D.E. Publicado em 19/08/2016 |
|
|
|
|
|
|
|
|
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo da parte ré, nos termos do voto do relator Juiz Federal Convocado Marcelo Guerra e, por maioria, dar parcial provimento ao reexame necessário e dar provimento às apelações do MPF e da União para reformar em parte a sentença e julgar integralmente procedente a ação, a fim de condenar a requerida nos termos da exordial, incluído o depósito, em conta judicial, de quantia que garanta a execução do programa de recuperação ambiental e das demais obrigações de fazer, inclusive da própria indenização em pecúnia, valores a serem fixados em liquidação por arbitramento e revertidos em prol do local do dano ambiental sub judice, nos termos do voto do Des. Fed. André Nabarrete, com quem votaram o Des. Fed. Marcelo Saraiva e, na forma dos artigos 53 e 260, §1º, do RITRF3, as Juízas Federais Convocadas Leila Paiva Morrison e Gisele França. Vencido o Juiz Federal Convocado Marcelo Guerra (relator), que negava provimento a todas as apelações.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | ANDRE NABARRETE NETO:10023 |
Nº de Série do Certificado: | 581F94C33111A9E0F4D844669D64D3CB |
Data e Hora: | 12/08/2016 16:31:48 |
|
|
|
|
|
|
|
|
VOTO CONDUTOR
Apelações interpostas pela parte ré, Ministério Público Federal e União contra sentença que deferiu em parte os pedidos formulados no exórdio, para o fim de reconhecer a existência de dano ambiental e condenar a requerida à recomposição do meio ambiente, com abstenção à realização de qualquer nova obra às margens do reservatório do UHE Sergio Motta (margem esquerda do rio Paraná), faixa de 100 metros de largura em projeção horizontal, medida a partir de seu nível máximo normal, bem como proibição de supressão da cobertura vegetal nativa e cessão de uso do espaço a terceiros. O decisum recorrido também condenou a requerida à demolição das construções erigidas dentro da citada faixa de preservação e à recomposição do meio ambiente local por meio de plantio orientado por estudo devidamente aprovado pelas autoridades ambientais. Negados os demais pleitos formulados pelo Parquet, atinentes à condenação pecuniária pela ocorrência do dano ambiental e ao depósito, em conta judicial, de quantia suficiente para execução da restauração ambiental.
O eminente Juiz Federal Convocado Marcelo Guerra votou no sentido de negar provimento aos recursos por entender que: a) não houve comprovação de que se trata de área urbana, de modo que deve ser observada a faixa de 100 metros da margem do reservatório como de preservação permanente; b) não há, nos autos, elementos hábeis ao deferimento integral da medida, motivo pelo qual deve ser mantida a não concessão dos pleitos atinentes ao depósito acautelatório e indenização pecuniária, inclusive porque revelaria bis in idem condenatório. Divirjo, todavia.
Ab initio, é de se ter por interposto o reexame necessário, à semelhança do que se verifica no manejo da ação popular, aplicada por analogia a Lei nº 4.717/65, em razão da interpretação sistemática e teleológica do microssistema de tutela dos interesses coletivos e difusos, nos termos de seu artigo 19, verbis:
Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
In casu, verifica-se que foi julgada parcialmente procedente a demanda, não determinada a responsabilidade integral da ré pelo dano ambiental apontado, porquanto não proferida condenação ao recolhimento, em conta judicial, de quantia suficiente para a execução das restaurações, tampouco ao pagamento de indenização por danos ambientais, valor a ser recolhido ao Fundo Federal de Reparação de Interesses Difusos Lesados ou a ser destinado a projetos ambientais na região.
Assim, submeto a sentença ao reexame necessário e passo ao exame das mencionadas questões, objeto também do apelo ministerial e da União.
Antes de analisar o decisum recorrido, anote-se que incide na espécie o artigo 1.013 do CPC (artigo 515 do CPC/1973), porque mesmo não abordados todos os temas suscitados pela instância a qua, estão aptos para pronta apreciação à vista dos elementos dos autos e por se tratar de tema que pode ser solucionado à luz dos regramentos de sua regência.
A área sub judice está localizada no Município de Presidente Epitácio, Loteamento São Sebastião, Lote 07, Coordenadas E-0.398.477 e N-7.618.213-DATUM-SAD-69, a qual é caracterizada como área de preservação permanente, nos termos do Código Florestal de 1965 e Resolução CONAMA nº 302/2002, diplomas a seguir transcritos.
Acompanho o Relator no tocante à fixação da faixa de preservação permanente - 100 metros para o entorno de reservatórios artificiais -, posto que em coadunação com a legislação reguladora da quaestio. A proteção ao meio ambiente (artigo 1º, I, da LACP) tem status constitucional, a teor do disposto no artigo 225 da Lei Maior. Os agentes infratores, pessoas físicas ou jurídicas, estão sujeitos a sanções civis, penais e administrativas, cuja incidência pode ser cumulativa, ante sua autonomia:
Encontra-se disposição similar na Constituição do Estado de São Paulo. Confira-se:
A preservação ambiental, assim como do patrimônio público de modo geral, é competência comum dos entes federativos (artigo 23, I, VI e VII, CF/88). Anote-se que cabe aos Estados, Distrito Federal e Municípios seguir as diretrizes editadas pela União, de modo que não podem reduzir a tutela estabelecida em âmbito de legislação federal, mas somente a incrementar, em observância aos princípios da simetria e da proteção máxima aos direitos de titularidade da coletividade.
A Lei Maior recepcionou a proteção anteriormente existente na esfera da legislação ordinária. Vale destacar as Leis nº 4.771/1965 e nº 6.938/1981 com suas posteriores alterações (e regulamentação pelo Decreto nº 99.274/1990), ressaltada a revogação do Código de 1965 com o advento da Lei nº 12.651/2012. Tais diplomas também preceituam a obrigação de toda a sociedade e do poder público quanto à defesa do meio ambiente, além da promoção das correlatas ações necessárias à sua preservação (artigos 1º e 2º, Lei nº 6.938/1981).
A novel legislação ambiental também é aplicável a situações de transição por incrementar a defesa do meio ambiente (e.g. artigo 61-A da Lei nº 12.651/2012). Frise-se ser princípio norteador do microssistema dos direitos coletivos a aplicação da norma mais protetiva para sua efetiva tutela, em razão de seu alcance e importância.
De se anotar, também, a regência do tema pelo primado do devido uso da propriedade (artigos 5º, XXII, XXIII, 170, II e III, 182 e 186 da CF/88), a intitulada função socioambiental, a qual permeia a dimensão da tutela ambiental, nos termos do artigo 1.228, § 1º, do Código Civil:
A defesa do meio ambiente abarca a apuração da responsabilidade objetiva dos agentes causadores de dano a tal patrimônio, consoante determinação expressa do artigo 4º, inciso VII, c/c artigo 14, § 1º, ambos da citada Lei nº 6.938/1981, além do artigo 2º do atual Código Florestal, a qual foi também inserida na Constituição do Estado de São Paulo, artigo 195, verbis:
De tais dispositivos decorre a obrigatoriedade do uso consciente da propriedade, consoante sua função social em amplo aspecto, sob pena de se impor ao agente causador do dano ambiental o dever de reparar ou indenizar pelos prejuízos sucedidos independentemente de culpa. São suficientes, assim, a comprovação de ação ou omissão, a ocorrência do dano e o nexo causal entre ambos. Despiciendo, inclusive, perquirir a respeito da licitude da atividade desenvolvida, porquanto incide na espécie a teoria do risco integral, a fim de coibir a atividade nociva e impor a reparação tanto in natura quanto em pecúnia.
As mesmas diretrizes de proteção ambiental são seguidas pela legislação estadual paulista, destacadas as Leis Estaduais nº 997/76 (e respectivo Decreto nº 8.468/76) e nº 9.509/97.
O direito ambiental brasileiro igualmente não socorre o agente que ocupa determinada área depois de sua degradação, para de tal fato pretender beneficiar-se, pois as obrigações ambientais são propter rem. O atual Código Florestal, a citada Lei nº 12.651/2012, foi ainda mais longe em seu escopo protecionista, ao preceituar, em seu artigo 2º, § 2º, que: "as obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural". Configuram, assim, "limitações administrativas reais" por estatuir as hipóteses legais de uso permitido em numerus clausus e, portanto, não passíveis de ampliação pela via administrativa ou judicial.
A responsabilização pela ocorrência do dano ambiental e correlata aplicação de penalidade também se dá nos termos da Lei nº 9.605/1998, na forma dos artigos a seguir transcritos:
Impende registrar, também, para o escopo de solucionar a presente lide, as disposições específicas sobre as áreas de preservação permanente. A definição de tais áreas decorre ex lege, ou seja, sua regulamentação, delimitação ou especificação deriva diretamente do ordenamento jurídico, diplomas legais e também infralegais. No tocante aos diplomas regulamentares, registre-se ter o CONAMA competência para "estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos", nos termos do artigo 8º, VII, da Lei nº 6.938/1981.
Importa ressaltar, para o caso em análise, as Resoluções CONAMA nº 04/1985 e nº 303/2002, as quais reiteram o conteúdo da legislação ordinária e, por delegação legal, fixam limites para as áreas protegidas. Lembre-se que tal definição, em âmbito da legislação federal, não impede que venham os parâmetros ali estabelecidos a ser ampliados na esfera regional e local, com prevalência da norma mais protetiva. Segue a transcrição da legislação vigente à época e nos dias atuais:
O Código Florestal de 1934 (Decreto nº 23.793/1934) já preceituava ser o meio ambiente de interesse comum a todos e configurar situação limitadora do uso da propriedade. A seu turno, a Lei nº 4.771/1965, em regra mantida pelo atual Código de 2012, disciplina não serem possíveis intervenções em áreas de preservação permanente, tampouco a manutenção de edificações. Referidos diplomas, por outro lado, trazem taxativas exceções quanto ao uso tolerado em áreas de preservação, atreladas essencialmente às hipóteses de utilidade pública e interesse social:
No mesmo sentido dos dispositivos ora citados, há ainda a Lei nº 9.433/97 e Resolução CONAMA nº 369/2006.
Os normativos ora transcritos, que à evidência se aplicam tanto às áreas rurais como urbanas, contemplam como regra a vedação a qualquer tipo de intervenção em áreas de preservação permanente, como visto. Permitem, excepcionalmente, algumas ações e manutenção de construções eventualmente já erigidas em determinadas situações, seja à luz da legislação vigente à época dos fatos, seja nos termos dos permissivos dos atuais regramentos. As normas excepcionais, no entanto, configuram rol taxativo e devem ser interpretadas de modo restritivo.
De igual modo, não se fala em prevalência de eventual direito adquirido ou ato jurídico perfeito quando se afere afronta ao próprio ordenamento à época existente. Prepondera o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, em interpretação harmoniosa dos primados constitucionais, inclusive porque a "anterioridade" que deve ser considerada é a da boa qualidade ambiental, o que não implica equívoco interpretativo que gere insegurança jurídica ou injustiça. Como já se disse: "Até porque se se pudesse falar em 'anterioridade', ela deveria beneficiar a boa qualidade do meio ambiente, que sem dúvida precedeu toda a instalação fonte de danos e agressões ambientais, sendo de todo inadmissível pretender que a existência e a repetição de emissões poluentes em certo local, mesmo ao longo de seguidos anos, determine a sorte de toda uma região e comprometa indefinidamente, para o futuro, o destino do meio ambiente e da qualidade de vida da população." (MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação Civil Pública e Reparação do Dano ao Meio Ambiente. São Paulo. Ed. Juarez de Oliveira, 2004, p. 116).
Assim considerado, é imperioso ser reconhecida a margem de 100 metros, tal como apontado pelo Relator, registrado, em complemento, que de fato não se pode conceber o local como inserido em área urbana, porquanto à época dos fatos o limite da área de preservação permanente estava regulado pela Resolução CONAMA nº 04/1985, cujo artigo 3º, inciso II, fixou como zona de reserva ecológica, atualmente equivalente à área de preservação permanente, no entorno de reservatórios d'água artificiais (represa hidrelétrica), a margem de 100 metros de largura, desde seu nível mais alto, medido horizontalmente, independentemente de sua localização. Acaba por ser de somenos importância, portanto, se a formação lacustre está localizada em área urbana consolidada, urbana em expansão ou rural. Nesse sentido é o entendimento do C. STJ:
Quanto aos demais pontos (depósito cautelar em conta judicial e indenização pecuniária pelo dano ambiental), impende anotar que a proteção integral ao meio ambiente, primado constante do citado artigo 225, § 3º, da CF/1988, autoriza impor ao agente infrator obrigações de fazer, não fazer e indenizar. Tal cominação cumulativa é plenamente admitida e, ainda, amplamente reconhecida por toda a doutrina e jurisprudência. A título ilustrativo, colacionam-se os julgados a seguir, da Superior Corte, demonstrando a pacificidade do tema:
Em consequência, deve ser a ré condenada não só à restauração ambiental, como de igual modo ao pagamento de indenização pecuniária, porque dita condenação "cumpre dois objetivos principais: dar uma resposta econômica aos danos sofridos pela vítima (o indivíduo e a sociedade) e dissuadir comportamentos semelhantes do poluidor ou de terceiros" (Edis Milaré, Direito do Ambiente - A Gestão Ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. São Paulo. RT, 2007, p. 818).
No tocante ao quantum indenizatório, tal montante deverá tomar a dimensão não apenas de reparação do dano experimentado, como igualmente ter em vista o escopo de coibir a manutenção das práticas até agora mantidas pela ré. Os elementos determinantes para tal fixação, no entanto, podem ser delimitados por ocasião da liquidação por arbitramento (artigo 509 do CPC; artigos 475-C e 475-D do CPC/1973), entendimento sedimentado na jurisprudência pátria. Nesse sentido, colacionam-se os julgados a seguir do C. Superior Tribunal de Justiça:
Os mesmos fundamentos são aplicáveis ao pedido de depósito acautelatório, qual seja, recolhimento, em conta judicial, de quantia suficiente para a execução das restaurações - pleito que não se confunde com a indenização em pecúnia, porque decorre do descumprimento da condenação principal. Dito valor poderá ser igualmente apurado na fase inicial da liquidação, inclusive mediante provimento liminar a ser proferido pelo Juízo a quo.
A indenização apurada deverá ser destinada a projetos ambientais na região afetada pelo prejuízo ambiental sub judice, medida que se demonstra mais efetiva para fins da recuperação do meio ambiente degradado. Quanto à questão, anote-se que tal destinação, não atrelada ao fundo de que trata o artigo 13 da LACP, coaduna-se à mens legis. A regulamentação do Fundo de Defesa de Direitos Difusos, em âmbito federal, deu-se por meio da Lei nº 9.008/1995, a qual preceitua que os recursos a ele destinados poderão ser aplicados na execução direta de políticas relativas às áreas de proteção meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos, considerado o local do dano. Confira-se:
Acompanho o Relator quanto aos demais pontos, mantida a sentença recorrida, em relação a estes, por seus próprios fundamentos.
Face ao exposto, dá-se parcial provimento ao reexame necessário, nega-se provimento à apelação da ré e dá-se provimento às apelações do MPF e da União para o fim de condenar a requerida nos termos da exordial, incluído o depósito, em conta judicial, de quantia que garanta a execução do programa de recuperação ambiental e das demais obrigações de fazer, inclusive da própria indenização em pecúnia, a ser fixada em liquidação por arbitramento, valores que deverão ser revertidos em prol do local do dano ambiental sub judice.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | ANDRE NABARRETE NETO:10023 |
Nº de Série do Certificado: | 581F94C33111A9E0F4D844669D64D3CB |
Data e Hora: | 12/08/2016 16:32:36 |
|
|
|
|
|
RELATÓRIO
Trata-se de apelações em ação civil pública proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de Tânia Regina Penha, objetivando: 1) obrigação de não fazer (i) abstenção de realizar qualquer nova construção em áreas de preservação permanente; e (ii) supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal do imóvel, sem a necessária e indispensável autorização do órgão competente - CBRN ou IBAMA; 2) obrigação de fazer (i) demolição, no prazo de 30 dias, de todas as construções existentes na área de preservação permanente, com a retirada do entulho; (ii) recomposição florestal no prazo de 6 meses, de acordo com projeto técnico a ser apresentado ao CBRN ou IBAMA no prazo não superior a 30 dias; 3) recolhimento, em conta judicial, de quantia suficiente para a execução das restaurações; 4) indenização por danos ambientais, a ser apurada em liquidação, a ser recolhida ao Fundo Federal de Reparação de Interesses Difusos Lesados ou ser destinada a projetos ambientais na região; 5) pagamento de multa diária equivalente a um salário mínimo, em caso de descumprimento total ou parcial de qualquer das obrigações de fazer ou não fazer; e 6) pagamento das custas, honorários periciais e despesas do processo.
Após o indeferimento da medida liminar (fls. 166/167v), objeto de agravo de instrumento nº 2011.03.00.004599-4, cujo efeito suspensivo requerido foi negado, conforme decisão de fls. 231/232, e inclusão da União Federal no polo ativo da lide, nos termos da manifestação de fls. 196/198, foi proferida a sentença de fls. 290/295, julgando parcialmente procedente a ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal para condenar Tânia Regina Penha a, em relação ao imóvel descrito na inicial:
(i) abster-se de utilizar ou explorar a APP (Área de Preservação Permanente), o mesmo valendo para permitir ou proceder à supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal, sem a autorização do órgão ambiental competente;
(ii) demolir todas as edificações constantes da APP (100 metros da largura em projeção horizontal, medida a partir do nível máximo normal do reservatório);
(iii) recompor a cobertura florestal da APP, no prazo de seis meses, pelo plantio orientado de espécies nativas, conforme projeto técnico a ser submetido e aprovado pelo órgão ambiental competente.
Foi julgada improcedente a pretensão do MPF relativa à reparação em dinheiro, uma vez que o órgão ambiental reputou "suficientes para a reparação do dano a demolição das construções e o plantio das mudas" (fls. 294).
Irresignada, apelou a ré (fls. 299/305) pugnando pela reversão do julgado, sob o fundamento de que o imóvel, cuja construção foi devidamente autorizada pelo Poder Público Municipal, está situado em área urbana, dentro da faixa de 30 metros prevista pela legislação.
O Ministério Público Federal apelou (fls. 329/342) visando à reforma da r. sentença quanto aos pedidos de recolhimento em conta judicial de quantia suficiente para a execução das restaurações em caso de descumprimento e de condenação ao pagamento de indenização por danos ambientais causados pela intervenção antrópica em área de preservação permanente.
A União (fls. 353/362) também apelou pleiteando o acolhimento integral dos pedidos constantes da inicial.
Com contrarrazões da ré (fls. 364/368), do MPF (fls. 315/328) e da União Federal (fls. 345/352), subiram os autos.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento das apelações interpostas pelo parquet e pela União Federal, e pelo desprovimento do recurso da ré.
É o relatório.
VOTO
A r. sentença não merece reparo.
A demandada não nega a ocupação do lote, bem como admite a existência das edificações, conforme descrito na exordial e pormenorizado no Relatório Técnico Ambiental de fls. 261/271. Assim, a apelada Tânia, em sua manifestação de fls. 273/275, confirma que a construção principal encontra-se a 57 (cinquenta e sete) metros do rio.
Nessa toada, primeiramente, passa a ser relevante esclarecer se o local constitui-se em área rural, conforme indica o aludido Relatório (fls. 264), ou se como área urbana consolidada, a teor do que apregoa a demandada.
E isso é relevante porque, nos termos da legislação de regência, se a área for rural, não são possíveis edificações de qualquer espécie a menos de 100 (cem) metros do rio. Em sendo a área urbana consolidada, essa distância cai para 30 (trinta) metros, o que in casu tornaria as construções do lote possíveis.
Com efeito, nos termos da Resolução CONAMA nº 302, de 20 de março de 2002, tem-se que:
Consigno que a aplicação da Resolução CONAMA nº 302 é pacificada na jurisprudência, cabendo ressaltar precedente dessa C. 4ª Turma (AC 00041229020074036111, DJ 18/11/2015, Rel. Des. Federal André Nabarrete).
Conforme acima dito, o Relatório Técnico Ambiental, às fls. 264, considerou o imóvel objeto da exordial como situado em área rural. Ocorre que ao menos para fins tributários, o imóvel em questão está situado na zona urbana do Município de Presidente Epitácio e não na área rural, considerando que sua tributação se opera por meio do IPTU (Imposto sobre a Propriedade Urbana), conforme demonstra o documento de fls. 228.
O regime de tributação in casu, em meu sentir, é relevante, uma vez que serve como critério eficiente para separar os imóveis urbanos dos rurais, o que inegavelmente se imbrica com a questão do exercício da competência tributária.
Segundo o §1º do art. 32 do Código Tributário Nacional, cujo fundamento repousa do art. 146 da Constituição de 1988, a delimitação da área urbana encontra-se a cargo da lei municipal, que assim poderá considerar os imóveis situados em regiões onde existam pelo menos dois melhoramentos indicados nos incisos do §1º em pauta, a saber: I - meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; II - abastecimento de água; III - sistema de esgotos sanitários; IV - rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; V - escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.
Nessa linha, encontrando-se o imóvel localizado na zona rural do Município, a competência tributária pertence à União que poderá lançar o ITR (Imposto sobre a Propriedade Rural). Ao contrário, estando o imóvel dentro do perímetro urbano, a tributação passa para a égide do Município, que poderá gravá-lo com o IPTU.
Esse critério é assemelhado na seara ambiental, ou seja, nos termos do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 4.771/1965 (em vigor à época dos fatos), as áreas urbanas são aquelas "compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal".
Reconhece-se, é preciso dizer, que a faixa de 30 (trinta) metros retro mencionada não se aplica a qualquer zona urbana, mas apenas à chamada zona urbana consolidada, cujas características são diversas daquelas elencadas pelo art. 32 do CTN.
Todavia, em que pese na exordial ter o autor afirmado que o imóvel encontra-se em área urbana não consolidada, há poucos elementos seguros nos autos que indiquem claramente essa situação. Somente a realização de uma perícia, levada a cabo por profissional isento e sob o crivo do contraditório, poderia ter bem esclarecido essa circunstância.
Nesse tópico, anoto que o citado Relatório Técnico Ambiental, cuja confecção, repita-se, foi unilateral, descreve a localização do imóvel (Loteamento São Sebastião, Lote 7, Distrito do Campinal) e, em seguida, sem qualquer fundamentação adicional qualifica o bem como rural (fls. 264). Porém, nenhuma consideração é tecida a respeito das cercanias do imóvel, o que seria fundamental para espancar qualquer dúvida acerca da localização ser urbana, urbana consolidada ou rural.
Ressalte-se que, ao menos para fins tributários, a área do imóvel é oficialmente considerada urbana. Ora, numa primeira acepção, isso lança uma dúvida razoável quanto a eventualmente o local poder ser considerado como área urbana consolidada, o que faria o limite de construções ser reduzido para 30 (trinta) metros.
Porém, as fotografias constantes dos autos demonstram, no mínimo, que a densidade demográfica certamente não é superior a 5.000 habitantes por quilometro quadrado, como requer o art. 2º, V. "c" da Resolução CONAMA nº 302.
A imagem aérea da região (fls. 120) permite constatar que toda a área está ocupada por vegetação. O mesmo ocorre em relação às fotografias juntadas pela própria demandada (fls. 140/160). Trata-se, ao que tudo indica, de local bastante ermo.
Mesmo que considerado zona urbana pelo Município, não se pode entender o local como sendo uma zona urbana consolidada, o que, se ocorresse, faria incidir o limite para construções de 30 (trinta) metros.
Em consulta atual ao site GoogleMaps verifica-se que a situação permanece inalterada, conforme a seguinte página eletrônica: https://www.google.com.br/maps/@-21.5545705,-51.9511762,19397m/ data=!3m1!1e3>, acesso em 25/05/2016.
Portanto, o limite mínimo para a existência de quaisquer construções é, efetivamente, de 100 (cem) metros, conforme acertadamente decidiu o Juízo a quo, o que torna legítimas as obrigações impostas no julgado combatido: abstenção de uso, demolição das construções e recuperação da vegetação.
A multa arbitrada pelo descumprimento (R$ 500,00) encontra-se em patamar razoável e atende à finalidade básica dissuasória desse tipo de penalidade.
Prosseguindo, tenho que não cabe razão ao MPF quando pleiteia seja reformada a sentença para que se determine o recolhimento, em conta judicial, de quantia suficiente para a execução das restaurações em caso de descumprimento.
Primeiramente, não se pode presumir que a sentença não será observada, ainda mais porque, nessa hipótese, poderá haver aplicação da multa retro referida, elemento que tem por função de induzir o cumprimento da decisão judicial.
Ademais, essa pretensão decorre da própria lei. Nos termos do art. 816 do CPC: "Art. 816. Se o executado não satisfizer a obrigação no prazo designado, é lícito ao exequente, nos próprios autos do processo, requerer a satisfação da obrigação à custa do executado ou perdas e danos, hipótese em que se converterá em indenização. Parágrafo único. O valor das perdas e danos será apurado em liquidação, seguindo-se a execução para cobrança de quantia certa".
Também entendo não ser o caso de reverter a parte da decisão monocrática que não condenou a demandada em verba autônoma a título de indenização por degradação ambiental.
É que a sentença já contempla a obrigação (condenação) relativa à recuperação da área, inclusive com ameaça de multa em caso de descumprimento. Ora, em meu sentir, a condenação em verba autônoma com a mesma finalidade (indenizar os danos) seria verdadeiro bis in idem, o que não me parece possível.
Aliás, o Relatório Técnico Ambiental, às fls. 268, informa que um programa de reflorestamento para a recomposição da mata ciliar original é capaz de recompor a APP. Deveras, essa recomposição é uma das obrigações expressamente consignadas à demanda na sentença apelada (fls. 294v.).
A indenização por meio de verba autônoma caberia apenas em caso de demonstrada impossibilidade de recuperação adequada da área atingida, o que, como visto, não é o caso.
Por tais razões, nego provimento às apelações.
É como voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | MARCELO GUERRA MARTINS:10171 |
Nº de Série do Certificado: | 480B094990F1B5F46C63B6EEF6A2BA25 |
Data e Hora: | 26/07/2016 18:48:32 |