D.E. Publicado em 27/07/2016 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação de José; dar parcial provimento à apelação de Silvana para reduzir o patamar da agravante do artigo 62, I, do CP de 1/3 para 1/6; e, de ofício, afastar a agravante do artigo 61, II, 'g' em relação ao réu José; reduzir o patamar da continuidade delitiva de 1/3 para ¼ para ambos os réus; fixar o regime aberto para José; e substituir a pena privativa de liberdade de José por restritiva de direitos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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VOTO
SILVANA WELES DE OLIVEIRA e JOSÉ MANOEL DA ROSA foram denunciados pelo Ministério Público Federal - MPF - porque, em Apiaí/SP, no interregno de setembro de 2004 a junho de 2005, a primeira denunciada, na condição de funcionária da CEF, ter-se-ia apropriado de R$ 100.000,00 (valor total) pertencente à CEF, com o auxílio do segundo denunciado (ajudou no desvio do valor), proprietário da lotérica API.
Consignou o Juiz: "ISTO POSTO, JULGO PROCEDENTE A DENÚNCIA APRESENTADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARA CONDENAR SILVANA WELES DE OLIVEIRA e JOSÉ MANOEL DA ROSA, por terem cometido, em continuidade delitiva (art. 71, caput, do CP), o crime de peculato-desvio (art. 312, caput, do CP), no período de 09.09.2004 a 08.06.2005, em Apiai/SP."
Apelam os réus.
DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. TIPICIDADE.
PECULATO. CRIME CONTINUADO.
Os tipos penais imputados à parte ré são os seguintes:
Imputado à parte ré a prática de peculato, tipificado no artigo 312 do Código Penal, de forma continuada (artigo 71 do CP).
MATERIALIDADE COMPROVADA.
Consignou o Juiz a respeito da materialidade:
Conclusão:
Devidamente comprovada nos autos a materialidade do delito atribuído à parte ré.
AUTORIA COMPROVADA.
Consignou o Juiz a respeito da autoria de SILVANA:
Conclusão:
Devidamente comprovada nos autos a autoria do delito atribuído à ré SILVANA.
Consignou o Juiz a respeito da autoria de JOSÉ:
O réu alega inocência em seu recurso. Passo a analisar seus argumentos.
Alega o réu José em seu recurso de apelação não ter praticado nenhum delito. Afirmou a defesa: "em momento algum da instrução penal restou demonstrado que o Réu JOSE MANOEL DA ROSA sabia que a Ré SILVANA WELES DE OLIVEIRA não prestava conta à Caixa Econômica Federal do dinheiro que pedia que o lotérico entregasse a sua mãe Zélia, aliás, isto restou patente nos depoimentos dos funcionários da CEF, como adiante demonstraremos, cujos depoimentos não foram levados em conta em prejuízo do Réu José Manoel da Rosa". Citou trechos dos depoimentos das testemunhas Ana Maria Lopes de Almeida e Gerado José Grilon que comprovariam a tese de que JOSE MANOEL DA ROSA não sabia do crime.
Conclusão:
Não procede o argumento do réu.
Conforme consignado na sentença, o depoimento das testemunhas mencionadas pela defesa foi sim levado em conta pelo Juiz ao proferir a sentença.
Entretanto, o Juiz destacou um aspecto dos depoimentos das mencionadas testemunhas:
"suas declarações neste sentido foram calcadas tão-somente no que disse a própria denunciada no PA, isto é, suas declarações, nesse aspecto, tiveram por base as da denunciada SILVANA que, conforme visto, isentou JOSÉ de qualquer responsabilidade no caso.
Uma vez que a fonte das assertivas das testemunhas foi a denunciada SILVANA, o valor das suas declarações, no que diz respeito a esse assunto, será o mesmo que aquele dado às da denunciada SILVANA."
Ademais, conforme consignou o Juiz "tudo aconteceu porque JOSÉ acatou os pedidos de SILVANA para que retirasse dinheiro da conta da lotérica e o entregasse à mãe de SILVANA, Zélia."
A conclusão do Juiz fica reforçada pelas seguintes passagens:
- em suas declarações à Comissão (fls. 125), o réu afirmou que "na prestação de contas era debitado a menor, descontando o valor entregue para a mãe da empregada Silvana, que os valores eram sempre entregues para a mãe da empregada Silvana (...), que não se lembra quando foi a primeira vez que fez esse tipo de favor para a empregada Silvana (...), que em toda prestação de contas era solicitado pela empregada Silvana a entrega de 2 a 3 mil reais para a mãe da empregada (...), que é amigo da família da empregada Silvana há mais de 10 anos."
- em suas declarações à Polícia (fls. 247), o réu afirmou "que Silvana obtinha o valor de R$ 2.000,00 a R$ 3.000,00 junto ao declarante depois do adiantamento concedido (...) perguntado se não suspeitava do procedimento, isto é, receber um adiantamento da CEF e entregar parte do valor para um particular(...) o declarante esclarece que não sabia que Silvana se apropriava do valor, pois era dito por esta que fazia o acerto na agência"
- em seu interrogatório judicial, o réu José admitiu que "emprestava" o dinheiro à ré Silvana "na confiança", e quando o réu sacava o dinheiro do movimento da agência (depositado pela CEF para pagamento de benefícios sociais) para entregar à mãe de Silvana não era emitido nenhum comprovante.
Isto posto, correta a conclusão do Juiz no sentido de que:
- José, empresário e dono da lotérica, com experiência no ramo, tinha consciência da irregularidade dos saques que ele próprio realizava;
- A inexistência de comprovante dos saques indica o conluio entre os réus para não deixar rastro da operação realizada;
- O auditor da CEF (fls. 441) afirmou que José sabia que estava recebendo valores a maior do que o necessário, o que reforça o conluio;
- O forte elo de amizade indica a união de esforços para a prática criminosa, havendo dolo direto de José.
Conclusão:
Devidamente comprovada nos autos a autoria do delito atribuído ao réu José.
PRESENÇA DE DOLO.
Sendo o dolo, na comum lição da doutrina, a vontade livre e consciente de praticar a conduta proibida pelo tipo penal, é inegável a sua presença na hipótese dos autos.
Conclusão:
Verifica-se que a parte ré teve deliberadamente a intenção de praticar o crime de peculato, tipificado no artigo 312 do Código Penal, de forma continuada (artigo 71 do CP).
DOSIMETRIA.
1ª FASE
Consignou o Juiz a respeito da dosimetria na primeira fase:
A defesa de Silvana sustenta: Deve a pena-base ser reduzida, pois o valor total (R$ 100.000,00) não é relevante se considerado que ele foi mensalmente desviado (aproximadamente R$ 4.000,00 mensais).
Conclusão:
Sem razão a defesa. O valor do dinheiro desviado soma R$ 100.000,00, sendo bastante significativo, permitindo a elevação da pena-base em 01 ano.
Conclusão quanto à primeira fase
PENA BASE MANTIDA.
A pena-base foi mantida em 03 anos de reclusão e 15 dias-multa para ambos os réus.
2ª FASE
Consignou o Juiz a respeito da dosimetria na segunda fase para a ré Silvana:
Alega a defesa de Silvana que é "incabível a agravante do artigo 62, I, do CP, pois JOSÉ MANOEL DA ROSA não cometeu nenhum crime, assumindo a ré toda a responsabilidade pelo crime".
Como consignado anteriormente, José cometeu sim o crime, sendo cabível a aplicação da agravante do artigo 62, I, do CP.
Alega ainda a defesa:
- Não constam dos tipos penais mencionados que o número de condutas do agente na prática do delito é causa agravantes da pena.
- Ocorreu bis in idem, pois o Juiz considerou a reiteração das condutas na segunda e na terceira fases da dosimetria, quando só deveria ter sido exasperada a pena na terceira fase no patamar de 1/3.
- Há outras atenuantes: desconhecimento da lei e a confissão da sentenciada desde a fase policial.
Como se nota, o número de condutas foi considerado como parâmetro para a agravante, contudo, tal parâmetro deve ser utilizado na análise da continuidade delitiva, evitando-se o bis in idem.
Além disso, na lição de Guilherme de Souza Nucci, em sua obra Código Penal Comentado, agravantes e atenuantes devem ser equivalentes a 1/6, para que não sejam aplicados patamares totalmente aleatórios.
De outro lado, inviável acolher a alegação de desconhecimento da lei, e a atenuante da confissão foi reconhecida.
Assim, aplicável a agravante do artigo 62, I, do CP em 1/6, bem como a atenuante da confissão (art. 65, III, d, do Código Penal) em 1/6.
Conclusão:
Assim, a pena de Silvana na segunda fase fica em 02 anos e 11 meses de reclusão {3 anos + 1/6 (agravante) - 1/6 (atenuante)} e 14 dias-multa {15 dias + 1/6 - 1/6}.
Consignou o Juiz a respeito da dosimetria na segunda fase para o réu José:
Contudo, cabe afastar de ofício essa agravante.
A incidência da agravante decorrente da violação de dever inerente ao cargo, nos termos do art. 61, II, g, do Código Penal, ao delito de peculato caracteriza bis in idem, visto constituir elementar do delito.
Conclusão:
Assim, a pena de José permanece em 03 anos de reclusão e 15 dias-multa.
3ª FASE
Consignou o Juiz a respeito da dosimetria na terceira fase para a ré Silvana:
Alega a defesa: "Não deve incidir a causa de aumento do artigo 327, §2º, do CP, pois a ré era uma empregada como outra qualquer."
Conclusão:
Na verdade, conforme consignado pelo Juiz, a ré era supervisora, exercendo função, portanto, de gerenciamento, sendo cabível a causa de aumento do artigo 327, §2º, do CP em 1/3.
Consignou ainda o Juiz:
Conforme leciona Celso Delmanto, em seu livro Código Penal Comentado, a respeito do percentual de aumento no crime continuado: "O melhor critério é o que se baseia no número de infrações ou de condutas ilícitas cometidas, como parâmetro para o aumento de 1/6 até 2/3".
Cabe, portanto, reduzir, de ofício, o patamar de aumento da pena em razão da continuidade delitiva, devendo esta ser aplicada em 1/4 em razão da quantidade dos crimes cometidos (08).
Assim, a pena de Silvana na terceira fase fica em 04 anos, 10 meses e 10 dias de reclusão {2 anos e 11 meses + 1/3 (causa de aumento do art. 327 do CP) + 1/4 (continuidade delitiva) e 22 dias-multa (14 dias-multa + 1/3 + 1/4).
Alega a defesa que "A pena de multa deve ser de 13 dias-multa".
Contudo, como se nota acima, a pena de multa deve ser de 22 dias-multa, para que fique proporcional à pena privativa de liberdade.
Consignou o Juiz a respeito da dosimetria na terceira fase para o réu José:
"Destarte, com fulcro no art. 71, caput, do CP, tenho por aumentar as penas dos denunciados em 1/3 (um terço). Deixo de aplicar o mínimo (1/6), por conta da quantidade de vezes (08) que cometeram o delito de peculato no período. A reiteração, nesse patamar, permite-me aumentar o percentual de aumento das penas."
Conforme consignado para a ré Silvana, cabe aplicar essa causa de aumento em 1/4 (reduzo de ofício o aplicado na sentença) em razão da quantidade de crimes praticados.
Assim, a pena de José na terceira fase fica em 03 anos e 09 meses de reclusão {3 anos + 1/4 (continuidade delitiva) e 18 dias-multa {15 dias-multa + 1/4}
CONCLUSÃO DA DOSIMETRIA
Diante disso, no caso concreto, de rigor a fixação da pena definitiva em:
Silvana: 04 anos, 10 meses e 10 dias de reclusão e 22 dias-multa.
José: 03 anos e 09 meses de reclusão e 18 dias-multa.
O dia-multa fixado na sentença para Silvana e José é de meio salário mínimo vigente em junho de 2005.
REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA.
Alega a defesa de Silvana que "O regime de cumprimento da pena deve ser o aberto".
Contudo, de acordo com o artigo 33 do CP, o regime inicial para Silvana deve ser o semiaberto.
Para José, o regime inicial deve ser o aberto.
PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. PENA RESTRITIVA DE DIREITOS.
Alega a defesa de Silvana que "A pena privativa de liberdade deve ser substituída pela restritiva de direitos."
Contudo, a pena de Silvana foi superior a 4 anos, sendo inviável a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos (artigo 44 do CP).
Para o réu José, é possível a substituição, pois sua pena foi inferior a 4 anos; o crime não foi cometido com violência ou grave ameaça; o réu não é reincidente em crime doloso; a culpabilidade , os antecedentes, a conduta social e a personalidade, bem como os motivos e as circunstâncias indicam que essa substituição é suficiente.
Assim, substituo, de ofício, a pena privativa de liberdade de José por duas restritivas de direito, a saber:
1- Prestação pecuniária de 10(dez) salários mínimos (artigo 43, I, e artigo 45, §1º, ambos do Código Penal), destinada à CEF.
2- Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas pelo tempo da pena (artigo 43, IV, e artigo 46, ambos do Código Penal).
No mais, mantidas as demais determinações do Juiz:
"Nada obstante a denunciada SILVANA ter sido demitida da CEF, por meio da Portaria n. 328/05-GEINP05 - Ética e Disciplina, de 16 de novembro de 2005 (fl. 171), decreto, como efeito da presente condenação, a perda do seu cargo público na CEF, com fundamento no art. 92, I, "a" e do CP.
(...)
JOSÉ, na época dos fatos (e ainda hoje), é permissionário lotérico e, assim, exerce, inquestionavelmente, função pública.
Por conta disto, sujeita-se à perda do exercício da função pública, de acordo com o art. 92, I, "a" e do CP, valendo aqui, no que diz respeito à incidência dos incisos "a" e as mesmas considerações que fiz no tocante à perda do cargo da denunciada SILVANA.
(...)
Logo, decreto a perda do exercício da função pública desempenha por JOSÉ (por meio da permissão lotérica) concedida pela CEF; por conseguinte, confirma-se a revogação compulsória da permissão outorgada à lotérica API."
DISPOSITIVO
Ante todo o exposto:
- NEGO PROVIMENTO à apelação de José Manoel da Rosa;
- DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação de Silvana Weles de Oliveira para reduzir o patamar da agravante do artigo 62, I, do CP de 1/3 para 1/6;
- DE OFÍCIO:
a) afasto a agravante do artigo 61, II, 'g' em relação ao réu José;
b) reduzo o patamar da continuidade delitiva de 1/3 para ¼ para ambos os réus;
c) fixo o regime aberto para José;
d) e substituo a pena privativa de liberdade de José por restritiva de direitos.
Por derradeiro, para fins do art. 387, §2º, do Código de Processo Penal, de rigor seja comunicado prontamente o Juízo da Execução Penal, com cópias do v. acórdão.
Oficie-se à Vara de Execuções Criminais e ao Ministério da Justiça, encaminhando-se cópia do acórdão.
É o voto.
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