Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 01/12/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002389-09.2004.4.03.6107/SP
2004.61.07.002389-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : SANDOVAL NUNES FRANCO
ADVOGADO : SP140780 VIRGINIA ABUD SALOMAO e outro(a)
APELANTE : HENRIQUE SALGUERO FRANCO DE MELLO e outros(as)
: ANA LIA SALGUERO GRAICAR
: JOAQUIM MARIO FRANCO DE MELLO espolio
ADVOGADO : GO002482A EDMAR TEIXEIRA DE PAULA
REPRESENTANTE : HENRIQUE SALGUERO FRANCO DE MELLO
APELANTE : RUBENS FRANCO DE MELLO FILHO
ADVOGADO : SP207592 RENATA FRANCO DE MELLO GONÇALVES e outro(a)
APELANTE : RICARDO FRANCO DE MELLO
ADVOGADO : SP020119 JOSE ROBERTO CORTEZ
: SP295839 EDUARDO SEVILHA GONÇALVES DE OLIVEIRA
APELANTE : Instituto Nacional de Colonizacao e Reforma Agraria INCRA
ADVOGADO : SP201495 RODRIGO NASCIMENTO FIOREZI e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
APELADO(A) : RUBENS FRANCO DE MELLO espolio e outros(as)
ADVOGADO : SP207592 RENATA FRANCO DE MELLO GONÇALVES e outro(a)
REPRESENTANTE : RUBENS FRANCO DE MELLO FILHO
APELADO(A) : RENATO FRANCO DE MELLO
: RITA HELENA FRANCO DE MELLO
: CECILIA MARIA CARVALHO FRANCO DE MELLO
: ANTONIO SERGIO FRANCO DE MELO
: ILDENIRA DUQUINI FRANCO DE MELLO
ADVOGADO : SP207592 RENATA FRANCO DE MELLO GONÇALVES e outro(a)
No. ORIG. : 00023890920044036107 2 Vr ARACATUBA/SP

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. DESAPROPRIAÇÃO. REFORMA AGRÁRIA. PRELIMINARES. REEXAME NECESSÁRIO. DUPLO EFEITO. PRODUTIVIDADE DO IMÓVEL. CERCEAMENTO DE DEFESA. ALEGAÇÕES FINAIS. INVASÃO DO BEM. ART. 462 DO CPC/73. LAUDO DIVERGENTE DO INCRA ACOLHIDO. PASSIVO AMBIENTAL. ERRO MATERIAL. LUCROS CESSANTES. TDA COMPLEMENTAR. JUROS COMPENSATÓRIOS. MORATÓRIOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. LEVANTAMENTO DE 80% DO VALOR DEPOSITADO.
1. Não há reexame necessário nos termos do art. 13, § 1º, da Lei Complementar nº 76/93.
2. Descabido o pleito de recebimento da apelação dos expropriados apenas no efeito devolutivo, eis que o Douto Juízo de primeiro grau assim já o procedeu.
3. A prova pericial judicial foi devidamente produzida e abordou todos os tópicos necessários para a apreciação do feito, com a concessão de prazo para a impugnação das partes, sendo despicienda a realização de nova perícia.
4. A falta de oportunidade para oferta de alegações finais, por si só, não gera nulidade do processo, haja vista a ausência de demonstração de efetivo prejuízo, nos termos do art. 282, § 1º, do novo CPC.
5. A questão da produtividade do imóvel não pode ser objeto de demanda expropriatória, haja vista as disposições do art. 9º da Lei Complementar nº 76/93 e art. 20 do Decreto-lei nº 3.365/41.
6. A invasão do imóvel e a consequente inviabilidade de sua avaliação já foi apreciada e rejeitada nestes autos, com decisão transitada em julgado.
7. Inviável a aplicação do art. 462 do CPC/73, tendo em vista que no momento da propositura da ação o decreto declaratório de desapropriação por interesse social já constituía ato jurídico perfeito.
8. A desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária tem previsão nos arts. 184 e 185 da Constituição Federal, constituindo um procedimento administrativo por meio do qual a União impõe ao proprietário a perda de bem que não cumpre sua função social, mediante pagamento de uma justa indenização em títulos da dívida agrária, resgatáveis em até 20 anos, a partir do segundo ano de emissão, sendo, no entanto, as benfeitorias necessárias e úteis pagas em dinheiro.
9. O laudo divergente apresentado pelo INCRA reflete a justa indenização e está em consonância com os critérios previstos no art. 12 da Lei nº 8.629/93.
10. O passivo ambiental representa os danos causados ao meio ambiente e constitui obrigação propter rem imposta pela legislação ambiental, sob pena de responsabilidade civil, administrativa e penal. Portanto, deve ser abatido do valor da indenização.
11. Correção de erro material no laudo divergente acolhido para alteração do valor correspondente ao passivo ambiental e sua dedução da indenização.
12. Não há que falar em apuração de lucros cessantes, já que o Contrato de Arrendamento Agrícola foi concretizado quando já recaia sobre o imóvel o decreto expropriatório.
13. A jurisprudência do STJ se posicionou no sentido de que o tempo em que o INCRA esteve imitido na posse do imóvel deve ser deduzido na emissão dos TDA's complementares, a fim de que não se ultrapasse o limite temporal para resgate.
14. Juros compensatórios fixados em 12% ao ano, a contar da data de imissão na posse até a expedição do precatório sobre a diferença entre 80% do preço ofertado e o valor acolhido, já que o levantamento da quantia depositada foi rejeitado por questões restritas exclusivamente aos expropriados.
15. Juros moratórios de 6% ao ano, a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito.
16. Correção monetária devida da data do laudo até o efetivo pagamento, conforme entendimento jurisprudencial deste Tribunal e das Cortes Superiores.
17. Verba honorária fixada com observância dos critérios dispostos no § 4º do art. 20 do Código de Processo Civil de 1973.
18. Autorizado o levantamento de 80% da indenização depositada, nos termos do art. 6º, § 1º, da Lei Complementar nº 76/93.
19. Preliminares rejeitadas. Apelação do INCRA desprovida. Apelações dos expropriados parcialmente providas.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as matérias preliminares e, no mérito, negar provimento à apelação do INCRA e dar parcial provimento às apelações dos expropriados, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 07 de novembro de 2016.
MAURICIO KATO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002389-09.2004.4.03.6107/SP
2004.61.07.002389-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : SANDOVAL NUNES FRANCO
ADVOGADO : SP140780 VIRGINIA ABUD SALOMAO e outro(a)
APELANTE : HENRIQUE SALGUERO FRANCO DE MELLO e outros(as)
: ANA LIA SALGUERO GRAICAR
: JOAQUIM MARIO FRANCO DE MELLO espolio
ADVOGADO : GO002482A EDMAR TEIXEIRA DE PAULA
REPRESENTANTE : HENRIQUE SALGUERO FRANCO DE MELLO
APELANTE : RUBENS FRANCO DE MELLO FILHO
ADVOGADO : SP207592 RENATA FRANCO DE MELLO GONÇALVES e outro(a)
APELANTE : RICARDO FRANCO DE MELLO
ADVOGADO : SP020119 JOSE ROBERTO CORTEZ
: SP295839 EDUARDO SEVILHA GONÇALVES DE OLIVEIRA
APELANTE : Instituto Nacional de Colonizacao e Reforma Agraria INCRA
ADVOGADO : SP201495 RODRIGO NASCIMENTO FIOREZI e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
APELADO(A) : RUBENS FRANCO DE MELLO espolio e outros(as)
ADVOGADO : SP207592 RENATA FRANCO DE MELLO GONÇALVES e outro(a)
REPRESENTANTE : RUBENS FRANCO DE MELLO FILHO
APELADO(A) : RENATO FRANCO DE MELLO
ADVOGADO : SP207592 RENATA FRANCO DE MELLO GONÇALVES e outro(a)
: SP103098 NILTON MENDES CAMPARIM
APELADO(A) : RITA HELENA FRANCO DE MELLO
: CECILIA MARIA CARVALHO FRANCO DE MELLO
: ANTONIO SERGIO FRANCO DE MELO
: ILDENIRA DUQUINI FRANCO DE MELLO
ADVOGADO : SP207592 RENATA FRANCO DE MELLO GONÇALVES e outro(a)
No. ORIG. : 00023890920044036107 2 Vr ARACATUBA/SP

VOTO-VISTA

Em sessão de 12.09.16, o Desembargador Federal Relator Mauricio Kato rejeitou as preliminares deduzidas pelas partes e, no mérito, negou provimento à apelação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA e deu parcial provimento às apelações dos expropriados, para "fixar a indenização no total de R$ 12.799.585,60, com a expedição de TDA's complementares para pagamento da diferença entre o valor ofertado e o acolhido para a terra nua, respeitado o prazo máximo de quinze anos para resgate, contado a partir da imissão na posse do imóvel, com pagamento em dinheiro da diferença relativa às benfeitorias e de eventual quantia correspondente aos títulos que não puderem ser emitidos em razão da extrapolação do prazo de resgate, com acréscimo de correção monetária a partir da data do laudo de avaliação até o efetivo pagamento, segundo os índices do Manual de Cálculo do CJF, bem como incidência de juros compensatórios e moratórios, ambos sobre a diferença existente entre 80% do preço ofertado e o valor aqui acolhido, os primeiros fixados à razão de 12% ao ano, contados da imissão na posse até a expedição do precatório e os segundos em 6% ao ano, a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito. Mantenho os honorários advocatícios em R$ 35.000,00, dividido conforme o quinhão de cada expropriado, assim como autorizo o levantamento de 80% da indenização depositada, nos termos do art. 6º, § 1º, da Lei Complementar nº 76/93".

Inicialmente, cumpre registrar o respeito e admiração que nutro pelo Eminente Desembargador Federal Relator Mauricio Kato, salientando que o meu pedido de vista se assentou na necessidade de uma análise mais detida da matéria para formação de minha convicção.

Trata-se de ação de desapropriação de imóvel denominado Fazenda Primavera, com área de 1.806,0986 hectares, localizado nos municípios de Mirandópolis e Lavínia (SP).

O Juízo a quo acolheu o valor oferecido pelo INCRA na petição inicial e julgou procedente o pedido, para declarar a incorporação do imóvel ao patrimônio do expropriante pelo montante de: a) R$ 6.186.307,25 (seis milhões cento e oitenta e seis mil trezentos e sete reais e vinte e cinco centavos), no que toca à terra nua; b) R$ 666.697,59 (seiscentos e sessenta e seis mil seiscentos e noventa e sete reais e cinquenta e nove centavos) a título de benfeitorias. Os valores referem-se a dezembro de 2002. Os juros compensatórios foram fixados em 12% a.a. a partir da imissão da posse (17.07.06, cf. fl. 332). Juros moratórios de 6% a. a., a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser realizado. Correção monetária a partir da data do laudo administrativo, de acordo com os critérios da Resolução n. 134/10 do Conselho da Justiça Federal (fls. 1.938/1.945).

Os expropriados interpuseram apelações às fls. 1.963/1.978, 1.982/2.032 e 2.159/2.172, com preliminares de nulidade da sentença por cerceamento de defesa e em decorrência da suposta produtividade do imóvel. No mérito, insurgem-se contra o valor da indenização e os consectários legais.

O INCRA interpôs apelação na qual postula a reforma dos juros moratórios e compensatórios (fls. 2.220/2.232).

O Ministério Público Federal manifestou-se pela parcial reforma da sentença, fixando-se a indenização em R$ 16.562.145,05 (dezesseis milhões quinhentos e sessenta e dois mil cento e quarenta e cinco reais e cinco centavos) (fls. 2.538/2.554).

As preliminares deduzidas em sede de apelação pelos expropriados não merecem prosperar.

A prova pericial foi regularmente produzida. O laudo pericial de fls. 1.241/ 1.481 (acompanhado dos documentos de fls. 1.482/1.643), assim como o laudo complementar às fls. 1.755/1.770, apresentam os elementos necessários à apreciação do feito. O Juízo a quo concedeu prazo às partes para manifestação sobre a prova pericial. O INCRA apresentou laudo divergente às fls. 1.675/1.685, 1.808/1.820 e os expropriados manifestaram-se às fls. 1.802, 1.804/1.806. O Ministério Público Federal apresentou parecer às fls. 1.832/1.834.

A ausência de intimação para apresentação de alegações finais não enseja a nulidade do processo, à míngua de comprovação de efetivo prejuízo para as partes (CPC, art. 282, § 1º). A alegada produtividade do imóvel não enseja a nulidade da sentença, além de se tratar de matéria cuja análise não é admissível nesta sede (LC n. 76/93, art. 9º). A invasão do imóvel foi objeto da decisão de fls. 484/490, que indeferiu a suspensão do processo de desapropriação. Contra a decisão foi interposto agravo de instrumento, ao qual foi negado provimento (fls. 795 e 1.670).

A ação de desapropriação foi ajuizada pelo INCRA em março de 2004. A petição inicial foi instruída com laudo técnico de avaliação cuja data base é dezembro de 2002 (fls. 11/50). A perícia judicial foi realizada em maio de 2010 (fls. 1.241/1.482 e esclarecimentos de fls. 1.755/1.770), com laudo divergente do INCRA (fls. 1.675/1.686, 1.810/1.820). Confiram-se os valores constantes dos autos:


  Valor da terra nua  Valor das benfeitorias  Total 
Vistoria administrativa (dezembro de 2002)  R$ 6.186.307,25 (TDAs) R$ 666.697,59 R$ 6.853.047,14 (sobra da imissão: R$ 42,30)
Laudo pericial (maio de 2010)  R$ 19.228.550,38 R$ 2.130.165,26 R$ 20.356.513,48
Laudo divergente do INCRA (outubro de 2010)  R$ 12.367.729,75 R$ 1.434.057,99 R$ 13.801.787,54

Tenho o entendimento de que, em regra, a indenização deve ser fixada de acordo com o valor apurado na data da perícia administrativa. No entanto, deve-se ponderar o longo tempo transcorrido desde a propositura da ação de desapropriação (março de 2004), a indicar ser razoável considerar-se como base a data em que realizada a perícia judicial. Nesse sentido, o disposto no art. 12, caput, da Lei n. 8.629/93, com a redação da MP n. 2.183/56-01, segundo o qual a justa indenização deve refletir o "preço atual" de mercado do imóvel, isto é, quando da expropriação. Registre-se, ainda, que o INCRA, ao apresentar o laudo divergente às fls. 1.675/1.678, não manifestou discordância em relação ao referido critério temporal.

Portanto, deve ser afastada a perícia administrativa que acompanha a petição inicial, acolhida pelo Juízo a quo (fls. 1.938/1.945).

O perito judicial esclarece ter calculado o valor da terra nua de acordo com "elementos amostrais do tipo oferta", à míngua de negócios efetivamente concretizados nos 2 (dois) anos anteriores à perícia judicial. Acrescentou que os negócios realizados foram "escriturados com valores significativamente inferiores aos praticados no mercado imobiliário real", o que "comprometeria demasiadamente a pesquisa de mercado para determinação do valor da terra nua da região" (fl. 1.761).

Conforme ressaltou o Desembargador Federal Maurício Kato, o critério adotado pelo perito judicial não reflete adequadamente o efetivo valor de mercado do imóvel, uma vez que se vale exclusivamente do "elemento oferta" para fixar o valor da terra nua. Por outro lado, são razoáveis os valores apresentados pelo INCRA em laudo divergente, uma vez que baseados em pesquisa de mercado realizada no mês dezembro de 2009 e que "contém ofertas e negócios efetivamente realizados na região" (fl. 1.675).

As pastagens (benfeitorias reprodutivas) foram avaliadas pelo perito judicial em R$ 967.443,17 (novecentos e sessenta e sete mil quatrocentos e quarenta e três reais e dezessete centavos) (fls. 1.327/1.328). No entanto, a planilha apresentada pelo INCRA, no valor de R$ 468.660,50 (quatrocentos e sessenta e oito mil seiscentos e sessenta reais e cinquenta centavos), melhor discrimina o custo de formação de um hectare de pastagem para o imóvel expropriado (cf. laudo divergente, fl. 1.677). No mesmo sentido, o montante indicado pelo INCRA para as cercas externas, os quais devem ser "divididos por 2, uma vez que a metade pertence ao imóvel e metade pertence à propriedade vizinha" (fl. 1.678), conforme se depreende do art. 1.297, § 2º, do Código Civil.

Os custos para a recuperação do chamado "passivo ambiental" podem ser deduzidos do valor da indenização, na suposição de que o INCRA neles incorreria para recuperar reserva legal e áreas de preservação permanente, tarefas cujo encargo pertence, em linha de princípio, ao proprietário. Assim, acompanho o Desembargador Federal Relator Mauricio Kato na determinação de desconto, do valor da indenização, o valor de R$ 1.002.202,14 (um milhão dois mil duzentos e dois reais e quatorze centavos) a título de passivo ambiental (cf. fl. 2.661). Conforme ressaltou o Relator (fls. 2.661v./2.662), houve equívoco do INCRA ao indicar o passivo ambiental em R$ 1.000.962,11, bem como ao afirmar que o valor já teria sido descontado da indenização devida (cf. laudo divergente, esp. fl. 1.813).

Os juros moratórios devem ser fixados em 6% ao ano, nos termos explicitados pelo Relator. A Súmula n. 70 do Superior Tribunal de Justiça reza que, na desapropriação direta ou indireta, "contam-se desde o trânsito em julgado da sentença". Esse entendimento jurisprudencial, porém, vem sendo recentemente considerado superado pela superveniência da Medida Provisória n. 2.183-56, de 24.08.01, que, ao incluir o art. 15-B ao Decreto-lei n. 3.365/41, instituiu novo termo inicial dos juros moratórios: "1º de janeiro de exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 100 da Constituição". Essa regra é aplicável, segundo o Superior Tribunal de Justiça, tanto para as ações em curso no momento em que editada a medida provisória (EmbDivREsp n. 615.018-RS, Rel. Min. Castro Meira, unânime, j. 11.05.05, DJ 06.06.05, p. 175) quanto para as ações intentadas em data anterior à edição da medida provisória (EmbDivREsp n. 571.007-SP, Rel. Min. Humberto Martins, unânime, j. 25.04.07, DJ 14.05.07, p. 240), por força do art. 462 do Código de Processo Civil. Ressalve-se que o ius superveniens há de respeitar a coisa julgada eventualmente formada sobre a questão, sob pena de ofender essa garantia constitucional (CR, art. 5º, XXVI; CPC, arts. 471, caput, 473, 474, 475-G).

Os juros compensatórios devem ser arbitrados em 12% a. a., na forma da Súmula n. 618 do Supremo Tribunal Federal (STJ, Súmula n. 408) e em conformidade com o determinado pelo Relator. Anote-se que a improdutividade do imóvel não afasta, em regra, o direito aos juros compensatórios na desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária. São indevidos juros compensatórios somente quando a propriedade se mostrar impassível de qualquer espécie de exploração econômica seja atual ou futura. Nesse sentido, o entendimento assentado pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento submetido ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil (STJ, REsp n. 1.116.364, Rel. Min. Castro Meira, j. 26.05.10, sob o regime do art. 543-C do CPC).

Em julgamento pelo rito dos recursos repetitivos (CPC, art. 543-C), o Superior Tribunal de Justiça fixou o entendimento de que, em sede de desapropriação, os honorários advocatícios em favor do expropriado devem ser fixados entre meio e cinco por cento do valor da diferença entre o preço inicialmente oferecido e o valor da indenização fixado na sentença, conforme prevê o art. 27, § 1º, do Decreto-lei n. 3.365/41, com redação dada pela MP n. 2.183-56/01. Não se aplica, no caso de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, a previsão do § 1º do art. 19 da LC n. 76/93 (STJ, REsp n. 1114407, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 09.12.09; AgRg no REsp n. 1061703, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 24.03.09; REsp 980.850, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 16.12.08; TRF da 3ª Região, ApelReex n. 00061323319994036000, Rel. Des. Fed. José Lunardelli, j. 29.11.11). Assim, considero razoáveis os honorários advocatícios fixados em R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) pelo Juízo a quo, a serem divididos conforme o quinhão de cada expropriado.

Ante o exposto, ACOMPANHO o Desembargador Federal Maurício Kato.

É o voto.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): Andre Custodio Nekatschalow:10050
Nº de Série do Certificado: 6FF489872CB26B896143FFEC7333ABCE
Data e Hora: 09/11/2016 10:36:07



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002389-09.2004.4.03.6107/SP
2004.61.07.002389-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : SANDOVAL NUNES FRANCO
ADVOGADO : SP140780 VIRGINIA ABUD SALOMAO e outro(a)
APELANTE : HENRIQUE SALGUERO FRANCO DE MELLO e outros(as)
: ANA LIA SALGUERO GRAICAR
: JOAQUIM MARIO FRANCO DE MELLO espolio
ADVOGADO : GO002482A EDMAR TEIXEIRA DE PAULA
REPRESENTANTE : HENRIQUE SALGUERO FRANCO DE MELLO
APELANTE : RUBENS FRANCO DE MELLO FILHO
ADVOGADO : SP207592 RENATA FRANCO DE MELLO GONÇALVES e outro(a)
APELANTE : RICARDO FRANCO DE MELLO
ADVOGADO : SP020119 JOSE ROBERTO CORTEZ
: SP295839 EDUARDO SEVILHA GONÇALVES DE OLIVEIRA
APELANTE : Instituto Nacional de Colonizacao e Reforma Agraria INCRA
ADVOGADO : SP201495 RODRIGO NASCIMENTO FIOREZI e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
APELADO(A) : RUBENS FRANCO DE MELLO espolio e outros(as)
ADVOGADO : SP207592 RENATA FRANCO DE MELLO GONÇALVES e outro(a)
REPRESENTANTE : RUBENS FRANCO DE MELLO FILHO
APELADO(A) : RENATO FRANCO DE MELLO
: RITA HELENA FRANCO DE MELLO
: CECILIA MARIA CARVALHO FRANCO DE MELLO
: ANTONIO SERGIO FRANCO DE MELO
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ADVOGADO : SP207592 RENATA FRANCO DE MELLO GONÇALVES e outro(a)
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RELATÓRIO

Trata-se de ação de desapropriação ajuizada pelo INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA (INCRA) em face de Rubens Franco de Melo e Ildenira Duquini Franco de Mello, objetivando a expropriação do imóvel denominado Fazenda Primavera, com área de 1.806,0986 hectares, localizado nos municípios de Mirandópolis e Lavínia, Estado de São Paulo, com valor de indenização de R$ 6.853.074,14, em dezembro de 2002.

Efetuado o depósito judicial do valor de R$ 666.739,89, correspondente as benfeitorias atualizadas.

Noticiado o falecimento do corréu Rubens Franco de Mello, com habilitação do espólio (fl. 277).

Liminar deferindo a imissão na posse ao INCRA (fls. 322/325), a qual foi concretizada em 17.07.2006 (fl. 332).

Laudo pericial de avaliação do imóvel às fls. 1241/1643 e 1755/1770, com indenização prevista em R$ 20.356.513,48 para maio de 2010.

Deferido o ingresso de Sandoval Nunes Franco, promissário comprador de parte do imóvel expropriado (fls. 1075/1078), no polo passivo da ação (fl. 1671).

Parecer divergente apresentado pelo INCRA às fls. 1675/1685 e 1810/1820, com valor previsto de R$ 13.801.787,74, em outubro de 2010, a título de indenização.

Correção do polo passivo da ação para exclusão do espólio de Rubens Franco de Mello e sua substituição para os legítimos proprietários da Fazenda Primavera, uma vez que o referido bem não entrou na partilha do de cujus em decorrência de fideicomisso, quais sejam: Rubens Franco de Mello Filho, Ricardo Franco de Mello, Renato Franco de Mello, Rita Helena Franco de Mello, Antonio Sérgio Franco de Mello e espólio de Joaquim Mário Franco de Mello, este último representado pelos herdeiros Henrique Salguero Franco de Mello e Ana Lia Salguero Graicar (fl. 1774).

A r. sentença de fls. 1938/1945 julgou procedente o pedido para declarar incorporado ao patrimônio do expropriante o imóvel objeto da matrícula nº 10.008, Livro 2, Ficha nº 01/1, do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Mirandópolis/SP.

Condenou o INCRA a indenizar os expropriados no montante de R$ 6.186.307,25 a título de terra nua, com pagamento mediante Título da Dívida Agrária, além de R$ 666.697,59 referentes às benfeitorias, mediante pagamento em dinheiro, ambos com valores correspondentes a dezembro de 2002.

Estabeleceu, ainda, a incidência de juros compensatórios à razão de 12% ao ano a partir da imissão na posse e juros moratórios de 6% ao ano, ambos sobre o valor fixado na sentença, contado o último de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, além de correção monetária incidente da data do laudo de vistoria e avaliação, com critérios previstos na Resolução nº 134/2010 do Conselho da Justiça Federal.

Por fim, também condenou o expropriante ao pagamento das despesas processuais, honorários periciais e honorários advocatícios de R$ 35.000,00, além de autorizar o levantamento do depósito somente depois do trânsito em julgado da ação.

Em razões recursais de fls.1963/1978, Sandoval Nunes Franco alega que o critério de valor de mercado é o que mais se aproxima da justa indenização, razão pela qual deve ser acolhido o laudo pericial elaborado em juízo e não aquele apresentado pelo INCRA no ajuizamento da demanda. Aduz, ainda, que a adoção do valor ofertado pelo INCRA ofende as disposições do art. 12 da Lei Complementar nº 76/1993 e a Lei nº 8.629/93. Por derradeiro, pleiteia a reforma da sentença para que os juros moratórios incidam sobre o valor da indenização acrescido dos juros compensatórios.

Igualmente inconformados, recorrem Henrique Salguero Franco de Mello e Ana Lia Salguero Graicar, ocasião em que sustentam, preliminarmente, a anulação da sentença por se tratar de imóvel produtivo, haja vista a pendência de julgamento de apelação na ação nº 0005404-54.2002.4.03.6107, bem como por cerceamento de defesa, tendo em vista a falta de oportunidade para apresentação de alegações finais. Também aduzem a inobservância da Súmula nº 354 do STJ e da Lei nº 8.629/93, já que imóvel invadido não pode ser objeto de avaliação, assim como a possibilidade de incidência do art. 462 do CPC/73, uma vez que o falecimento do expropriado ocasionou a conversão do imóvel em pequenas e médias propriedades em razão do gravame do fideicomisso. No mérito, requererem a adoção do laudo judicial com base nas disposições da Lei Complementar nº 76/1993 e a Lei nº 8.629/93, assim como a exclusão do abatimento do valor correspondente ao passivo ambiental e que a indenização da terra nua seja complementada com a emissão de TDAs, deduzido o tempo em que o INCRA esteve imitido na posse do imóvel. Pleiteiam, ao final, a fixação de juros compensatórios de 12% ao ano a contar da imissão na posse até o efetivo lançamento das TDAs cumulados com correção monetária e juros moratórios de 6% ao ano a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, bem como que o valor da oferta seja corrigido monetariamente até a data do laudo, adotando-se o Decreto nº 578/92 para os TDA e a Lei nº 8.177/71 para as benfeitorias e a condenação do expropriante no pagamento de honorários advocatícios de 5% sobre a diferença entre o valor da oferta e da condenação. Alternativamente, pede a realização de nova perícia (fls. 1982/2032).

Rubens Franco de Mello Filho alega, em suas razões recursais de fls. 2121/2138, que a quantia ofertada pelo INCRA e acolhida pelo juízo ofende a justa e prévia indenização, além do devido processo legal. Afirma que a perícia judicial apurou o real valor de mercado da propriedade e foi elaborada com base nos critérios legais, motivo pelo qual deve ser adotada. Sustenta a necessidade de submissão da sentença ao reexame necessário e a cumulação dos juros compensatórios com os moratórios, ambos fixados em 12% sobre o valor da indenização, sendo os últimos devidos a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser efetuado.

O expropriado Ricardo Franco de Mello pede, inicialmente, o recebimento da apelação apenas no efeito devolutivo. Em suas razões recursais, sustenta como preliminar a ocorrência de cerceamento de defesa, diante da ausência de intimação das partes para apresentação de alegações finais e não realização de nova perícia. Quanto ao mérito, se insurge quanto à desconsideração do laudo judicial e ao valor estabelecido a título de indenização, que estaria desatualizado. Afirma que a impossibilidade de levantamento de 80% do depósito inicial constitui confisco e que os juros compensatórios devem ser estabelecidos em 12% ao ano sobre o valor da indenização e os moratórios em 6% ao ano, com pagamento de honorários advocatícios de 5% sobre a diferença entre a oferta e o preço final. Por fim, alega que não houve apuração dos lucros cessantes, haja vista o Contrato de Arrendamento Agrícola firmado em 15.02.2004, com prazo de cinco anos (fls. 2159/2172).

Também alega o INCRA, em síntese, que a incidência de juros compensatórios na desapropriação por interesse social é indevida, haja vista o art. 12 da Lei nº 8.629/93 e a licitude da atividade desenvolvida pela Administração Pública. Sucessivamente, pleiteia a exclusão dos juros compensatórios por inexistência de diferença entre o valor ofertado e o acolhido. Por derradeiro, aduz a impossibilidade de cumulação de juros moratórios e compensatórios e que a verba honorária deve ser paga pelos expropriados, nos termos do art. 19 da Lei Complementar nº 76/93 (fls. 2220/2232).

Com contrarrazões (fls. 2213/2219, 2263/2270 e 2273/2313), subiram os autos a esta Corte para decisão.

A Procuradoria Regional da República opinou pela parcial reforma da sentença, para que seja fixado o montante de R$ 16.562.145,05 a título de indenização, mantendo-se, no mais, a sentença (fls. 2538/2554).

É o relatório.


VOTO

Em 23 de março de 2004, o INCRA propôs a presente ação de desapropriação por interesse social em face de Rubens Franco de Melo e Ildenira Duquini Franco de Mello, objetivando a expropriação do imóvel denominado Fazenda Primavera, com área de 1.806,0986 hectares, localizado nos municípios de Mirandópolis e Lavínia, Estado de São Paulo, oferendo R$ 6.853.074,14 a título de indenização da terra nua e benfeitorias, para dezembro de 2002.

A r. sentença acolheu a quantia apontada pelo expropriante e julgou procedente o pedido, declarando a incorporação do imóvel objeto da matrícula nº 10.008, Livro 2, Ficha nº 01/1, do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Mirandópolis/SP.

Em apelação, as partes sustentam, em síntese, a nulidade da sentença e se insurgem contra o valor da indenização e os consectários legais.

Inicialmente, rejeito o pedido de submissão da sentença ao reexame necessário, nos termos do art. 13, § 1º, da Lei Complementar nº 76/93, uma vez que o magistrado acolheu o valor oferecido na inicial a título de indenização.

Também se mostra descabido o pleito de recebimento da apelação dos expropriados apenas no efeito devolutivo, eis que o Douto Juízo de primeiro grau assim já o procedeu, conforme se verifica à fl. 2185.

A preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa em razão da ausência de realização de nova prova pericial e de concessão de prazo para apresentação de alegações finais se mostra descabida.

Isso porque a prova pericial judicial foi devidamente produzida e abordou todos os tópicos necessários para a apreciação do feito, com a concessão de prazo para a impugnação das partes, sendo despicienda a realização de nova perícia.

Ademais, a falta de oportunidade para oferta de alegações finais, por si só, não gera nulidade do processo, haja vista a ausência de demonstração de efetivo prejuízo, nos termos do art. 282, § 1º, do novo CPC.

A produtividade ou improdutividade do imóvel também não é motivo para a nulidade da decisão. Com efeito, tal matéria sequer pode ser objeto de demanda expropriatória, haja vista as disposições do art. 9º da Lei Complementar nº 76/93, in verbis:


Lei Complementar nº 76/93:
"Art. 9º. A contestação deve ser oferecida no prazo de quinze dias e versar matéria de interesse da defesa, excluída a apreciação quanto ao interesse social declarado".

Além disso, os expropriantes já ajuizaram ação declaratória de nulidade da perícia administrativa e produtividade do imóvel (processo nº 2002.61.07.005405-6), a qual foi julgada improcedente em primeiro grau de jurisdição (fls. 845/856).

A alegação de que a sentença seria nula por não observar a Súmula nº 354 do STJ e a Lei nº 8.629/93 também não prospera. Com efeito, a questão relativa à invasão do imóvel e a consequente inviabilidade de sua avaliação já foi apreciada e rejeitada pela decisão de fls. 484/490, com interposição de agravo de instrumento pela parte, ao qual foi negado provimento (fl. 795), com trânsito em julgado (fl. 1670).

Descabido, outrossim, o pedido de aplicação do art. 462 do CPC/73, ao argumento de que com o falecimento do expropriado Rubens Franco de Mello ocorreu a baixa do fideicomisso e a consequente conversão do imóvel em pequenas e médias propriedades.

Verifica-se que a desapropriação compreende a fase declaratória e a executória, podendo esta última se dar de modo administrativo ou judicial. Na hipótese de desapropriação para fins de reforma agrária, a primeira fase envolve a declaração de interesse social do bem, mediante decreto do Presidente da República, com a devida descrição do imóvel e sua destinação, dentre outros requisitos.

No caso em análise, não houve qualquer transformação no tocante a extensão da propriedade, tendo em vista que no momento da propositura da ação o decreto declaratório de desapropriação por interesse social já constituía ato jurídico perfeito, uma vez que a fase declaratória findou com a sua edição em 21 de novembro de 2002, em que a Presidência da República declarou de interesse social para fins de reforma agrária o imóvel denominado Fazenda Primavera. A fase judicial deve se restringir a averiguação do quantum indenizatório.

Sem mais preliminares, passo a análise do mérito.

A desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária tem previsão nos arts. 184 e 185 da Constituição Federal, constituindo um procedimento administrativo por meio do qual a União impõe ao proprietário a perda de bem que não cumpre sua função social, mediante pagamento de uma justa indenização em títulos da dívida agrária, resgatáveis em até 20 anos, a partir do segundo ano de emissão, sendo, no entanto, as benfeitorias necessárias e úteis pagas em dinheiro.

Com fundamento nestes dispositivos constitucionais foram editadas as Leis Complementares nº 76/93 e 88/96, bem como a Lei nº 8.629/93, as quais regulamentam o procedimento sumário de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária.

Extrai-se dos referidos diplomas normativos que a justa indenização configura uma exigência na desapropriação, já que visa compensar o proprietário da perda do seu bem em favor de um interesse público.

Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o direito a indenização é de natureza pública, já que fundamentado na Constituição e, com exceção da hipótese de desapropriação sem indenização (art. 243 da CF), "em todas as demais deve ser apurado o valor considerado necessário para recompor integralmente o patrimônio do expropriado, de tal modo que ele não sofra qualquer redução" (in Direito Administrativo, 27 ed. , São Paulo: Atlas, 2014, p. 180).

A Lei nº 8.629/93, quando de sua edição, disciplinou em seu art. 12 os critérios que deveriam ser utilizados para o cálculo da justa indenização:


"Art. 12. Considera-se justa a indenização que permita ao desapropriado a reposição, em seu patrimônio, do valor do bem que perdeu por interesse social.
§ 1º A identificação do valor do bem a ser indenizado será feita, preferencialmente, com base nos seguintes referenciais técnicos e mercadológicos, entre outros usualmente empregados:
I - valor das benfeitorias úteis e necessárias, descontada a depreciação conforme o estado de conservação;
II - valor da terra nua, observados os seguintes aspectos:
a) localização do imóvel;
b) capacidade potencial da terra;
c) dimensão do imóvel.
§ 2º Os dados referentes ao preço das benfeitorias".

Tal dispositivo foi alterado pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 24 de agosto de 2001, que passou a ser assim redigido, verbis:

"Art. 12. Considera-se justa a indenização que reflita o preço atual de mercado do imóvel em sua totalidade, aí incluídas as terras e acessões naturais, matas e florestas e as benfeitorias indenizáveis, observados os seguintes aspectos:
I - localização do imóvel;
II - aptidão agrícola;
III - dimensão do imóvel;
IV - área ocupada e ancianidade das posses;
V - funcionalidade, tempo de uso e estado de conservação das benfeitorias.
§ 1o Verificado o preço atual de mercado da totalidade do imóvel, proceder-se-á à dedução do valor das benfeitorias indenizáveis a serem pagas em dinheiro, obtendo-se o preço da terra a ser indenizado em TDA.
§ 2o Integram o preço da terra as florestas naturais, matas nativas e qualquer outro tipo de vegetação natural, não podendo o preço apurado superar, em qualquer hipótese, o preço de mercado do imóvel.
§ 3o O Laudo de Avaliação será subscrito por Engenheiro Agrônomo com registro de Anotação de Responsabilidade Técnica - ART, respondendo o subscritor, civil, penal e administrativamente, pela superavaliação comprovada ou fraude na identificação das informações".

Verifica-se, dentro dessa diretriz legal, que se entende por justa indenização o valor de mercado do imóvel. Logo, a pesquisa mercadológica embasada em dados extraídos de órgãos oficiais, ofertas e escrituras de compra e venda devidamente registradas são de fundamental relevância para apuração do preço do imóvel.

Em sede de apelação, os expropriados requerem que prevaleça o laudo pericial produzido em juízo, em detrimento daquele elaborado administrativamente pelo INCRA, ao fundamento de que este último não seria contemporâneo.

De fato, em sede de desapropriação vigora a regra da contemporaneidade da indenização, o que indica que o laudo de avaliação administrativo acolhido pelo juízo a quo encontra-se defasado, já que realizado em 2002, no momento da propositura da ação.

Neste sentido, o parecer do Ministério Público Federal:


"Ocorre que o próprio INCRA, ao apresentar parecer divergente ao laudo produzido nos autos (fls. 1675/1678 - Vol. 7), em que pese haja manifestado discordância com relação a partes das conclusões da perita judicial, no entanto, entendeu que o valor atual para a avaliação do imóvel seria de R$ 13.801.787,74 (fls. 1678)" (fl. 2548).

Portanto, de rigor o afastamento da perícia inicial exibida pelo INCRA às fls. 11/145 e acolhida pela sentença.

Restam ainda nestes autos dois laudos a serem analisados para a avaliação do quantum indenizatório.

Observo que o laudo pericial judicial de fls. 1241/1643 e 1755/1770 (datado de maio de 2010) apontou para a terra nua o valor de R$ 19.228.550,36 e para as benfeitorias R$ 2.130.165,26, perfazendo o total de R$ 20.356.513,48, haja vista o desconto do passivo ambiental de R$ 1.002.202,14.

Referida prova foi elaborada com base na NBR 14.653 - Parte 3:


"7.4 Pesquisa para estimativa do valor de mercado
7.4.3 Levantamento de dados
7.4.3.1 Tem como objetivo a obtenção de uma amostra representativa para explicar o comportamento do mercado, no qual o imóvel avaliando está inserido.
(...)
7.4.3.4 Os dados de oferta são indicações importantes do valor de mercado. Entretanto, deve-se considerar superestimativas que em geral acompanham esses preços e, sempre que possível, quantificá-las pelo confronto com dados de transações.
7.4.3.5 No uso de dados que contenham opiniões subjetivas do informante, recomenda-se:
a) visitar cada imóvel tomado como referência, com o intuito de verificar todas as informações de interesse;
b) atentar para os aspectos qualitativos e quantitativos;
c) confrontar as informações das partes envolvidas, de forma a conferir maior confiabilidade aos dados coletados.
7.4.3.6 Os dados de mercado devem ter suas características descritas pelo engenheiro de avaliações até o grau de detalhamento que permita compará-los com o bem avaliando, de acordo com as exigências dos graus de precisão e de fundamentação.
7.4.3.7 Especial atenção deve ser dada à classificação de terras dos dados de mercado.
7.4.3.8 Somente são aceitos os seguintes dados de mercado:
a) transações;
b) ofertas;
c) opiniões de engenheiro de avaliações ligados ao setor imobiliário rural;
d) opiniões de profissionais ligados ao setor imobiliário rural;
e) informações de órgãos oficiais".

A perícia judicial foi objeto de parecer divergente por parte do INCRA, que criticou o critério adotado para o cálculo da terra nua e pastagens, apontando um novo valor para a indenização, no total de R$ 13.801.787,74, em outubro de 2010 (fls. 1675/1686 e 1810/1820), correspondente a R$ 12.367.729,75 para a terra nua, R$ 1.434.057,99 para as benfeitorias e R$ 1.000.962,11 correspondente ao passivo ambiental.

De acordo com os esclarecimentos prestados pelo perito judicial em resposta ao laudo divergente apresentado pelo INCRA, o valor da terra nua foi calculado com base em elementos amostrais do tipo oferta, haja vista a escassez e desatualização dos valores apontados nos elementos do tipo negócios realizados:


"Ocorre que na época da vistoria a propriedade avalianda e da pesquisa de mercado realizada para o Laudo Pericial, foram feitas consultas ao Cartório de Registro de Imóveis de Mirandópolis que não identificou na oportunidade negócios realizado com imóveis rurais que atendesses aos 02 (dois) requisitos básicos de admissibilidade deste tipo de dado: contemporaneidade e transação com valor real.
Até existiam elementos do tipo negócios realizados, mas sua utilização comprometeria demasiadamente a pesquisa de mercado para determinação do valor de mercado da terra nua da região, principalmente devido ao fato de estarem escriturados com valores significativamente inferiores aos praticado no mercado imobiliário real.
(...)
Ante o exposto elucida-se a questão da utilização exclusiva de elementos amostrais do tipo oferta no conjunto amostral do Laudo Pericial, contudo ainda carece de explicação o fator oferta (ou elasticidade) utilizado no trabalho e também contestado pelo EXPROPRIANTE" (fls. 1761/1763).

Tal critério, a meu ver, não reflete o efetivo valor de mercado do imóvel, já que a própria expert confirma que se valeu essencialmente do elemento "oferta" por não encontrar outros dados de mercado.

O parecer divergente do INCRA, por sua vez, foi pautado em "pesquisa de mercado realizada tendo como base o mês de dezembro de 2009 (anexa), que contém ofertas e negócios efetivamente realizados na região do imóvel apresenta valores bem menores e mais compatíveis com o valor de mercado do imóvel rural em tela, que leva a um valor atual para a terra nua do imóvel de R$ 12.367.729,75, resultando no valor de R$ 6.847.76 por ha" (fl. 1675).

O expropriante ainda esclarece:


"Entendemos que a Perícia não deveria ter restringido sua busca por negócios realizados apenas ao Cartório de Registro de Imóveis de Mirandópolis, uma vez que a pesquisa poderia ter se estendido para outros municípios que apresentam homogeneidade que poderia ter ocorrido uma melhor investigação quanto ao valor de mercado. É certo que os valores fornecidos aos Cartórios de Registro de Imóveis em alguns casos não representam o real valor da transação. Mesmo assim, a informação do Cartório é valiosa. Pois ali constam endereços de quem vendeu, de quem comprou, localização dos imóveis e outros, bastando apenas procurar as pessoas que efetuaram as transações para descobrir o real valor da propriedade.
(...)
Quanto à contemporaneidade os elementos são válidos, pois se trata de negócios com anterioridade de 01 ano em relação à Perícia, ou estavam em oferta no mercado de terras por ocasião da realização da Perícia. Com relação ao número de elementos a avaliação do INCRA também está correta, pois ela apresenta 05 elementos válidos após o saneamento conforme exige a Norma ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas)" (fls. 1810/1811).

Resta claro que o laudo divergente do INCRA é o que mais se coaduna com as disposições da Lei nº 8.629/93 e da NBR 14.653 - Parte 3, já que utilizou diferentes dados para a estimativa do valor de mercado do bem imóvel.

Os demais aspectos distintivos indicados pelo assistente técnico do INCRA, relativos aos valores das pastagens e cercas externas, também prosperam.

Com efeito, ao contrário do aduzido pelo perito judicial nos esclarecimentos, não se pode dizer que as operações e os insumos utilizados para a formação da pastagem na planilha adotada pelo INCRA foram conservadores, uma vez que amparada em fontes confiáveis de análise como consulta na Anualpec, além de ampla pesquisa de preços de materiais e mão-de-obra.

O mesmo se pode dizer quanto aos valores apontados para as cercas externas, que "devem ter os seus valores divididos por 2, uma vez que a metade pertence ao imóvel e metade pertence a propriedade vizinha", conforme previsão do art. 1297, § 1º, do Código Civil, o que foi ignorado pela perícia judicial.

À luz das considerações acima expostas, mostra-se perfeitamente válido o laudo divergente apresentado pelo INCRA às fls. 1675/1685 e 1810/1820, já que atendido o critério previsto no art. 12 da Lei nº 8.629/93, no sentido de que a justa indenização deve refletir o preço atual de mercado do imóvel.

No entanto, rejeito a irresignação dos expropriados quanto à exclusão do abatimento do valor correspondente ao passivo ambiental.

O laudo divergente do INCRA, assim como a perícia judicial, optaram por descontar do valor da indenização a quantia correspondente ao passivo ambiental da propriedade.

Segundo o expert judicial, a Fazenda Primavera apresenta problemas ambientais consistentes na ausência de área de reserva legal e área de preservação permanente, as quais foram ocupadas por pastagens.

Ora, o passivo ambiental representa os danos causados ao meio ambiente e constitui obrigação propter rem imposta pela legislação ambiental, sob pena de responsabilidade civil, administrativa e penal. Portanto, deve ser abatido do valor da indenização.

Neste sentido, confira-se o seguinte julgado:

"ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. INTERESSE SOCIAL. REFORMA AGRÁRIA. JUROS COMPENSATÓRIOS. IMÓVEL IMPRODUTIVO. INCIDÊNCIA. JUROS COMPENSATÓRIOS E MORATÓRIOS. SÚMULA 102/STJ. IMÓVEL EXPROPRIADO. DIVERGÊNCIA. ÁREA REGISTRADA E ÁREA MEDIDA. RETENÇÃO. DIFERENÇA. PASSIVO AMBIENTAL. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. DEDUÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO. CABIMENTO.
(...)
6. A jurisprudência do STJ está firmada, pelo menos desde 2002, no sentido de que a recuperação da Área de Preservação Permanente e da Reserva Legal, assim como outras incumbências incidentes sobre o imóvel e decorrentes da função ecológica da propriedade, constitui obrigação propter rem; portanto, parte inseparável do título imobiliário, inexistindo, no ordenamento jurídico brasileiro, direito adquirido a degradar ou poluir, ou a desmatamento realizado. Precedentes: REsp 1.251.697/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 17.4.2012; EDcl nos EDcl no Ag 1.323.337/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 1º.12.2011; EDcl no Ag 1.224.056/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 6.8.2010; REsp 1.247.140/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 1º.12.2011; EREsp 218.781/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 23.2.2012; AgRg no REsp 1.367.968/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 12.3.2014; AgRg no AREsp 327.687/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 26.8.2013; AgRg no REsp 1.137.478/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 21.10.2011; REsp 1.240.122/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 11.9.2012; REsp 343.741/PR, Rel. Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, DJ 7.10.2002; REsp 843.036/PR, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, DJ 9.11.2006; REsp 926.750/MG, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 4.10.2007; REsp 1.179.316/SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 29.6.2010; AgRg nos EDcl no REsp 1.203.101/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, DJe 18.2.2011; AgRg no REsp 1.206.484/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 29.3.2011. Sendo assim, nada mais justo do que realizar o desconto decorrente de passivos ambientais do valor da indenização.
7. Recurso Especial parcialmente provido".
(STJ, 2ª Turma, REsp 1307026/BA, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 16.06.2015, DJe 17.11.2015, g.n.).

In casu, a perícia aponta como passivo ambiental as pastagens existentes em APP e Área de Reserva Legal, no valor de R$ 254.831,30 (somatória de R$ 118.126,50 + R$ 136.704,80 - fls. 1327/1328), bem como afirma que o custo da recuperação ambiental destas áreas engloba o replantio das espécies nativas e o seu completo isolamento, perfazendo um total de R$ 747.370,84 (fl. 1345), correspondente a R$ 510.258,60 da reserva legal e R$ 237.112,24 da APP, em maio de 2010.

Somando ambas as quantias, extrai-se o desconto de R$ 1.002.202,14 da indenização como custo da recuperação ambiental (fl. 1346).

Neste ponto, destaco que o laudo divergente incorreu em erro material ao afirmar que concordava com o valor do passivo ambiental apontado pela perícia, mas o calculou em R$ 1.000.962,11 (R$ 490.703,51 de APP + R$ 510.258,60 de RL - fl. 1675).

O equívoco se deu ao não computar o passivo das pastagens existentes em área de APP e de Reserva Legal (R$ 254.831,30), bem como ao indicar o valor de passivo correspondente à recuperação da APP, já que o INCRA computou R$ 490.703,51, quando o certo é R$ 237.112,24.

O INCRA também incide em erro ao declarar que o valor do passivo ambiental foi descontado da indenização. Isso porque ele indica que o quantum indenizatório totaliza R$ 13.801.787,74, o que a corresponde a exata soma de R$ 12.367.729,75 (terra nua - R$ 6.847,76 por hectare multiplicado por 1.806,0986) e R$ 1.434.057,99 (benfeitorias), ou seja, não houve o abatimento do passivo ambiental.

Feitas estas explanações, determino a correção do laudo divergente, para que conste como passivo ambiental o total de R$ 1.002.202,14 e que este seja descontado da indenização (R$ 13.801.787,74), perfazendo o total de R$ 12.799.585,60 a ser pago aos expropriados.

Insta consignar que não há que falar em apuração de lucros cessantes em decorrência do Contrato de Arrendamento Agrícola firmado entre Renato Franco de Mello e a empresa COMIRA S.A, com duração de 15.02.2004 a 15.02.2009 (fls. 719/725). Isso porque referido contrato foi concretizado quando já recaia sobre o imóvel o decreto expropriatório (datado de 21.11.2002), ou seja, a parte já tinha ciência de que a Fazenda Primavera seria desapropriada e optou por fechar um negócio jurídico cujo descumprimento sabia ser inevitável.

No que cerne à complementação dos TDA's, considerando que o montante aqui estabelecido é superior àquele depositado inicialmente, atento que os referidos títulos devem ser expedidos com o mesmo prazo de resgate dos originais, isto é, em até 15 anos, conforme pleito inicial.

Com fulcro neste entendimento, a jurisprudência do STJ se posicionou no sentido de que o tempo em que o INCRA esteve imitido na posse do imóvel deve ser deduzido, a fim de que não se ultrapasse o limite temporal constitucional previsto para resgate.

A título de exemplo, trago a lume as seguintes ementas:


"PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. ART. 535, II, DO CPC. EMBARGOS À EXECUÇÃO. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. COMPETÊNCIA DO STF. APRECIAÇÃO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. DESAPROPRIAÇÃO PARA REFORMA AGRÁRIA. TDA COMPLEMENTAR.
(...)
4. Na indenização fixada por sentença judicial além da oferta, para fins de desapropriação para reforma agrária, os Títulos da Dívida Agrária - TDAs complementares devem ser emitidos com dedução do tempo decorrido a partir da imissão na posse, a fim de que o resgate não ultrapasse o prazo constitucional de vinte anos.
5. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido".
(STJ, 2ª Turma, REsp nº 1295438, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 22.09.2015, DJe 03.02.2016);
"ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. TÍTULOS DA DÍVIDA AGRÁRIA-TDA'S. VALOR COMPLEMENTAR APURADO EM SENTENÇA. RESGATE. TERMO INICIAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O prazo para o resgate do TDA complementar, oriundo de aumento da indenização fixada por sentença judicial, tem como termo inicial a data da imissão provisória na posse, em observância à disposição constitucional que estabelece o prazo máximo de 20 (vinte) anos para pagamento da indenização (art. 184 da CF), de forma que esses títulos devem ser emitidos com a dedução do tempo decorrido entre a data do depósito inicial e a do seu lançamento.
2. Precedentes desta Corte Superior de Justiça: AgRg no AREsp 75960/PA, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe 06.11.2012; REsp. 1.183.583/TO, Rel. Min. MAURO CAMPBELL, DJe 27.04.2011; e REsp. 1.035.057/GO, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 08.09.2009.
3. Agravo Regimental do INCRA desprovido".
(STJ, 1ª Turma, AgRg nº 1205337, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 20.05.2014, DJe 27.05.2014).

Assim, fixo o termo inicial da expedição dos TDA's complementares na data de imissão na posse (17.07.2006 - fl. 332).

Vencidas as questões atinentes ao valor da indenização e ao laudo pericial, passo ao exame dos consectários.

Ressalto que os juros compensatórios e moratórios não se confundem, já que incidem em momentos distintos. Aqueles têm como objetivo compensar o proprietário pela perda antecipada da posse e, portanto, devem incidir a partir desta data até a expedição do precatório, ao passo que estes decorrem do atraso no pagamento da indenização.

Por conseguinte, viável a incidência dos juros moratórios sobre os compensatórios, prática que não constitui anatocismo, nos termos da Súmula nº 102 do STJ:


"Súmula 102. A incidência dos juros moratórios sobre os compensatórios, nas acões expropriatórias, não constitui o anatocismo vedado em lei".

Ressalte-se que tal fato só ocorrerá se o precatório não for pago tempestivamente.

Em relação aos juros compensatórios, destaco que vigorava na jurisprudência do STF o entendimento de que deveriam ser estabelecidos em 12% ao ano:


"Súmula 618 do STF: Na desapropriação, direta ou indireta, a taxa de juros compensatórios é de 12% (doze por cento) ao ano".

Posteriormente, a Medida Provisória nº 2027-43, de 27 de setembro de 2000, e suas reedições posteriores, acrescentaram o art. 15-A ao Decreto-lei nº 3.365/41, prevendo que nas desapropriações por necessidade ou utilidade pública e interesse social, inclusive para fins de reforma agrária, na hipótese de imissão na posse, incidiriam juros compensatórios de até 6% ao ano sobre a diferença eventualmente apurada entre o valor ofertado e aquele acolhido.

No entanto, o pleno do Supremo Tribunal Federal, por maioria, na apreciação do pedido liminar da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.332/DF, suspendeu a eficácia da expressão "de até seis por cento ao ano", contida no mencionado dispositivo legal, além de conferir ao final do caput do artigo uma interpretação conforme a Constituição Federal, no sentido de que a base de cálculo dos juros compensatórios seja a diferença entre 80% do preço ofertado em juízo e o valor fixado na sentença, haja vista a possibilidade de levantamento do depósito inicial pelas partes.

A Corte Superior também suspendeu a eficácia dos §§ 1º e 2º do dispositivo mencionado, com eficácia ex nunc, que previa o pagamento de juros compensatórios apenas para "compensar a perda de renda comprovadamente sofrida pelo proprietário", não sendo devidos nos casos em que o "imóvel possuir graus de utilização da terra e de eficiência na exploração iguais a zero", motivo pelo qual se entende que os juros compensatórios são devidos nas desapropriações ainda que o bem seja improdutivo.

Confira-se a ementa do julgado em questão:


EMENTA: - Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 1º da Medida Provisória nº 2.027-43, de 27 de setembro de 2000, na parte que altera o Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, introduzindo o artigo 15-A, com seus parágrafos, e alterando a redação do parágrafo primeiro do artigo 27. - Esta Corte já firmou o entendimento de que é excepcional o controle judicial dos requisitos da urgência e da relevância de Medida Provisória, só sendo esse controle admitido quando a falta de um deles se apresente objetivamente, o que, no caso, não ocorre. - Relevância da argüição de inconstitucionalidade da expressão "de até seis por cento ao ano" no "caput" do artigo 15-A em causa em face do enunciado da súmula 618 desta Corte. - Quanto à base de cálculo dos juros compensatórios contida também no "caput" desse artigo 15-A, para que não fira o princípio constitucional do prévio e justo preço, deve-se dar a ela interpretação conforme à Constituição, para se ter como constitucional o entendimento de que essa base de cálculo será a diferença eventualmente apurada entre 80% do preço ofertado em juízo e o valor do bem fixado na sentença. - Relevância da argüição de inconstitucionalidade dos parágrafos 1º e 2º do mesmo artigo 15-A, com fundamento em ofensa ao princípio constitucional da prévia e justa indenização. - A única conseqüência normativa relevante da remissão, feita pelo § 3º do aludido artigo 15-A está na fixação dos juros no percentual de 6% ao ano, o que já foi decidido a respeito dessa taxa de juros. - É relevante a alegação de que a restrição decorrente do § 4º do mencionado artigo 15-A entra em choque com o princípio constitucional da garantia do justo preço na desapropriação. - Relevância da argüição de inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 27 em sua nova redação, no tocante à expressão "não podendo os honorários ultrapassar R$ 151.000,00 (cento e cinqüenta e um mil reais)". Deferiu-se em parte o pedido de liminar, para suspender, no "caput" do artigo 15-A do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, introduzido pelo artigo 1º da Medida Provisória nº 2.027-43, de 27 de setembro de 2000, e suas sucessivas reedições, a eficácia da expressão "de até seis por cento ao ano"; para dar ao final desse "caput" interpretação conforme a Constituição no sentido de que a base de cálculo dos juros compensatórios será a diferença eventualmente apurada entre 80% do preço ofertado em juízo e o valor do bem fixado na sentença; e para suspender os parágrafos 1º e 2º e 4º do mesmo artigo 15-A e a expressão "não podendo os honorários ultrapassar R$ 151.000,00 (cento e cinqüenta e um mil reais)" do parágrafo 1º do artigo 27 em sua nova redação.
(ADI nº 2.332 MC, Rel. Min. Moreira Alves, j. 05.09.2001, DJU 02.04.2004).

Com a suspensão da eficácia das expressões contidas no art. 15-A, os juros compensatórios voltaram a ser fixados em 12% ao ano, conforme preceito contido na Súmula nº 618 do STF. Tal entendimento também é adotado pelo STJ, que o confirmou sob o regime do art. 543-C do CPC/73 (REsp nº 1.111.829/SP).

Portanto, mantenho os juros compensatórios no percentual de 12% ao ano, a contar da data de imissão na posse (17.07.2006) até a expedição do precatório, porém reduzo sua base de cálculo para a diferença entre 80% do preço ofertado e o valor acolhido neste voto, já que o levantamento da quantia depositada foi rejeitado por questões restritas exclusivamente aos expropriados.

No que se refere aos juros moratórios, verifico que o percentual estabelecido pela sentença e seu termo inicial estão em consonância com o art. 15-B do Decreto-lei nº 3.365/41 e com o entendimento jurisprudencial dominante, razão pela qual não vejo motivos para reparos. Entretanto, de rigor a alteração da sua base de cálculo, a qual também restrinjo para a diferença entre 80% do preço ofertado e o valor acolhido neste voto, pelo mesmo fundamento acima exposto.

Segundo jurisprudência firmada no âmbito deste Tribunal e nas Cortes Superiores, a correção monetária deve incidir da data do laudo até o efetivo pagamento, haja vista a Súmula nº 561 do STF, que assim explicita: "em desapropriação, é devida correção monetária até a data do efetivo pagamento da indenização, devendo proceder-se à atualização do cálculo, ainda que por mais de uma vez".

Assim, a correção monetária deve ser fixada a partir da data do laudo de avaliação acolhido até o efetivo pagamento do quantum indenizatório, mantidos os índices contidos no Manual de Cálculo do Conselho da Justiça Federal.

Por fim, no que concerne aos honorários advocatícios destaco que estes devem ficar a cargo do expropriante, já que a indenização foi fixada em quantia superior a oferta, nos termos do art. 19 da Lei Complementar º 76/93.

Em relação ao quantum a ser estabelecido, verifico que a verba honorária foi fixada com observância dos critérios dispostos no § 4º do art. 20 do Código de Processo Civil de 1973, motivo pela qual a mantenho em R$ 35.000,00, valor este ligeiramente acima de 0,5% (meio por cento) sobre a diferença entre a oferta e a quantia acolhida neste voto a título de indenização.

Ressalto que a verba honorária deverá ser dividida entre os advogados dos expropriados de forma proporcional ao quinhão que cada um deles tem no imóvel.

Desta feita, fixo a indenização em R$ 12.799.585,60, correspondentes a R$ 1.434.057,99 referentes às benfeitorias e R$ 11.365.527,61 à terra nua, já descontado o passivo ambiental de R$ 1.002.202,14.

A diferença entre o valor ofertado e o acolhido para a terra nua deverá ser paga mediante a expedição de TDA's complementares, respeitando-se, contudo, o prazo máximo de quinze anos para resgate, contados a partir da imissão do INCRA na posse do imóvel.

A quantia correspondente aos títulos de dívida agrária que não puderem ser emitidos em razão da extrapolação do prazo de quinze anos acima mencionado deverá ser paga em dinheiro, assim como o valor correspondente a diferença relativa às benfeitorias, sempre acrescidos de correção monetária a partir da data do laudo de avaliação até o efetivo pagamento, segundo os índices do Manual de Cálculo do Conselho da Justiça Federal, bem como incidência de juros compensatórios e moratórios, ambos sobre a diferença existente entre 80% do preço ofertado e o valor aqui acolhido, os primeiros fixados à razão de 12% ao ano, contados da imissão na posse até a expedição do precatório, e os segundos em 6% ao ano, a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito.

Ante o exposto, rejeito as matérias preliminares e, no mérito, nego provimento à apelação do INCRA e dou parcial provimento às apelações dos expropriados para fixar a indenização no total de R$ 12.799.585,60, com a expedição de TDA's complementares para pagamento da diferença entre o valor ofertado e o acolhido para a terra nua, respeitado o prazo máximo de quinze anos para resgate, contado a partir da imissão na posse do imóvel, com pagamento em dinheiro da diferença relativa às benfeitorias e de eventual quantia correspondente aos títulos que não puderem ser emitidos em razão da extrapolação do prazo de resgate, com acréscimo de correção monetária a partir da data do laudo de avaliação até o efetivo pagamento, segundo os índices do Manual de Cálculo do CJF, bem como incidência de juros compensatórios e moratórios, ambos sobre a diferença existente entre 80% do preço ofertado e o valor aqui acolhido, os primeiros fixados à razão de 12% ao ano, contados da imissão na posse até a expedição do precatório e os segundos em 6% ao ano, a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito. Mantenho os honorários advocatícios em R$ 35.000,00, dividido conforme o quinhão de cada expropriado, assim como autorizo o levantamento de 80% da indenização depositada, nos termos do art. 6º, § 1º, da Lei Complementar nº 76/93.

É o voto.




MAURICIO KATO
Desembargador Federal


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