D.E. Publicado em 16/08/2016 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer parte da apelação dos réus e, na parte conhecida, negar-lhe provimento, dar parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal e dar provimento à apelação da União, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de apelações interpostas pelos réus Aldo da Cruz Pinheiro e Rosiléia Pereira de Assunção, pela União e pelo Ministério Público Federal em face da sentença que julgou parcialmente procedente a ação civil pública por danos ambientais.
Segundo narrado na inicial pelo Ministério Público Federal, Aldo da Cruz Pinheiro e sua esposa Rosiléia Pereira de Assunção são possuidores de um imóvel situado no Lote 30-A, da Avenida Erivelton Francisco de Oliveira, antiga Estrada da Balsa, identificado com o n° 35-15, no bairro Beira-Rio, município de Rosana/SP, que possui uma área de 1.665m² (quinhentos e sessenta e dois metros quadrados), onde foi edificada uma residência em alvenaria, localizada a 22m do nível da água, totalizando 284m² (duzentos e oitenta e quatro metros quadrados) de construção, sendo que a degradação ambiental atinge a totalidade da área. Assim, constatou-se que o lote em tela encontra-se totalmente inserido em área de preservação permanente, consistente numa faixa de 500m (quinhentos metros) a partir do maior leito sazonal do Rio Paraná, não havendo autorização para construção no local.
Dessa forma, requereu a concessão liminar de tutela específica antecipada para o fim de: a) impor à parte ré o cumprimento de obrigação de não fazer, consistente em abster-se de realizar qualquer nova construção em áreas de várzeas e preservação permanente, devendo, inclusive, paralisar todas as atividades antrópicas ali empreendidas, mormente no que concerne a iniciar, dar continuidade ou concluir qualquer obra ou edificação, bem como o despejo, no solo ou nas águas do rio Paraná, de qualquer espécie de lixo doméstico ou de demais materiais ou substâncias poluidoras; b) impor à parte ré o cumprimento de obrigação de não fazer consistente em abster-se de promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal do referido imóvel, sem a necessária e indispensável autorização do órgão competente; c) impor à parte ré o cumprimento de obrigação de se abster de conceder o uso daquela área a qualquer interessado; e, d) fixar multa liminar diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), no caso de eventual descumprimento das medidas acima.
Após cognição exauriente, postula a condenação dos réus ao cumprimento de:
1) obrigação de não fazer, consistente em abster-se de utilizar ou explorar as áreas de várzea e preservação permanente dos imóveis localizados no Lote 30-A, situado na Avenida Erivelton Francisco de Oliveira, antiga Estrada da Balsa, identificado com o n° 35-15, no bairro Beira-Rio, município de Rosana/SP, bem como em abster-se de promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal do referido imóvel, sem a necessária e indispensável autorização do órgão competente;
2) obrigação de fazer consistente em demolir todas as construções existentes nas áreas de várzea e preservação permanente inseridas no referido lote, e não previamente autorizadas pelos órgãos ambientais, providenciando, ainda, a retirada de todo o entulho para local aprovado pelo órgão ambiental, no prazo de 30 dias;
3) obrigação de fazer, consistente em recompor a cobertura florestal da área de preservação permanente do referido lote, no prazo de 6 meses, pelo plantio racional e tecnicamente orientado de espécies nativas e endêmicas da região, com acompanhamento e tratos culturais, pelo período mínimo de 2 anos, em conformidade com projeto técnico a ser submetido e aprovado pela CNRN - Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais ou pelo IBAMA, marcando-se prazo para apresentação do projeto junto àqueles órgãos não superior a 30 dias;
4) recolhimento, em conta judicial, de quantia suficiente para a execução das referidas restaurações, a ser apurado em liquidação, caso não o façam nos prazos fixados em sentença;
5) pagamento de indenização a ser quantificada em perícia e definida pelo magistrado, correspondente aos danos ambientais causados ao longo dos anos, em razão de se ter impedido a regeneração da vegetação no local da edificação, corrigida monetariamente, a ser recolhido ao Fundo Federal de Reparação de Interesses Difusos Lesados ou a ser destinada a projetos ambientais na região, neste caso se, porventura, houver eventual acordo entre as partes;
6) pagamento de multa diária equivalente a um salário mínimo, também a ser recolhida ao Fundo Federal de Reparação de Interesses Difusos Lesados, em caráter exclusivo cominatório, em caso de descumprimento total ou parcial de qualquer das obrigações de fazer e não fazer, acima discriminadas; e
7) ao pagamento das custas, honorários periciais e despesas do processo (fls. 02/33).
O pedido liminar foi indeferido (fls. 189/189v), razão pela qual o Ministério Público Federal interpôs agravo de instrumento, cujo pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal foi deferido parcialmente para impor "obrigações de não fazer referentes à abstenção de realização de novas construções, de despejo, no solo ou nas águas do Rio Paraná, de qualquer espécie de lixo doméstico ou demais materiais ou substâncias poluidores e de supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal no imóvel em evidência, sem a autorização do órgão competente, não devendo prevalecer, tão somente, a pretensão de que os agravados se abstenham de concessão de uso da área a qualquer interessado, o qual também estará, naturalmente, sujeito às obrigações aqui elencadas, de acordo com ciência que deve ser dada pelos agravados.", sob pena de, em caso de descumprimento das obrigações acima discriminadas, multa diária no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), até o máximo de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), sem olvidar da reconstituição do imóvel ao estado em que ora se encontra (fls. 237/240).
Foram deferidos os ingressos na lide da União e do IBAMA como assistentes litisconsorciais ativos (fls. 249 e 398), havendo manifestação de ambos (fls. 309/314).
Foi juntado relatório técnico ambiental pelo IBAMA (fls. 221/231 e 322/331).
O Parquet juntou aos autos laudo pericial confeccionado pelo Departamento de Polícia Federal (fls. 286/303).
Após serem devidamente citados, o réu Aldo da Cruz Pinheiro requereu o chamamento ao processo do Município de Rosana/SP (fls. 342/349) e ofereceu contestação (fls. 350/371), enquanto que a ré Rosiléia Pereira de Assunção apenas apresentou contestação (fls. 374/394).
Em despacho, o MM Juízo a quo indeferiu o pedido de chamamento ao processo e concedeu prazo para que as partes requeressem provas que pretendessem produzir (fl. 438).
O órgão ministerial requereu o julgamento antecipado da lide, já que a questão tratada nos autos seria unicamente de direito (fls. 449/451), tendo a União concordado a respeito (fl. 455); ao passo que os réus Aldo da Cruz Pinheiro e Rosiléia Pereira de Assunção limitaram-se a pleitear a extinção do processo sem julgamento do mérito por perda de objeto em função do advento da Lei n° 12.651/12 (fls. 457/468).
Aos 4 de outubro de 2013, o MM Juízo da 1ª Vara Federal de Presidente Prudente/SP, sem determinar a produção de qualquer prova, julgou parcialmente procedente o pedido inicial, condenando os réus a:
a) demolir e remover todas as edificações e benfeitorias localizadas em faixa de 15 metros de largura, medidos horizontalmente, a partir do nível normal do rio, excetuada uma via de acesso de 3 (três) metros de largura para o rio a partir e perpendicular ao lote, sem calçamento e sem muros ou grades de separação laterais;
b) promover o reflorestamento dessa faixa de 15 metros, bem assim de, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) da área restante do lote, observada a biodiversidade local, sob supervisão do IBAMA e demais órgãos competentes;
c) instalar fossa séptica que impeça a filtração no solo e transbordamento em caso de inundação, bem assim promover sua limpeza periódica, tudo de acordo com as normas técnicas pertinentes;
d) abster-se de realizar qualquer nova construção ou benfeitoria na área ocupada;
e) abster-se de despejar ou permitir que se despeje no solo ou nas águas do rio Paraná qualquer espécie de lixo doméstico, dejetos e materiais ou substâncias poluidoras, bem assim retirar do lote todo e qualquer entulho, lixo orgânico e inorgânico, que deverão ser depositados em locais adequados;
f) abster-se de criar animais (gado bovino, suíno, caprino, equino, aves etc.), ainda que para consumo próprio, devendo demolir quaisquer instalações voltadas a essas atividades (chiqueiros, galinheiros, currais etc.);
g) abster-se de promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal no imóvel sem prévia autorização do órgão competente;
h) apresentar ao órgão competente, no prazo de 90 (noventa) dias contados do trânsito em julgado, projeto de recuperação ambiental elaborado por técnico devidamente habilitado, com cronograma das obras e serviços, inclusive quanto à demolição de benfeitorias ora determinada e destinação adequada de entulhos e à instalação de fossa séptica;
i) iniciar a implantação do projeto de recuperação ambiental da área de preservação permanente no prazo de 60 (sessenta) dias, contado da comunicação de sua aprovação pelo órgão competente, devendo obedecer todas as exigências e recomendações feitas pelo referido órgão, assim como os prazos que forem estipulados para o término de cada providência;
j) pagar indenização pelos danos ambientais causados, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), em favor do Fundo Federal de Defesa de Direitos Difusos, corrigíveis a partir da data da prolação da sentença, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal (Res. CJF n° 134/10 e eventuais sucessoras).
Ainda, fixou multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais) em caso de descumprimento da sentença, incidente a partir do decurso dos prazos então estipulados e aqueles que forem determinados pelo órgão ambiental, em relação a cada item descumprido pelos réus, em favor do Fundo Federal de Defesa de Direitos Difusos, também corrigível a partir da data da prolação da sentença. Destacou que decorridos 6 meses sem cumprimento, a partir de quando iniciada a incidência da multa, fica desde logo estabelecida a demolição e remoção de todas as edificações existentes no imóvel, sem exceção de qualquer uma e sem prejuízo das obrigações anteriores, estendidas à totalidade da área, interditando-se completamente o acesso e uso. Por fim, deixou de condenar ao pagamento de honorários advocatícios e arbitrou as custas na forma da lei (fls. 478/485v).
Em razões recursais, o Ministério Público Federal requer a reforma da r. sentença, tendo como parâmetro a área de preservação permanente de 500m (quinhentos metros), para o fim de condenar a parte ré aos pedidos formulados na petição inicial descriminados acima nos itens 1, 2, 3, 4, 6 e 7 (fls. 488/501).
A seu turno, Aldo da Cruz Pinheiro e Rosiléia Pereira de Assunção reiteram o pedido de concessão do benefício da assistência judiciária gratuita. No mérito, alegam que não restou comprovado que a existência de seu imóvel impede a erosão da margem esquerda do Rio Paraná, de modo que a respectiva demolição causará dano ambiental de maior gravidade do que sua manutenção. Assim, pleiteiam a anulação do julgado, para que seja realizada prova pericial, ante sua imprescindibilidade, a qual teria sido requerida em contestação (fls. 505/510).
Por sua vez, a União pugna pela reforma da r. sentença para que a ação civil pública seja julgada totalmente procedente, pois a área de preservação permanente em tela corresponde a 500m (quinhentos metros), já que não é passível de regularização fundiária ou ambiental, de modo que deve haver retificação do valor arbitrado a título de indenização (fls. 585/588).
Ambos os recursos de apelação foram recebidos em seus respectivos efeitos (fls. 555 e 593).
Foram apresentadas contrarrazões pelo Ministério Público Federal, pela União e pelos réus Aldo da Cruz Pinheiro e Rosiléia Pereira de Assunção (fls. 570/583, 589/591v e 595/613).
O IBAMA, embora não tenha interposto recurso de apelação e apresentado contrarrazões, manifestou-se pela procedência total da ação civil pública (fl. 634).
A Procuradoria Regional da República opina, em parecer, pelo improvimento da apelação dos réus e provimento das apelações do Ministério Público Federal e da União (fls. 636/644).
É o relatório.
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VOTO
Inicialmente, destaca-se que o MM Juízo a quo já concedeu aos réus os benefícios da assistência judiciária gratuita (fl. 438), razão pela qual não conheço parte do recurso.
Não prevalece o argumento de cerceamento ao direito de defesa decorrente da não realização de prova pericial, vez que revela-se totalmente dispensável para o deslinde da causa.
Cabe salientar que, visando a presente demanda a concessão de tutela jurisdicional de proteção ao meio ambiente, incidem os princípios in dubio pro natura e da precaução, de modo que ao poluidor recai o ônus probatório de inocorrência de potencial ou efetiva degradação ambiental:
Conforme será demonstrado na análise do mérito recursal, revela-se totalmente dispensável a produção de quaisquer outras provas, já que a parte ré não apresentou nenhum elemento hábil a desconstituir a presunção de legitimidade que gozam os documentos que instruem os autos, em especial o Auto de Infração Ambiental n° 189467 emanado pelo Departamento Estadual de Proteção Ambiental (fl. 84), Boletim de Ocorrência Ambiental lavrado pela Polícia Militar do Estado de São Paulo (fls. 86/88v), Termo Circunstanciado n° 116/06 lavrado pela Polícia Civil do Estado de São Paulo (fls. 111/115), Laudo Técnico de Constatação e Avaliação de Dano Ambiental elaborado pelo Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais (fls. 117/123), Laudo n° 1.288/06 realizado pelo Instituto de Criminalística da Superintendência da Polícia Técnico-Científica de São Paulo/SP (fls. 126/128), Auto de Constatação n° 226-2009 elaborado pela Promotoria de Justiça do Meio Ambiente de Presidente Prudente/SP (fls. 131/136), Relatório Técnico Ambiental da propriedade dos réus elaborado pelo IBAMA (fls. 222/231 e 322/331) e Laudo de Perícia Criminal Federal n° 3871/2011 do Departamento de Polícia Federal (fls. 286/303), muito menos apresentou qualquer argumento de imprescindibilidade de produção de prova pericial.
Não se olvide que há precedentes desta C. Segunda Seção no sentido de imprescindibilidade de prova pericial em ações civis públicas de responsabilização por danos ambientais decorrentes de intervenção antrópica em áreas de preservação permanente, entre eles: AC 00114029320084036106, DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, TRF3 - SEXTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:02/10/2015, AC 00088586920074036106, DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRE NABARRETE, TRF3 - QUARTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/09/2015, AC 00050770520084036106, DESEMBARGADOR FEDERAL NERY JUNIOR, TRF3 - TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/02/2015.
Porém, o presente caso se distingui dos citados precedentes, vez que naqueles a perícia se revelaria indispensável para constatar a existência e extensão dos danos ambientais, a possibilidade de restauração da vegetação nativa, e até mesmo se o imóvel estaria de fato situado em área de preservação permanente.
Havendo documentos mais que suficientes demonstrando que o rancho em tela está inteiramente inserido em área de preservação permanente ciliar, sendo pacífico na jurisprudência que a mera ocupação nesse espaço territorial especialmente protegido pelo Poder Público por si só constitui dano in re ipsa, em razão de ser qualificado como território non aedificandi, revela-se totalmente dispensável a produção de prova técnica pericial, em homenagem aos princípios da economia processual e razoável duração do processo.
Nesse sentido:
Repise-se que os argumentos apresentados pelos réus em suas razões recursais não ensejam a nulidade do feito em razão de cerceamento de defesa decorrente da não realização de prova pericial, vez que são totalmente irrelevantes as alegações de ausência de dano ambiental ou localização do imóvel em área urbana para o deslinde da causa, conforme será demonstrado adiante.
Nesse sentido, o artigo 464, §1°, II, do Código de Processo Civil de 2015 (art. 420, II, CPC/73) dispõe que: "O juiz indeferirá a perícia quando: (...) II - for desnecessária em vista de outras provas produzidas;".
Dessa forma, rejeito a alegação de cerceamento do direito de defesa e passo à análise do mérito recursal.
A ação civil pública é um dos instrumentos processuais adequados para tutelar direitos e interesses supraindividuais, os quais abrangem os difusos, coletivos e individuais homogêneos pertinentes ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, à ordem econômica e urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos, ao patrimônio público e social, e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
A manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado consiste em direito fundamental de terceira geração, sendo dever do Poder Público e da coletividade defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, conforme determina o artigo 225 da Constituição Federal:
Neste contexto, com a finalidade de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, bem como proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, foram estabelecidas, com fundamento no artigo 225, §1°, III, da Carta Magna, as áreas de preservação permanente entre os espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público, instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, VI, Lei nº 6.938/81), definidas tanto pelo antigo quanto pelo novo Código Florestal, sendo que aquelas localizadas nas margens dos cursos d`água possuem dimensões de acordo com as respectivas larguras destes, verbis:
Comparando as normas acima, conclui-se que as larguras mínimas das áreas de preservação permanente de faixas marginas de qualquer curso d`água não se alteraram em função da largura deste. Porém, houve alteração da linha inicial de demarcação, de forma que a nova legislação ambiental culminou em reduzir o tamanho da área de preservação permanente, vez que o antigo Código Florestal estabelecia sua fixação desde o nível mais alto em faixa marginal (nível alcançado por ocasião da cheia sazonal do curso d`água perene ou intermitente) e o novo Código Florestal desde a borda da calha do leito regular (calha por onde correm regularmente as águas do curso d`água durante o ano).
Saliente-se que, em face dos princípios tempus regit actum e da não regressão ou vedação ao retrocesso ecológico, a Lei n° 4.771/65, embora revogada, pode ser aplicada aos fatos ocorridos antes da vigência da Lei n° 12.651/12, ainda que a norma seja mais gravosa ao poluidor.
Nesse sentido:
No caso em tela, os danos ambientais foram constatados já no ano de 2006 pelo Poder Público, aplicando-se dessa forma a legislação então em vigor (Lei n° 4.771/65 com as alterações da Lei n° 7.803/89), de maneira que a faixa de área de preservação permanente em questão é de 500m (quinhentos metros), uma vez que o imóvel está situado na margem do Rio Paraná, cuja margem possui largura superior a 600 (seiscentos) metros, nos termos do artigo 2°, "a", item 5, do antigo Código Florestal.
A fim de conferir uma maior proteção ao meio ambiente, a Lei nº 6.938/81, denominada Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, prevê que a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva, ou seja, independe da caracterização da culpa, além de ser fundada na teoria do risco integral, razão pela qual é incabível a aplicação de excludentes de responsabilidade para afastar a obrigação de reparar ou indenizar, verbis:
Nesse sentido é firme a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça, o qual já se manifestou inclusive sob o rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973:
Assim, basta a demonstração do dano ambiental e o nexo causal entre o resultado lesivo e a situação de risco criada pelo agente no exercício de atividade, no seu interesse e sob seu controle, dispensando-se o elemento subjetivo, para resultar na responsabilidade por dano ambiental.
Outrossim, a obrigação de reparar os danos ambientais é considerada propter rem, sendo irrelevante que o autor da degradação ambiental inicial não seja o atual o proprietário, possuidor ou ocupante, pois aquela adere ao título de domínio ou posse, sem prejuízo da solidariedade entre os vários causadores do dano, sendo inviável qualquer alegação de direito adquirido à degradação, nos termos do artigo 7° do novo Código Florestal:
Destaca-se que a novel legislação apenas veio positivar a jurisprudência já consolidada do C. Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a obrigação de reparação por dano ambiental possui natureza real, transmissível ao sucessor, a qualquer título, na hipótese de transferência de domínio ou posse do imóvel rural, razão pela qual incabível qualquer alegação visando eximir-se do dever de reparação do dano em razão de ter ocorrido antes da novatio legis:
Por outro lado, eventual preexistência de degradação ambiental não possui o condão de desconfigurar uma área de preservação permanente, vez que sua importância ecológica em proteger ecossistemas sensíveis ainda se perpetua, sendo a lei imperiosa no sentido de que constitui área protegida aquela coberta ou não por vegetação nativa (art. 1°, §2°, II, Lei n° 4.771/65 e art. 3, II, Lei n° 12.651/12), sendo necessária a recuperação ambiental, em respeito ao fim social da propriedade e a prevalência do direito supraindividual ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Há incidência ex legi nas APP`s previstas no artigo 4° do novo Código Florestal, pois já existem independentemente da intermediação de um ato do Poder Público, diversamente daquelas prevista no artigo 6° desse Codex, em que há necessidade de serem declaradas como tais por ato do Poder Executivo para existirem.
In casu, segundo Laudo de Perícia Criminal Federal realizado pelo Departamento de Polícia Federal (fls. 286/303) e Relatório Técnico Ambiental lavrado pelo IBAMA (fls. 322/331), foi constatado que o imóvel dos réus integra o loteamento Beira Rio, localizado no município de Rosana/SP, ocupa uma área de 232,25m² com construções e impermeabilizações consistentes em: uma garagem construída em alvenaria, uma casa de sobrado construída em alvenaria e de madeira, uma casa construída em alvenaria e varanda, dois poços semi-artesiano e uma fosse negra. Constatou-se, ainda, que tal bem encontra-se situado à margem esquerda do Rio Paraná, dentro da faixa de 500m considerada como área de preservação permanente, tendo em vista que o curso d`água tem mais de 600m, conforme previa e prevê a legislação pertinente (art. 2°, "a", item 4, Lei n° 4.771/65 e art. 4°, I, "e", Lei n° 12.651/12).
Insta frisar que o imóvel está situado em espaço territorial especialmente protegido pelo Poder Público, que está gravado por obrigação propter rem, de maneira que a alegação de preexistência de construções a posse não exime seu titular da obrigação de reparar e indenizar os danos ambientais, em face da inexistência de direito adquirido de poluir.
Deve ser afastado o argumento do MM Juízo a quo no sentido de que o local é passível de regularização fundiária, com base no artigo 65 da Lei n° 12.651/12 ("Na regularização fundiária de interesse específico dos assentamentos inseridos em área urbana consolidada e que ocupam Áreas de Preservação Permanente não identificadas como áreas de risco, a regularização ambiental será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009."), pois para tanto deveria estar inserido em área urbana consolidada, a qual não é definida somente através de ato municipal, vez que deve preencher requisitos mínimos estabelecidos no artigo 47 da Lei n° 11.977/09, verbis:
Contudo, tais requisitos não foram preenchidos, uma vez que a área em questão possui densidade demográfica muito inferior a 50 (cinquenta) habitantes por hectare, bem como inexiste malha viária implantada com o mínimo de equipamento de infraestrutura urbana, mormente quando o Laudo n° 3871/2011 verificou que no loteamento em tela inexiste malha viária com canalização de águas, bem como rede de esgoto (fl. 289).
Por outro lado, o laudo do IBAMA é claro no sentido de que a propriedade está situada em área rural, de acordo com a Lei n° 4.771/65, MP n° 1.956-54/00 e Resoluções CONAMA n° 303/02 e 369/06 (fls. 322/331).
No mais, a área em questão é considerada como de risco, o que reforça a inviabilidade de regularização, conforme exige o artigo 65, caput, da Lei 12.651/12, vez que a área em que está localizada a propriedade sujeita-se constantemente a inundações, conforme restou demonstrado no Relatório Técnico Ambiental elaborado pelo IBAMA e pelo Auto de Constatação n° 226-2009 expedido pela Promotoria de Justiça do Meio Ambiente (fls. 326/327).
Cumpre salientar ainda que o escopo da Lei 11.977/09, a qual dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas, é contemplar pessoas de baixa renda, de forma a equalizar o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme previsto em seu artigo 46.
Nesse diapasão, o artigo 8°, caput, da Lei n° 12.651/12 dispõe que: "A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei.".
Tais hipóteses autorizadoras estão descritas nos incisos VIII, IX e X, do artigo 3°, da Lei n°12.651/12, verbis:
No caso sub judice, os réus não logroram êxito em demonstrar qualquer das situações descritas acima, sequer a alegaram, tendo, inclusive, afirmado que o imóvel encontra-se fechado e é alugado esporadicamente para turistas, conforme depoimentos prestados perante a autoridade policial (fls. 158 e 159).
Destarte, considerando que, no caso em tela, as construções implicaram na supressão de vegetação nativa e suas manutenções impediram ou, ao menos, dificultaram a regeneração natural, não havendo autorização estatal, a mera manutenção de edificação em área de preservação permanente configura ilícito civil, passível de responsabilização por dano ecológico in re ipsa, sendo medida de rigor condenar os réus na obrigação de fazer consistente em abster-se de utilizar ou explorar as áreas de várzea e preservação permanente dos imóveis localizados no Lote 30-A, situado na Avenida Erivelton Francisco de Oliveira, antiga Estrada da Balsa, identificado com o n° 35-15, no bairro Beira-Rio, município de Rosana/SP, bem como em abster-se de promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal do referido imóvel, sem a autorização do CBRN ou IBAMA; obrigação de fazer consistente em demolir todas as construções existentes nas áreas de várzea e preservação permanente inseridas no referido lote, e não previamente autorizadas pelos órgãos ambientais, providenciando, ainda, a retirada de todo o entulho para local aprovado pelo órgão ambiental, no prazo de 30 dias, observada a faixa de 500 metros contados da margem normal do rio Paraná; na obrigação de fazer consistente em recompor a cobertura florestal da área de preservação permanente do referido lote, no prazo de 6 meses, pelo plantio racional e tecnicamente orientado de espécies nativas e endêmicas da região, com acompanhamento e tratos culturais, pelo período de 2 anos, em conformidade com projeto técnico a ser submetido e aprovado pelo CBRN ou pelo IBAMA, marcando-se prazo para apresentação do projeto junto àqueles órgãos; e, no pagamento de multa diária, em caso de descumprimento total ou parcial das obrigações acima descritas, nos termos da r. sentença.
Assim, tratando-se de área de preservação permanente situada ao longo de rio, superada a discussão sobre a natureza da área do local em tela, se rural ou urbana, a legislação é categórica no sentido que o aludido espaço territorial possui faixa mínima de 500 (quinhentos) metros para cursos d´água com largura acima de 600 (seiscentos) metros.
As Leis Complementares Municipais n° 20, de 26.09.2007, e n° 24, de 11.12.2008, ambas do município de Rosana/SP, no sentido de reconhecer a área em questão como urbana, não possuem o condão de afastar a aplicação das leis ambientais, sobretudo pela previsão legal expressa de necessidade de consentimento do órgão ambiental competente para supressão da vegetação na área de preservação permanente, o que, aliás, não ocorreu no presente caso, vez que houve a ocupação e construção irregular, sem qualquer anuência das autoridades públicas.
Nesse sentido:
As obrigações de fazer ou não fazer destinadas à recomposição in natura do bem lesado e a indenização pecuniária são perfeitamente cumuláveis, ao menos em tese, por terem pressupostos diversos, priorizando os princípios do poluidor-pagador e da reparação integral do dano ambiental, nos termos dos artigos 225, §3°, da Constituição Federal e 4° da Lei n° 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente).
Os deveres de indenizar e recuperar possuem natureza de ressarcimento cível, os quais almejam de forma simultânea e complementar a restauração do status quo ante do bem ambiental lesado, finalidade maior a ser alcançada pelo Poder Público e pela sociedade.
A possibilidade de cumulação visa, em última análise, evitar o enriquecimento sem causa, já que a submissão do poluidor tão somente à reparação do ecossistema degradado fomentaria a prática de ilícitos contra o meio ambiente.
Inexistindo, portanto, bis in idem, os réus não se eximem da obrigação de indenizar ainda que demonstrem o propósito de recuperar a área ambientalmente degradada.
De acordo com esse entendimento, é a pacífica jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça:
Dessa forma, imperiosa a condenação dos réus ao pagamento de indenização pelos danos causados pela intervenção antrópica na área de preservação permanente, correspondente à extensão da degradação ambiental e ao período temporal em que a coletividade esteve privada desse bem comum.
Contudo, considerando que sua quantificação deve levar em conta, inclusive, a extensão da degradação de área de preservação permanente, o MM Juízo a quo entendeu adequado fixá-la em R$ 2.000,00 (dois mil reais), já que baseou-se, equivocadamente, na faixa de 15m (quinze metros). Contudo, conforme demonstrado acima, deve ser considerada a faixa de 500m (quinhentos metros), razão pela qual o valor indenizatório deve ser majorado para valor condizente com a efetiva degradação.
Portanto, novo quantum debeatur, a ser revertido ao Fundo Federal de Defesa de Direitos Difusos, por se tratar de dano a direito e interesse difuso, deverá ser fixado na liquidação por arbitramento, nos termos dos artigos 509 e 510 do Código de Processo Civil:
Destaca-se que sobre o valor da indenização devem ser acrescidos juros de mora de 6% (seis por cento) ao ano até dezembro de 2002 (arts. 1.062, 1.063 e 1.064, CC/16) e, a partir de janeiro de 2003, serão computados com base na Taxa SELIC, excluído qualquer outro índice de correção ou de juros de mora (art. 406, CC/02), a partir do evento danoso.
A correção monetária deverá incidir com base nos índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 134/10 do Conselho da Justiça Federal, desde a data do arbitramento do valor da indenização.
Por fim, em razão dos réus serem beneficiários da justiça gratuita, descabe condená-los ao pagamento de honorários periciais, custas e despesas processuais.
Diante do exposto, não conheço parte da apelação dos réus e, na parte conhecida, nego-lhe provimento, dou parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal e dou provimento à apelação da União.
É o voto.
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