Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002695-42.2007.4.03.6181/SP
2007.61.81.002695-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : CLARICE SANTOS BERGSTROM
ADVOGADO : SP323257 VICTOR REZENDE FERNANDES DE MAGALHÃES e outro(a)
CODINOME : CLARICE GUSMAO SANTOS
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00026954220074036181 4 Vr GUARULHOS/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIMES DO ART. 2º, § 1º, DA LEI N. 8.176/9, E ART. 334, CAPUT E § 3º, E ART. 304, C. C. O ART. 298, DO TODOS DO CÓDIGO PENAL. USURPAÇÃO DE BENS DA UNIÃO. REVOGAÇÃO PELA LEI AMBIENTAL. INEXISTÊNCIA. CONTRABANDO OU DESCAMINHO. MATERIALIDADE. EXAME PERICIAL. DESNECESSIDADE. DOSIMETRIA. DESCAMINHO PRATICADO EM TRANSPORTE AÉREO. CÓDIGO PENAL, ART. 334, § 3º. APLICABILIDADE. USO DE DOCUMENTO FALSO. CÓDIGO PENAL, ART. 304. TIPICIDADE. CONTRABANDO. DESCAMINHO. DELITO DE FALSO. CONFRONTO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. ABSOLVIÇÃO. NÃO CABIMENTO. ART. 2º DA LEI N. 8.176/91. FÓSSEIS. OBJETO MATERIAL. DOSIMETRIA. APELAÇÃO DA DEFESA DESPROVIDA. APELAÇÃO DA ACUSAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. O delito de usurpação de bens da União (Lei n. 8.176/91, art. 2º, caput) constitui crime contra o patrimônio. Sendo assim, não foi revogado pela Lei n. 9.605/98, art. 55, caput, que protege o meio ambiente ao sancionar a conduta de extração irregular de recursos minerais, consoante se infere de precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do TRF da 3ª Região.
2. Segundo a jurisprudência, não é indispensável a realização de exame pericial (laudo merceológico) que ateste a origem estrangeira das mercadorias para a comprovação da materialidade do delito de contrabando ou descaminho, que pode ser apurada por outros meios de prova. Precedentes.
3. O § 3º do art. 334 do Código Penal prevê causa de aumento de pena para o contrabando ou descaminho. A pena do delito de contrabando ou descaminho praticado em transporte aéreo deve ser aplicada em dobro, nos exatos termos na norma penal, que não estabeleceu qualquer distinção entre voo regular e clandestino. Nesse sentido, são os precedentes.
4. A conduta típica do crime previsto no art. 304 do Código Penal é fazer uso de documento falso, ou seja, usar o documento material ou ideologicamente falso como se fosse autêntico, consoante ensina Damásio Evangelista de Jesus.
5. Os delitos de contrabando ou descaminho são contra a Administração Pública no que se refere ao seu poder de controle relativo ao ingresso de mercadorias no País. Por sua vez, os delitos de falsidade documental são contra a fé pública. Assim, para que se apure a consunção ou a autonomia desses delitos, é necessário verificar, caso a caso, se o documento inidôneo esgota sua potencialidade lesiva na consecução do delito de contrabando ou descaminho, hipótese em que haverá consunção, ou se, inversamente, subsiste sua lesividade ainda após o exaurimento daqueles delitos, quando então será delito autônomo. Por tais motivos, a jurisprudência ora reconhece a consunção ora a autonomia, conforme as circunstâncias do caso concreto.
6. As declarações da ré são vagas e não foram provadas, restando isoladas nos autos. Assim, comprovadas a materialidade e a autoria, deve a condenação pelo crime contrabando ser mantida.
7. O delito de uso de documento falso consistiu em crime-meio, uma vez que os documentos falsos não tinham potencialidade lesiva a subsistir após a consumação do crime de contrabando. Logo, aplica-se o princípio da consunção, por estar o dolo do agente direcionado não apenas ao uso do documento, restando absorvido pelo contrabando. Desse modo, a sentença deve ser mantida quanto à absolvição da imputação da prática do crime do art. 304 do Código Penal.
8. No entanto, em relação à absolvição pela acusação de prática do delito do art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.176/91, é caso de ser reformada a sentença.
9. A jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais aponta para a qualificação de fósseis como objeto material do crime do art. 2º da Lei n. 8.176/91. Precedentes.
10. Verifica-se que a materialidade e a autoria relativas ao crime do art. 2º da Lei n. 8.176/91 também estão devidamente demonstradas, não cabendo a alegação do Juízo a quo de que apenas matéria-prima relacionada a questões energéticas e de combustíveis seriam abrangidas pelo tipo penal descrito. Ademais, o Projeto de Lei do Senado n. 57/2005, citado na sentença, que trata especificamente da comercialização de fósseis, ainda não foi aprovado, não havendo que se falar em sua aplicação, ainda que subsidiária.
11. Como acertadamente apontado na sentença, não se pode olvidar que o valor econômico e cultural dos fósseis apreendidos é bastante considerável, o que torna necessária a exasperação da pena-base. Além disso, as provas são conclusivas no sentido de que o transporte aéreo foi utilizado na execução do delito, devendo, portanto, ser mantida incidência da causa de aumento correspondente.
12. Ressalto que o valor econômico e cultural dos fósseis já foi considerado como circunstância judicial desfavorável na dosimetria do crime de contrabando. Desse modo, incabível sua reutilização na dosimetria da pena do outro delito cometido pela ré, uma vez que estaria configurado bis in idem.
13. Apelação da defesa desprovida. Apelação da acusação parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da defesa e dar parcial provimento à apelação da acusação, para condenar a ré à pena definitiva de 4 (quatro) anos de reclusão, regime inicial aberto, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1 (um) salário mínimo, substituídas as penas privativas de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços comunitários pelo tempo total das condenações, e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos, pela prática dos delitos do art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.176/91, e art. 334, caput e § 3º, do Código Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 21 de novembro de 2016.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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