D.E. Publicado em 03/08/2016 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar matéria preliminar arguida em contraminuta e, no mérito, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto por KLEBER BISPO DE SOUZA e GILENE SOUZA COSTA em face de decisão que indeferiu pedido de liminar requerida em autos de ação cautelar na qual objetiva a restituição do papagaio "nêgo" (amazona aestiva) apreendido por força do procedimento fiscalizatório realizado por fiscais ambientais lotados na Superintendência do IBAMA em São Paulo.
Consta dos autos que o procedimento de fiscalização na residência da parte autora deu-se após denúncia, sendo então apreendidas quatro aves de posse dos requerentes: um papagaio (amazona aestiva), um galo de campina (paroaria dominicana), um corrupião (icterus jamacaii) e um Inhapim (icterus caianensis), resultando na aplicação de multa de R$ 2.000,00 por manutenção irregular de espécimes da fauna silvestre (art. 25, § 3º, inciso III, da Resolução SMA 48/14) - fls. 26/30.
Da decisão agravada consta a seguinte fundamentação (fls. 18 agravo):
Nas razões do agravo a parte autora sustenta, em resumo, que não existe razoabilidade em manter-se a apreensão do papagaio "nêgo" que vivia em ambiente doméstico há mais de dez anos, tratando-se de um animal que possui forte vínculo de afeto com a família, a qual não obtinha proveitos econômicos com sua posse e que, atualmente, sofre com sua ausência.
Aduz ainda que a medida é desproporcional e causadora de mais danos do que benefícios, já que a autoridade fiscalizadora não relatou qualquer ocorrência de maus-tratos, sendo certo que não se trata de ave ameaçada de extinção; por outro lado, afirma que a ave está em risco já que não possui capacidade de readaptação ao ambiente silvestre.
Efeito suspensivo deferido às fls. 72/75.
Contraminuta pela parte agravada IBAMA que alega, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, uma vez que a apreensão da ave deu-se por agentes da polícia ambiental da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (fls. 79/89).
Requisitadas informações, o MM. Juízo da causa noticiou que a ave foi devolvida aos autores em 05/02/2016 e que o feito originário foi apensado à ação ordinária nº 0002651-57.2016.403.6100 (fls. 94/96).
É o relatório.
VOTO
A diligência levada a efeito por equipe de policiamento ambiental do Estado de São Paulo resultou na autuação (multa) e apreensão de quatro aves silvestres, dentre as quais o papagaio "Nego", por infração ao artigo 25, § 3º, inciso III, da Resolução SMA nº 48/2014 - ter em cativeiro espécies da fauna nativa silvestre sem autorização do órgão ambiental competente.
Referida norma infralegal da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo dispõe sobre as condutas infracionais ao meio ambiente e suas respectivas sanções administrativas, em regulamentação à Lei Federal n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, ao Decreto Federal n° 6.514, de 22 de julho de 2008, e ao Decreto Estadual nº 60.342, de 04 de abril de 2014.
Logo, não se afigura descabida a indicação do IBAMA como parte passiva, até porque remanesce interesse quanto à manutenção e guarda definitiva do pássaro. Nada impede, porém, que o tema seja detidamente analisado no feito originário, oportunizado o contraditório.
Rejeitada a preliminar arguida em contraminuta.
No mais, vejo que os documentos acostados aos autos (auto de infração ambiental e anexos) demonstram que a ave não sofria maus tratos e nem há indícios de que os agravantes desenvolvam atividade econômica ligada à comercialização de aves silvestres.
Ainda, não há porque descrer da afirmação de existir profundo vínculo de afeto entre os agravantes e a ave, resultado de uma longa convivência.
É certo que a Lei nº 9.605/98 tipifica a conduta de ter em cativeiro espécimes da fauna silvestre sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, in verbis:
Mas é óbvio que a severidade da disposição penal deve ser vista cum granulum salis quando existe demonstração de que o infrator devota aos animais um louvável grau de afeto e os trata com um tal grau de desvelo que se aproxima daquele que seria tributado até a um ser humano, como, por exemplo, assegurar-lhes cuidados médicos e alimentação muito adequada.
Também é certo que o rigor do § 1º do artigo 25 da lei impõe que, verificada a infração, os animais sejam "libertados em seu habitat ou entregues a jardins zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas, desde que fiquem sob a responsabilidade de técnicos habilitados".
Mas aqui cabe perguntar: qual a utilidade de se devolver ao habitat selvagem animais que se acostumaram a uma vida aprazível em cativeiro? Quem vai protegê-los dos outros animais predadores de suas espécies? O IBAMA - órgão federal notoriamente carente de recursos - terá condições de remeter os animais em segurança até um local selvagem onde sejam repostos na natureza?
E outras questões se alevantam: será que algum zoológico destinará à ave de que cuida este processo o mesmo tratamento de excelência que os agravantes lhe tributam há tantos anos?
A emenda pretendida pelo IBAMA não será pior do que o soneto?
Ora, a decisão judicial também deve se pautar pela razoabilidade.
Na singularidade, a devolução da ave - aclimatada a um suave cativeiro, sem sofrer maus tratos e sendo bem cuidada - ao seu habitat natural ou mesmo a entrega a zoológicos não seria razoável tendo em vista que já está adaptada ao convívio doméstico há muito tempo; já perdeu o contato com o habitat natural (se é que algum dia o teve) e estabeleceu laços afetivos com os agravantes, de modo a tornar a mudança arriscada para a sobrevivência da ave, com perigo de frustração da suposta readaptação.
No sentido do exposto, colaciono jurisprudência abundante:
E ainda: APELREEX 00071972820104058100, Desembargador Federal José Maria Lucena, TRF5 - Primeira Turma, DJE - Data::10/04/2014; APELREEX 200981000134362, Desembargador Federal Manoel Erhardt, TRF5 - Primeira Turma, DJE - Data::09/05/2013; APELREEX 200871070029171, SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, TRF4 - QUARTA TURMA, D.E. 28/09/2009; entre outros.
Ora, ao Judiciário cabe também aplicar a lei atendendo a seus fins; a legislação ambiental específica dos animais busca a proteção deles, e de modo algum a ave carinhosamente chamada de "nêgo" estaria melhor se lançada à sanha de seus predadores ou aprisionada em zoológico.
Destarte, deve ser, mesmo que excepcionalmente, reconhecido o direito da parte agravante de permanecer na posse e propriedade da ave indicada na peça inicial.
Ante o exposto, voto por rejeitar a matéria preliminar arguida em contraminuta e, no mérito, dar provimento ao agravo de instrumento.
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