Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 06/09/2016
AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0018824-60.2015.4.03.0000/SP
2015.03.00.018824-5/SP
RELATORA : Desembargadora Federal MARISA SANTOS
AUTOR(A) : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO : SARA MARIA BUENO DA SILVA e outro(a)
: SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
RÉU/RÉ : WILSON ANTONIO MACIEL
ADVOGADO : SP220380 CELSO RICARDO SERPA PEREIRA e outro(a)
No. ORIG. : 00016295720134036103 3 Vr SAO JOSE DOS CAMPOS/SP

EMENTA

AÇÃO RESCISÓRIA - PREVIDENCIÁRIO - DESAPOSENTAÇÃO - POSSIBILIDADE - RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA RESP 1334488 - ENTENDIMENTO DA 3ª SEÇÃO DESTA CORTE - RESSALVA DE ENTENDIMENTO PESSOAL
- Não se aplica ao caso o óbice da Súmula 343-STF ("Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos Tribunais"), posto que está em debate a violação de normas constitucionais.
- Não há que se falar em decadência. O prazo decadencial previsto no art. 103 da Lei 8.213/91 (redação dada pelas Leis 9.528/97, 9.711/98 e 10.839/2004), incide somente para os pedidos de revisão do ato de concessão do benefício, o que não é o caso dos autos.
- Os arts. 194 e 195 da Constituição, desde sua redação original, comprovam a opção constitucional por um regime de previdência baseado na solidariedade, onde as contribuições são destinadas à composição de fundo de custeio geral do sistema, e não a compor fundo privado com contas individuais.
- O acolhimento da pretensão consistente em renunciar à aposentadoria, acompanhada de posterior pedido de nova aposentação, implicaria violação aos postulados constitucionais da legalidade (art. 5º, II, e 37, caput), da solidariedade (art. 195, caput) e da contrapartida - prévia necessidade de custeio (art. 195, §5º).
- O art. 18 da Lei 8213/91, mesmo nas redações anteriores, sempre proibiu a concessão de qualquer outro benefício que não aqueles que expressamente relaciona. O § 2º proíbe a concessão de benefício ao aposentado que permanecer em atividade sujeita ao RGPS ou a ele retornar, exceto salário-família e reabilitação profissional, quando empregado. Impossibilidade de utilização do período contributivo posterior à aposentadoria para a concessão de outro benefício no mesmo regime previdenciário.
- As contribuições pagas após a aposentação não se destinam a compor um fundo próprio e exclusivo do segurado, mas todo o sistema, sendo impróprio falar em desaposentação e aproveitamento de tais contribuições para obter benefício mais vantajoso.
- Renúncia, no caso, é a denominação utilizada para contornar o que é expressamente proibido pelo ordenamento jurídico. Não se trata de renúncia, uma vez que o(a) autor(a) não pretende deixar de receber benefício previdenciário. Pelo contrário, pretende trocar o que recebe por outro mais vantajoso, o que fere o disposto no art. 18, § 2º, da Lei n. 8.213/91.
- A desaposentação não se legitima com a devolução dos valores recebidos porque não há critério para a apuração do quantum a ser devolvido, impedindo a preservação do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema.
- Na tese da desaposentação, a questão constitucional, em que reconhecida a existência de repercussão geral - RE 661256, ainda encontra-se pendente de julgamento no STF (assim como os RREE 381367 e 656268).
- No entanto, a 3ª Seção desta Corte, com base em precedente do STJ - em recurso representativo de controvérsia REsp 1334488, julgado em 8/5/2013 -, tem reconhecido o direito da parte à desaposentação, sem a necessidade de devolução dos valores recebidos a título de aposentadoria. Ressalva do entendimento da Relatora.
- Ação rescisória que se julga improcedente.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar improcedente o pedido formulado na ação rescisória, restando prejudicado o agravo regimental do réu, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 25 de agosto de 2016.
MARISA SANTOS
Desembargadora Federal


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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0018824-60.2015.4.03.0000/SP
2015.03.00.018824-5/SP
RELATORA : Desembargadora Federal MARISA SANTOS
AUTOR(A) : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO : SARA MARIA BUENO DA SILVA e outro(a)
: SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
RÉU/RÉ : WILSON ANTONIO MACIEL
ADVOGADO : SP220380 CELSO RICARDO SERPA PEREIRA e outro(a)
No. ORIG. : 00016295720134036103 3 Vr SAO JOSE DOS CAMPOS/SP

RELATÓRIO

A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora):


Ação rescisória ajuizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social-INSS, com fundamento no art. 485, V, do CPC, visando desconstituir decisão monocrática que acolheu pedido de "desaposentação", proferida com base no art. 557 do CPC, da qual destaco (fls. 113/119):


"(...)
Assim, na esteira do quanto decidido no REsp 1.334.488/SC, é de ser reconhecido o direito da parte autora à desaposentação, declarando-se a desnecessidade de devolução dos valores da aposentadoria renunciada, condenando a autarquia à concessão de nova aposentadoria a contar do ajuizamento da ação, compensando-se o benefício em manutenção, e ao pagamento das diferenças de juros de mora a partir da citação.
A correção monetária e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com os critérios fixados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 134/2010, do Conselho da Justiça Federal, observada a aplicação imediata da Lei nº 11.960/2009, a partir da sua vigência (STJ, REsp nº 1.205.946/SP). Os juros de mora incidem até a data da conta de liquidação que der origem ao precatório ou à requisição de pequeno valor - RPV (STF - AI-AgR nº 713.551/PR; STJ - Resp 1.143.677/RS).
No que se refere à verba honorária, esta deve ser fixada em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da r. sentença (Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça), posto que de forma a remunerar adequadamente o profissional e em consonância com o disposto no art. 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil (v.g. EDcl no REsp nº 984.287/SP, Rel. Min. Og Fernandes, 6ª T., j. 24.11.2009, DJe 14.12.2009).
Indevidas custas e despesas processuais, ante a isenção de que goza a autarquia (art. 4º, inciso I, da Lei 9.289/96) e da justiça gratuita deferida.
Indefiro o pedido de antecipação de tutela, ante a ausência de fundado receio de dano irreparável e de perigo de demora, haja vista que a parte autora está recebendo mensalmente seu benefício.
Ante o exposto, com fundamento no artigo 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil, dou provimento à apelação da parte autora, nos termos acima consignados.
Decorrido o prazo legal, baixem os autos ao juízo de origem.
Intime-se.
São Paulo, 01 de agosto de 2013.
DIVA MALERBI
Desembargadora Federal"

A autarquia sustenta que o julgado incidiu em violação a preceitos constitucionais e legais, dispostos nos arts. 5º, XXXVI, 194 e 195 da CF, e 18, § 2º, da Lei 8.213/91.


Em síntese, alega:


a. Ofensa ao estatuído no art. 18, §2º, da Lei 8.213/91, porque a norma, desde a sua edição, veda a utilização das contribuições dos trabalhadores em gozo de aposentadoria para a obtenção de nova aposentadoria ou elevação da já auferida.

Aduz ser absolutamente contrário à ordem democrática o aproveitamento desse tempo de serviço posterior à aposentação, porque, além de não contar com autorização legal, é vedada, já que os fins para os quais pode ser considerado estão expressamente previstos no referido art. 18, §2º, que não contempla o procedimento denominado "desaposentação".


b. Afronta ao ato jurídico perfeito e ao princípio da solidariedade estabelecidos nos arts. 5º, XXXVI, 194 e 195, todos da CF.

Afirma que, ao se aposentar, o segurado fez a opção por receber o benefício por um período mais dilatado em troca de uma renda mensal menor, revelando-se, a desaposentação, uma autêntica burla a incidência do fator previdenciário.


Diz que a consequência mais conhecida da formação do ato jurídico perfeito é a sua imunidade às alterações legislativas, e a sua modificação unilateral ofende a garantia constitucional do respeito ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido, inserta no inciso XXXVI do art. 5º da CF, garantia do direito fundamental à segurança jurídica e garantia dos indivíduos frente à retroatividade da lei, ao arbítrio judicial e à vontade unilateral dos indivíduos.


E que a existência de contribuintes para o sistema (e não para si) possui base constitucional, pois que no regime brasileiro a Previdência social se fundamenta na solidariedade, razão de ser da regra do art. 18, § 2º, da Lei 8.213/91.


Pede, por fim, a antecipação da tutela para a suspensão da execução do julgado.


Às fls. 158/162, foi deferida a antecipação dos efeitos da tutela tão somente para que o INSS proceda ao pagamento do benefício mensal sem os efeitos financeiros oriundos do julgado que se pretende rescindir, tendo em vista a satisfação do crédito relativo às diferenças reconhecidas, com trânsito em julgado da sentença que extinguiu a execução.


Citado, o réu apresentou contestação (fls. 178/190). Sustentou, inicialmente, ser aplicável ao caso a Súmula 343/STF. No mérito, afirmou que a aposentadoria é direito patrimonial disponível, admitindo, portanto, a renúncia, visando a obtenção de benefício mais vantajoso; que a nova aposentadoria tem por base as novas contribuições feitas pelo segurado; e que a devolução dos valores recebidos é incabível.


Interposto pelo réu agravo regimental contra a decisão que deferiu a antecipação da tutela (fls. 172/177).


Manifestação da parte autora sobre a contestação (fls. 195 v.).


O Ministério Público Federal opinou "pelo sobrestamento do feito, para que se proceda ao exame da rescindibilidade do julgado quanto à matéria constitucional, ou mesmo ao rejulgamento da causa somente após a decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, no recurso extraordinário com repercussão geral, com o deferimento da liminar para suspender a execução" (fls. 199/208).


É o relatório.


Peço dia.




MARISA SANTOS
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 12/07/2016 12:10:57



AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0018824-60.2015.4.03.0000/SP
2015.03.00.018824-5/SP
RELATORA : Desembargadora Federal MARISA SANTOS
AUTOR(A) : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO : SARA MARIA BUENO DA SILVA e outro(a)
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VOTO

A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora):


Inicialmente, cumpre assinalar não ser aplicável ao caso o óbice da Súmula 343-STF ("Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos Tribunais"), posto que está em debate a violação de normas constitucionais.


Nesse sentido, o posicionamento do Plenário do STF:

EMENTA: Embargos de Declaração em Recurso Extraordinário. 2. Julgamento remetido ao Plenário pela Segunda Turma. Conhecimento. 3. É possível ao Plenário apreciar embargos de declaração opostos contra acórdão prolatado por órgão fracionário, quando o processo foi remetido pela Turma originalmente competente. Maioria. 4. Ação Rescisória. Matéria constitucional. Inaplicabilidade da Súmula 343/STF. 5. A manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da interpretação adotada pelo STF revela-se afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional. 6. Cabe ação rescisória por ofensa à literal disposição constitucional, ainda que a decisão rescindenda tenha se baseado em interpretação controvertida ou seja anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal. 7. Embargos de Declaração rejeitados, mantida a conclusão da Segunda Turma para que o Tribunal a quo aprecie a ação rescisória.
(RE 328812 ED, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 06/03/2008, DJe-078 DIVULG 30-04-2008 PUBLIC 02-05-2008 EMENT VOL-02317-04 PP-00748 RTJ VOL-00204-03 PP-01294 LEXSTF v. 30, n. 356, 2008, p. 255-284)

E também não há que se falar em decadência. O prazo decadencial previsto no art. 103 da Lei 8.213/91 (redação dada pelas Leis 9.528/97, 9.711/98 e 10.839/2004), incide somente para os pedidos de revisão do ato de concessão do benefício, o que não é o caso dos autos.


O raciocínio desenvolvido pelo autor, ora réu, é simples e assim pode ser resumido: como venho contribuindo para o sistema, mesmo depois de aposentado, tenho o direito a considerar essas novas contribuições, ainda que, para isso, tenha de renunciar ao benefício atual com posterior requerimento de outro perante o RGPS.


Talvez o raciocínio pudesse ser empregado diante de regime de previdência de capitalização, em que o segurado financia o próprio benefício para uma espécie de fundo de administração, cuja finalidade seria a concessão de um benefício futuro com base em tais contribuições.


Contudo, não foi esse o sistema de previdência adotado pelo constituinte de 1988, pois que optou por um regime de previdência baseado na solidariedade, onde as contribuições são destinadas à composição de fundo de custeio geral do sistema, e não a compor fundo privado com contas individuais. Basta constatar as disposições dos arts. 194 e 195 da Constituição desde sua redação original.


Não há espaço para imaginar que as contribuições vertidas pelos segurados seriam destinadas à composição de cotas a serem utilizadas posteriormente em uma eventual aposentadoria.


O fato de o sistema prever o cálculo do benefício segundo a média salarial percebida pelo segurado (salário-de-benefício) no período anterior ao do requerimento do benefício ou do afastamento da atividade (art. 29 da Lei 8213/91) reflete mera escolha do legislador. Para tanto, basta observar que, para os servidores públicos, foi prevista sistemática diversa, com base na última remuneração, se observados os pressupostos.


Nesse contexto é que se insere o art. 18, § 2º, da Lei 8213/91, que, em todas as suas redações, sempre proibiu a concessão de qualquer outro benefício que não aqueles expressamente relacionados, verbis:

Art. 18 - ...
§ 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social que permanecer em atividade sujeita a este regime, ou a ela retornar, somente tem direito à reabilitação profissional, ao auxílio-acidente e aos pecúlios, não fazendo jus a outras prestações, salvo as decorrentes de sua condição de aposentado, observado o disposto no art. 122 desta lei. (redação original)
§ 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que permanecer em atividade sujeita a este regime, ou a ela retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família, à reabilitação profissional e ao auxílio-acidente, quando empregado. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social-RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)

Porém, os segurados têm apresentado a pretensão sob a forma de renúncia ao benefício acompanhada de novo pedido de aposentadoria, tese que, conforme se verá, tem sido acolhida no STJ.


Embora a pretensão não tenha previsão legal, fato é que, formalmente, não há um pedido de revisão do ato de concessão do benefício, o que, se acolhido, implicaria o pagamento de atrasados desde a DIB.


Nesse sentido, pronunciamento da 1ª Seção do STJ:

"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. PROCESSO CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. RENÚNCIA À APOSENTADORIA. DECADÊNCIA PREVISTA NO ART. 103 DA LEI 8.213/91. INAPLICABILIDADE. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. RECURSO IMPROVIDO.
1. Inexiste negativa de prestação jurisdicional quando o Tribunal de origem examina a questão supostamente omitida "de forma criteriosa e percuciente, não havendo falar em provimento jurisdicional faltoso, senão em provimento jurisdicional que desampara a pretensão da embargante" (REsp 1.124.595/RS, Rel. Min. ELIANA CALMON, Segunda Turma, DJe de 20/11/09).
2. A desaposentação indica o exercício do direito de renúncia ao benefício em manutenção a fim de desconstituir o ato original e, por conseguinte, obter uma nova aposentadoria, incrementada com as contribuições vertidas pelo segurado após o primeiro jubilamento.
3. A norma extraída do caput do art. 103 da Lei 8.213/91 não se aplica às causas que buscam o reconhecimento do direito de renúncia à aposentadoria, mas estabelece prazo decadencial para o segurado ou seu beneficiário postular a revisão do ato de concessão de benefício, o qual, se modificado, importará em pagamento retroativo, diferente do que se dá na desaposentação.
4. A interpretação a ser dada ao instituto da decadência previsto no art. 103, caput, da Lei 8.213/91 deve ser restritiva, haja vista que as hipóteses de decadência decorrem de lei ou de ato convencional, inexistentes na espécie.
5. A jurisprudência desta Corte acolheu a possibilidade de renúncia com base no entendimento de que os benefícios previdenciários são direitos patrimoniais disponíveis e, por isso, suscetíveis de desistência por seus titulares (REsp 1.334.488/SC, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, Primeira Seção, julgado proferido sob o rito do art. 543 -C do CPC, DJe 14/5/13).
6. Sendo certo que o segurado pode dispor de seu benefício, e, ao fazê-lo encerra a aposentadoria que percebia, não há falar em afronta aos arts. 18, § 2º, e 103, caput, da Lei 8.213/91. E, devido à desconstituição da aposentadoria renunciada, tampouco se vislumbra qualquer violação ao comando da alínea "b" do inciso II do art. 130 do Decreto 3.048/99, que impede a expedição de certidão de tempo de contribuição quando este já tiver sido utilizado para efeito de concessão de benefício, em qualquer regime de previdência social.
7. Recurso especial improvido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e Resolução STJ nº 8/2008."
(REsp 1348301/SC, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/11/2013, DJe 24/03/2014)

Passo à questão de fundo.


O precedente do STJ que autorizaria a pretensão de "desaposentação" está expresso na seguinte ementa:

"RECURSO ESPECIAL Nº 1.334.488 - SC (2012/0146387-1)
RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
RECORRENTE : WALDIR OSSEMER
ADVOGADO : CARLOS BERKENBROCK E OUTRO(S)
RECORRENTE : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADVOGADO : PROCURADORIA-GERAL FEDERAL - PGF
RECORRIDO : OS MESMOS
INTERES. : CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DOS APOSENTADOS
PENSIONISTAS E IDOSOS COBAP - "AMICUS CURIAE"
ADVOGADO : JOSÉ IDEMAR RIBEIRO
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DESAPOSENTAÇÃO E REAPOSENTAÇÃO. RENÚNCIA A APOSENTADORIA. CONCESSÃO DE NOVO E POSTERIOR JUBILAMENTO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DESNECESSIDADE.
1. Trata-se de Recursos Especiais com intuito, por parte do INSS, de declarar impossibilidade de renúncia a aposentadoria e, por parte do segurado, de dispensa de devolução de valores recebidos de aposentadoria a que pretende abdicar.
2. A pretensão do segurado consiste em renunciar à aposentadoria concedida para computar período contributivo utilizado, conjuntamente com os salários de contribuição da atividade em que permaneceu trabalhando, para a concessão de posterior e nova aposentação.
3. Os benefícios previdenciários são direitos patrimoniais disponíveis e, portanto, suscetíveis de desistência pelos seus titulares, prescindindo-se da devolução dos valores recebidos da aposentadoria a que o segurado deseja preterir para a concessão de novo e posterior jubilamento. Precedentes do STJ.
4. Ressalva do entendimento pessoal do Relator quanto à necessidade de devolução dos valores para a reaposentação, conforme votos vencidos proferidos no REsp 1.298.391/RS; nos Agravos Regimentais nos REsps 1.321.667/PR, 1.305.351/RS, 1.321.667/PR, 1.323.464/RS, 1.324.193/PR, 1.324.603/RS, 1.325.300/SC, 1.305.738/RS; e no AgRg no AREsp 103.509/PE.
5. No caso concreto, o Tribunal de origem reconheceu o direito à desaposentação, mas condicionou posterior aposentadoria ao ressarcimento dos valores recebidos do benefício anterior, razão por que deve ser afastada a imposição de devolução.
6. Recurso Especial do INSS não provido, e Recurso Especial do segurado provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA Seção do Superior Tribunal de Justiça: "Prosseguindo no julgamento, a Seção, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial do INSS e deu provimento ao recurso especial do segurado, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator." Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Eliana Calmon, Arnaldo Esteves Lima e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.
Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Sérgio Kukina e Ari Pargendler.
Brasília, 08 de maio de 2013(data do julgamento).
MINISTRO HERMAN BENJAMIN
Relator"

O que se sustenta é que não há proibição legal à renúncia, acompanhada de posterior pedido de aposentadoria.


Com a devida venia aos que pensam em sentido diverso, não vejo como acolher a pretensão, pois isso implicaria violação aos postulados constitucionais da legalidade (arts. 5º, II, e 37, caput), da solidariedade (art. 195, caput) e da contrapartida - prévia necessidade de custeio (art. 195, § 5º).


Simples análise da legislação do RGPS denuncia a inexistência de qualquer regra que autorize o ente previdenciário a conceder "nova" aposentadoria com base em contribuições recolhidas após a "antiga" aposentadoria.


Por quê o segurado não formula um simples pedido de revisão do seu benefício?


Em razão da expressa vedação legal a tal pretensão, nos termos do art. 18, § 2º, da Lei 8213/91, retro transcrito.


É princípio básico de Direito Administrativo que ao administrador público é dado fazer somente o que a lei autoriza.


Nesse sentido, é antiga a doutrina de CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELO (Curso de Direito Administrativo, 8ª edição, Malheiros Editores, 1996, ps. 58/61):


"Assim, o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no direito brasileiro.
Michel Stassinopoulos, em fórmula sintética e feliz, esclarece que além de não poder atuar contra legem ou praeter legem, a Administração só pode agir secundum legem. [3. Traité des Actes Administratifs, Athenas, Librarie Sirey, 1954, p. 69] Aliás, no mesmo sentido é a observação de Alessi, ao averbar que a função administrativa se subordina à legislativa não apenas porque a lei pode estabelecer proibições e vedações à Administração, mas também porque esta só pode fazer aquilo que a lei antecipadamente autoriza. [4. Renato Alessi, ob. cit., p. 9] Afonso Rodrigues Queiró afirma que a Administração "é a longa manus do legislador" [5. Estudos de Direito Administrativo, Coimbra, Ed. Atlântida, 1968, p. 9] e que "a atividade administrativa é atividade de subsunção dos fatos da vida real às categorias legais". [6. Reflexões sobre a Teoria do Desvio de Poder, cit., p. 19]
10. Estas expressões que desenham com tanta amplitude o alcance do princípio da legalidade ajustam-se com perfeição ao direito brasileiro - como se dirá a breve trecho. Curiosamente, entretanto, nem sempre retraçam com exato rigor a compostura deste princípio na maioria dos sistemas europeus continentais, sob cuja égide os autores citados as enunciaram. Deveras, o princípio da legalidade, como é óbvio, tem, em cada país, o perfil que lhe haja atribuído o respectivo direito constitucional. Assim, em alguns será estrito, ao passo que em outros possuirá certa flexibilidade, da qual resulta, para a Administração, um campo de liberdade autônoma, que seria juridicamente inimaginável ante nossas Constituições.
Tanto na França, por exemplo (e sobretudo nela), como na Alemanha, na própria Itália ou mesmo em Portugal e Espanha, a esfera em que a Administração pode se manifestar com alguma desenvoltura em relação à lei é incomparavelmente maior do que no Brasil. Com efeito, nestes países, por forte tradição constitucional e por razões históricas que aqui não vêm ao caso, o Executivo pode expedir além dos regulamentos "executivos", de mera execução de uma dada lei, outras variedades de regulamentos, os quais ensejam que a Administração discipline certas matérias, ora com prescindência de lei, em alguns deles, ora esforçada apenas em disposições legais que implicam verdadeiras delegações legislativas.
...
O princípio da legalidade, no Brasil, significa que a Administração nada pode fazer senão o que a lei determina.
Ao contrário dos particulares, os quais podem fazer tudo o que a lei não proíbe, a Administração só pode fazer o que a lei antecipadamente autorize. Donde, administrar é prover aos interesses públicos, assim caracterizados em lei, fazendo-o na conformidade dos meios e formas nela estabelecidos ou particularizados segundo suas disposições. Segue-se que a atividade administrativa consiste na produção de decisões e comportamentos que, na formação escalonada do direito, agregam níveis maiores de concreção ao que já se contém abstratamente nas leis.
13. A integral vigência do princípio da legalidade pode sofrer transitória constrição perante circunstâncias excepcionais mencionadas expressamente na Lei Maior. Isto sucede em hipóteses nas quais a Constituição faculta ao Presidente da República que adote providências incomuns e proceda na conformidade delas para enfrentar contingências anômalas, excepcionais, exigentes de atuação sumamente expedita ou eventos gravíssimos que requerem atuação particularmente enérgica. É o caso tão-só das "medidas provisórias" (previstas no art. 62 e parágrafo único), da decretação do "estado de defesa" (regulado no art. 136) e do "estado de sítio" (disciplinado nos arts. 137 a 139). Delas se falará ao final do capítulo."

Observe-se que, desde a sua redação original, a Lei 8213/91 jamais autorizou a utilização das contribuições previdenciárias posteriores à aposentação para fins de recálculo da aposentadoria.


Nem mesmo a extinção do pecúlio pela Lei 8870/94 autoriza tal conclusão, pois as contribuições antes destinadas ao pagamento daquele benefício passaram a ser destinadas ao financiamento do RGPS.


E quem o diz é o próprio julgado do STJ, citado como paradigma da pretensão. Destaco trecho do voto do senhor relator do referido precedente:


"As contribuições previdenciárias pós-aposentadoria pertenciam ao segurado, portanto, e o recebimento de tal pecúlio estava sob a condição do afastamento da atividade que gerou o recolhimento.
Com o advento das Leis 9.032/1995 e 9.527/1997, o direito ao pecúlio foi extinto, passando a ficar expresso que as precitadas contribuições passariam a ser destinadas ao custeio da Seguridade Social, conforme o art. 11, § 3º, da Lei 8.213/1991 (grifei):
Art. 11. (...)
§ 3º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social-RGPS que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida por este Regime é segurado obrigatório em relação a essa atividade, ficando sujeito às contribuições de que trata a Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, para fins de custeio da Seguridade Social. (Incluído pela Lei nº 9.032, de 1995)
O art. 18, § 2º, da Lei de Benefícios, por sua vez, teve sua redação modificada para delimitar ao salário-família e à reabilitação profissional as prestações previdenciárias devidas ao aposentado que permanecer em atividade contributiva como empregado. Reproduzo o preceito legal:
Art. 18. (...)
Veja-se, pois, que as contribuições da atividade laboral do segurado aposentado são destinadas ao custeio do sistema (art. 11, § 3º), não podendo ser utilizadas para outros fins, salvo as prestações salário-família e reabilitação profissional (art. 18, § 2º). Não é permitido, portanto, conceder ao aposentado qualquer outro tipo de benefício previdenciário, inclusive outra aposentadoria."

De modo que nem mesmo o fundamento de que as contribuições efetuadas após a aposentação seriam, atuarialmente, imprevistas encontra eco na jurisprudência daquela corte de uniformização, mesmo porque - todos sabemos - houve aumento do coeficiente de cálculo dos benefícios "auxílio-acidente" e "pensão por morte" (que passaram, respectivamente, para 50% e 100% do salário de benefício - art. 3º da Lei 9032/95), o que, nos termos do art. 195, § 5º, da CF, exige prévia fonte de custeio.


Logo - é de se concluir - o deferimento do pleito de "desaposentação" viola, de maneira clara, o postulado da legalidade (arts. 5º, II, e 37, caput, CF).


Com base em tal fundamento, o STF acolheu recurso extraordinário em que se questionava o deferimento, sem base legal, da pretensão de servidores públicos à incorporação de quintos pelo desempenho de funções comissionadas na Administração Pública Federal.


Na referida hipótese, o STJ, interpretando o alcance das Leis 8.112/90, 8.911/94, 9.527/97, 9.624/98 e MP 2.225-45/2001, entendeu serem devidas tais incorporações.


O caso foi levado ao STF (Pleno, RE 638.115, j. 19-03-2015), ao fundamento de que nada havia na MP 2.225-45/01 que pudesse sugerir a repristinação das normas que, no passado, autorizavam a incorporação dos referidos quintos, e tal reconhecimento, pelo STJ, configurava manifesta violação ao princípio da reserva legal.


A questão é deveras interessante porque aquela Corte - por maioria - excepcionou a aplicação do enunciado da sua Súmula 636 ("Não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida"), ao fundamento de que a manifesta violação ao postulado da legalidade autorizava o reconhecimento da inconstitucionalidade da decisão.


Destaco, daquele julgamento, os seguintes trechos do voto do senhor relator:


"O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR):
...
De fato, a jurisprudência desta Corte é no sentido de ser inadmissível o recurso extraordinário interposto contra decisão do STJ que, em recurso especial, fundamenta-se em matéria constitucional já apreciada e decidida na instância inferior e não impugnada diretamente no STF mediante recurso extraordinário. Assim, não interposto o recurso extraordinário contra a decisão de segunda instância dotada de duplo fundamento (legal e constitucional), fica preclusa a oportunidade processual de questionar a matéria constitucional. Novo recurso extraordinário somente é admissível para suscitar a questão constitucional surgida originariamente no julgamento do recurso especial pelo STJ (AI-AgR 155.502, rel. min. Carlos Velloso, DJ 27.5.1994; RE-AgR 365.989, rel. min. Celso de Mello, DJ 10.02.2006).
Ocorre, porém, que o caso apresentado nos presentes autos é deveras peculiar. O tema referente à incorporação de quintos, por suscitar a interpretação da legislação aplicável a essa matéria (leis 8.112/90, 8.911/94, 9.624/98 e MP 2.225-45/2001), costuma ser tratado como de índole estritamente infraconstitucional. Assim, ele tem sido enfrentado pelos tribunais e também pelo Superior Tribunal de Justiça. No entanto, essa forma de abordar a matéria representa apenas um dos enfoques possíveis quanto à questão da legalidade. Nada impede que a questão debatida em todas as instâncias inferiores, inclusive no âmbito do STJ, seja abordada desde outra perspectiva no Supremo Tribunal Federal, mesmo porque a causa de pedir do recurso extraordinário é aberta (RE 298.695, rel. min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 6-8-2003, Plenário, DJ de 24-10-2003). A mesma questão debatida, devidamente prequestionada, pode ser apreciada desde outro enfoque pelo Supremo Tribunal Federal, o qual poderá enfrentar o tema desde o enfoque constitucional, inegavelmente presente nesta matéria. Nessa hipótese, é cabível o recurso extraordinário, tendo em vista que, apreciada a questão novamente pelo STJ, apenas resta a via do recurso extraordinário para que o STF possa analisá-la sob outra perspectiva, a constitucional. E, no caso, a matéria, apreciada de forma adequada, é visivelmente constitucional.
Destarte, não há, aqui, mera questão de ilegalidade, por ofensa ao direito ordinário, mas típica questão constitucional consistente na afronta ao postulado fundamental da legalidade.
Embora a doutrina ainda não tenha contemplado a questão com a necessária atenção, é certo que, se de um lado, a transferência para o Superior Tribunal de Justiça da atribuição para conhecer das questões relativas à observância do direito federal acabou por reduzir a competência do Supremo Tribunal Federal às controvérsias de índole constitucional, não subsiste dúvida de que, por outro, essa alteração deu ensejo à Excelsa Corte de redimensionar o conceito de questão constitucional.
O próprio significado do princípio da legalidade, positivado no art. 5.º, II, da Constituição, deve ser efetivamente explicitado, para que dele se extraiam relevantes consequências jurídicas já admitidas pela dogmática constitucional.
O princípio da legalidade, entendido aqui tanto como princípio da supremacia ou da preeminência da lei (Vorrang des Gesetzes), quanto como princípio da reserva legal (Vorbehalt des Gesetzes), contém limites não só para o Legislativo, mas também para o Poder Executivo e para o Poder Judiciário.
A ideia de supremacia da Constituição, por outro lado, impõe que os órgãos aplicadores do direito não façam tabula rasa das normas constitucionais, ainda quando estiverem ocupados com a aplicação do direito ordinário. Daí porque se cogita, muitas vezes, sobre a necessidade de utilização da interpretação sistemática sob a modalidade da interpretação conforme à Constituição.
É de se perguntar se, nesses casos, tem-se simples questão legal, insuscetível de ser apreciada na via excepcional do recurso extraordinário, ou se o tema pode ter contornos constitucionais e merece, por isso, ser examinado pelo Supremo Tribunal Federal.
Ainda, nessa linha de reflexão, deve-se questionar se a decisão judicial que se ressente de falta de fundamento legal poderia ser considerada contrária à Constituição, suscitando uma legítima questão constitucional.
Na mesma linha de raciocínio seria, igualmente, lícito perguntar se a aplicação errônea ou equivocada do direito ordinário poderia dar ensejo a uma questão constitucional.
Tal como outras ordens constitucionais, a Constituição brasileira consagra como princípio básico o postulado da legalidade segundo o qual "ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (CF, art. 5.º, II).
O princípio da legalidade contempla, entre nós, tanto a ideia de supremacia da lei (Vorrang des Gesetzes), quanto a de reserva legal (Vorbehalt des Gesetzes).
O princípio da reserva legal explicita as matérias que devem ser disciplinadas diretamente pela lei. Este princípio, em sua dimensão negativa, afirma a inadmissibilidade de utilização de qualquer outra fonte de direito diferente da lei. Na dimensão positiva, admite que apenas a lei pode estabelecer eventuais limitações ou restrições (CANOTILHO, J.J. Gomes, Direito Constitucional, 5. ed., Coimbra, 1992, p. 799).
Por seu turno, o princípio da supremacia ou da preeminência da lei submete a Administração e os tribunais ao regime da lei, impondo tanto a exigência de aplicação da lei (dimensão positiva) quanto a proibição de desrespeito ou de violação da lei (dimensão negativa) (CANOTILHO, Direito Constitucional, op. cit., p. 796-795).
A propósito, são elucidativas as lições de Canotilho:
"Em termos práticos, a articulação de suas dimensões aponta: (I) para a exigência da aplicação da lei pela administração e pelos tribunais (cf. CRP arts. 206, 266/2), pois o cumprimento concretizador das normas legais não fica à disposição do juiz (a não ser que as 'julgue' inconstitucionais) ou dos órgãos e agentes da administração (mesmo na hipótese de serem inconstitucionais); (II) a proibição de a administração e os tribunais actuarem ou decidirem contra lei, dado que esta constitui um limite ('função limite', 'princípio da legalidade negativa') que impede não só as violações ostensivas das normas legais, mas também os 'desvios' ou 'fraudes' à lei através da via interpretativa; (III) nulidade ou anulabilidade dos actos da administração e das medidas judiciais ilegais; (VI) inadmissibilidade da 'rejeição' por parte dos órgãos e agentes da administração (mas já não por parte dos juízes), de leis por motivo de inconstitucionalidade. Neste sentido pôde um autor afirmar recentemente que o princípio da legalidade era um 'verdadeiro polícia na ordem jurídica' (J. Chevallier)."
Problema igualmente relevante coloca-se em relação às decisões de única ou de última instância que, por falta de fundamento legal, acabam por lesar relevantes princípios da ordem constitucional.
Uma decisão judicial que, sem fundamento legal, afete situação individual revela-se igualmente contrária à ordem constitucional, pelo menos ao direito subsidiário da liberdade de ação (Auffanggrundrecht) (SCHLAICH, Klaus. Das Bundesverfassungsgericht, Munique, 1985, p. 108).
Se se admite, como expressamente estabelecido na Constituição, que os direitos fundamentais vinculam todos os poderes e que a decisão judicial deve observar a Constituição e a lei, não é difícil compreender que a decisão judicial que se revele desprovida de base legal afronta algum direito individual específico, pelo menos o princípio da legalidade.
A propósito, assinalou a Corte Constitucional alemã:
"Na interpretação do direito ordinário, especialmente dos conceitos gerais indeterminados (Generalklausel) devem os tribunais levar em conta os parâmetros fixados na Lei Fundamental. Se o tribunal não observa esses parâmetros, então ele acaba por ferir a norma fundamental que deixou de observar; nesse caso, o julgado deve ser cassado no processo de recurso constitucional" (Verfassungsbeschwerde) (BverfGE 7, 198 (207); 12, 113 (124); 13, 318 (325) ( BverfGE 18, 85 (92 s.); cf., também, ZUCK, Rüdiger. Das Recht der Verfassungsbeschwerde. 2.ª ed., Munique, 1988, p. 220).
Não há dúvida de que essa orientação prepara algumas dificuldades, podendo converter a Corte Constitucional em autêntico Tribunal de revisão. É que, se a lei deve ser aferida em face de toda a Constituição, as decisões hão de ter sua legitimidade verificada em face da Constituição e de toda a ordem jurídica. Se se admitisse que toda decisão contrária ao direito ordinário é uma decisão inconstitucional, ter-se-ia de acolher, igualmente, todo e qualquer recurso constitucional interposto contra decisão judicial ilegal (SCHLAICH. Das Bundesverfassungsgericht, op. cit., p. 109).
Enquanto essa orientação prevalece em relação a leis inconstitucionais, não se adota o mesmo entendimento no que concerne às decisões judiciais.
Por essas razões, procura o Tribunal formular um critério que limita a impugnação das decisões judiciais mediante recurso constitucional. Sua admissibilidade dependeria, fundamentalmente, da demonstração de que, na interpretação e aplicação do direito, o juiz desconsiderou por completo ou essencialmente a influência dos direitos fundamentais, que a decisão se revela grosseira e manifestamente arbitrária na interpretação e aplicação do direito ordinário ou, ainda, que se ultrapassaram os limites da construção jurisprudencial (Cf., sobre o assunto, SCHLAICH. Das Bundesverfassungsgericht, op. cit., p. 109). Não raras vezes, observa a Corte Constitucional que determinada decisão judicial afigura-se insustentável, porque assente numa interpretação objetivamente arbitrária da norma legal (Sie beruth vielmehr auf schlechthin unhaltbarer und damit objektiv willkürlicher Auslegung der angewenderen Norm) [BverfGE 64, 389 (394)].
Assim, uma decisão que, v.g., amplia o sentido de um texto normativo penal para abranger uma dada conduta é considerada inconstitucional, por afronta ao princípio do nullum crimen nulla poena sine lege (LF, art. 103, II).
Essa concepção da Corte Constitucional levou à formulação de uma teoria sobre os graus ou sobre a intensidade da restrição imposta aos direitos fundamentais (Stufentheorie), que admite uma aferição de constitucionalidade tanto mais intensa quanto maior for o grau de intervenção no âmbito de proteção dos direitos fundamentais (ZUCK, Rüdiger. Das Recht der Verfassungsbeschwerd. 2.ª ed., Munique, 1968, p. 221).
Embora o modelo de controle de constitucionalidade exercido pelo Bundesverfassungsgericht revele especificidades decorrentes sobretudo do sistema concentrado, é certo que a ideia de que a não observância do direito ordinário pode configurar uma afronta ao próprio direito constitucional tem aplicação também entre nós.
Essa conclusão revela-se tanto mais plausível se se considera que, tal como a Administração, o Poder Judiciário está vinculado à Constituição e às leis (CF, art. 5.º, § 1.º).
Enfim, é possível aferir uma questão constitucional na violação da lei pela decisão ou ato dos poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário. A decisão ou ato sem fundamento legal ou contrário ao direito ordinário viola, dessa forma, o princípio da legalidade.
No caso, a decisão judicial que determina a incorporação dos quintos carece de fundamento legal e, portanto, viola o princípio da legalidade.
...
Como se pode perceber, o art. 3º da MP 2.225-45, de 2001, apenas transformou em Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada - VPNI a incorporação das parcelas a que se referem os arts. 3º e 10 da Lei 8.911, de 11 de julho de 1994, e o art. 3º da Lei 9.624, de 2 de abril de 1998. O texto é claro.
Não há como considerar, a menos que se queira ir de encontro à expressa determinação legal, que o citado artigo tenha restabelecido ou reinstituído a possibilidade de incorporação das parcelas de quintos ou décimos.
...
O restabelecimento de dispositivos normativos anteriormente revogados, os quais permitiam a incorporação dos quintos ou décimos, somente seria possível por determinação expressa na lei. Em outros termos, a repristinação de normas, no ordenamento jurídico brasileiro, depende de expressa determinação legal, como dispõe o § 3º do art. 3º da Lei de Introdução do Código Civil.
...
Assim, se a MP 2.225-45/2001 não repristinou expressamente as normas que previam a incorporação de quintos, não se poderia considerar como devida uma vantagem remuneratória pessoal não prevista no ordenamento jurídico.
É princípio comezinho o que determina que a concessão de vantagens a servidores públicos somente pode ocorrer mediante lei. Logo, se não há lei, não é devida a incorporação dos denominados quintos/décimos.
Em conclusão, não há no ordenamento jurídico norma que permita essa "ressurreição" dos quintos/décimos levada a efeito pela decisão recorrida.
Não se pode revigorar algo que já estava extinto por lei, salvo mediante outra lei e de forma expressa, o que, como demonstrado, não ocorreu.
Essas considerações são suficientes para atestar a violação ao princípio da legalidade por parte da decisão recorrida.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso extraordinário, fixando a tese de que ofende o princípio da legalidade a decisão que concede a incorporação de quintos pelo exercício de função comissionada no período entre 8.4.1998 até 4.9.2001, ante a carência de fundamento legal."

Tal como no caso retratado, não há norma que autorize o deferimento da chamada "desaposentação".


Na verdade, trata-se de expediente criado para contornar a proibição legal ao pedido de revisão do benefício com base em contribuições posteriores à aposentação (art. 18, § 2º, da Lei 8213/91).


Apresenta-se uma suposta renúncia para, em seguida, formular novo pedido de aposentadoria.


Esse drible à proibição legal configura aquilo que Canotilho chamou de "'desvios' ou 'fraudes' à lei através da via interpretativa".


Permito-me repisar a citação feita pelo MIN. GILMAR MENDES no precedente acima citado:


"A propósito, são elucidativas as lições de Canotilho:
Em termos práticos, a articulação de suas dimensões aponta: (I) para a exigência da aplicação da lei pela administração e pelos tribunais (cf. CRP arts. 206, 266/2), pois o cumprimento concretizador das normas legais não fica à disposição do juiz (a não ser que as 'julgue' inconstitucionais) ou dos órgãos e agentes da administração (mesmo na hipótese de serem inconstitucionais); (II) a proibição de a administração e os tribunais actuarem ou decidirem contra lei, dado que esta constitui um limite ('função limite', 'princípio da legalidade negativa') que impede não só as violações ostensivas das normas legais, mas também os 'desvios' ou 'fraudes' à lei através da via interpretativa; (III) nulidade ou anulabilidade dos actos da administração e das medidas judiciais ilegais; (VI) inadmissibilidade da 'rejeição' por parte dos órgãos e agentes da administração (mas já não por parte dos juízes), de leis por motivo de inconstitucionalidade. Neste sentido pôde um autor afirmar recentemente que o princípio da legalidade era um 'verdadeiro polícia na ordem jurídica' (J. Chevallier)."

De modo que nem cabe, aqui, debruçar-se sobre a possibilidade de renúncia à aposentadoria e concessão de outra mais vantajosa, pois a consequência que se pretende extrair daí não é outra que não a prática de um ato sem qualquer autorização legal e, pior, em manifesta contrariedade ao § 2º do art. 18 da Lei 8213/91, conforme acima mencionado.


Penso, portanto, ser inviável o deferimento da pretensão, sob o prisma da legalidade.


Mas, não é só.


Há, também, manifesta violação ao postulado da solidariedade (art. 195, caput, CF).


Quando os pecúlios - originalmente previstos na Lei 8213/91 - foram extintos, diversos segurados acorreram ao Judiciário, invocando o direito de não contribuir, pois, afinal, nenhuma "vantagem" lhes adviria, pois que já estavam aposentados.


Tal como nos casos das contribuições sobre aposentadorias e pensões de servidores públicos inativos - que defendiam a mesma tese -, a pretensão foi sucessivamente rejeitada no STF, sob fundamento de que a base de financiamento da Seguridade Social abrangia, também, a remuneração/proventos dos trabalhadores - celetistas ou estatutários (ativos ou inativos, ressalvadas as aposentadorias e pensões até o limite estabelecido no RGPS - arts. 40, § 12, e 195, II, CF) - , sendo suficiente a tal exigência a expressa previsão legal.


Precedentes:


Pleno, ADI 3.105, 18-08-2004;

Pleno, ADI 3.128, j. 18-08-2004;

1a Turma, RE 437.640, j. 05-09-2006;

2a Turma , AgRgRE 397.337, j. 14-08-2007;

1a Turma, AgRgRE 393.672, j. 20-11-2007;

Rel. Min. Menezes Direito, RE 392.299, j. 14-04-2009;

2a Turma, AgRgRE 364.083, j. 28-04-2009;

1a Turma, AgRgAIRE 668.531, j. 30-06-2009;

2a Turma, AgRgRE 537.144, j. 18-08-2009;

2a Turma, AgRgRE 367.416, j. 01-12-2009;

2a Turma, AgRgRE 422.357, 06-04-2010;

1a Turma, AgRgRE 364.224, j. 06-04-2010;

1ª Turma, AgRgAIRE 822.294, 08-02-2011;

1a Turma, AgRgRE 357.892, j. 22-02-2011;

2a Turma, AgRgRE 507.740, j. 24-05-2011;

2a Turma, AgRgRE 372.506, j. 07-02-2012; e

1a Turma, AgRgRE 450.315, j. 07-02-2012.


Verifica-se que as contribuições vertidas após a aposentação não se destinam a compor um fundo próprio e exclusivo do segurado, mas todo o sistema, sendo impróprio falar em desaposentação e aproveitamento de tais contribuições para obter benefício mais vantajoso.


"Renúncia", no caso, é a denominação utilizada para contornar o que é expressamente proibido pelo ordenamento jurídico. A ausência de previsão legal reflete, precisamente, a proibição, e não a permissão de contagem do tempo, pois que, em termos de sistema, o aposentado por tempo de serviço que retorna ou permanece em atividade contribui para o regime como um todo.


Não se trata, portanto, de renúncia, uma vez que o(a) autor(a) não pretende deixar de receber benefício previdenciário. Pelo contrário, pretende, em verdade, trocar o que recebe por outro mais vantajoso.


Ademais, que renúncia é essa em que não se cogita de devolução de tudo o que foi recebido a título de aposentadoria?


Ainda que o segurado manifeste interesse em devolver os valores dos proventos da aposentadoria que vem recebendo, o pedido não poderia ser atendido. A ausência de previsão legal obsta a referida devolução. Isso porque não há critério para a apuração do quantum a ser devolvido, impedindo a preservação do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema. O(a) autor(a) fez as opções erradas - ou certas, segundo o raciocínio que empreendeu à época em que requereu a aposentadoria. Não pode, agora, pleitear que toda a coletividade arque com o pagamento de benefício para o qual não há suporte legal e, muito menos, fonte de custeio.


A adoção da tese defendida pelo ora réu poderá levar a situações em que todo segurado do RGPS, potencialmente, todos os anos comparecerá ao Judiciário para pleitear a revisão de seu benefício, pois com a incidência do fator previdenciário sobre a média salarial, a cada ano trabalhado poderá fazer incidir sobre o mesmo a sua idade - mais avançada - e o novo tempo de contribuição - mais um ano.


O sistema previdenciário brasileiro tem se orientado no sentido de evitar a aposentadoria precoce, pois que isso vem exigindo enorme carga de contribuições da sociedade.


No caso das aposentadorias por tempo de serviço/contribuição, a alternativa encontrada foi a de diminuir, drasticamente, o valor do benefício, pois isso põe o segurado a pensar se vale a pena pleitear o benefício prematuramente em troca de uma inatividade com poucos recursos.


Ora, se o objetivo sempre foi esse, qual seria a lógica da desaposentação? Conceder a desaposentação equivaleria a permitir exatamente o contrário, estimulando o aproveitamento do tempo de serviço laborado após a aposentação, para fins de incremento do valor do benefício, ao argumento de ausência de proibição legal/constitucional.


A se admitir tal tese, estaria consolidada, definitivamente, a autorização para a aposentadoria precoce, pois que nenhum trabalhador abriria mão de se aposentar mais cedo, recebendo de duas fontes - uma, pública: a aposentadoria; e a outra, privada: os salários da empresa, pois que teria direito de acrescentar mais tempo de serviço àquele que considerou por ocasião da concessão do benefício originário.


E isso funcionaria em qualquer regime. No RPPS, com o cancelamento do benefício originário (aposentadoria por tempo de serviço proporcional ou integral), concedido no âmbito do RGPS, e expedição de certidão de tempo de serviço laborado em tal regime para averbá-lo junto ao ente público estatal. No RGPS, afastando o coeficiente de cálculo da aposentadoria proporcional ou, mesmo o fator previdenciário, importantes limitadores do salário de benefício e, consequentemente, do valor da renda mensal da aposentadoria. Tudo isso com enorme aumento do passivo do sistema sem qualquer autorização legal, em manifesta contrariedade ao que dispõe o art. 195, § 5º, da CF.


É precisamente a interpretação sistemática do ordenamento jurídico que conduz à conclusão da impossibilidade de majoração do valor do benefício por conta de um tempo de serviço laborado posteriormente à concessão da aposentadoria, pois que o único benefício pecuniário que era permitido - o pecúlio - foi revogado, e os coeficientes de cálculo das aposentadorias por tempo de serviço concedidas prematuramente têm sido cada vez menores por conta da incidência do fator previdenciário, que levam em conta o tempo de contribuição, a idade e a expectativa de vida do segurado ao se aposentar.


Por outro lado, se a desaposentação é permitida por nosso sistema previdenciário, qual o número de vezes em que o obreiro poderá pleiteá-la?


Poderá pleitear uma vez, ou poderá fazê-lo um sem número de vezes até se aposentar compulsoriamente. E com amplo interesse, pois com a incidência, hoje, do fator previdenciário - que, como ressaltado, leva em conta, na sua fixação, fatores como o tempo de contribuição, a idade e a expectativa de vida, -, a cada mês que passa, o obreiro poderá pleitear novo recálculo do valor do benefício, objetivando, sempre, a melhor prestação. Tudo isso sem nenhuma disciplina legal, ocasionando ampla insegurança jurídica ao ente previdenciário que, quando pensava ter, finalmente, cumprido a sua missão constitucional - atender à contingência constitucionalmente protegida - nova contingência (!?) é reclamada.


Nem se alegue que houve contribuição para isso, pois que o sistema é projetado para funcionar de forma solidária, uma vez que, se somarmos, rigorosamente, as contribuições vertidas somente pelo segurado, veremos que elas não serão suficientes para custear nem mesmo o seu benefício, sendo necessário o aporte de outros recursos, que vêm de outras fontes de financiamento.


Aos defensores da teoria da desaposentação impressiona o fato de serem efetuadas contribuições sem qualquer possibilidade de contraprestação ao segurado contribuinte. Daí defenderem a renúncia ao benefício e imediata concessão de outro, da mesma espécie, com acréscimo de tempo de contribuição, idade e novos salários-de-contribuição.


O tema foi exaustivamente apreciado pelo STF, no julgamento da citada ADI 3104/DF, merecendo ser transcrito os fundamentos expostos pelo Min. Gilmar Mendes:


Sem dúvida, a redação dada ao caput do art. 40 pela Emenda 20 assegurou aos servidores regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservassem o equilíbrio financeiro e atuarial. Essa imposição é reproduzida no caput do art. 201 da Constituição.
O principio do "equilíbrio financeiro e atuarial" contém basicamente duas exigências. A primeira impõe que as receitas sejam no mínimo equivalentes aos gastos, e aqui temos o denominado equilíbrio financeiro. A segunda exigência, relativa ao equilíbrio atuarial, determina a adoção de correlação entre os montantes com que contribuem os segurados e os valores que perceberão a título de proventos e pensões.
No que se refere ao equilíbrio atuarial, portanto, exige-se uma correlação entre os montantes relativos à contribuição e ao beneficio. Ocorre que a Constituição já dispõe sobre o valor dos benefícios previdenciários dos servidores públicos. Assim, para se cumprir o mandamento constitucional de preservação do mencionado equilíbrio, reconhecido inclusive por este Supremo Tribunal Federal (ADIn's 2.110 e 2.111, Rel. Min. Sydney Sanches, Informativo nº 181), resta ao Estado tão-somente disciplinar a questão da contribuição. Todavia, o valor da contribuição incidente sobre a remuneração dos servidores em atividade não poderia implicar confisco, nem assumir valores exorbitantes, tornando insustentável a vida financeira do indivíduo.
Com efeito, existem evidentes limites factuais e normativos para a elevação das alíquotas das contribuições previdenciárias dos servidores em atividade. Destarte, evidencia-se a importância de que todos os beneficiários do regime de previdência social do servidor público, inclusive os servidores inativos, concorram para a solidez e manutenção do sistema previdenciário, assegurando-lhe tanto o equilíbrio financeiro entre receitas e despesas quanto o equilíbrio atuarial entre contribuições e benefícios.
...
Outro argumento que se coloca é da chamada "causa suficiente".
O Ministério Público Federal reproduz, em seu parecer, argumento no sentido de uma alegada ausência de causa suficiente para a instituição da contribuição dos inativos. Para tanto, arrima-se em trecho da decisão proferida por esta Corte na ADI 2010, em que se teria assentado que "sem causa suficiente, não se justifica a instituição (ou majoração) da contribuição da seguridade social, pois, no regime de previdência de caráter contributivo, deve haver, necessariamente, correlação entre custo e beneficio".
Em primeiro lugar, não se afigura correta simples extensão desse entendimento firmado na ADI 2010, dirigido ao legislador infraconstitucional.
Não parece acertado pressupor, desde logo, que o legislador constituinte esteja vinculado, ao menos de um modo irrestrito, ao regime contributivo, ou ainda, a um modelo de completa correspondência entre contribuição e beneficio. Não se nega, obviamente, que a Constituição almeja um sistema baseado especialmente na idéia do regime contributivo, em que os potenciais beneficiários, ao longo de sua vida profissional ativa, depositam recursos em um fundo que, no futuro, lhes devolverá tais recursos na forma de proventos de aposentadoria. Essa de fato é a idéia básica e o princípio de natureza atuarial concebido para viabilizar a existência e a eficiência do sistema previdenciário.
Mas daí não se pode chegar à conclusão de que qualquer obrigação tributária para fins previdenciários deva ter no futuro um beneficio que corresponda de um modo exato àquele ônus. Além da evidente inviabilidade prática desse tipo de percepção, não há exigência constitucional nesse sentido, e muito menos uma cláusula pétrea a estabelecer tal limitação específica. Não estou, obviamente, endossando entendimento no sentido de que qualquer ônus a ser estabelecido para os beneficiários da Previdência podem ser livremente fixados pelo legislador, ainda que legislador constituinte. Os parâmetros constitucionais de controle existem, inclusive as cláusulas pétreas. O que quero afastar desde logo é um argumento que com a devida vênia não parece ter esse amparo constitucional.
Isto porque, a par do caráter contributivo, vigora o princípio da solidariedade. Nesse sentido o preciso ensinamento de Luís Roberto Barroso, em parecer juntado aos autos, verbis:
"Uma das principais características do direito constitucional contemporâneo é a ascensão normativa dos princípios, tanto como fundamento direto de direitos, como vetor de interpretação das regras do sistema. Dentre os princípios que vêm merecendo distinção na quadra mais recente está o principio da solidariedade, cuja matriz constitucional se encontra no art. 3°, I. O termo já não está mais associado apenas ao direito civil obrigacional (pelo qual alguém tem direito ou obrigação à integralidade do crédito ou da dívida), mas também, e principalmente, à idéia de justiça distributiva. Traduz-se na divisão de ônus e bônus na busca de dignidade para todos. A solidariedade ultrapassa a dimensão puramente ética da fraternidade, para tornar-se uma norma jurídica: o dever de ajudar o próximo. Conceitos importantes da atualidade, em matéria de responsabilidade civil, de desenvolvimento sustentado e de proteção ambiental fundam-se sobre este princípio, inclusive no reconhecimento de obrigações com as gerações futuras.
Pois bem: o sistema de previdência social é fundado, essencialmente, na idéia de solidariedade, especialmente quando se trata do regime próprio dos servidores públicos. Em primeiro lugar, existe solidariedade entre aqueles que integram o sistema em um dado momento, como contribuintes e beneficiários contemporâneos entre si. Além disso, no entanto, existe solidariedade entre as gerações, um pacto de confiança entre elas. O modelo de repartição simples constitui um regime de financiamento solidário, no qual os servidores em atividade financiam os inativos e comungam da crença de que o mesmo será feito por eles em algum lugar do futuro, pela geração seguinte.
A vista de tais premissas, a contribuição previdenciária de ativos e inativos não está correlacionada a benefícios próprios de uns e de outros, mas à solvabilidade do sistema. Como bem captou o Ministro Sepúlveda Pertence: 'Assim como não aceito considerações puramente atuariais na discussão dos direitos previdenciários, também não as aceito para fundamentar o argumento básico, contra a contribuição dos inativos, ou seja, a de que cumpriram o quanto lhes competia para obter o beneficio da aposentadoria.
Contribuição social é um tributo fundado solidariedade social de todos para financiar atividade estatal complexa e universal, como é a seguridade'."
Em suma, o compromisso do contribuinte inativo ou pensionista, ao pagar esse especifico tributo, é com o sistema como um todo, e não apenas com a sua conta junto ao órgão previdenciário. Daí não haver qualquer incoerência na inclusão dos inativos e pensionistas entre os contribuintes do sistema. Tal fato obviamente sequer desnatura o que é peculiar à contribuição previdenciária, qual seja a vinculação dos seus recursos à manutenção do regime de previdência, com a solvabilidade do sistema e, em última instância, com a capacidade econômica do sistema em honrar os benefícios previdenciários. Tal situação, por certo, jamais poderia ser confundida com a do imposto de renda.
Não vejo, portanto, qualquer razão para que seja estabelecida uma restrição absoluta à instituição para a contribuição dos inativos, tendo em vista esta alegada inexistência de causa suficiente.
(...).

Conforme se extrai dos fundamentos, o sistema previdenciário brasileiro é contributivo, mas se baseia na solidariedade, cujo motor principal é a participação de toda a coletividade no financiamento do sistema, o que afasta a necessidade de correspondência entre custeio e benefício, próprio dos sistemas eminentemente contributivos.


É a solidariedade, portanto, fundamento base dos sistemas de repartição simples, adotado pelo legislador constituinte, que autoriza a imposição legal, ainda que nenhum outro benefício - além da própria aposentadoria - seja destinado ao segurado.


Por outro lado, ainda que se superassem os vícios anteriormente mencionados, restaria insuperável a violação à regra da contrapartida, pois que o indisfarçável pedido de revisão não conta com previsão de qualquer fonte de custeio, contrariando, portanto, a regra do art. 195, § 5º, da CF.


"§ 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total."

São, também, inúmeros os precedentes do STF, sendo o mais notório deles o do aumento do coeficiente de cálculo das pensões previdenciárias concedidas antes das Leis 8213/91 e 9032/95.


Precedentes:

Pleno, RE 415.454, 08-02-2007;

Pleno, RE 416.827, 08-02-2007;

2ª Turma, AgRgAIRE 625,446, 12-08-2008;

2ª Turma, AgRgAIRE 461.904, 12-08-2008; e

2ª Turma, EDeclRE 567.360, 09-06-2009.


Diante de variedade tão grande de precedentes, não vejo como acolher a tese da "desaposentação", cuja questão constitucional, em que reconhecida a existência de repercussão geral - RE 661.256 -, ainda encontra-se pendente de julgamento no STF (assim como os RREE 381.367 e 656.268), que, confirmando a sua jurisprudência, irá sepultar a tese.


Assim, por entender violados os arts. 5º, II, 37, caput, 195, caput, e 195, § 5º, todos da Constituição Federal, seria a hipótese de se rescindir a decisão proferida nos autos da Apelação Cível nº 2013.61.03.001629-7/SP, nos termos do art. 485, V, do CPC/1973 (art. 966, V, CPC/2015).


No entanto, a 3ª Seção desta Corte, com base no precedente já mencionado do STJ - em recurso representativo de controvérsia REsp 1334488, julgado em 8/5/2013 -, tem reconhecido o direito da parte à desaposentação, sem a necessidade de devolução dos valores recebidos a título de aposentadoria, conforme se pode conferir dos seguintes julgados:

"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. DESAPOSENTAÇÃO. DIREITO RECONHECIDO PELO E. STJ EM SEDE DE RECURSO REPETITIVO. VIOLAÇÃO À LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. INOCORRÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I - A possibilidade de se eleger mais de uma interpretação à norma regente, em que uma das vias eleitas viabiliza o devido enquadramento dos fatos à hipótese legal descrita, desautoriza a propositura da ação rescisória, a teor da Súmula n. 343 do STF.
II - A r. decisão rescindenda esposou entendimento no sentido de que o ora réu faz jus à desaposentação, sem a obrigação de restituir as parcelas recebidas pelo benefício anterior.
III - É consabido que o E. STJ já se pronunciou sobre o tema em debate, em sede de recurso repetitivo (art. 543-C do CPC), reconhecendo o direito do segurado à desaposentação.
IV - A r. decisão rescindenda foi proferida em 26.01.2015, após a publicação do acórdão que serviu como paradigma (14.05.2013), nos termos do art. 543-C, do CPC, não se verificando, portanto, a existência de controvérsia à época de sua prolação.
V - Nem se olvide do recurso extraordinário (RE 381367), cujo julgamento está afeto ao Plenário da Excelsa Corte, todavia, enquanto não houver pronunciamento acerca da matéria em debate, é de rigor observar a interpretação dada pelo E. STJ, a quem cabe dar a última palavra no âmbito do direito infraconstitucional.
VI - Honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor da causa atualizado, nos termos do art. 85, §4º, III, do CPC/2015.
VII - Ação rescisória cujo pedido se julga improcedente. Decisão que deferiu parcialmente a antecipação de tutela revogada."
(AR 2015.03.00.019066-5, Rel. Des. Fed. Sérgio Nascimento, j 14/4/2016)
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. SÚMULA Nº 343 DO STF. APLICAÇÃO AFASTADA.VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. ART. 485, V, DO CPC. INOCORRÊNCIA. DESAPOSENTAÇÃO. DIREITO RECONHECIDO PELO E. STJ SOB O REGIME DOS RECURSOS REPETITIVOS. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RESCINDENDO.
1-A violação a literal disposição de lei é, sem dúvida, de todos os enunciados normativos previstos no artigo 485 do Código de Processo Civil, o que possui sentido mais amplo. O termo "lei" tem extenso alcance e engloba tanto a lei material como a processual, tanto a infraconstitucional como a constitucional, vale dizer, trata-se de expressão empregada como sinônimo de "norma jurídica", independentemente de seu escalão. O intuito é o de, em casos de reconhecida gravidade, se impedir a subsistência de decisão que viole o valor "justiça", ainda que em detrimento do valor "segurança", de modo que, em se constatando violação a uma norma jurídica (incluída a violação de princípio), revela-se cabível o ajuizamento de ação rescisória.
2-A hipótese dos autos envolve tanto matéria infraconstitucional quanto constitucional, uma vez que o que se argumenta é que a concessão da desaposentação afrontaria o disposto na lei federal (art. 18, §2º, da Lei nº. 8.213/1991), bem como resultaria em violação a diversos preceitos constitucionais, tais como a garantia do ato jurídico perfeito e o princípio da solidariedade no âmbito da seguridade social. Assim, em se tratando de discussão acerca de matéria constitucional, reputa-se cabível o manejo de ação rescisória por violação a literal disposição de lei, devendo ser afastada, excepcionalmente, a aplicação da súmula nº. 343 do STF.
3-In casu, não restou configurada a hipótese de rescindibilidade prevista no inciso V do art. 485 do CPC. É preciso se ter em mente que a ação rescisória não é sucedâneo recursal de prazo longo. Trata-se de meio excepcional de impugnação das decisões judiciais, cuja utilização não pode ser banalizada. Assim, para se configurar a hipótese do inciso V do art. 485 do CPC, a violação deve se mostrar aberrante, cristalina, observada primo ictu oculi, consubstanciada no desprezo do sistema jurídico (normas e princípios) pelo julgado rescindendo.
4-Observa-se que o v. acórdão rescindendo, ao admitir a possibilidade de desaposentação, adotou posicionamento idêntico ao do C. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RESP 1.334.488/SC, submetido ao regime do art. 543-C do CPC, em que se firmou o entendimento de que os benefícios previdenciários são direitos patrimoniais disponíveis e, portanto, suscetíveis de desistência pelos seus titulares, prescindindo-se da devolução dos valores recebidos da aposentadoria a que o segurado deseja preterir para a concessão de novo e posterior jubilamento.
5- Em tendo sido dada à norma interpretação idêntica àquela do C. Superior Tribunal de Justiça, a quem cabe dar a última palavra no âmbito do direito infraconstitucional, não se há de falar em violação a literal disposição de lei. O que se pretende, em verdade, é rediscutir a decisão proferida na ação originária, o que é sabidamente vedado em sede de ação rescisória.
6- Tendo em vista o teor da presente decisão, resta prejudicado o pedido de antecipação dos efeitos da tutela.
7- Improcedência do pedido formulado em ação rescisória. Manutenção do v. acórdão rescindendo. Honorários advocatícios fixados em R$ 800,00 (oitocentos reais), considerando o valor e a natureza da causa (inteligência do art. 20, §4º, do CPC)."
(AR 2014.03.00.022150-5, Rel. Des. Fed. Fausto De Sanctis, j 10/3/2016)
AGRAVO REGIMENTAL EM AÇÃO RESCISÓRIA. INEXISTE VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI EM DECISÃO QUE CONFERE AO SEGURADO O DIREITO À DESAPOSENTAÇÃO. AGRAVO DESPROVIDO.
1. A decisão agravada foi expressa ao indicar que o tema da desaposentação tem sido objeto de análise em sucessivos embargos infringentes, no âmbito da Terceira Seção deste Tribunal, e que a jurisprudência do órgão, que antes não acolhia a tese, passou a admiti-la após a orientação firmada pelo Colendo Superior de Justiça, no julgamento do REsp 1.334.488/SC, sob o regime dos recursos repetitivos.
2. Na esteira de respeitáveis precedentes no âmbito do E. STJ e desta Corte Regional, é firme o entendimento no sentido da possibilidade de renúncia à aposentadoria para obtenção de uma mais vantajosa, sem a necessidade de devolução dos valores recebidos a título do benefício anterior.
3. Inexiste violação a literal disposição de lei em decisão que confere ao segurado o direito à desaposentação.
4. Agravo desprovido.
(AgLegal em AR 2015.03.00.023738-4, Rel. Des. Fed. Baptista Pereira, j 10/12/2015)

Assim, ressalvando o meu entendimento, consubstanciado nas razões acima expendidas, julgo improcedente o pedido de rescisão do julgado, bem como o de eventual devolução dos valores recebidos a título de aposentadoria.


Ante o exposto, julgo improcedente o pedido formulado nesta rescisória e, sucumbente, condeno a autarquia ao pagamento dos honorários advocatícios que fixo em R$850,00 (oitocentos e cinquenta reais).


Oficie-se ao JUÍZO FEDERAL DA 3ª VARA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS - SP, por onde tramitaram os autos de nº 0001629-57.2013.403.6103, comunicando o inteiro teor desta decisão.


Julgo prejudicado o agravo do réu.


É o voto.



MARISA SANTOS
Desembargadora Federal


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