Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 27/07/2016
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003014-63.2006.4.03.6110/SP
2006.61.10.003014-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal WILSON ZAUHY
APELANTE : JOSE MANOEL DA ROSA
ADVOGADO : SP080341 RUBENS BARRA RODRIGUES DE LIMA e outro(a)
APELANTE : SILVANA WELES DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP261967 VANDERLEI RAFAEL DE ALMEIDA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00030146320064036110 1 Vr SOROCABA/SP

EMENTA

DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. TIPICIDADE. PECULATO. CRIME CONTINUADO. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA COMPROVADA. PRESENÇA DE DOLO. DOSIMETRIA. PENA BASE MANTIDA. AGRAVANTE DO ARTIGO 62, I, DO CP. AGRAVANTE DO ARTIGO 61, II, 'G' DO CP. CAUSA DE AUMENTO DO ARTIGO 327, §2º, DO CP. CRIME CONTINUADO. REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. PENA RESTRITIVA DE DIREITOS.
1. SILVANA WELES DE OLIVEIRA e JOSÉ MANOEL DA ROSA foram denunciados pelo Ministério Público Federal - MPF - porque, em Apiaí/SP, no interregno de setembro de 2004 a junho de 2005, a primeira denunciada, na condição de funcionária da CEF, ter-se-ia apropriado de R$ 100.000,00 (valor total) pertencente à CEF, com o auxílio do segundo denunciado (ajudou no desvio do valor), proprietário da lotérica API.
2. Imputado à parte ré a prática de peculato, tipificado no artigo 312 do Código Penal, de forma continuada (artigo 71 do CP).
3. Devidamente comprovada nos autos a materialidade do delito atribuído à parte ré.
4. Devidamente comprovada nos autos a autoria do delito atribuído à ré SILVANA.
5. Devidamente comprovada nos autos a autoria do delito atribuído ao réu JOSÉ.
6. Verifica-se que a parte ré teve deliberadamente a intenção de praticar o crime de peculato, tipificado no artigo 312 do Código Penal, de forma continuada (artigo 71 do CP).
7. A pena-base foi mantida em 03 anos de reclusão e 15 dias-multa para ambos os réus.
8. O número de condutas foi considerado como parâmetro para a agravante, contudo, tal parâmetro deve ser utilizado na análise da continuidade delitiva, evitando-se o bis in idem. Além disso, na lição de Guilherme de Souza Nucci, em sua obra Código Penal Comentado, agravantes e atenuantes devem ser equivalentes a 1/6, para que não sejam aplicados patamares totalmente aleatórios.
9. A incidência da agravante decorrente da violação de dever inerente ao cargo, nos termos do art. 61, II, g, do Código Penal, ao delito de peculato caracteriza bis in idem, visto constituir elementar do delito.
10. Conforme consignado pelo Juiz, a ré era supervisora, exercendo função, portanto, de gerenciamento, sendo cabível a causa de aumento do artigo 327, §2º, do CP em 1/3.
11. Cabe reduzir, de ofício, o patamar de aumento da pena em razão da continuidade delitiva, devendo esta ser aplicada em 1/4 em razão da quantidade dos crimes cometidos (08).
12. A pena de multa deve ser de 22 dias-multa, para que fique proporcional à pena privativa de liberdade.
13. Para José, o regime inicial de cumprimento da pena deve ser o aberto.
14. Substituo, de ofício, a pena privativa de liberdade de José por duas restritivas de direito.
15. Apelação de José Manoel da Rosa DESPROVIDA; apelação de Silvana Weles de Oliveira PARCIALMENTE PROVIDA para reduzir o patamar da agravante do artigo 62, I, do CP de 1/3 para 1/6; DE OFÍCIO, afastada a agravante do artigo 61, II, 'g' em relação ao réu José; reduzido o patamar da continuidade delitiva de 1/3 para ¼ para ambos os réus; fixado o regime aberto para José; e substituída a pena privativa de liberdade de José por restritiva de direitos.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação de José; dar parcial provimento à apelação de Silvana para reduzir o patamar da agravante do artigo 62, I, do CP de 1/3 para 1/6; e, de ofício, afastar a agravante do artigo 61, II, 'g' em relação ao réu José; reduzir o patamar da continuidade delitiva de 1/3 para ¼ para ambos os réus; fixar o regime aberto para José; e substituir a pena privativa de liberdade de José por restritiva de direitos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 19 de julho de 2016.
WILSON ZAUHY


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): WILSON ZAUHY FILHO:10067
Nº de Série do Certificado: 54E0977545D2497B
Data e Hora: 20/07/2016 19:05:13



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003014-63.2006.4.03.6110/SP
2006.61.10.003014-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal WILSON ZAUHY
APELANTE : JOSE MANOEL DA ROSA
ADVOGADO : SP080341 RUBENS BARRA RODRIGUES DE LIMA e outro(a)
APELANTE : SILVANA WELES DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP261967 VANDERLEI RAFAEL DE ALMEIDA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00030146320064036110 1 Vr SOROCABA/SP

VOTO

SILVANA WELES DE OLIVEIRA e JOSÉ MANOEL DA ROSA foram denunciados pelo Ministério Público Federal - MPF - porque, em Apiaí/SP, no interregno de setembro de 2004 a junho de 2005, a primeira denunciada, na condição de funcionária da CEF, ter-se-ia apropriado de R$ 100.000,00 (valor total) pertencente à CEF, com o auxílio do segundo denunciado (ajudou no desvio do valor), proprietário da lotérica API.

Consignou o Juiz: "ISTO POSTO, JULGO PROCEDENTE A DENÚNCIA APRESENTADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARA CONDENAR SILVANA WELES DE OLIVEIRA e JOSÉ MANOEL DA ROSA, por terem cometido, em continuidade delitiva (art. 71, caput, do CP), o crime de peculato-desvio (art. 312, caput, do CP), no período de 09.09.2004 a 08.06.2005, em Apiai/SP."

Apelam os réus.



DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. TIPICIDADE.

PECULATO. CRIME CONTINUADO.

Os tipos penais imputados à parte ré são os seguintes:

Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.
Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.
Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

Imputado à parte ré a prática de peculato, tipificado no artigo 312 do Código Penal, de forma continuada (artigo 71 do CP).



MATERIALIDADE COMPROVADA.

Consignou o Juiz a respeito da materialidade:

"O relato da CEF, inserto no apuratório administrativo, mostra, com detalhes, a garatusa contábil engendrada pela servidora da CEF, à época dos fatos, ora denunciada, com o fito de obter sucesso no desvio, em proveito próprio, de valores sobre os quais detinha a posse (indireta), em razão do seu cargo.
A manobra contábil, de acordo com o "Quadro 1" de fl. 09, foi mantida no interregno de 09.09.2004 a 08.06.2005 e ocasionou um rombo para a CEF no valor de R$ 100.000,00, para julho de 2005. Os documentos contábeis que fundamentaram a conclusão da CEF acerca do procedimento encetado pela servidora e denunciada SILVANA e que causaram prejuízo aos cofres públicos foram arrolados no item "7.1" do mencionado Relatório (fl. 07 - alguns se encontram às fls. 48 a 118):
"Documentos contábeis (DLE e Extrato SINAF - documentos de FLS. 020 a 090) do período de SET 04 a JUN 05 e extratos das contas tituladas pela Lotérica AP/ e pela empregada Silvana Weles de Oliveira (documentos de FLS. 099 a 214). Existe comprovação, assim, do desvio incrementado pela denunciada SILVANA, com a colaboração de JOSÉ, de dinheiro da conta da CEF. Em outras palavras, os documentos atestam a materialidade delitiva."


Conclusão:

Devidamente comprovada nos autos a materialidade do delito atribuído à parte ré.



AUTORIA COMPROVADA.

Consignou o Juiz a respeito da autoria de SILVANA:

"A servidora pública (art. 327, § 1°, do CP) SILVANA, em 2004 e 2005, era a responsável pela contabilidade das quantias adiantadas aos Lotéricos, destinadas aos pagamentos dos benefícios sociais. Isto é, era da sua incumbência controlar os valores creditados e debitados, naqueles moldes, nas contas dos Lotéricos e da própria CEF.
(...)
De um modo geral, as testemunhas ouvidas confirmaram a ocorrência da situação irregular provocada pela servidora SILVANA: Luiza (fls. 351-2), Ana Lopes (fls. 373-8 - Gerente da Agência da CEF em Capão Bonito/SP no período de 2004-6), Geraldo (fls. 409 a 416), Armando (fls. 430-1) e Carlos (fl. 441 - Auditor da CEF).
(...)
A denunciada SILVANA, desde o momento em que foi ouvida pela CEF, no Processo Administrativo que culminou com a rescisão do seu contrato de trabalho; depois, na Polícia Federal, e, por último, em Juízo, admitiu a autoria dos fatos delituosos.
(...)
Não há dúvida, considerando o conjunto de provas (documentos, testemunhas e confissão da denunciada), acerca da responsabilidade da denunciada SILVANA pelos crimes de peculato, em continuidade delitiva, cometidos no período de setembro de 2004 a junho de 2005."

Conclusão:

Devidamente comprovada nos autos a autoria do delito atribuído à ré SILVANA.


Consignou o Juiz a respeito da autoria de JOSÉ:

"Fato certo: sem a participação do denunciado JOSÉ, no caso em apreço, os crimes não teriam acontecido. Sua conduta, assim, foi decisiva para a consumação dos delitos.
(...)
Tudo aconteceu porque JOSÉ acatou os pedidos de SILVANA para que retirasse dinheiro da conta da lotérica e o entregasse à mãe de SILVANA, Zélia.
(...)
A denunciada SILVANA, desde as suas primeiras declarações, prestadas no PA instaurado pela CEF, informou que JOSÉ não sabia da irregularidade, não tem qualquer responsabilidade pelo acontecido.
(...)
JOSÉ, por sua vez, nega, também, qualquer envolvimento nos fatos delituosos.
(...)
As testemunhas Ana Lopes, Geraldo e Armando chegaram a afirmar que JOSÉ não teria conhecimento da irregularidade ou qualquer responsabilidade pelos fatos tratados, contudo suas declarações neste sentido foram calcadas tão-somente no que disse a própria denunciada no PA, isto é, suas declarações, nesse aspecto, tiveram por base as da denunciada SILVANA que, conforme visto, isentou JOSÉ de qualquer responsabilidade no caso.
(...)
Uma vez que a fonte das assertivas das testemunhas foi a denunciada SILVANA, o valor das suas declarações, no que diz respeito a esse assunto, será o mesmo que aquele dado às da denunciada SILVANA.
Tenho por correto que a estória apresentada pela denunciada SILVANA, que inspirou as declarações das testemunhas acima citadas, afastando de JOSÉ a responsabilidade pelos crimes aqui tratados, não é crível. Não "cola".
Trata-se de versão que não se coaduna com as circunstâncias dos fatos. Tudo indica que a denunciada SILVANA, com as suas declarações, assumindo a completude da culpa, tentou afastar o denunciado JOSÉ, porque se trata de conhecido da sua família há algum tempo (para não o prejudicar e tampouco manchar a imagem do seu negócio, da sua lotérica) e, de todo modo, JOSÉ, procedendo aos saques, como solicitados pela denunciada SILVANA, não deixou de lhe prestar um favor.
Arrolo as seguintes razões que me levam a concluir pela corresponsabilidade do denunciado JOSÉ para o cometimento dos crimes aqui debatidos:
Não há como negar que JOSÉ, empresário, dono da lotérica API há alguns anos (e responsável por toda a contabilidade da empresa - fl. 125), isto é, pessoa com comprovada experiência no ramo e no trato com a CEF, não tivesse consciência da irregularidade dos saques realizados.
Em primeiro lugar, sabia que o dinheiro transferido da CEF para a sua lotérica tinha por única finalidade o pagamento dos benefícios sociais. Isto é, não poderia ter sido usado com outro propósito; não poderia ter sido sacado e entregue para a mãe da denunciada SILVANA, a fim de suprir interesse exclusivo desta.
(...)
Mesmo que os recursos pudessem ser utilizados em benefício da denunciada SILVANA, não se mostra verossímil a possibilidade da realização das transações (=saques) divorciadas de quaisquer tipos de comprovantes.
(...)
Só se admite tal hipótese (=inexistência de comprovante referente ao saque) na comprovada ocorrência de um conluio entre os interessados (SILVANA e JOSÉ) com o evidente propósito de causar prejuízo à CEF, manifesta a intenção de não deixar qualquer tipo de rastro (prova) quanto à transação efetuada, mormente considerando que, como aconteceu, o prejuízo contábil seria "zerado" no próximo adiantamento realizado à lotérica.
No mais, como bem asseverou a testemunha Carlos, auditor da CEF (fl. 441), JOSÉ já tinha conhecimento do valor a maior transferido para a lotérica (mais que o necessário para o pagamento dos benefícios) e isto demonstra que SILVANA e JOSÉ, previamente, cuidavam de tramar toda a operação irregular.
(...)
Por último, a amizade entre SILVANA e JOSÉ confirma que os dois atuavam em unidade de desígnios, com o manifesto propósito de lesar a CEF.
(...)
A confiança e amizade, nesse contexto, não servem para afastar a responsabilidade de JOSÉ pelos fatos tratados na denúncia, como dogmatizaram as defesas de JOSÉ e SILVANA; atestam, ao contrário um forte elo entre os denunciados, extremamente propício à união de esforços destinados à consumação dos delitos, como efetivamente aconteceu.
Por tais motivos, estou convencido da efetiva colaboração do denunciado JOSÉ para o desiderato criminoso. Ciente da conduta ilícita pretendida pela denunciada SILVANA, auxiliou-a, utilmente, de maneira intencional (=dolo direto; afasta-se, assim, a conduta culposa) e onisciente do prejuízo causado à CEF."

O réu alega inocência em seu recurso. Passo a analisar seus argumentos.

Alega o réu José em seu recurso de apelação não ter praticado nenhum delito. Afirmou a defesa: "em momento algum da instrução penal restou demonstrado que o Réu JOSE MANOEL DA ROSA sabia que a Ré SILVANA WELES DE OLIVEIRA não prestava conta à Caixa Econômica Federal do dinheiro que pedia que o lotérico entregasse a sua mãe Zélia, aliás, isto restou patente nos depoimentos dos funcionários da CEF, como adiante demonstraremos, cujos depoimentos não foram levados em conta em prejuízo do Réu José Manoel da Rosa". Citou trechos dos depoimentos das testemunhas Ana Maria Lopes de Almeida e Gerado José Grilon que comprovariam a tese de que JOSE MANOEL DA ROSA não sabia do crime.



Conclusão:

Não procede o argumento do réu.

Conforme consignado na sentença, o depoimento das testemunhas mencionadas pela defesa foi sim levado em conta pelo Juiz ao proferir a sentença.

Entretanto, o Juiz destacou um aspecto dos depoimentos das mencionadas testemunhas:

"suas declarações neste sentido foram calcadas tão-somente no que disse a própria denunciada no PA, isto é, suas declarações, nesse aspecto, tiveram por base as da denunciada SILVANA que, conforme visto, isentou JOSÉ de qualquer responsabilidade no caso.


"J: Dada a palavra ao Dr. Defensor foi reperguntado: Sabe qual foi a declaração que dona Silvana prestou no procedimento interno a respeito da participação do seu José Manoel?
Conhecimento que tenho é que ela assumiu toda a responsabilidade, acho que existia relação de confiança entre o lotérico confiando nela, acredito que ele não tinha conhecimento. " (declarações da testemunha Ana Lopes - fl. 378)
"Dada a palavra ao Dr. Defensor do co-réu José Manoel, às suas reperguntas feitas diretamente respondeu: Nesse processo que os senhores investigaram, a Silvana foi ouvida?
Foi.
Ela assumiu a responsabilidade?
Sim, assumiu.
O lotérico não tinha conhecimento disso que ela estava fazendo, dessa irregularidade?
Não." (declarações da testemunha Geraldo - fl. 416)
"Perguntas pelo patrono do réu José Manoel: O réu José não obteve vantagem alguma com a transação. O depoente foi apenas testemunha da sindicância na Caixa Econômica. Nessa sindicância a ré Silvana disse que o réu José não teve qualquer participação na sua conduta ilícita." (declarações da testemunha Armando - fl. 431)

Uma vez que a fonte das assertivas das testemunhas foi a denunciada SILVANA, o valor das suas declarações, no que diz respeito a esse assunto, será o mesmo que aquele dado às da denunciada SILVANA."



Ademais, conforme consignou o Juiz "tudo aconteceu porque JOSÉ acatou os pedidos de SILVANA para que retirasse dinheiro da conta da lotérica e o entregasse à mãe de SILVANA, Zélia."


A conclusão do Juiz fica reforçada pelas seguintes passagens:

- em suas declarações à Comissão (fls. 125), o réu afirmou que "na prestação de contas era debitado a menor, descontando o valor entregue para a mãe da empregada Silvana, que os valores eram sempre entregues para a mãe da empregada Silvana (...), que não se lembra quando foi a primeira vez que fez esse tipo de favor para a empregada Silvana (...), que em toda prestação de contas era solicitado pela empregada Silvana a entrega de 2 a 3 mil reais para a mãe da empregada (...), que é amigo da família da empregada Silvana há mais de 10 anos."

- em suas declarações à Polícia (fls. 247), o réu afirmou "que Silvana obtinha o valor de R$ 2.000,00 a R$ 3.000,00 junto ao declarante depois do adiantamento concedido (...) perguntado se não suspeitava do procedimento, isto é, receber um adiantamento da CEF e entregar parte do valor para um particular(...) o declarante esclarece que não sabia que Silvana se apropriava do valor, pois era dito por esta que fazia o acerto na agência"

- em seu interrogatório judicial, o réu José admitiu que "emprestava" o dinheiro à ré Silvana "na confiança", e quando o réu sacava o dinheiro do movimento da agência (depositado pela CEF para pagamento de benefícios sociais) para entregar à mãe de Silvana não era emitido nenhum comprovante.


Isto posto, correta a conclusão do Juiz no sentido de que:

- José, empresário e dono da lotérica, com experiência no ramo, tinha consciência da irregularidade dos saques que ele próprio realizava;

- A inexistência de comprovante dos saques indica o conluio entre os réus para não deixar rastro da operação realizada;

- O auditor da CEF (fls. 441) afirmou que José sabia que estava recebendo valores a maior do que o necessário, o que reforça o conluio;

- O forte elo de amizade indica a união de esforços para a prática criminosa, havendo dolo direto de José.


Conclusão:

Devidamente comprovada nos autos a autoria do delito atribuído ao réu José.



PRESENÇA DE DOLO.

Sendo o dolo, na comum lição da doutrina, a vontade livre e consciente de praticar a conduta proibida pelo tipo penal, é inegável a sua presença na hipótese dos autos.

Conclusão:

Verifica-se que a parte ré teve deliberadamente a intenção de praticar o crime de peculato, tipificado no artigo 312 do Código Penal, de forma continuada (artigo 71 do CP).



DOSIMETRIA.

1ª FASE

Consignou o Juiz a respeito da dosimetria na primeira fase:

"De acordo com o art. 59 do CP, as penas-base merecem incremento unicamente em razão das consequências do crime.
O dano experimentado pela CEF, com a conduta dos denunciados, foi de R$ 100.000,00, consoante atesta o item "8.5" do "Relatório Conclusivo" elaborado no PA instaurado pela CEF para apurar a situação; demonstra o "Quadro 1" de fl. 09 e asseverou a própria denunciada, em suas declarações (fls. 468 e 470).
Pelo considerável prejuízo causado pelos denunciados aos cofres públicos (aproximadamente 161 salários mínimos), ainda não ressarcido, isto é, pelas consequências oriundas do crime aqui analisado, tenho por avolumar as penas-base em 1/2 (um meio).
As pena-base totalizarão, então, para a denunciada SILVANA: 3 anos de reclusão [2 anos (=mínimo) + 1/2 (consequências do crime)] e 15 dias-multa [10 dias (=mínimo) + 1/2].
Para o denunciado JOSÉ: 3 anos de reclusão [2 anos (=mínimo) + 1/2 (consequências do crime)] e 15 dias-multa [10 dias (=mínimo) + 1/2]."

A defesa de Silvana sustenta: Deve a pena-base ser reduzida, pois o valor total (R$ 100.000,00) não é relevante se considerado que ele foi mensalmente desviado (aproximadamente R$ 4.000,00 mensais).


Conclusão:

Sem razão a defesa. O valor do dinheiro desviado soma R$ 100.000,00, sendo bastante significativo, permitindo a elevação da pena-base em 01 ano.


Conclusão quanto à primeira fase

PENA BASE MANTIDA.


A pena-base foi mantida em 03 anos de reclusão e 15 dias-multa para ambos os réus.




2ª FASE

Consignou o Juiz a respeito da dosimetria na segunda fase para a ré Silvana:

"O comportamento de ambos foi decisivo para o sucesso da tarefa criminosa. Mas, evidente que a organização, o gerenciamento da empreita sempre estiveram sob a incumbência da denunciada SILVANA.
Por conseguinte, proeminente sua conduta nos fatos aqui tratados, incide a agravante do art. 62, I, do CP:
"Art. 62. A pena será ainda agravada em relação ao agente que:
I - promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes; "
As penas-base da denunciada SILVANA, dessarte, merecem acréscimo de 1/3 (um terço), em razão do número de condutas (pelo menos 3 - supramencionadas) determinantes para a consumação do delito.
Por outro lado, a denunciada SILVANA, desde o momento em foi ouvida no âmbito administrativo, na CEF (fl. 45), na Polícia Federal (fls. 215-6) e em juízo (fls. 468 e 470), confessou a prática do delito, motivo pelo qual as suas penas devem ser atenuadas, em 1/6 (um sexto), com fulcro no art. 65, III, do CP."


Alega a defesa de Silvana que é "incabível a agravante do artigo 62, I, do CP, pois JOSÉ MANOEL DA ROSA não cometeu nenhum crime, assumindo a ré toda a responsabilidade pelo crime".


Como consignado anteriormente, José cometeu sim o crime, sendo cabível a aplicação da agravante do artigo 62, I, do CP.


Alega ainda a defesa:

- Não constam dos tipos penais mencionados que o número de condutas do agente na prática do delito é causa agravantes da pena.

- Ocorreu bis in idem, pois o Juiz considerou a reiteração das condutas na segunda e na terceira fases da dosimetria, quando só deveria ter sido exasperada a pena na terceira fase no patamar de 1/3.

- Há outras atenuantes: desconhecimento da lei e a confissão da sentenciada desde a fase policial.


Como se nota, o número de condutas foi considerado como parâmetro para a agravante, contudo, tal parâmetro deve ser utilizado na análise da continuidade delitiva, evitando-se o bis in idem.

Além disso, na lição de Guilherme de Souza Nucci, em sua obra Código Penal Comentado, agravantes e atenuantes devem ser equivalentes a 1/6, para que não sejam aplicados patamares totalmente aleatórios.

De outro lado, inviável acolher a alegação de desconhecimento da lei, e a atenuante da confissão foi reconhecida.

Assim, aplicável a agravante do artigo 62, I, do CP em 1/6, bem como a atenuante da confissão (art. 65, III, d, do Código Penal) em 1/6.



Conclusão:

Assim, a pena de Silvana na segunda fase fica em 02 anos e 11 meses de reclusão {3 anos + 1/6 (agravante) - 1/6 (atenuante)} e 14 dias-multa {15 dias + 1/6 - 1/6}.



Consignou o Juiz a respeito da dosimetria na segunda fase para o réu José:

"No exercício de "cargo", na medida em que desempenhava função delegada pela Administração Pública indireta, por meio de "permissão", JOSÉ, conduzindo-se de modo a praticar delito, incidiu em falta grave, violou dever inerente ao exercício da sua função pública e, por conseguinte, tem aplicação a agravante tratada no art. 61, II, 'g', do CP, à razão de 1/3 (um terço)."

Contudo, cabe afastar de ofício essa agravante.

A incidência da agravante decorrente da violação de dever inerente ao cargo, nos termos do art. 61, II, g, do Código Penal, ao delito de peculato caracteriza bis in idem, visto constituir elementar do delito.


Conclusão:

Assim, a pena de José permanece em 03 anos de reclusão e 15 dias-multa.




3ª FASE

Consignou o Juiz a respeito da dosimetria na terceira fase para a ré Silvana:

"A denunciada SILVANA, na época dos fatos, era "Supervisora de Retaguarda" na Agência da CEF em Capão Bonito, como ela mesma informou (fl. 45):
"... que está lotada na RET PV desde SET 2000 exercendo a função de Supervisor de Retaguarda;..."
Exercia, à evidência, função de direção, gerenciamento, no âmbito da Agência da CEF naquele município. Em razão disto, deve ser observado o disposto no art. 327, § 2°, do CP, verbis:
"§ 2°. A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo pode público. ""

Alega a defesa: "Não deve incidir a causa de aumento do artigo 327, §2º, do CP, pois a ré era uma empregada como outra qualquer."


Conclusão:

Na verdade, conforme consignado pelo Juiz, a ré era supervisora, exercendo função, portanto, de gerenciamento, sendo cabível a causa de aumento do artigo 327, §2º, do CP em 1/3.


Consignou ainda o Juiz:

"Por fim, na condição de causa de aumento estabelecida na Parte Geral do CP (art. 71), haja vista que os denunciados cometeram, no interregno de 09.09.2004 a 08.06.2005, o crime de peculato (mesma espécie) por, pelo menos, 08 (oito) vezes (o "Quadro 1" de fl. 09 demonstra a quantidade de saques - desvios - realizados em benefício da denunciada SILVANA), no mesmo lugar (lotérica em Apiaí), com a mesma frequência (tempo) e observando o mesmo modus operandi, certo que os subsequentes devem ser considerados continuação do primeiro.
Destarte, com fulcro no art. 71, caput, do CP, tenho por aumentar as penas dos denunciados em 1/3 (um terço). Deixo de aplicar o mínimo (1/6), por conta da quantidade de vezes (08) que cometeram o delito de peculato no período. A reiteração, nesse patamar, permite-me aumentar o percentual de aumento das penas."

Conforme leciona Celso Delmanto, em seu livro Código Penal Comentado, a respeito do percentual de aumento no crime continuado: "O melhor critério é o que se baseia no número de infrações ou de condutas ilícitas cometidas, como parâmetro para o aumento de 1/6 até 2/3".

Cabe, portanto, reduzir, de ofício, o patamar de aumento da pena em razão da continuidade delitiva, devendo esta ser aplicada em 1/4 em razão da quantidade dos crimes cometidos (08).

Assim, a pena de Silvana na terceira fase fica em 04 anos, 10 meses e 10 dias de reclusão {2 anos e 11 meses + 1/3 (causa de aumento do art. 327 do CP) + 1/4 (continuidade delitiva) e 22 dias-multa (14 dias-multa + 1/3 + 1/4).


Alega a defesa que "A pena de multa deve ser de 13 dias-multa".

Contudo, como se nota acima, a pena de multa deve ser de 22 dias-multa, para que fique proporcional à pena privativa de liberdade.


Consignou o Juiz a respeito da dosimetria na terceira fase para o réu José:

"Destarte, com fulcro no art. 71, caput, do CP, tenho por aumentar as penas dos denunciados em 1/3 (um terço). Deixo de aplicar o mínimo (1/6), por conta da quantidade de vezes (08) que cometeram o delito de peculato no período. A reiteração, nesse patamar, permite-me aumentar o percentual de aumento das penas."


Conforme consignado para a ré Silvana, cabe aplicar essa causa de aumento em 1/4 (reduzo de ofício o aplicado na sentença) em razão da quantidade de crimes praticados.


Assim, a pena de José na terceira fase fica em 03 anos e 09 meses de reclusão {3 anos + 1/4 (continuidade delitiva) e 18 dias-multa {15 dias-multa + 1/4}



CONCLUSÃO DA DOSIMETRIA

Diante disso, no caso concreto, de rigor a fixação da pena definitiva em:

Silvana: 04 anos, 10 meses e 10 dias de reclusão e 22 dias-multa.


José: 03 anos e 09 meses de reclusão e 18 dias-multa.


O dia-multa fixado na sentença para Silvana e José é de meio salário mínimo vigente em junho de 2005.



REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA.

Alega a defesa de Silvana que "O regime de cumprimento da pena deve ser o aberto".

Contudo, de acordo com o artigo 33 do CP, o regime inicial para Silvana deve ser o semiaberto.


Para José, o regime inicial deve ser o aberto.

PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. PENA RESTRITIVA DE DIREITOS.

Alega a defesa de Silvana que "A pena privativa de liberdade deve ser substituída pela restritiva de direitos."

Contudo, a pena de Silvana foi superior a 4 anos, sendo inviável a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos (artigo 44 do CP).


Para o réu José, é possível a substituição, pois sua pena foi inferior a 4 anos; o crime não foi cometido com violência ou grave ameaça; o réu não é reincidente em crime doloso; a culpabilidade , os antecedentes, a conduta social e a personalidade, bem como os motivos e as circunstâncias indicam que essa substituição é suficiente.

Assim, substituo, de ofício, a pena privativa de liberdade de José por duas restritivas de direito, a saber:

1- Prestação pecuniária de 10(dez) salários mínimos (artigo 43, I, e artigo 45, §1º, ambos do Código Penal), destinada à CEF.

2- Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas pelo tempo da pena (artigo 43, IV, e artigo 46, ambos do Código Penal).


No mais, mantidas as demais determinações do Juiz:


"Nada obstante a denunciada SILVANA ter sido demitida da CEF, por meio da Portaria n. 328/05-GEINP05 - Ética e Disciplina, de 16 de novembro de 2005 (fl. 171), decreto, como efeito da presente condenação, a perda do seu cargo público na CEF, com fundamento no art. 92, I, "a" e do CP.

(...)

JOSÉ, na época dos fatos (e ainda hoje), é permissionário lotérico e, assim, exerce, inquestionavelmente, função pública.

Por conta disto, sujeita-se à perda do exercício da função pública, de acordo com o art. 92, I, "a" e do CP, valendo aqui, no que diz respeito à incidência dos incisos "a" e as mesmas considerações que fiz no tocante à perda do cargo da denunciada SILVANA.

(...)

Logo, decreto a perda do exercício da função pública desempenha por JOSÉ (por meio da permissão lotérica) concedida pela CEF; por conseguinte, confirma-se a revogação compulsória da permissão outorgada à lotérica API."


DISPOSITIVO

Ante todo o exposto:

- NEGO PROVIMENTO à apelação de José Manoel da Rosa;

- DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação de Silvana Weles de Oliveira para reduzir o patamar da agravante do artigo 62, I, do CP de 1/3 para 1/6;

- DE OFÍCIO:

a) afasto a agravante do artigo 61, II, 'g' em relação ao réu José;

b) reduzo o patamar da continuidade delitiva de 1/3 para ¼ para ambos os réus;

c) fixo o regime aberto para José;

d) e substituo a pena privativa de liberdade de José por restritiva de direitos.


Por derradeiro, para fins do art. 387, §2º, do Código de Processo Penal, de rigor seja comunicado prontamente o Juízo da Execução Penal, com cópias do v. acórdão.

Oficie-se à Vara de Execuções Criminais e ao Ministério da Justiça, encaminhando-se cópia do acórdão.



É o voto.




WILSON ZAUHY
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): WILSON ZAUHY FILHO:10067
Nº de Série do Certificado: 54E0977545D2497B
Data e Hora: 20/07/2016 19:05:10