo nº 9.509/97 e nº 997/1976 (e respectivo Decreto nº 8.468/1976), artigo 2º da Lei nº 4.771/1965, artigos 38 e 48 da Lei nº 9.605/1998.
Em consequência, pugnou o Ministério Público, em sua inicial, fossem os corréus condenados a:
a) obrigações de fazer consistentes em:
a.1) demolir as edificações erigidas em área de preservação permanente, qual seja, 100 metros a contar da cota máxima do reservatório de Porto Primavera, excetuada a área de domínio da CESP, porquanto é objeto de outra ação;
a.2) reflorestar toda a área de preservação permanente degradada, excetuada a área de domínio da CESP, no prazo de seis meses, por meio de plantio racional e tecnicamente orientado de espécies nativas e endêmicas da região, de acordo com projeto a ser aprovado pela Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais ou pelo IBAMA;
b) obrigação de não fazer, qual seja, não promover qualquer outra intervenção, utilização ou exploração da área;
c) recolher, em conta judicial, quantia suficiente para a execução das restaurações, importe a ser apurado em liquidação, caso não observados os prazos fixados pela sentença;
d) pagamento de multa diária equivalente a um salário mínimo, a ser vertida ao Fundo Federal de Reparação dos Interesses Difusos Lesados, em caso de descumprimento total ou parcial de quaisquer das obrigações postuladas;
e) pagamento das custas e honorários advocatícios.
Extrai-se dos elementos dos autos terem sido constatadas pelo DEPRN (Núcleo Técnico de Dracena) intervenções antrópicas no local "incompatíveis com sua importância ecológica", erigidas sem autorização dos órgãos ambientais competentes, considerados 100 metros do nível máximo de enchimento do reservatório. Também a CESP e o IBAMA realizaram inspeções no local. Segue registro das principais constatações efetuadas pelos citados órgãos, relativamente às intervenções e edificações existentes dentro da área de preservação permanente (fls. 148/157, 174/185, 274/286):
a) construção de residência, piscina, quiosque, piso, dois chuveiros, muros de arrimo, rampa com trilho, trapiche e escada (fotografias às fls. 56/57, 156, 285);
b) existência de deque, canaleta e parte de trilho para embarcação, mureta divisória, piso gramado e plantio de palmáceas a 29 metros do nível de água aferido;
c) parte final do trilho, fossa negra, mureta divisória, piso gramado e plantio de palmáceas na faixa de 29 a 38 metros da margem do reservatório;
d) escada com piso sextavado e bancada com pia na faixa de 38 a 45 metros da margem;
e) quiosque em alvenaria, bancada e pia, piso de lajota, banheiro em alvenaria com pia, casa com sobrado, escada e piso impermeabilizado, além de garagem coberta com piso sextavado na faixa de 45 a 96 metros da margem;
f) a área da propriedade totaliza 1.344 m2. As construções e impermeabilizações ocupam área de 850 m2, equivalentes a 63,2% do terreno;
g) constatada, no terreno vizinho, a existência de uma nascente localizada entre as duas propriedades, a qual provavelmente tem origem na área sub judice. Dita nascente teria sido irregularmente aterrada pelas construções existentes no terreno de propriedade dos corréus (fotografia, fl. 285);
h) parte das construções está em terreno de propriedade da CESP, dentro da qual houve processo erosivo, bem como na área confrontante;
i) há possibilidade de ter havido contaminação do solo, subsolo e águas subterrâneas em razão do tempo e intensidade do despejo de efluentes;
j) a "fossa negra" acumula os resíduos oriundos das residências, diretamente lançados no solo, e geram alto índice de contaminação;
l) na parte superior do terreno, até a faixa de 30 metros, o solo está recoberto por vegetação rasteira do tipo gramínea. Na "parte acima" até os 96 metros todo o local está impermeabilizado. Em razão disso, o volume carreado de água da parte superior para a parte interior tende a provocar ações erosivas na borda do terreno, considerado que o terreno apresenta declividade média;
m) a relevância ecológica da área abarca, entre outros fatores, a estabilidade da geologia, da biodiversidade gênica, do fluxo da fauna e flora, da paisagem, além de garantir a manutenção dos recursos hídricos;
n) os danos ambientais aferidos consistem em: supressão da vegetação nativa; impedimento da regeneração natural da vegetação em virtude das construções erigidas e da impermeabilização do terreno; impedimento de movimentação de algumas espécies da fauna silvestre, inclusive com redução de abrigos e alimentação, porquanto altamente dependentes da mata ciliar; prejuízos à fauna ictiológica; desproteção do solo; possível contaminação do solo e de suas camadas interiores em razão do indevido lançamento de efluentes líquidos e sólidos sem adequado tratamento (fossa negra);
o) a ocupação impede a regeneração ambiental, pois os corréus "limparam o terreno" e impermeabilizaram cerca de 63,2% da área, conforme acima registrado, verificada principalmente dentro da faixa dominial dos 38 a 96 metros do reservatório (fl. 284);
p) a área é considerada como inserida em zona rural (fl. 278).
Consta dos autos, também, que o reservatório da Usina Hidrelétrica Engenheiro Sergio Motta (Porto Primavera) foi criado artificialmente em 1998 (Decreto nº 81.689/1978), de modo que a APP deveria ter sido formalmente contemplada em estudo ambiental específico para o local. Em sua ausência, inclusive porque se trata de formação lacustre produzida anteriormente à edição da novel legislação, aplica-se a metragem legal, o Código Florestal de 1965 e sua respectiva regulamentação, cuja redação se verifica repetida no atual código, Lei nº 12.651/2012, diplomas que serão examinados no item a seguir.
Os requeridos sustentaram, em breve síntese, inexistir na área qualquer dano ambiental, pois respeitadas as normas e posturas ambientais, donde sem qualquer valor os laudos colacionados. Mesmo que se vislumbrasse prejuízo ao meio ambiente, não teriam contribuído para sua ocorrência, daí dever ser responsabilizada a CESP, empreendedora, ou o poder público. Invocaram em seu favor, também, a aplicação do "direito fundamental das cidades". Acaso considerada a margem de 100 metros, deveria ser desapropriada pela CESP e procedida à devida indenização aos proprietários. Sucessivamente, requereram fossem beneficiados pelo deferimento de compensação ou regularização ambiental.
Debateu-se exaustivamente, durante o trâmite processual, acerca da efetiva área que deveria ser caracterizada como de preservação permanente. O MPF, na qualidade de autor, a União e o IBAMA, como assistentes, pugnaram dever ser considerada, para tal finalidade, a margem de 100 metros de largura, em projeção horizontal, medida a partir do nível máximo normal do reservatório, porquanto se trata de área inserida em zona rural. Os corréus, a seu turno, sustentaram que a APP é constituída pela margem de 30 metros, considerado o mesmo referencial, posto o terreno estar localizado em zona de expansão urbana (Lei Municipal nº 25/2003). A quaestio será minuciosamente analisada nos itens a seguir.
Por fim, vale registrar, no tocante à ação penal, aferir-se, a partir de consulta ao sistema informatizado da Justiça Federal da 3ª Região, ter sido o corréu Edemilson Carmo Milanese absolvido nos termos dos artigos 386, III, e 397, III, do CPP, "sem prejuízo de eventual demolição do imóvel no bojo de ação civil pública ambiental correlata" pelas condutas tipificadas no artigo 48, c.c. artigo 15, inciso II, alínea l, da Lei nº 9.605/98, porquanto não demonstrada conduta dolosa e, ainda que assim não fosse, estaria verificada a ocorrência da prescrição. Consignado, ainda, no bojo da sentença penal: "(...) é preciso acrescentar que, ainda que discorde deste entendimento, poderá o MPF pleitear eventual proteção do meio ambiente por meio de ação civil pública ambiental, como, aliás, tem feito em diversos outros casos, não havendo qualquer prejuízo a proteção ambiental por conta da absolvição sumária (...)".
IV - DA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE
A proteção ao meio ambiente (artigo 1º, I, da LACP) tem status constitucional, a teor do disposto no artigo 225 da Lei Maior. Os agentes infratores, pessoas físicas ou jurídicas, estão sujeitos a sanções civis, penais e administrativas, cuja incidência pode ser cumulativa, ante sua autonomia:
Encontra-se disposição similar na Constituição do Estado de São Paulo. Confira-se:
A preservação ambiental, assim como do patrimônio público de modo geral, é competência comum dos entes federativos (artigo 23, I, VI e VII, CF/88). Anote-se que cabe aos Estados, Distrito Federal e Municípios seguir as diretrizes editadas pela União, de modo que não podem reduzir a tutela estabelecida em âmbito de legislação federal, mas somente a incrementar, em observância aos princípios da simetria e da proteção máxima aos direitos de titularidade da coletividade.
A Lei Maior recepcionou a proteção anteriormente existente na esfera da legislação ordinária. Vale destacar as Leis nº 4.771/1965 e nº 6.938/1981 com suas posteriores alterações (e regulamentação pelo Decreto nº 99.274/1990), ressaltada a recente revogação do Código de 1965 com o advento da Lei nº 12.651/2012. Tais diplomas também preceituam a obrigação de toda a sociedade e do poder público quanto à defesa do meio ambiente, além da promoção das correlatas ações necessárias à sua preservação (artigos 1º e 2º, Lei nº 6.938/1981).
A novel legislação ambiental também é aplicável a situações de transição por incrementar a defesa do meio ambiente (e.g. artigo 61-A da Lei nº 12.651/2012). Frise-se ser princípio norteador do microssistema dos direitos coletivos a aplicação da norma mais protetiva para sua efetiva tutela, em razão de seu alcance e importância.
De se anotar, também, a regência do tema pelo primado do devido uso da propriedade (artigos 5º, XXII, XXIII, 170, II e III, 182 e 186 da CF/88), a intitulada função socioambiental, a qual permeia a dimensão da tutela ambiental, nos termos do artigo 1.228, § 1º, do Código Civil:
A defesa do meio ambiente abarca a apuração da responsabilidade objetiva dos agentes causadores de dano a tal patrimônio, consoante determinação expressa do artigo 4º, inciso VII, c/c artigo 14, § 1º, ambos da citada Lei nº 6.938/1981, além do artigo 2º do atual Código Florestal, a qual foi também inserida na Constituição do Estado de São Paulo, artigo 195, verbis:
De tais dispositivos decorre a obrigatoriedade do uso consciente da propriedade, consoante sua função social em amplo aspecto, sob pena de se impor ao agente causador do dano ambiental o dever de reparar ou indenizar pelos prejuízos sucedidos independentemente de culpa. São suficientes, assim, a comprovação de ação ou omissão, a ocorrência do dano e o nexo causal entre ambos. Despiciendo, inclusive, perquirir a respeito da licitude da atividade desenvolvida, porquanto incide na espécie a teoria do risco integral, a fim de coibir a atividade nociva e impor a reparação tanto in natura quanto em pecúnia.
As mesmas diretrizes de proteção ambiental são seguidas pela legislação estadual paulista, destacadas as Leis Estaduais nº 997/76 (e respectivo Decreto nº 8.468/76) e nº 9.509/97.
O direito ambiental brasileiro igualmente não socorre o agente que ocupa determinada área depois de sua degradação, para de tal fato pretender beneficiar-se, pois as obrigações ambientais são propter rem. O atual Código Florestal, a citada Lei nº 12.651/2012, foi ainda mais longe em seu escopo protecionista, ao preceituar, em seu artigo 2º, § 2º, que: "as obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural". Configuram, assim, "limitações administrativas reais" por estatuir as hipóteses legais de uso permitido em numerus clausus e, portanto, não passíveis de ampliação pela via administrativa ou judicial.
A responsabilização pela ocorrência do dano ambiental e correlata aplicação de penalidade também se dá nos termos da Lei nº 9.605/1998, na forma dos artigos a seguir transcritos:
Impende registrar, também, para o escopo de solucionar a presente lide, as disposições específicas sobre as áreas de preservação permanente. A definição de tais áreas decorre ex lege, ou seja, sua regulamentação, delimitação ou especificação deriva diretamente do ordenamento jurídico, diplomas legais e também infralegais. No tocante aos diplomas regulamentares, registre-se ter o CONAMA competência para "estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos", nos termos do artigo 8º, VII, da Lei nº 6.938/1981.
Importa ressaltar, para o caso em análise, as Resoluções CONAMA nº 04/1985 e nº 303/2002, as quais reiteram o conteúdo da legislação ordinária e, por delegação legal, fixam limites para as áreas protegidas. Lembre-se que tal definição, em âmbito da legislação federal, não impede que venham os parâmetros ali estabelecidos a ser ampliados na esfera regional e local, com prevalência da norma mais protetiva. Segue a transcrição da legislação vigente à época e nos dias atuais:
O Código Florestal de 1934 (Decreto nº 23.793/1934) já preceituava ser o meio ambiente de interesse comum a todos e configurar situação limitadora do uso da propriedade. A seu turno, a Lei nº 4.771/1965, em regra mantida pelo atual Código de 2012, disciplina não serem possíveis intervenções em áreas de preservação permanente, tampouco a manutenção de edificações. Referidos diplomas, por outro lado, trazem taxativas exceções quanto ao uso tolerado em áreas de preservação, atreladas essencialmente às hipóteses de utilidade pública e interesse social:
No mesmo sentido dos dispositivos ora citados, há ainda a Lei nº 9.433/97 e Resolução CONAMA nº 369/2006.
Os dispositivos ora transcritos, que à evidência se aplicam tanto às áreas rurais como urbanas, contemplam como regra a vedação a qualquer tipo de intervenção em áreas de preservação permanente, como visto. Permitem, excepcionalmente, algumas ações e manutenção de construções eventualmente já erigidas em determinadas situações, seja à luz da legislação vigente à época dos fatos, seja nos termos dos permissivos dos atuais regramentos. As normas excepcionais, no entanto, configuram rol taxativo e devem ser interpretadas de modo restritivo.
De igual modo, não se fala em prevalência de eventual direito adquirido ou ato jurídico perfeito quando se afere afronta ao próprio ordenamento à época existente. Prepondera o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, em interpretação harmoniosa dos primados constitucionais, inclusive porque a "anterioridade" que deve ser considerada é a da boa qualidade ambiental, o que não implica equívoco interpretativo que gere insegurança jurídica ou injustiça. Como já se disse: "Até porque se se pudesse falar em 'anterioridade', ela deveria beneficiar a boa qualidade do meio ambiente, que sem dúvida precedeu toda a instalação fonte de danos e agressões ambientais, sendo de todo inadmissível pretender que a existência e a repetição de emissões poluentes em certo local, mesmo ao longo de seguidos anos, determine a sorte de toda uma região e comprometa indefinidamente, para o futuro, o destino do meio ambiente e da qualidade de vida da população." (MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação Civil Pública e Reparação do Dano ao Meio Ambiente. São Paulo. Ed. Juarez de Oliveira, 2004, p. 116).
V - DA RESPONSABILIZAÇÃO DOS RÉUS PELA OCORRÊNCIA DO DANO AMBIENTAL
Dessume-se a obrigação de reparar pela ocorrência de dano ambiental quando há atuação em desconformidade aos regramentos de proteção ao meio ambiente e nexo de causalidade entre tal comportamento e o prejuízo causado.
O desmatamento, ocupação ou exploração de área de preservação permanente, bem como a supressão de vegetação ou impedimento à sua regeneração em tais terrenos, configuram dano ecológico in re ipsa, o qual dispensa até mesmo prova técnica de lesividade específica e enseja a obrigação propter rem de restaurar a plenitude ambiental, indenizar pela degradação e igualmente terceiros afetados, sob a sistemática da responsabilidade civil objetiva, entendimento pacífico em nossa jurisprudência pátria, consoante o aresto a seguir colacionado. Significa, assim, que responde pelo dano não somente aquele que perpetra a ação lesiva como, de igual forma, quem contribui para sua manutenção.
Não há qualquer conflito entre a questão da preservação ambiental e o direito de propriedade, porquanto este não pode ser desvinculado de sua função socioambiental, a qual abrange os fundamentos e preceitos norteadores já declinados, inclusive a impossibilidade da pretensão ao direito adquirido à degradação ambiental. É indissociável da função socioambiental da propriedade a noção do seu uso de modo a resguardar o meio ambiente equilibrado para a presente e as futuras gerações. Assim, no caso de restar configurado tratar-se de local de preservação permanente, torna-se absolutamente impossível sua ocupação, pois é área da mais alta relevância ecológica, de prioritária proteção.
Tampouco se pode falar em situação consolidada de ocupação de área de preservação permanente para evitar a ordem de desocupação e demolição das edificações nela erigidas, em nome da "razoabilidade e proporcionalidade", quando ausente licença ambiental para a supressão de vegetação nativa e ocupação do terreno, nos termos da lei, a revelar situação ab initio irregular. Não são admissíveis pequenas exceções que solapam a mens legis, ao argumento de serem imperceptíveis ou atenderem a interesses locais, pois seu conjunto agride o meio ambiente e causa evidente dano a toda a coletividade.
A título de nota, eventual autorização administrativa para a ocupação de terreno consolidado como área de preservação permanente fora dos casos expressamente autorizados pelo ordenamento pátrio configuraria ato administrativo nulo, porque editado em afronta à literal disposição dos regramentos atinentes à tutela do meio ambiente ora apontados ou, no mínimo, perderia sua eficácia, dada a impossibilidade de se sustentar o "direito adquirido à degradação ambiental". O Superior Tribunal de Justiça adota posição incisiva nesse sentido, consoante se depreende do julgado a seguir transcrito:
A infração in casu analisada não se esgotou com o erigir das edificações. Trata-se de conduta infracional continuada, que se protrai no tempo, porquanto contínua a utilização da área em desacordo com as normas de proteção ambiental, a agravar cada vez mais os danos ambientais na área. Dita situação foi inclusive admitida pelos próprios corréus, que informaram fazer uso do local especialmente para acesso ao reservatório (fl. 323).
Não se constata, na espécie, qualquer situação passível de exclusão da regra geral, ausente em especial a chamada "exceção da utilidade pública ou interesse social" para se pretender a manutenção da moradia erigida em área de preservação permanente, ainda mais quando não demonstrada a "inexistência de alternativa técnica e locacional" no momento de planejamento da edificação. A construção que se mostra desde sua concepção em desacordo à correlata normatização não pode ser beneficiada pela complacência do poder público mediante autorização de sua manutenção, justamente por violar ab initio o interesse público.
Considerado o todo consignado - elementos probatórios dos autos apontados, legislação norteadora do tema e correlata doutrina -, verifica-se comprovada a atuação ilegítima dos corréus, consistente na manutenção de rancho de lazer e respectiva estrutura, em violação aos normativos de proteção ao meio ambiente (artigo 225 da CF/88; artigos 1º e 2º da Lei nº 4.771/1965; artigo 4º da Lei nº 12.651/2012; artigo 3º da Resolução CONAMA nº 04/1985), bem como estabelecido o nexo de causalidade entre sua conduta e o resultado lesivo, donde imperiosa a responsabilização dos requeridos EDEMILSON CARMO MILANESE e IRACI NOGUEIRA DE SOUZA pelo dano ambiental praticado.
Reconhecido o dever dos réus de reparar o prejuízo causado ao meio ambiente, resta definir a margem a ser considerada para tais fins, destacado que este foi o mais acirrado debate colocado nos autos: se aplicável o limite de 30 metros, em projeção horizontal, medida a partir do nível máximo normal do reservatório, considerado o local como área urbana, ou de 100 metros, a partir do mesmo referencial, caso se entendesse estar o espaço inserido em zona rural.
A sentença reputou, para tal fixação, ser o local "área urbana em expansão", sob os seguintes fundamentos: a) o imóvel é tributado por meio de IPTU; b) há lei municipal que a define como de expansão urbana, de modo que, para todos os fins, deve ser considerada como se urbana fosse; c) assim caracterizada, a margem de APP é de 30 metros; d) a Resolução nº 302/2002 do CONAMA não pode se sobrepor à legislação municipal, donde os pressupostos ali elencados devem ser desconsiderados, aplicado o artigo 2º, parágrafo único, da Lei nº 4.771/1965. Em consequência, entendeu o Juízo a quo ser de 30 metros a margem de preservação permanente e condenou os réus à reparação ambiental somente de tal faixa ciliar.
Dito entendimento, entretanto, não pode prevalecer. Como visto, encontra-se a edificação irregularmente construída e mantida (fl. 152). Assim, não há "licença ambiental do empreendimento", com fixação da margem de preservação (artigo 4º da Lei nº 12.651/2012). A metragem a ser considerada para fins de proteção ambiental, portanto, deve ser extraída da interpretação sistemática dos normativos regentes do tema e já transcritos. O viés interpretativo constante do decisum recorrido não atende aos elementos dos autos, tampouco à legislação ambiental e torna imperiosa sua reforma, consoante os fundamentos a seguir consignados.
A margem de 30 metros é de propriedade da CESP e já constitui objeto de outra ação, como noticiado, "ação de reintegração de posse com pedido de liminar, cumulada com pedidos de recuperação ambiental da área, perdas e danos e cominação de pena pecuniária", autos nº 1.470/2009 (416.01.2009.003865-2) em trâmite perante a Vara Única de Panorama. Significa que, em última análise, fixada como APP a faixa de 30 metros, nenhuma condenação impôs a sentença, tanto é que os corréus não apresentaram apelação ou mesmo contrarrazões aos recursos apresentados.
Também não pode ser mantido o fundamento relativo ao que se entende por "área urbana em expansão" para fins de proteção ambiental. De fato, o município tem competência legislativa para definir as áreas urbanas, de expansão urbana e rurais, entendimento pacificado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, consoante se ilustra pelos arestos a seguir:
Não pode a municipalidade, todavia, legislar sobre matéria ambiental ou interferir na fixação das áreas de preservação, pois de competência da União. Tanto é que a aludida Lei Municipal nº 25/2003, em seu artigo 1º, aponta expressamente que o local sub judice passará a ser considerado como zona de expansão urbana, "excluindo-se a APP (área de preservação permanente)", pois esta detém regime jurídico próprio que deve ser regulado por meio de legislação federal (fl. 409). Não se trata de prevalência de um diploma em relação ao outro, portanto, mas de normas específicas, cada uma dentro de sua esfera de competência constitucionalmente firmada.
De se destacar o teor do laudo do IBAMA (fls. 276/277), verbis: "(...) as intervenções existentes em área considerada como de preservação permanente, eram normatizadas pela Lei nº 4.771/65 (Código Florestal), até o ano de 1998; a partir dessa data no caso da formação da UHE Sergio Motta, as disposições transcorreram pela Resolução CONAMA nº 004/1985 até o ano de 2000, quando foi editada a MP nº 1.956-54, de 21/09/2000. Considerando que a faixa considerada de preservação permanente anterior à implementação da UHE Sergio Motta (1998), é estabelecida pelo artigo 2º. Letra a - inciso 5, de 500 metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 metros; e posteriormente pela Resolução CONAMA nº 302/2002 (100 metros para área rural). Salientamos que o município de PAULICÉIA, somente no ano de 2003, através da Lei nº 25/03, normatizou a expansão urbana no município, portanto 01 ano e nove meses após a publicação da Resolução Conama nº 302/02. Sendo assim não existia por parte do Município de Paulicéia uma legislação específica que contemplasse a área em questão como sendo de expansão urbana. Em cumprimento ao parágrafo único que cita que nos casos de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, deverá ser observado o disposto no respectivo plano diretor e Lei de Uso do Solo, respeitados os princípios e limites a que se refere esse artigo (Não existente na época e atualmente). - Portanto, consideramos o local dos fatos, como área rural, para efeito de medições da faixa marginal, considerada como de proteção permanente (100 metros)" (g.n.).
A definição de expansão urbana não se sobrepõe aos diplomas legais regentes do tema ambiental, de âmbito federal - Lei nº 4.771/1965, Resolução CONAMA nº 04/1985, Resolução CONAMA nº 302/2002 -, que bem antes da Lei Municipal nº 25/2003 já contemplavam a APP com margem de 100 metros por se tratar de área rural. Ademais, não poderia o diploma municipal conflitar com a regulamentação federal protetiva, porquanto a legislação de interesse local deve observar as normas gerais de âmbito federal e estadual (artigo 30, II, da CF).
Não se olvide ser aplicável ao Direito Ambiental o primado da vedação ao retrocesso ecológico, pois configura direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, atrelado à existência digna da pessoa humana, ao direito de solidariedade e fraternidade. Deve, assim, objetivar-se sempre alcançar a máxima proteção ambiental, inclusive com aplicação da lei que mais atenda à conservação do meio ambiente, como já dito, proibida a incidência de novel legislação que diminua sua preservação.
Consoante o magistério de Flávia Piovesan: "a Constituição de 1988 acolhe a ideia da universalidade dos direitos humanos, na medida em que consagra o valor da dignidade humana como princípio fundamental do constitucionalismo inaugurado em 1988" (in Dignidade humana e a proteção dos direitos sociais nos planos global, regional e local. In: In: MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da (coordenação). Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana - São Paulo: Quartier Latin, 2008. p.408.). Essa noção é atrelada à da proteção ambiental e, consoante a doutrina de Edis Milaré, o legislador constituinte acrescentou, por meio do disposto no caput do artigo 225, um "novo direito humano fundamental" (in Direito do ambiente. A gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 7. ed. ver., atual. e reform. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p.127). Entende da mesma maneira Ingo Sarlet: "A CF88 (art. 225 e art. 5º, §2º), por sua vez, seguindo a influência do direito constitucional comparado e mesmo do direito internacional, sedimentou e positivou ao longo do seu texto os alicerces normativos de um constitucionalismo ecológico, atribuindo ao direito ao ambiente o status de direito fundamental, em sentido formal e material, orientado pelo princípio da solidariedade (...)."
Em complemento, vale registrar o teor proclamado pela Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, Estocolmo, 5-16 de junho de 1972, princípios 1 e 2 - os quais foram reafirmados pela Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 (princípio 1) e pela Carta da Terra de 1997 (princípio 4). Confira-se:
Foi suscitado pelos corréus ser caso de aplicação do "direito fundamental das cidades". Há de se considerar que o meio ambiente influi diretamente na existência humana, na qualidade de vida. Não há que se falar, portanto, em supremacia desse primado em relação ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Tais princípios não colidem - são, em verdade, complementares. O primeiro pressupõe que a urbanização se dê de modo sustentável, ou seja, não se pode conceber o crescimento desordenado do meio urbano, em especial de forma a causar dano ambiental, em prejuízo de toda a coletividade, aos direitos transindividuais. O Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/2001, disciplina o tema justamente nessa direção, em harmonia às garantias constitucionalmente asseguradas. Nesse mesmo sentido, também, é a dicção da Carta Mundial do Direito à Cidade:
A política urbana, portanto, deve primar pelo crescimento sustentável das cidades, harmonizada a expansão à conservação do meio ambiente. O Município de Paulicéia, como acima registrado, observou esse direcionamento, ao menos, em relação à área de preservação permanente, porquanto a excluiu expressamente da normatização municipal de expansão urbana (Lei Municipal nº 25/2003).
O entendimento ora consignado não conflita com o disposto no artigo 62 do atual Código Florestal. Em verdade, honra os primados da preservação e precaução, norteadores do Direito Ambiental, nos exatos termos constitucionalmente delineados.
Considerados tais fundamentos, em especial ter sido contemplada como APP a faixa de 100 metros desde a edição da Resolução CONAMA nº 04/1985, regulamentadora da Lei nº 4.771/1965, cuja disposição foi mantida pela Resolução CONAMA nº 302/2002, deve ser tal limite conservado para preservação da mata ciliar local.
Não subsiste o argumento de que o espaço sub judice está caracterizado pelo diploma municipal como situado em zona de expansão urbana e a propriedade dos corréus é tributada por meio de IPTU (fls. 134/139, 363). Essa situação é insuficiente à caracterização da zona como urbana ou de expansão urbana. Para fins ambientais, a definição legal do zoneamento é apenas um dos requisitos para dito reconhecimento, pois imperioso ser considerada a infraestrutura existente no local e o número de habitantes por força do disposto no artigo 2º da Resolução CONAMA nº 302/2002, o qual traz como pressupostos:
a) definição legal pelo poder público;
b) existência de, no mínimo, quatro dos seguintes equipamentos de infraestrutura urbana: malha viária com canalização de águas pluviais; rede de abastecimento de água; rede de esgoto; distribuição de energia elétrica e iluminação pública; recolhimento de resíduos sólidos urbanos; tratamento de resíduos sólidos urbanos;
c) densidade demográfica superior a cinco mil habitantes por km2.
Nesse sentido já decidiu este E. Tribunal Regional:
In casu, extrai-se dos elementos dos autos que o local está inserido em área rural, porque não verificados os requisitos para configuração de área urbana, uma vez que não existe rede de esgoto, tratamento de resíduos sólidos urbanos - utilizada fossa negra, como visto -, tampouco densidade demográfica superior a 5.000 habitantes por km2. Quanto a este último requisito, o próprio corréu, em sua contestação (fl. 350), acaba por admitir que a região, de fato, não possui essa densidade demográfica, até porque "a maioria das cidades não atinge tal número" e, por isso, deve ser considerada "letra morta de lei". O argumento é um despautério, pois se trata de normatização emanada do órgão competente para a fixação de tais requisitos, o CONAMA, cuja atribuição foi legalmente delegada. Ninguém pode se escusar à observância do ordenamento jurídico. Desse modo, desatendidos o item "c" e parte do item "b", do artigo 2º, V, da Resolução CONAMA nº 302/2002, mesmo que preenchidos os demais, deve ser a área considerada como inserida em zona rural, pois tais pressupostos configuram exigência legal cumulativa.
Ainda que se pudesse conceber o local como inserido em área urbana, o que não se verifica, como visto, há de se considerar que à época dos fatos o limite da área de preservação permanente estava regulado pela Resolução CONAMA nº 04/1985, cujo artigo 3º, inciso II, anteriormente citado, fixou como zona de reserva ecológica, atualmente equivalente à área de preservação permanente, no entorno de reservatórios de água artificiais, a margem de 100 metros de largura, desde seu nível mais alto, medido horizontalmente, para as represas hidrelétricas, independentemente de sua localização. Acaba por ser de somenos importância, portanto, se a formação lacustre está localizada em área urbana consolidada, urbana em expansão ou rural. Configurado o local como reservatório de água para fins de abastecimento de usina hidrelétrica, nenhuma dúvida se põe quanto à proibição legal, qual seja, vedação ao uso e intervenção antrópica na faixa ciliar de 100 metros. O tema também está pacificado no âmbito da Superior Corte. Confira-se:
Em verdade, considerado o teor do artigo 3º da Lei nº 6.766/1979, sequer poderia ter havido o parcelamento do solo - em decorrência, a aquisição do lote pelos corréus e construção do "rancho" -, sem que houvesse a edição de lei municipal que determinasse fosse a área considerada de expansão urbana, o que só veio a ocorrer em 2003.
É de se respeitar, ainda, o histórico da região, que antes era mata ciliar do Rio Paraná e, sofrida intervenção humana, tornou-se reservatório artificial no ano de 1998. Essa circunstância de igual forma há de ser sopesada, pois, anteriormente à formação do lago, a margem legal de conservação naquela região era de 500 metros e, após o represamento, teve considerável redução para apenas 100 metros, em razão de dita interferência - formação do reservatório destinado a servir a Usina Hidrelétrica Sérgio Motta (Porto Primavera). Considerado, portanto, o princípio da máxima proteção ambiental, por mais este motivo há de ser reconhecida a área de preservação permanente na faixa de 100 metros.
Destaque-se, uma vez mais, que a margem de 100 metros continuou a ser reconhecida como de preservação permanente pela Resolução CONAMA nº 302/2002, consoante o disposto em seu artigo 3º, I, já transcrito.
A atuação ilegítima dos requeridos, dentro da faixa ciliar de 100 metros, está confirmada por todos os elementos dos autos, acima apontados e examinados, e é também por eles confessada, porque informaram proceder ao uso e ocupação da área a partir dos 30 metros do reservatório e, dentro desse limite, para acesso ao reservatório (e.g. fls. 323/324). Mais ainda - o que agrava a situação de degradação ambiental -, narraram que as edificações foram erigidas em data anterior ao "enchimento do lago", ocorrido em 1998 (fls. 351/352), o que revela grave afronta à legislação ambiental, pois à época, naquele local, a área de preservação permanente era de 500 metros, como já mencionado, posto o Rio Paraná contar com mais de 600 metros de largura antes da formação do reservatório (artigo 2º da Lei nº 4.771/1965).
Apenas a título de registro, a matéria sub judice não necessita da realização de prova pericial para sua elucidação. A própria parte ré confirma ocupar a faixa de 100 metros, a revelar fato incontroverso e, assim, a dispensar produção de prova. A ocupação confessada e sua harmonia em relação aos demais elementos dos autos ensejam a aplicação da legislação cabível à espécie da forma ora exarada e revelam a existência de dano ambiental, porquanto, como já visto, este se configura in re ipsa e dispensa prova técnica da lesividade. De outro lado, tampouco se impõe realização de perícia para comprovar se a área é de expansão urbana ou rural, dado que do cotejo dos elementos colacionados aos autos com a legislação regente do tema é possível examinar devida e integralmente a quaestio, conforme o foi.
Em que pese terem sido impugnados os estudos e laudos emitidos pelo DEPRN, CESPE e IBAMA na contestação, fato é que estão todos no mesmo direcionamento, corroborados por documentação, inclusive fotos, plantas do local e pelas próprias assertivas apresentadas na defesa.
No tocante ao Plano Ambiental de Conservação e Uso do Entorno de Reservatórios - Pacuera, não se põe a debate sua "legitimidade normativa" nestes autos, porque diz respeito à área objeto da ação nº ação nº 1.470/09 (416.01.2009.003865-2, Vara Única da Comarca de Panorama/SP). Descabido travar discussão sobre eventual ampliação da APP por meio de tal plano ou se seria atingido o imóvel dos réus - até porque as edificações não serão mantidas em razão dos fundamentos anteriormente apontados.
Em relação à necessidade de desapropriação da área restante (a partir dos 30 metros da margem até os 100 metros), o tema desborda dos limites da presente lide. Se a parte vier a se sentir lesada, deverá buscar provimento judicial em ação própria pela via processual adequada. Apenas para constar, a desapropriação da faixa de 30 metros, que não é objeto da presente demanda, foi devidamente autorizada pelo Decreto da Presidência da República nº 83.501, de 28/05/1979.
Sob qualquer prisma, portanto, há de ser considerada como área de preservação permanente a faixa de 100 metros, contados a partir da cota máxima de inundação da formação lacustre, em projeção horizontal, nos termos do artigo 2º da Lei nº 4.661/1965, artigo 3º, II, da Resolução CONAMA nº 04/1985 e artigo 3º, I, da Resolução CONAMA nº 302/2002, por se tratar de área rural e entorno de reservatório da Usina Hidrelétrica Engenheiro Sergio Motta (Porto Primavera).
Assim ponderado, é de se concluir que não podem subsistir as intervenções no local, posto que somente a demolição das construções permitirá a efetiva recuperação ambiental. A autorregeneração da flora se inicia sponte propria quando cessa a atividade de degradação humana. No entanto, para que o processo de recuperação do meio ambiente possa ser desde logo principiado, até mesmo estimulado, impõe-se a imediata derrubada das construções, com retirada das impermeabilizações, além da elaboração de estudo técnico de restauração ambiental devidamente aprovado pelas autoridades ambientais competentes. Não é possível, quanto a tal área, qualquer acordo de "compensação" ou "regularização" ambiental, portanto.
Dessa forma julgada a ação, não se impõe a construção de fossa séptica (sentença, item 3.d, fl. 486), porque nenhuma intervenção deve remanescer no local.
Por fim, quanto ao valor da multa diária fixada pelo Juízo a quo, importe de R$ 100,00, revela-se ínfimo e não detém o devido poder coercitivo, essência de seu arbitramento. Assim sendo, por força do reexame necessário, e considerados os padrões da razoabilidade e proporcionalidade, fica fixado em um salário mínimo, tal como propugnado na peça inaugural.
Com supedâneo em tais fundamentos, tem-se que deve ser integralmente atendido o pleito posto no exórdio e, assim, julgada procedente a ação, a fim de condenar os corréus, nos seguintes termos:
a) obrigações de fazer consistentes em:
a.1) demolir e remover todas as edificações, cercas ou qualquer outra intervenção realizada na área de preservação permanente, qual seja, 100 metros a contar da cota máxima de inundação do reservatório da UHE Engenheiro Sergio Motta (Porto Primavera), em projeção horizontal, excetuada a área de domínio da CESP, por ser objeto da ação nº 1.470/09 (416.01.2009.003865-2, Vara Única da Comarca de Panorama/SP);
a.2) reflorestar toda a área de preservação permanente degradada, excetuada a área de domínio da CESP, no prazo de seis meses, por meio de plantio racional e tecnicamente orientado de espécies nativas e endêmicas da região, com acompanhamento e tratos culturais, pelo período mínimo de dois anos, em conformidade com projeto a ser aprovado pela Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais ou pelo IBAMA, marcado prazo para apresentação do projeto junto àqueles órgãos, não superior a trinta dias;
b) obrigação de não fazer, qual seja, não promover qualquer outra intervenção, utilização ou exploração da área;
c) recolher, em conta judicial, quantia suficiente para a execução das restaurações, importe a ser apurado em liquidação, caso não observados os prazos fixados;
d) pagamento de multa diária equivalente a um salário mínimo, a ser vertida ao Fundo Federal de Reparação dos Interesses Difusos Lesados, em caso de descumprimento total ou parcial de quaisquer das obrigações postuladas.
VI - DOS HONORÁRIOS
Impõe-se a manutenção da sentença recorrida neste ponto.
A questão da verba honorária sucumbencial deve ser examinada consoante o preceito contido no artigo 18 da Lei nº 7.347/85, pois "na ação civil pública, a questão da verba honorária foge inteiramente das regras do CPC, sendo disciplinada pelas normas próprias da Lei 7.347/85, com a redação dada ao art. 17 pela Lei 8.078/90" (STJ, REsp 493823).
Nesse passo, a novel jurisprudência da Superior Corte, por sua Primeira Seção, firmou o entendimento no sentido de que deve ser o tema tratado à luz da interpretação sistemática do ordenamento jurídico pátrio, em observância à absoluta simetria de tratamento entre as partes. Assim, se não podem os legitimados ativos ser condenados aos honorários em sede de ação civil pública, igualmente não poderão de tal verba se beneficiar, ainda que o valor seja vertido ao fundo do artigo 13 da LACP.
A título ilustrativo, colacionam-se as ementas a seguir:
VII - DO DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto para:
a) rejeitar as preliminares processuais, atinentes à ilegitimidade passiva ad causam e denunciação da lide, bem como reconhecer de ofício por força do reexame necessário ter havido pronunciamento ultra petita pelo Juízo a quo relativamente à questão da indenização pelo dano ambiental, prejudicado nesta parte o apelo ministerial;
b) dar provimento às apelações do MPF e da União, inclusive por força do reexame necessário, para reformar a sentença e julgar procedente a ação, a fim de condenar os corréus a demolir todas as edificações erigidas dentro de área de preservação permanente, faixa de 100 metros a contar da cota máxima de inundação do reservatório UHE Engenheiro Sergio Motta (Porto Primavera), excetuada a área de domínio da CESP, e restaurado o meio ambiente degradado, bem como a não promover qualquer outra intervenção, utilização ou exploração da área, sob pena de multa diária de um salário mínimo. Sem condenação a honorários advocatícios. Custas ex lege.
É o voto.
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