Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 30/08/2016
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL Nº 0046368-96.2015.4.03.9999/SP
2015.03.99.046368-1/SP
RELATORA : Desembargadora Federal MARISA SANTOS
EMBARGANTE : MARIA DE LOURDES DARIO
ADVOGADO : SP288255 GUSTAVO DE SALVI CAMPELO
EMBARGADO : ACÓRDÃO DE FLS.227/233
INTERESSADO(A) : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
PROCURADOR : MARCELA ESTEVES BORGES NARDI
ADVOGADO : SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
No. ORIG. : 40046050220138260248 3 Vr INDAIATUBA/SP

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. DESAPOSENTAÇÃO. NECESSIDADE DE EXISTÊNCIA DE VÍCIO NO JULGADO EMBARGADO.
I - Mesmo para fins de prequestionamento, os embargos de declaração só têm cabimento quando presente contradição, omissão ou obscuridade no julgado embargado.
II - Considerada a orientação do novo CPC, nos termos dos arts. 994, IV, 1.022 a 1026, existe divergência na doutrina quanto à recepção do prequestionamento ficto pelo art. 1.025 ("consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade").
III - Mesmo que assim não fosse, a devida fundamentação não pressupõe o esgotamento da questão jurídica, especialmente quando é o caso da matéria ora analisada, pendente de julgamento no STF.
IV - Embargos de declaração rejeitados.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar os embargos de declaração, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 15 de agosto de 2016.
MARISA SANTOS
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 17/08/2016 16:04:08



EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL Nº 0046368-96.2015.4.03.9999/SP
2015.03.99.046368-1/SP
RELATORA : Desembargadora Federal MARISA SANTOS
EMBARGANTE : MARIA DE LOURDES DARIO
ADVOGADO : SP288255 GUSTAVO DE SALVI CAMPELO
EMBARGADO : ACÓRDÃO DE FLS.227/233
INTERESSADO(A) : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
PROCURADOR : MARCELA ESTEVES BORGES NARDI
ADVOGADO : SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
No. ORIG. : 40046050220138260248 3 Vr INDAIATUBA/SP

RELATÓRIO

A autora opõe embargos de declaração contra o acórdão que, por unanimidade, deu provimento à apelação e à remessa oficial, tida por interposta, para julgar improcedente o pedido, em ação objetivando ver reconhecido o direito à desaposentação.

Alega a embargante que há omissão, requerendo manifestação expressa sobre os efeitos ex tunc do ato de renúncia da aposentadoria. Entende que o ato de desaposentação seria por meio de revogação e não renúncia ou anulação, razão pela qual tem efeito ex nunc, não havendo necessidade de devolução de valores, nos termos do recurso repetitivo do STJ. Reitera toda a argumentação anteriormente exposta, alegando infringência a dispositivos constitucionais e legais.

Ao final, requer o acolhimento e provimento dos embargos, com efeitos de prequestionamento.

Ciência ao INSS, nos termos da Resolução 495/2014.


É o relatório.


VOTO

Os segurados têm apresentado a pretensão sob a forma de renúncia ao benefício acompanhada de novo pedido de aposentadoria, tese que, conforme se verá, tem sido acolhida no STJ.

Embora a pretensão não tenha previsão legal, fato é que, formalmente, não há um pedido de revisão do ato de concessão do benefício, o que, se acolhido, implicaria o pagamento de atrasados desde a DIB.

O precedente do STJ que autorizaria a pretensão de "desaposentação" está expresso na ementa do REsp 1.334.488-SC, Relator Ministro Herman Benjamin.

O que se sustenta é que não há proibição legal à renúncia, acompanhada de posterior pedido de aposentadoria.

Com a devida venia dos que pensam em sentido diverso, não vejo como acolher a pretensão, pois isso implicaria violação aos postulados constitucionais da legalidade (arts. 5º, II, e 37, caput), da solidariedade (art. 195, caput) e da contrapartida - prévia necessidade de custeio (art. 195, § 5º).

Simples análise da legislação do RGPS denuncia a inexistência de qualquer regra que autorize o ente previdenciário a conceder "nova" aposentadoria com base em contribuições recolhidas após a "antiga" aposentadoria.

Por quê o segurado não formula um simples pedido de revisão do seu benefício? Em razão da expressa vedação legal a tal pretensão, nos termos do art. 18, § 2º, da Lei 8213/91.

É princípio básico de Direito Administrativo que ao administrador público é dado fazer somente o que a lei autoriza.

Nesse sentido, é antiga a doutrina de CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELO (Curso de Direito Administrativo, 8ª edição, Malheiros Editores, 1996, ps. 58/61):


Assim, o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no direito brasileiro.
Michel Stassinopoulos, em fórmula sintética e feliz, esclarece que além de não poder atuar contra legem ou praeter legem, a Administração só pode agir secundum legem. [3. Traité des Actes Administratifs, Athenas, Librarie Sirey, 1954, p. 69] Aliás, no mesmo sentido é a observação de Alessi, ao averbar que a função administrativa se subordina à legislativa não apenas porque a lei pode estabelecer proibições e vedações à Administração, mas também porque esta só pode fazer aquilo que a lei antecipadamente autoriza. [4. Renato Alessi, ob. cit., p. 9] Afonso Rodrigues Queiró afirma que a Administração "é a longa manus do legislador" [5. Estudos de Direito Administrativo, Coimbra, Ed. Atlântida, 1968, p. 9] e que "a atividade administrativa é atividade de subsunção dos fatos da vida real às categorias legais". [6. Reflexões sobre a Teoria do Desvio de Poder, cit., p. 19]
10. Estas expressões que desenham com tanta amplitude o alcance do princípio da legalidade ajustam-se com perfeição ao direito brasileiro - como se dirá a breve trecho. Curiosamente, entretanto, nem sempre retraçam com exato rigor a compostura deste princípio na maioria dos sistemas europeus continentais, sob cuja égide os autores citados as enunciaram. Deveras, o princípio da legalidade, como é óbvio, tem, em cada país, o perfil que lhe haja atribuído o respectivo direito constitucional. Assim, em alguns será estrito, ao passo que em outros possuirá certa flexibilidade, da qual resulta, para a Administração, um campo de liberdade autônoma, que seria juridicamente inimaginável ante nossas Constituições.
Tanto na França, por exemplo (e sobretudo nela), como na Alemanha, na própria Itália ou mesmo em Portugal e Espanha, a esfera em que a Administração pode se manifestar com alguma desenvoltura em relação à lei é incomparavelmente maior do que no Brasil. Com efeito, nestes países, por forte tradição constitucional e por razões históricas que aqui não vêm ao caso, o Executivo pode expedir além dos regulamentos "executivos", de mera execução de uma dada lei, outras variedades de regulamentos, os quais ensejam que a Administração discipline certas matérias, ora com prescindência de lei, em alguns deles, ora esforçada apenas em disposições legais que implicam verdadeiras delegações legislativas.
...
O princípio da legalidade, no Brasil, significa que a Administração nada pode fazer senão o que a lei determina.
Ao contrário dos particulares, os quais podem fazer tudo o que a lei não proíbe, a Administração só pode fazer o que a lei antecipadamente autorize. Donde, administrar é prover aos interesses públicos, assim caracterizados em lei, fazendo-o na conformidade dos meios e formas nela estabelecidos ou particularizados segundo suas disposições. Segue-se que a atividade administrativa consiste na produção de decisões e comportamentos que, na formação escalonada do direito, agregam níveis maiores de concreção ao que já se contém abstratamente nas leis.
13. A integral vigência do princípio da legalidade pode sofrer transitória constrição perante circunstâncias excepcionais mencionadas expressamente na Lei Maior. Isto sucede em hipóteses nas quais a Constituição faculta ao Presidente da República que adote providências incomuns e proceda na conformidade delas para enfrentar contingências anômalas, excepcionais, exigentes de atuação sumamente expedita ou eventos gravíssimos que requerem atuação particularmente enérgica. É o caso tão-só das "medidas provisórias" (previstas no art. 62 e parágrafo único), da decretação do "estado de defesa" (regulado no art. 136) e do "estado de sítio" (disciplinado nos arts. 137 a 139). Delas se falará ao final do capítulo.

Observe-se que, desde a sua redação original, a Lei 8213/91 jamais autorizou a utilização das contribuições previdenciárias posteriores à aposentação para fins de recálculo da aposentadoria.

Nem mesmo a extinção do pecúlio pela Lei 8870/94 autoriza tal conclusão, pois as contribuições antes destinadas ao pagamento daquele benefício passaram a ser destinadas ao financiamento do RGPS.

E quem o diz é o próprio julgado do STJ, citado como paradigma da pretensão. Destaco trecho do voto do relator:


As contribuições previdenciárias pós-aposentadoria pertenciam ao segurado, portanto, e o recebimento de tal pecúlio estava sob a condição do afastamento da atividade que gerou o recolhimento.
Com o advento das Leis 9.032/1995 e 9.527/1997, o direito ao pecúlio foi extinto, passando a ficar expresso que as precitadas contribuições passariam a ser destinadas ao custeio da Seguridade Social, conforme o art. 11, § 3º, da Lei 8.213/1991 (grifei):
Art. 11. (...)
§ 3º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social-RGPS que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida por este Regime é segurado obrigatório em relação a essa atividade, ficando sujeito às contribuições de que trata a Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, para fins de custeio da Seguridade Social. (Incluído pela Lei nº 9.032, de 1995)
O art. 18, § 2º, da Lei de Benefícios, por sua vez, teve sua redação modificada para delimitar ao salário-família e à reabilitação profissional as prestações previdenciárias devidas ao aposentado que permanecer em atividade contributiva como empregado. Reproduzo o preceito legal:
Art. 18. (...)
Veja-se, pois, que as contribuições da atividade laboral do segurado aposentado são destinadas ao custeio do sistema (art. 11, § 3º), não podendo ser utilizadas para outros fins, salvo as prestações salário-família e reabilitação profissional (art. 18, § 2º). Não é permitido, portanto, conceder ao aposentado qualquer outro tipo de benefício previdenciário, inclusive outra aposentadoria.

De modo que nem mesmo o fundamento de que as contribuições efetuadas após a aposentação seriam, atuarialmente, imprevistas encontra eco na jurisprudência daquela corte de uniformização, mesmo porque - todos sabemos - houve aumento do coeficiente de cálculo dos benefícios "auxílio-acidente" e "pensão por morte" (que passaram, respectivamente, para 50% e 100% do salário de benefício - art. 3º da Lei 9032/95), o que, nos termos do art. 195, § 5º, da CF, exige prévia fonte de custeio.

Logo - é de se concluir - o deferimento do pleito de "desaposentação" viola, de maneira clara, o postulado da legalidade (arts. 5º, II, e 37, caput, CF).

Com base em tal fundamento, o STF acolheu recurso extraordinário em que se questionava o deferimento, sem base legal, da pretensão de servidores públicos à incorporação de quintos pelo desempenho de funções comissionadas na Administração Pública Federal.

Na referida hipótese, o STJ, interpretando o alcance das Leis 8.112/90, 8.911/94, 9.527/97, 9.624/98 e MP 2.225-45/2001, entendeu serem devidas tais incorporações.

O caso foi levado ao STF (Pleno, RE 638.115, j. 19-03-2015), ao fundamento de que nada havia na MP 2.225-45/01 que pudesse sugerir a repristinação das normas que, no passado, autorizavam a incorporação dos referidos quintos, e tal reconhecimento, pelo STJ, configurava manifesta violação ao princípio da reserva legal.

A questão é deveras interessante porque aquela Corte - por maioria - excepcionou a aplicação do enunciado da sua Súmula 636 ("Não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida"), ao fundamento de que a manifesta violação ao postulado da legalidade autorizava o reconhecimento da inconstitucionalidade da decisão.

Destaco, daquele julgamento, os seguintes trechos do voto do relator:


O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR):
...
De fato, a jurisprudência desta Corte é no sentido de ser inadmissível o recurso extraordinário interposto contra decisão do STJ que, em recurso especial, fundamenta-se em matéria constitucional já apreciada e decidida na instância inferior e não impugnada diretamente no STF mediante recurso extraordinário. Assim, não interposto o recurso extraordinário contra a decisão de segunda instância dotada de duplo fundamento (legal e constitucional), fica preclusa a oportunidade processual de questionar a matéria constitucional. Novo recurso extraordinário somente é admissível para suscitar a questão constitucional surgida originariamente no julgamento do recurso especial pelo STJ (AI-AgR 155.502, rel. min. Carlos Velloso, DJ 27.5.1994; RE-AgR 365.989, rel. min. Celso de Mello, DJ 10.02.2006).
Ocorre, porém, que o caso apresentado nos presentes autos é deveras peculiar. O tema referente à incorporação de quintos, por suscitar a interpretação da legislação aplicável a essa matéria (leis 8.112/90, 8.911/94, 9.624/98 e MP 2.225-45/2001), costuma ser tratado como de índole estritamente infraconstitucional. Assim, ele tem sido enfrentado pelos tribunais e também pelo Superior Tribunal de Justiça. No entanto, essa forma de abordar a matéria representa apenas um dos enfoques possíveis quanto à questão da legalidade. Nada impede que a questão debatida em todas as instâncias inferiores, inclusive no âmbito do STJ, seja abordada desde outra perspectiva no Supremo Tribunal Federal, mesmo porque a causa de pedir do recurso extraordinário é aberta (RE 298.695, rel. min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 6-8-2003, Plenário, DJ de 24-10-2003). A mesma questão debatida, devidamente prequestionada, pode ser apreciada desde outro enfoque pelo Supremo Tribunal Federal, o qual poderá enfrentar o tema desde o enfoque constitucional, inegavelmente presente nesta matéria. Nessa hipótese, é cabível o recurso extraordinário, tendo em vista que, apreciada a questão novamente pelo STJ, apenas resta a via do recurso extraordinário para que o STF possa analisá-la sob outra perspectiva, a constitucional. E, no caso, a matéria, apreciada de forma adequada, é visivelmente constitucional.
Destarte, não há, aqui, mera questão de ilegalidade, por ofensa ao direito ordinário, mas típica questão constitucional consistente na afronta ao postulado fundamental da legalidade.
Embora a doutrina ainda não tenha contemplado a questão com a necessária atenção, é certo que, se de um lado, a transferência para o Superior Tribunal de Justiça da atribuição para conhecer das questões relativas à observância do direito federal acabou por reduzir a competência do Supremo Tribunal Federal às controvérsias de índole constitucional, não subsiste dúvida de que, por outro, essa alteração deu ensejo à Excelsa Corte de redimensionar o conceito de questão constitucional.
O próprio significado do princípio da legalidade, positivado no art. 5.º, II, da Constituição, deve ser efetivamente explicitado, para que dele se extraiam relevantes consequências jurídicas já admitidas pela dogmática constitucional.
O princípio da legalidade, entendido aqui tanto como princípio da supremacia ou da preeminência da lei (Vorrang des Gesetzes), quanto como princípio da reserva legal (Vorbehalt des Gesetzes), contém limites não só para o Legislativo, mas também para o Poder Executivo e para o Poder Judiciário.
A ideia de supremacia da Constituição, por outro lado, impõe que os órgãos aplicadores do direito não façam tabula rasa das normas constitucionais, ainda quando estiverem ocupados com a aplicação do direito ordinário. Daí porque se cogita, muitas vezes, sobre a necessidade de utilização da interpretação sistemática sob a modalidade da interpretação conforme à Constituição.
É de se perguntar se, nesses casos, tem-se simples questão legal, insuscetível de ser apreciada na via excepcional do recurso extraordinário, ou se o tema pode ter contornos constitucionais e merece, por isso, ser examinado pelo Supremo Tribunal Federal.
Ainda, nessa linha de reflexão, deve-se questionar se a decisão judicial que se ressente de falta de fundamento legal poderia ser considerada contrária à Constituição, suscitando uma legítima questão constitucional.
Na mesma linha de raciocínio seria, igualmente, lícito perguntar se a aplicação errônea ou equivocada do direito ordinário poderia dar ensejo a uma questão constitucional.
Tal como outras ordens constitucionais, a Constituição brasileira consagra como princípio básico o postulado da legalidade segundo o qual "ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (CF, art. 5.º, II).
O princípio da legalidade contempla, entre nós, tanto a ideia de supremacia da lei (Vorrang des Gesetzes), quanto a de reserva legal (Vorbehalt des Gesetzes).
O princípio da reserva legal explicita as matérias que devem ser disciplinadas diretamente pela lei. Este princípio, em sua dimensão negativa, afirma a inadmissibilidade de utilização de qualquer outra fonte de direito diferente da lei. Na dimensão positiva, admite que apenas a lei pode estabelecer eventuais limitações ou restrições (CANOTILHO, J.J. Gomes, Direito Constitucional, 5. ed., Coimbra, 1992, p. 799).
Por seu turno, o princípio da supremacia ou da preeminência da lei submete a Administração e os tribunais ao regime da lei, impondo tanto a exigência de aplicação da lei (dimensão positiva) quanto a proibição de desrespeito ou de violação da lei (dimensão negativa) (CANOTILHO, Direito Constitucional, op. cit., p. 796-795).
A propósito, são elucidativas as lições de Canotilho:
"Em termos práticos, a articulação de suas dimensões aponta: (I) para a exigência da aplicação da lei pela administração e pelos tribunais (cf. CRP arts. 206, 266/2), pois o cumprimento concretizador das normas legais não fica à disposição do juiz (a não ser que as 'julgue' inconstitucionais) ou dos órgãos e agentes da administração (mesmo na hipótese de serem inconstitucionais); (II) a proibição de a administração e os tribunais actuarem ou decidirem contra lei, dado que esta constitui um limite ('função limite', 'princípio da legalidade negativa') que impede não só as violações ostensivas das normas legais, mas também os 'desvios' ou 'fraudes' à lei através da via interpretativa; (III) nulidade ou anulabilidade dos actos da administração e das medidas judiciais ilegais; (VI) inadmissibilidade da 'rejeição' por parte dos órgãos e agentes da administração (mas já não por parte dos juízes), de leis por motivo de inconstitucionalidade. Neste sentido pôde um autor afirmar recentemente que o princípio da legalidade era um 'verdadeiro polícia na ordem jurídica' (J. Chevallier)."
Problema igualmente relevante coloca-se em relação às decisões de única ou de última instância que, por falta de fundamento legal, acabam por lesar relevantes princípios da ordem constitucional.
Uma decisão judicial que, sem fundamento legal, afete situação individual revela-se igualmente contrária à ordem constitucional, pelo menos ao direito subsidiário da liberdade de ação (Auffanggrundrecht) (SCHLAICH, Klaus. Das Bundesverfassungsgericht, Munique, 1985, p. 108).
Se se admite, como expressamente estabelecido na Constituição, que os direitos fundamentais vinculam todos os poderes e que a decisão judicial deve observar a Constituição e a lei, não é difícil compreender que a decisão judicial que se revele desprovida de base legal afronta algum direito individual específico, pelo menos o princípio da legalidade.
A propósito, assinalou a Corte Constitucional alemã:
"Na interpretação do direito ordinário, especialmente dos conceitos gerais indeterminados (Generalklausel) devem os tribunais levar em conta os parâmetros fixados na Lei Fundamental. Se o tribunal não observa esses parâmetros, então ele acaba por ferir a norma fundamental que deixou de observar; nesse caso, o julgado deve ser cassado no processo de recurso constitucional" (Verfassungsbeschwerde) (BverfGE 7, 198 (207); 12, 113 (124); 13, 318 (325) ( BverfGE 18, 85 (92 s.); cf., também, ZUCK, Rüdiger. Das Recht der Verfassungsbeschwerde. 2.ª ed., Munique, 1988, p. 220).
Não há dúvida de que essa orientação prepara algumas dificuldades, podendo converter a Corte Constitucional em autêntico Tribunal de revisão. É que, se a lei deve ser aferida em face de toda a Constituição, as decisões hão de ter sua legitimidade verificada em face da Constituição e de toda a ordem jurídica. Se se admitisse que toda decisão contrária ao direito ordinário é uma decisão inconstitucional, ter-se-ia de acolher, igualmente, todo e qualquer recurso constitucional interposto contra decisão judicial ilegal (SCHLAICH. Das Bundesverfassungsgericht, op. cit., p. 109).
Enquanto essa orientação prevalece em relação a leis inconstitucionais, não se adota o mesmo entendimento no que concerne às decisões judiciais.
Por essas razões, procura o Tribunal formular um critério que limita a impugnação das decisões judiciais mediante recurso constitucional. Sua admissibilidade dependeria, fundamentalmente, da demonstração de que, na interpretação e aplicação do direito, o juiz desconsiderou por completo ou essencialmente a influência dos direitos fundamentais, que a decisão se revela grosseira e manifestamente arbitrária na interpretação e aplicação do direito ordinário ou, ainda, que se ultrapassaram os limites da construção jurisprudencial (Cf., sobre o assunto, SCHLAICH. Das Bundesverfassungsgericht, op. cit., p. 109). Não raras vezes, observa a Corte Constitucional que determinada decisão judicial afigura-se insustentável, porque assente numa interpretação objetivamente arbitrária da norma legal (Sie beruth vielmehr auf schlechthin unhaltbarer und damit objektiv willkürlicher Auslegung der angewenderen Norm) [BverfGE 64, 389 (394)].
Assim, uma decisão que, v.g., amplia o sentido de um texto normativo penal para abranger uma dada conduta é considerada inconstitucional, por afronta ao princípio do nullum crimen nulla poena sine lege (LF, art. 103, II).
Essa concepção da Corte Constitucional levou à formulação de uma teoria sobre os graus ou sobre a intensidade da restrição imposta aos direitos fundamentais (Stufentheorie), que admite uma aferição de constitucionalidade tanto mais intensa quanto maior for o grau de intervenção no âmbito de proteção dos direitos fundamentais (ZUCK, Rüdiger. Das Recht der Verfassungsbeschwerd. 2.ª ed., Munique, 1968, p. 221).
Embora o modelo de controle de constitucionalidade exercido pelo Bundesverfassungsgericht revele especificidades decorrentes sobretudo do sistema concentrado, é certo que a ideia de que a não observância do direito ordinário pode configurar uma afronta ao próprio direito constitucional tem aplicação também entre nós.
Essa conclusão revela-se tanto mais plausível se se considera que, tal como a Administração, o Poder Judiciário está vinculado à Constituição e às leis (CF, art. 5.º, § 1.º).
Enfim, é possível aferir uma questão constitucional na violação da lei pela decisão ou ato dos poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário. A decisão ou ato sem fundamento legal ou contrário ao direito ordinário viola, dessa forma, o princípio da legalidade.
No caso, a decisão judicial que determina a incorporação dos quintos carece de fundamento legal e, portanto, viola o princípio da legalidade.
...
Como se pode perceber, o art. 3º da MP 2.225-45, de 2001, apenas transformou em Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada - VPNI a incorporação das parcelas a que se referem os arts. 3º e 10 da Lei 8.911, de 11 de julho de 1994, e o art. 3º da Lei 9.624, de 2 de abril de 1998. O texto é claro.
Não há como considerar, a menos que se queira ir de encontro à expressa determinação legal, que o citado artigo tenha restabelecido ou reinstituído a possibilidade de incorporação das parcelas de quintos ou décimos.
...
O restabelecimento de dispositivos normativos anteriormente revogados, os quais permitiam a incorporação dos quintos ou décimos, somente seria possível por determinação expressa na lei. Em outros termos, a repristinação de normas, no ordenamento jurídico brasileiro, depende de expressa determinação legal, como dispõe o § 3º do art. 3º da Lei de Introdução do Código Civil.
...
Assim, se a MP 2.225-45/2001 não repristinou expressamente as normas que previam a incorporação de quintos, não se poderia considerar como devida uma vantagem remuneratória pessoal não prevista no ordenamento jurídico.
É princípio comezinho o que determina que a concessão de vantagens a servidores públicos somente pode ocorrer mediante lei. Logo, se não há lei, não é devida a incorporação dos denominados quintos/décimos.
Em conclusão, não há no ordenamento jurídico norma que permita essa "ressurreição" dos quintos/décimos levada a efeito pela decisão recorrida.
Não se pode revigorar algo que já estava extinto por lei, salvo mediante outra lei e de forma expressa, o que, como demonstrado, não ocorreu.
Essas considerações são suficientes para atestar a violação ao princípio da legalidade por parte da decisão recorrida.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso extraordinário, fixando a tese de que ofende o princípio da legalidade a decisão que concede a incorporação de quintos pelo exercício de função comissionada no período entre 8.4.1998 até 4.9.2001, ante a carência de fundamento legal.

Tal como no caso retratado, não há norma que autorize o deferimento da chamada "desaposentação".

Na verdade, trata-se de expediente criado para contornar a proibição legal do pedido de revisão do benefício com base em contribuições posteriores à aposentação (art. 18, § 2º, da Lei 8213/91).

Apresenta-se uma suposta renúncia para, em seguida, formular novo pedido de aposentadoria.

Esse drible à proibição legal configura aquilo que Canotilho chamou de "'desvios' ou 'fraudes' à lei através da via interpretativa".

Permito-me repisar a citação feita pelo MIN. GILMAR MENDES no precedente citado:


A propósito, são elucidativas as lições de Canotilho:
Em termos práticos, a articulação de suas dimensões aponta: (I) para a exigência da aplicação da lei pela administração e pelos tribunais (cf. CRP arts. 206, 266/2), pois o cumprimento concretizador das normas legais não fica à disposição do juiz (a não ser que as 'julgue' inconstitucionais) ou dos órgãos e agentes da administração (mesmo na hipótese de serem inconstitucionais); (II) a proibição de a administração e os tribunais actuarem ou decidirem contra lei, dado que esta constitui um limite ('função limite', 'princípio da legalidade negativa') que impede não só as violações ostensivas das normas legais, mas também os 'desvios' ou 'fraudes' à lei através da via interpretativa; (III) nulidade ou anulabilidade dos actos da administração e das medidas judiciais ilegais; (VI) inadmissibilidade da 'rejeição' por parte dos órgãos e agentes da administração (mas já não por parte dos juízes), de leis por motivo de inconstitucionalidade. Neste sentido pôde um autor afirmar recentemente que o princípio da legalidade era um 'verdadeiro polícia na ordem jurídica' (J. Chevallier).

De modo que nem cabe, aqui, debruçar-se sobre a possibilidade de renúncia à aposentadoria e concessão de outra mais vantajosa, pois a consequência que se pretende extrair daí não é outra que não a prática de um ato sem autorização legal e, pior, em manifesta contrariedade ao § 2º do art. 18 da Lei 8213/91.

Penso, portanto, ser inviável o deferimento da pretensão sob o prisma da legalidade.

Há, também, manifesta violação ao postulado da solidariedade (art. 195, caput, CF).

Quando os pecúlios - originalmente previstos na Lei 8213/91 - foram extintos, diversos segurados acorreram ao Judiciário, invocando o direito de não contribuir, pois, afinal, nenhuma "vantagem" lhes adviria, pois que já estavam aposentados.

Tal como nos casos das contribuições sobre aposentadorias e pensões de servidores públicos inativos - que defendiam a mesma tese -, a pretensão foi sucessivamente rejeitada no STF, sob fundamento de que a base de financiamento da Seguridade Social abrangia, também, a remuneração/proventos dos trabalhadores - celetistas ou estatutários (ativos ou inativos, ressalvadas as aposentadorias e pensões até o limite estabelecido no RGPS - arts. 40, § 12, e 195, II, CF) - , sendo suficiente a tal exigência a expressa previsão legal. Precedentes: Pleno, ADI 3.105, 18-08-2004; Pleno, ADI 3.128, j. 18-08-2004; 1a Turma, RE 437.640, j. 05-09-2006; 2a Turma , AgRgRE 397.337, j. 14-08-2007; 1a Turma, AgRgRE 393.672, j. 20-11-2007; Rel. Min. Menezes Direito, RE 392.299, j. 14-04-2009; 2a Turma, AgRgRE 364.083, j. 28-04-2009; 1a Turma, AgRgAIRE 668.531, j. 30-06-2009; 2a Turma, AgRgRE 537.144, j. 18-08-2009; 2a Turma, AgRgRE 367.416, j. 01-12-2009; 2a Turma, AgRgRE 422.357, 06-04-2010; 1a Turma, AgRgRE 364.224, j. 06-04-2010; 1ª Turma, AgRgAIRE 822.294, 08-02-2011; 1a Turma, AgRgRE 357.892, j. 22-02-2011; 2a Turma, AgRgRE 507.740, j. 24-05-2011; 2a Turma, AgRgRE 372.506, j. 07-02-2012; e 1a Turma, AgRgRE 450.315, j. 07-02-2012.

Por outro lado, ainda que se superassem os vícios anteriormente mencionados, restaria insuperável a violação à regra da contrapartida, pois que o indisfarçável pedido de revisão não conta com previsão de qualquer fonte de custeio, contrariando, portanto, a regra do art. 195, § 5º, da CF.

São, também, inúmeros os precedentes do STF, sendo o mais notório deles o do aumento do coeficiente de cálculo das pensões previdenciárias concedidas antes das Leis 8213/91 e 9032/95. Precedentes: Pleno, RE 415.454, 08-02-2007; Pleno, RE 416.827, 08-02-2007; 2ª Turma, AgRgAIRE 625,446, 12-08-2008; 2ª Turma, AgRgAIRE 461.904, 12-08-2008; e 2ª Turma, EDeclRE 567.360, 09-06-2009.

Diante de variedade tão grande de precedentes, não vejo como acolher a tese da "desaposentação", cuja questão constitucional, em que reconhecida a existência de repercussão geral - RE 661.256 -, ainda encontra-se pendente de julgamento no STF (assim como os RREE 381.367 e 656.268), que, se confirmar sua jurisprudência, irá sepultar a tese.

Após tais digressões, ressalto que, mesmo para fins de prequestionamento, a fim de possibilitar a futura interposição de recurso à superior instância, os embargos de declaração estão sujeitos à presença de vício no acórdão embargado. Vale dizer, existente contradição, omissão ou obscuridade, legitima-se a oposição dos embargos para a expressa manifestação acerca de controvérsia não resolvida a contento pelo julgado, o que não se verifica.

A matéria alegada nos Embargos foi devidamente apreciada no julgado, sendo que eventual inconformismo quanto ao decidido deve ser deduzido pela via recursal própria (que certamente não são os Embargos) em instância superior.

Toda a argumentação deduzida conduz à modificação do julgado, com fins meramente infringentes e não de sua integração.

A pretensão de prequestionamento da matéria para efeito de interposição de recurso especial perde a relevância, em sede de embargos de declaração, se não demonstrada a ocorrência de qualquer das hipóteses previstas no novo CPC.

O art. 1.025 do novo CPC refere ao assim denominado "prequestionamento ficto".

Cabe o alerta de Cássio Scarpinella Bueno, na obra Novo Código de Processo Civil Anotado, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 661-662:


O art. 1.025 que consagrar o que parcela da doutrina e da jurisprudência chama de 'prequestionamento ficto', forte no que dispõe a Súmula 356 do STF. A regra, bem-entendida a razão de ser do recurso extraordinário e do recurso especial a partir do 'modelo constitucional do direito processual civil', não faz nenhum sentido e apenas cria formalidade totalmente estéril, que nada acrescenta ao conhecimento daqueles recursos a não ser a repetição de um verdadeiro ritual de passagem, que vem sendo cultuado pela má compreensão e pelo mau uso do enunciado da Súmula 356 do STF e pelo desconhecimento da Súmula 282 do STF e da Súmula 211 do STJ. Mais ainda e sobretudo: pela ausência de uma discussão séria e centrada sobre o que se pode e sobre o que não se pode ser compreendido como 'prequestionamento', tendo presente a sua inescondível fonte normativa, qual seja, o modelo que a Constituição Federal dá aos recursos extraordinário e especial, e, para ir direto ao ponto, à interpretação da expressão 'causa decidida' empregada pelos incisos III dos arts. 102 e 105 da CF.

O novo CPC, em vigor desde 18/03/2016, no tocante aos embargos de declaração trouxe regras sem correspondência com o CPC de 1973; dentre elas a do art. 1.025.O dispositivo trata dos embargos para fins de prequestionamento. A princípio, a novel legislação não encampa entendimento consolidado do STJ (Súmula 211) e o que dispõe a súmula 356 do STF:


STF, SÚMULA 356: O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento.

No âmbito do novo CPC não há falar em embargos de declaração para fins de prequestionamento, em sentido estrito.

E mesmo se assim não fosse, para fins de prequestionamento (a fim de possibilitar a futura interposição de recurso à superior instância), os Embargos de Declaração estão sujeitos à presença de vício na decisão embargada, o que não se verifica, conforme acima especificado.

A devida fundamentação não pressupõe o esgotamento da matéria, especialmente quando é o caso da matéria ora analisada, pendente de julgamento no STF.


REJEITO os embargos de declaração.


É o voto.


MARISA SANTOS
Desembargadora Federal


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