D.E. Publicado em 07/03/2018 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, desnecessária a intervenção do Ministério Público Federal no feito, bem como negar provimento ao agravo retido e não conhecer da remessa oficial, nos termos do voto do Juiz Fed. Conv. Marcelo Guerra (Relator) e, por maioria, negar provimento à apelação da União e à apelação da autora, nos termos do voto do Des. Fed. André Nabarrete, com quem votaram o Des. Fed. Marcelo Saraiva e, na forma dos artigos 53 e 260, §1.º do RITRF3, a Des. Fed. Consuelo Yoshida e o Des. Fed. Johonson Di Salvo. Vencido o Juiz Fed. Conv. Marcelo Guerra (Relator), que dava provimento ao apelo da União e da autora.
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VOTO-VISTA
O eminente Juiz Federal convocado Marcelo Guerra proferiu voto para prover a apelação da União Federal e excluí-la da lide, prover a apelação da autora para anular a decisão do CADE e a consequente multa e negou provimento à remessa oficial. Houve condenação a honorários advocatícios.
O Sr. Relator definiu a controvérsia: a legalidade da decisão do CADE, concernente à cobrança da taxa de segregação e entrega de contêineres no Porto de Santos (THC2), exigida pelo operador portuário (OP) ao entregar a carga para terminais retroalfandegados (TRA). Submeteu a sentença a reexame necessário (art. 475, I, CPC/73), negou provimento ao agravo retido ao rejeitar a alegação de cerceamento de defesa, pois entendeu que há nos autos elementos suficientes ao deslinde da lide, e rejeitou preliminar de nulidade da sentença, porquanto a questão da legalidade da THC2 é extraída da interpretação lógico-sistemática da petição inicial e o juízo aplicou o direito ao caso concreto, ainda que sob fundamentos diversos dos apresentados pela parte. Reconheceu a ilegitimidade passiva da União. Argumentou que a competência, prevista na Constituição, para explorar, direta ou indiretamente, os serviços dos portos marítimos não lhe defere a autorização para ditar as regras tarifárias, que é atribuição da CODESP e da ANTAQ, conforme artigo 16 da Lei nº 12.815/13. Aduz que a CODESP é a autoridade portuária (Lei nº8630/93) e a ela compete qualificar o operador portuário, fixar os valores e arrecadar a tarifa portuária (33, IV). No mérito, o Sr. Relator afirmou que a decisão do CADE não poderia subsistir, porque a legalidade da THC2 era inconteste, pois exigida anteriormente pela CODESP, antes da privatização do Porto de Santos, em razão dos serviços previstos na tabela M-20, o que foi confirmado pelos tribunais. Assevera que os contêineres são retirados do navio e depositados em pilhas (stacking area), serviços que os operadores portuários cobram dos armadores e estes dos importadores (box rate e THC). Esclarece que, para a segregação e entrega dos contêineres aos recintos alfandegados (TRA), os operadores portuários (OP) exercem atividades não previstas na tarifa básica, razão pela qual, sob fiscalização da CODESP, exigem a THC2, para prover os custos extraordinários. Pontua que a exigência da THC2 observa os parâmetros regulatórios da ANTAQ e da CODESP, os quais gozam de presunção de legalidade. Enfatiza que o poder regulatório não as exime do cumprimento da legislação antitruste e ao CADE não cabe interferir na matéria de competência da CODESP e da ANTAQ; que União e CODESP concordaram com a tarifa complementar; que a segregação e a movimentação horizontal dos contêineres não são previstas no contrato de arrendamento como serviço básico e, em consequência, devem ser cobradas daqueles que delas se beneficiam, sob pena de enriquecimento sem causa. Acrescenta que o próprio CADE reconhece que há um serviço de entrega de contêineres aos TRA e que impõe custos para sua execução, os quais são cobrados dos proprietários ou consignatários. Critica os fundamentos do voto do relator da decisão do CADE quando justifica a cobrança de tarifa pela CODESP em dispositivos legais (Decreto nº 24.511/34) e que houve aquiescência do poder público pela outorga do serviço portuário, o que configuraria excludente de ilicitude concorrencial, segundo a teoria do "State Action Doctrine". A Lei dos Portos (Lei nº 8630/93 e Lei nº 12.815/13) prevê normas de atuação, inclusive quanto a tarifas e defesa da concorrência pela autoridade portuária, uma agência reguladora competente para promover estudos de demanda e, por isso, não tem sentido que o CADE se imiscua no contrato de concessão e na atuação do operador portuário para ditar regras que os órgãos encarregados (CODESP e ANTAQ) dizem ser legais. Lembra que a Secretaria de Direito Econômico - SDE manifestou-se favoravelmente à cobrança da THC2; que a CODESP editou a DIREXE nº 371/2005, a qual estabeleceu preço máximo a ser praticado pelos terminais portuários para os serviços de segregação e entrega de contêineres e com isso afastou uma das situações trazidas no acórdão do CADE; que a Resolução ANTAQ 2.389/2012 distinguiu os serviços incluídos na box rate dos demais, como o de segregação e entrega de contêineres. Salienta que o CADE e a ANTAQ têm competências próprias e diversas; ao primeiro (Lei nº 8.894/94/ Lei nº 12.529/2011) compete atuar na prevenção e repressão às infrações à ordem econômica e a segunda (Lei nº 10.233/01) é reguladora do mercado de serviços aquáticos; a ANTAQ validou a cobrança da THC2, o que afasta seus efeitos nocivos e a necessidade de intervenção do CADE.
INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO FEITO
As Leis nº 8.884/94 e 12.529/11, nos seus artigos 12 e 20 respectivamente, preveem que o Ministério Público Federal oficie nos processos administrativos sujeitos à apreciação do CADE. Entretanto, tal não significa que devam fazê-lo em processos judiciais em que a autarquia atue como autora, ré ou qualquer outra posição na lide.
No caso dos autos, a ação é de particular com o objetivo de anular decisão do CADE, o qual a proferiu em sede administrativa de que era parte a ECOPORTO entre outras. A relação jurídico-processual é restrita subjetivamente às partes, sem repercussão extraprocessual de natureza coletiva ou difusa a justificar a presença do Parquet Federal como custos legis, na forma do artigo 82 do CPC/73 ou o artigo 178 do CPC atual. Tanto é assim que na Apel. RO nº 2005.61.00.014.995-SP, Rel. Des. Fed. Marli Ferreira, que tinha objeto idêntico, mas era autora Santos Brasil Participações/SA, também não interveio o Ministério Público. Nesse sentido, cito jurisprudência do TRF 1, verbis:
AGRAVO RETIDO
À fl. 1075, o magistrado a quo determinou às partes a especificação de provas, momento em que a apelante pugnou pela produção de prova oral, documental suplementar e pericial, nos termos de fls. 1095/1096, requerimento indeferido à fl. 1117, provimento desafiado por meio do agravo retido de fls. 1119/1123, devidamente reiterado no bojo de seu apelo (fls. 2141/2142).
Aduziu a parte que o escopo das provas era comprovar a "natureza adicional e autônoma do serviço de segregação e entrega de contêineres", ou seja, sua operação logística, e os custos adicionais daí advindos, não abrangidos pela THC ou suportados pelo armador.
Acompanho o relator quanto à negativa de provimento ao agravo retido, pois, com efeito, os fatos estão sobejamente demonstrados nos autos, prescindível qualquer outra prova, seja oral, documental ou pericial, as quais, em verdade, somente retardariam a solução da lide. Ademais, ressalte-se que, mesmo depois do indeferimento, inclusive nesta instância, as partes procederam à juntada de diversos outros documentos, laudos, pareceres, para comprovar a veracidade de suas alegações. A matéria é eminentemente de direito e, quanto à realidade fática, encontra-se à saciedade demonstrada.
O juízo sentenciante procedeu à devida fundamentação de sua convicção com base na vasta prova produzida pelos litigantes, na forma consignada à fl. 2055, de modo que não se entrevê qualquer cerceamento de defesa ou afronta aos artigos 5º, LIV e LV, da CF/1988 e artigos 130 e 131 do CPC/ 1973.
DA REMESSA OFICIAL
O Sr. Relator submeteu o feito ao reexame necessário, com fulcro no artigo 475, inciso I, do CPC/73. Entretanto, a sentença julgou improcedentes os pedidos. Logo, descabida a remessa oficial.
LEGITIMIDADE AD CAUSAM DA UNIÃO
O pedido subsidiário da ação é:
Negado o pedido principal (anulação de decisão do CADE), entende o autor que o equilíbrio do contrato de concessão estará comprometido, deverá haver revisão de suas cláusulas e deverá indenizá-la dos danos que sofreu e sofrerá. Estabeleceu-se uma responsabilidade para a União da qual ela teve e tem de se defender. Plena a legitimidade passiva. A argumentação (fl. 2318/19) de que eventual lesão de direito decorreu da atuação do CADE é matéria do mérito e não dos pressupostos processuais ou condições da ação. Tanto é assim que a sentença recorrida, após julgar improcedente o pedido principal, enfrentou o pedido subsidiário e concluiu ser improcedente pelas razões meritórias que expôs.
AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PARA MANIFESTAÇÃO SOBRE DOCUMENTOS NOVOS
Em seu apelo, arguiu a recorrente haver nulidade do decisum recorrido decorrente da origem do convencimento judicial. Sustentou que a assistente dos réus, MARIMEX, procedeu à juntada de documentos novos, os quais foram essenciais à persuasão do magistrado sentenciante. A autora, contudo, não teve oportunidade de sobre eles se manifestar, dada a ausência de sua intimação após a juntada aos autos, em violação ao contraditório (artigo 5º, LV, da CF/1988). Colacionou, às fls. 2143/2144 uma "tabela" para o escopo de demonstrar que a sentença estaria inteiramente fulcrada em tais documentos, de modo que os argumentos apresentados pela assistente teriam sido determinantes para o "inadvertido resultado do julgamento". Dessa forma, não intimada para se pronunciar a respeito dos novos documentos, imperiosa a anulação da sentença proferida nestes autos e também da exarada em sede de medida cautelar, em virtude do "evidente prejuízo ao contraditório" (fl. 2145).
Também em relação a esse ponto carece de razão a recorrente. Compulsados os autos, verifica-se que a MARIMEX apresentou manifestação às fls. 1542/1569, protocolada na data de 22/04/2014, por meio da qual procedeu à juntada de novos documentos, colacionado às fls. 1572/2019, consubstanciados em consultas, pareceres e artigos jurídicos, comunicações internas da ANTAQ, julgados desta Corte Regional e do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, além de peças relativas à apreciação administrativa de pedido de revisão da Resolução ANTAQ nº 2.389/2012.
Afere-se do exame dos autos, ainda, que a apelante, ECOPORTO (TECONDI) apresentou memoriais, colacionados às fls. 2021/2024, na data de 02/06/2014, ou seja, posteriormente à juntada dos documentos novos. Dessa forma, veio aos autos a apelante após a apresentação da peça da assistente, de modo que houve oportunidade e tempo hábeis para que realizasse a análise da indigitada documentação e, em consequência, para sobre eles se manifestar - mas assim não procedeu.
Preceituava o artigo 245 da Lei Adjetiva Civil de 1973, vigente à época - preceito mantido no atual códex, artigo 278 -, que é dever da parte alegar a nulidade dos atos processuais na primeira oportunidade em que falar nos autos, sob pena de preclusão. Desse modo, apresentados os memoriais e silenciado a apelante sobre documentação anteriormente juntada, preclusa está a matéria.
Ademais, a documentação colacionada pela MARIMEX constituiu em uma das bases para a apreciação realizada pelo Juízo a quo e não seu inteiro fundamento. Acaso assim fosse, seria de fato provimento nulo, porque teria desconsiderado o farto conjunto probatório produzido - o que não se verifica in casu. A sentença traz inúmeros outros elementos de convencimento, tais como a própria decisão administrativa do CADE impugnada, a legislação norteadora do tema (e.g., Lei nº 8.630/1993, Lei nº 8.884/1994, Decreto nº 24.511/1993, entre outros), inclusive os normativos da ANTAQ.
NULIDADE DA SENTENÇA
A sentença recorrida apreciou conjuntamente a presente ação de rito ordinário e a ação cautelar. O Juízo de 1º grau delimitou o objeto da lide, consignado versar sobre a anulação da decisão prolatada pelo CADE que impediu a autoria de cobrar a THC2 e a decorrente imposição da multa por ter procedido à sua percepção - consoante anteriormente apontado. Afastou as preliminares suscitadas pelas partes e decidiu ser improcedente o mérito, tantos nos autos principais como nos da cautelar, com supedâneo, em suma, nos seguintes fundamentos: não há como se proceder à análise da cobrança em seu aspecto concorrencial sem observar o prisma de sua legalidade; há nos autos elementos mais do que suficientes para o julgamento do feito, desnecessária a complementação probatória; é possível a atuação do CADE para regular a prestação do serviço portuário; o modelo de Porto Organizado foi adotado a partir do advento da Lei nº 8.630/1993; a antiga taxa M20, arrecadada pela CODESP, tem natureza similar à da THC2, o que não legitima, contudo, sua cobrança; a segregação e entrega de contêineres não configura serviço novo ou diferenciado; ainda que a cobrança da THC2 fosse legal, configura prática violadora da concorrência, na medida em que cria um "terceiro mercado", o da liberação de contêineres; não há justificativa para que a ANTAQ reconheça a existência de serviços complementares, tampouco para a CODESP instituir e regular o valor da tarifa, dada a ilegalidade da cobrança do ponto de vista do edital e do contrato para a exploração do porto; a condenação da autora, proferida pelo CADE, é razoável e coerente; não resta configurado qualquer desequilíbrio contratual, em decorrência da vedação à cobrança da THC2, hábil a ensejar direito à reparação pecuniária. Condenada a autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios fixados em R$50.000,00 em favor de cada um dos réus. Determinada, também, a devolução dos valores pagos à requerente pelos terminais enquanto vigorou a liminar acautelatória que autorizou a manutenção da cobrança e cominadas obrigações acessórias como apresentação de planilhas e dados cadastrais das empresas envolvidas.
Os embargos de declaração apresentados pela recorrente foram rejeitados pelo magistrado sentenciante (fls. 2072/2083, 2129/2131v).
Em sede da apelação, sustentou a autora a nulidade do provimento recorrido "ao menos" nos capítulos em que abordada a legalidade da cobrança da THC2, dado que o tema que não compôs a causa de pedir, o que ensejaria o reconhecimento de provimento extra petita, nos termos do artigo 460 do CPC/1973.
Sem razão a recorrente, na forma apontada pelo Relator, pois sua imperiosa análise, a qual efetivamente decorre da interpretação lógico-sistemática do pedido e causa de pedir apresentados na peça exordial, linha de entendimento assente no C. STJ: "O pedido deve ser interpretado de forma a alcançar a maior proteção jurídica possível e a máxima efetividade do provimento exarado. Consoante o entendimento assente do C. STJ: 'O pedido deve ser extraído da interpretação lógico-sistemática da petição inicial, a partir da análise de todo o seu conteúdo (AgRg no Ag 784.710/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 06.10.2010. No mesmo sentido: REsp 1.159.409/AC, 2ª Turma , Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 21.05.2010; e AgRg no Ag 1.175.802/MG, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 15.03.2010). Conforme se ressaltou no julgamento do REsp 1.107.219/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 23.09.2010, 'os pedidos devem ser interpretados como manifestações de vontade, de forma a tornar o processo efetivo, o acesso à justiça amplo e justa a composição da lide '. Vale menção, ainda, a ressalva feita no julgamento do AgRg no REsp 737.069/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 24.11.2009, de que 'não viola os arts. 128 e 460 do CPC a decisão que interpreta de forma ampla o pedido formulado pelas partes, pois o pedido é o que se pretende com a instauração da demanda '. Os precedentes acima denotam a posição consolidada do STJ quanto à necessidade de se conferir ao pedido uma exegese sistêmica, que guarde consonância com o inteiro teor da petição inicial, de maneira a conceder à parte o que foi efetivamente requerido, sem que isso implique decisão extra ou ultra petita''' (STJ, REsp 1162643, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, v.u., DJe 17/08/2012).
Ademais, a legalidade da THC2 está intrinsecamente vinculada à quaestio e foi inclusive abordada na decisão administrativa objeto do presente feito, proferida pelo CADE, consoante se afere às fls. 83/139, a qual se embasou na legislação regente não só do Direito de Concorrência, como de igual modo nos diplomas que regulam o Direito Portuário, abarcados a concessão e arrendamento portuários para fins de caracterizar o modelo de gestão portuária objeto de análise.
Outro ponto suscitado pela apelante, que também consubstanciaria provimento extra petita, diz respeito à determinação de devolução dos valores depositados pela apelante, à disposição do juízo, a cada um dos terminais no período em que vigorou a liminar, o que desbordaria dos limites objetivos e subjetivos da lide, porque não pode o magistrado destinar valores a quem não é parte no feito (artigos 460 e 472 do CPC/1973; artigos 492 e 506 do CPC). Aduziu que o "encargo da THC2" não foi suportado por tais empresas, mas sim pelos destinatários finais das mercadorias importadas, porque embutido nos preços praticados no desempenho da atividade de armazenagem, inclusive por isso não houve o ajuizamento de qualquer ação por parte dos importadores ou mesmo dos TRA para reclamar tais montantes. A ordem de devolução estaria, assim, a destiná-los indevidamente àqueles que não sofreram o efetivo prejuízo decorrente do pagamento (artigo 166 do CTN, Súmula 546 do STF). Pugnou pela declaração de nulidade da determinação ou, acaso considerado apenas erro de mérito no julgamento, sua reforma.
A determinação de devolução é mera consequência lógica da improcedência da demanda e não apreciação extra petita. Os valores são relativos à THC2 cobrada diretamente dos terminais retroportuários. Julgada improcedente a demanda, é de se impor a restituição a quem os pagou, in casu, os TRA. E, para tal fim, devem ser fornecidos os dados dos pagamentos, a saber, os nomes das empresas, as datas e respectivo numerário - os quais, em verdade, já estão devidamente discriminados na medida cautelar, consoante informou a própria recorrente em seu apelo, fl. 2175, dado que os comprovantes judiciais encartados contêm "nome do cliente", "valor do serviço", "número da nota fiscal" e "data do recebimento". Se já estão informados nos autos, bastará à parte tão somente a eles se reportar.
Não há que se perquirir ou conjecturar sobre as teses do "contribuinte de direito" ou "contribuinte de fato" quando se fala em tarifa ou preço público, porque o pagamento, na realidade, foi efetuado pelo TRA e a cada um deles, em sua exata medida, devem ser devolvidas as quantias pagas. Não pode a apelante pretender levantar os valores depositados e tê-los à sua disposição (fl. 2175), pois consubstanciam a remuneração da THC2 que foi considerada indevida pela sentença recorrida. Equivaleria ao pleno recebimento como se fosse seu por direito reconhecido. Tampouco deve o depósito ser vertido aos réus União, CADE, CODESP, vencedores na instância a qua, o que decerto configuraria sua indevida destinação, posto que deles não adveio o pagamento, como visto.
Como admitido pela própria apelante (fl. 2172), a caução realizada em sede de ação cautelar visa assegurar o ressarcimento pela ocorrência de eventuais danos que possam resultar, no caso, da concessão liminar da medida.
MÉRITO
A) DECISÃO DO CADE
No dia 27 de abril de 2005, no processo administrativo nº 08012.007443/99-17, o CADE proferiu a seguinte decisão, cujo acórdão transcreve-se:
A ementa do julgado tem a seguinte redação:
O relator para o acórdão foi o Conselheiro Ricardo Villas Bôas Cueva.
A conduta examinada, à luz da Lei nº 8.884/94, explica ele, refere-se à cobrança de preço para liberação de contêineres (THC2) pelos terminais de contêineres da região da área de influência do Porto de Santos. Indica os atores envolvidos: importadores, armadores, terminais de contêineres e terminais retroportuários alfandegados (TRA). Esclarece que o CADE e a ANTAQ têm uma relação de complementaridade, em que cada um atua no seu âmbito legal (Lei nº 8.630/93 e Lei nº 10.233/01); que o CADE não é revisor de políticas públicas regulatórias, mas, ao deparar-se com situações de infração à ordem econômica, é seu dever investigar e julgar as condutas, nos termos da Lei nº 8.884/94. Declara haver dois mercados para a controvérsia deslindada: a de movimentação de cargas transportadas em contêineres e o de armazenagem de mercadorias em contêineres. No primeiro, relacionam-se operadores portuários e armadores (estes escolhem o terminal portuário para desembarque e pagam a box rate). No segundo, o da armazenagem, é feita pelos terminais portuários e pelos recintos alfandegados, que concorrem via preços e qualidade dos serviços. O mercado de armazenagem é onde pode haver possíveis efeitos anticoncorrenciais. Conforme descreve o Sr. Relator do processo administrativo, o importador contrata um armador para trazer a mercadoria da origem até o porto de destino, que lhe cobra o frete e a THC (Terminal Handling Charge), que se refere aos custos de movimentação de carga em terra. O armador contrata um operador portuário para os serviços de descarregamento do navio e movimentação das cargas em terra, para os quais paga a box rate. Descarregado o navio e feita a movimentação da carga em terra, o importador pode armazená-la junto ao operador portuário ou a um recinto retroalfandegado. Nesta segunda hipótese, a liberação da carga ao recinto alfandegado, há supostamente custos que são cobertos pela THC2, remunerados ou não devidamente, os quais são postos de lado para enfrentar o tema concorrencial. Ressalta que não há relação comercial entre os terminais portuários e os recintos alfandegados, mas interligação entre os mercados de movimentação de contêineres e o de armazenagem. A armazenagem depende do acesso aos contêineres, que são disponíveis apenas depois de sua movimentação pelos operadores portuários, que têm acesso exclusivo e autorização para operar os berços no cais do porto. Há dependência empresarial e sujeição entre os terminais portuários e os recintos alfandegados, porque os primeiros ocupam uma posição perante os segundos que lhes permite impor as condições que bem entenderem para a entrega dos contêineres. Não existe um mercado de liberação de contêineres, não há formação regular de preços. Como há relação de dependência dos recintos alfandegados aos terminais portuários, o valor da THC2 é fixada coercitivamente. Os operadores portuários têm a capacidade de elevar os custos dos recintos alfandegados, o que consubstancia uma sujeição. Ademais, os operadores portuários detêm pouco poder de barganha junto aos armadores, o que lhes estreita a sua rentabilidade, ao passo que a armazenagem alfandegada permite maior agregação de serviços (desova de contêineres, paletização, embalagens, despacho aduaneiro, ship to door, entrega just in time etc) e, em consequência, maior rentabilidade. A verticalização das atividades dos terminais de contêineres e a maior competitividade do mercado de armazenagem possibilitam várias situações: os recintos alfandegados não são capazes de elevar seus preços unilateralmente e a cobrança da THC2 pelos operadores portuários eleva seus custos; a THC2 permite disciplinar o mercado de armazenagem, calibrar o lucro pretendido pelos terminais de contêineres; a integração vertical das atividades dos operadores portuários reduz o poder de barganha dos recintos alfandegados e permite, ao obterem informações sobre os custos de armazenagem, ajustar o valor de THC2 e maximizar a apropriação do excedente do consumidor sem excluir os recintos alfandegados. Há também indícios nos autos de que os operadores portuários poderiam utilizar o seu poder de coerção para celebrar acordos vantajosos unicamente para si e transferir custos injustificados aos recintos alfandegados. De todo o exposto, entendeu que a cobrança da taxa de liberação de contêineres pelos operadores portuários configura infração à ordem econômica, nos termos do artigo 20, inciso I, II e IV, e artigo 21, incisos IV e V, da Lei nº 8.884/94 (fls. 713/724 - vol. III).
O Conselheiro Luiz Carlos Delorme Prado, em seu voto, reconheceu que existem custos moderadamente superiores na operação de contêineres para entrega aos terminais retroportuários. O edital de licitação estabelece que os serviços básicos remunerados pela taxa de movimentação de contêineres são compatíveis com as regras de contratos liner terms, ou seja, incluem todos os serviços básicos de movimentação e armazenagem, necessários à recepção e liberação dos contêineres do costado do navio ao portão do terminal, ou vice-versa. Além das razões contratuais, a ausência de formação de preço nas relações entre os operadores portuários e os terminais retroalfandegados indica problemas concorrenciais na cobrança. Os custos de transferência de contêineres para os terminais retroalfandegados devem estar incluídos na box rate a ser paga pelas empresas de navegação. No modelo de Porto Organizado, que é o brasileiro, deve haver ativa atuação regulatória do setor público. A intervenção da autoridade de defesa da concorrência opera principalmente em situações em que o vazio regulatório leva ao surgimento de problemas concorrenciais. Há problemas concorrenciais nas relações entre operadores portuários e terminais retroalfandegados. A autoridade do CADE se dá exclusivamente no plano concorrencial. Portanto, a ausência de regulação pode ensejar problemas concorrenciais, que devem ser resolvidos pelos órgãos responsáveis pela defesa da concorrência. Finaliza dizendo:
A Conselheira Elizabeth Maria Mercier Querido Farina embasou seu voto nas seguintes observações:
a) os terminais portuários incorrem em custos para prestar serviços aos recintos alfandegados, mas esses custos não balizam a THC2. Não ficou demonstrado que o valor cobrado corresponde ao diferencial de custos provocado pela segregação e entrega imediata dos contêineres destinados a outros recintos alfandegados, não cobertos pela box rate. Não ficou demonstrado que o valor cobrado corresponde ao custo de operações físicas e administrativas necessárias para a entrega de contêineres, não cobertas pela box rate;
b) a concorrência nos mercados de movimentação de cargas e armazenagem não é suficiente para disciplinar a formação de preços da segregação e transferência de contêineres;
c) não ficou demonstrado que a integração vertical da armazenagem alfandegada é a estrutura de governança mais eficiente; há problema concorrencial nas relações entre terminais portuários e recintos alfandegados não integrados verticalmente;
d) algumas informações públicas e outras trazidas aos autos oferecem indícios sólidos de que a cobrança de THC2 constitui prática anticompetitiva e limita a concorrência no mercado de armazenagem alfandegada de contêineres;
e) não ficou demonstrado que a THC2 reflete os custos associados a serviços prestados aos recintos alfandegados não integrados;
f) os terminais portuários não precisam excluir os recintos alfandegados não integrados para ter efeitos deletérios sobre o mercado de armazenagem. A disciplina da concorrência por meio do controle de um custo importante é suficiente para que o terminal portuário atinja seu objetivo;
g) a THC2 tem o efeito de criar um limite inferior para os preços praticados pelos recintos alfandegados, reduzindo a concorrência nesse mercado;
h) sem guardar proporção com os custos efetivos da movimentação de contêineres, a THC2 eleva os custos de todas as indústrias que importam insumos, reduzindo o bem-estar dos consumidores e prejudicando a competitividade da indústria brasileira (fls. 727/742 - vol III).
B) COMPETÊNCIA DO CADE
Seja no regime jurídico da Lei nº 8.884/94, seja no da Lei nº 12.529/11, as prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica alcançam generalizadamente a todos, na redação dos artigos 15 e 31, respectivamente, verbis:
No âmbito do CADE, cabe-lhe decidir sobre a existência de infração à ordem econômica e aplicar as penalidades previstas em lei (artigo 7º, II, Lei nº 8.884/94 e artigo 9º, II, Lei nº 12.529/11).
Descarta-se, assim, qualquer argumento de que o CADE foi além de sua competência ao examinar a THC2.
C) ÂMBITO TEMPORAL DE DECISÃO DO CADE
O processo administrativo cuja decisão é o objeto de questionamento foi instaurado em 27 de agosto de 1999 (fl. 664 - vol. III) e concluído em 27 de abril de 2005 (fl. 726 - vol. III). Assim, deve-se distinguir a legislação existente até a prolação da decisão do CADE e a que lhe sucedeu, porque a multa imposta refere-se ao período das condutas praticadas. A ordem para que cesse a cobrança de liberação dos contêineres dos recintos alfandegados gera efeitos para o futuro e torna relevante considerar se a legislação posterior a legitima.
D) SUPORTE NORMATIVO DA DECISÃO DO CADE
O artigo 170 da Constituição estabelece como princípio regulador da ordem econômica a livre concorrência (IV). Congruentemente, no artigo 173, parágrafo 4º, dispõe que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. Referido estatuto legal são a Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, que abrangem os fatos até o presente sucessivamente.
A decisão do CADE ora atacada entendeu que a cobrança de THC2 configura infração à ordem econômica, nos termos dos artigos 20, incisos I, II e IV, e 21, incisos IV e V, da Lei nº 8.884/94, verbis:
Tais dispositivos têm seus correspondentes no artigo 36, incisos I, II, IV e parágrafo 3º, III e IV, da Lei nº 12.529/11.
A atividade de exploração dos portos marítimos pela União está prevista no artigo 21, inciso XII, letra "f", da Constituição e, por força do artigo 22, inciso X, resultaram a Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, e a Lei nº 12.815, de 05 de junho de 2013.
E) EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CONTROVÉRSIA
Em julho de 1989, a Companhia Docas do Estado de São Paulo (CODESP) instituiu a cobrança de uma taxa M-20 para a segregação e liberação de contêineres na importação para os recintos alfandegados independentes.
Em 1995, após a promulgação da Lei nº 8.630/93, a CODESP lançou programa de arrendamentos e parcerias no Porto de Santos. Após a privatização dos terminais portuários, a taxa M-20 e outras deixaram de existir. Posteriormente, foi estabelecida pelos terminais portuários a controvertida THC2 a ser paga pelos recintos alfandegados independentes a título de segregação e liberação de contêineres.
Em agosto de 1999, a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE) instaurou o processo administrativo nº 08012.007443/99-17, com vista a investigar a ocorrência de infração à ordem econômica na cobrança da THC2. Em 2002, o órgão entendeu configurada e remeteu os autos ao CADE. Em 27 de abril de 2005, a autarquia proferiu a decisão ora questionada.
No âmbito da ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), a THC2 foi objeto do processo nº 50300.00159/02. Em 17 de fevereiro de 2005, deliberou que a cobrança era legítima, pois a segregação e entrega de contêineres pelos operadores portuários aos recintos alfandegados geram custos adicionais não cobertos pela THC, e não havia indícios de infração à ordem econômica. Interposto recurso pela MARIMEX Despachos, Transportes e Serviços Ltda, em 08 de abril de 2010, a decisão foi mantida.
Em 07 de julho de 2005, a CODESP, por ordem de sua diretoria executiva, proferiu a Decisão DIREXE nº 371/05, que fixou o valor máximo passível de ser cobrado dos recintos alfandegados em razão da segregação e entrega de contêineres.
Em 13 de fevereiro de 2012, a ANTAQ aprovou a Resolução nº 2389 e assentou, no artigo 9º, que os serviços de recebimento ou de entrega de cargas para qualquer outra modalidade de transporte, tanto dentro quanto fora dos limites do terminal portuário, não fazem parte dos serviços remunerados pela box rate, nem daqueles cujas despesas são ressarcidas por meio do THC, salvo previsão contratual em sentido diverso.
F) INFRAÇÃO À LIVRE CONCORRÊNCIA
A chamada THC2 (Terminal Handling Charge), objeto da controvérsia, é o preço cobrado dos recintos alfandegados independentes pelos terminais ou operadores portuários para segregação e entrega das cargas nas operações de importação.
Para melhor entendimento da rotina da importação de mercadorias via contêineres, descrevem-se suas etapas:
a) firma-se contrato de compra e venda entre exportador e importador. O transporte internacional pode ser atribuição do importador ou do exportador. Se do primeiro, este deve contratar o transportador marítimo, que é o armador, cuja renda provém do frete e o qual escolhe o terminal portuário, sob os aspectos técnico e econômico;
b) o armador celebra contrato com um operador portuário;
c) o importador define o porto de destino da mercadoria quando contrata o transporte com o armador;
d) o valor do frete pago pelo importador remunera os serviços de carregamento, estiva e descarga de responsabilidade do armador;
e) ao chegarem ao porto, as mercadorias sofrem movimentação vertical ou horizontal. Na primeira, elas vão do convés ou porão ao costado do navio. Na segunda, elas vão do costado do navio ao armazém do terminal ou são entregues ao consignatário ou importador;
f) o importador decide onde as mercadorias serão armazenadas: no recinto alfandegado do próprio terminal portuário ou em um dos recintos alfandegados independentes;
g) entre o importador e o recinto alfandegado firma-se contrato específico de armazenagem.
As partes divergem quanto ao que cobrem os valores pagos pelo importador às agências marítimas e que são repassados ao operador portuário: se são todos os serviços até os destinatários (consignatário/ recinto alfandegado independente/ importador) no portão do terminal portuário ou se o serviço de segregação e entrega está excluído. Na primeira hipótese, haveria apenas o preço da THC e, na segunda hipótese, também o preço da THC2.
Sob o ângulo estrito da livre concorrência, postulado constitucional, conforme já salientado anteriormente, entendo que a decisão do CADE encontra-se estritamente dentro dos parâmetros dos artigos 2º, incisos I, II e IV, e 21, incisos IV, e V, da Lei nº 8.884/94 e os correspondentes termos do artigo 36, incisos I, II, IV e parágrafo 3º, incisos III e IV, da Lei nº 12.529/11.
São distintos os dois mercados na controvérsia travada entre operadores portuários e recintos retroalfandegados: o de movimentação das cargas transportadas em contêineres e o de armazenagem de mercadorias em contêineres. No primeiro, relacionam-se operador portuário e armador; no segundo, operador portuário e recinto retroalfandegado.
Os serviços que são prestados pelo operador portuário referem-se ao momento de chegada das mercadorias importadas até sua entrega ao destinatário (consignatário ou importador). Pode-se argumentar que, no contrato firmado entre operador portuário e armador, este remuneraria aquele por toda a atividade desenvolvida, pois não faria sentido ao armador e ao importador que a tarefa ficasse no meio do caminho. Logo, a THC cobriria todos esses custos. Se se entender diferentemente, faria mais sentido que o operador portuário cobrasse os serviços adicionais do próprio armador, que foi contratado pelo importador para trazer os bens do exterior e fazê-los chegar até ele no Brasil. De qualquer forma, a área de operação portuária, assim como seus serviços foram concedidos ou arrendados ao operador portuário, ou seja, este tem autorização exclusiva para operar os berços no cais do porto.
No que toca os serviços de armazenagem, o operador portuário e o recinto retroalfandegado disputam a demanda do importador e devem fazê-lo em condições de livre concorrência. A cobrança da THC2, ou seja, pelos serviços de segregação e entrega das mercadorias importadas do recinto retroalfandegado, tem o condão de distorcer ou desequilibrar esse mercado. O Sr. Relator do processo administrativo no CADE, no seu voto, torna explícito tal pensamento:
Fica evidente que no mercado de armazenagem competem por contratos com os importadores os operadores portuários e os recintos alfandegados e a disputa se faz pela diferenciação de serviços e pelos preços. A cobrança da THC2 dos segundos pelos primeiros possibilita a interferência nos custos dos recintos alfandegados e, em consequência, em seus preços de armazenagem, sem que haja relação jurídica ou econômica entre eles, pois os recintos alfandegados apenas devem receber os bens importados para armazená-los. Se há um serviço adicional de segregação e entrega, ele decorre de contrato firmado com o armador ou, em ultima instância, para o importador. A liberação dos contêineres é serviço público prestado pelo operador portuário, sobre o qual o recinto retroalfandegado não tem qualquer poder ou direito de negociação. Para ele o preço é fixado pelo operador portuário, numa posição de dominância e sem formação livre. Em consequência, a conclusão do Sr. Relator do processo administrativo no CADE:
Os demais conselheiros explicitaram conclusão idêntica com fundamentos semelhantes.
F) QUESTÕES LEGAIS SOBRE JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA DE INFRAÇÕES À LIVRE CONCORRÊNCIA
Pelo regime jurídico estabelecido pelas Leis nº 8.884, de 11.06.94, e 12.529, de 30.11.11, no âmbito administrativo o CADE é órgão predominante para a jurisdição administrativa das matérias relativas à prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, sobretudo no tocante à livre concorrência e abuso do poder econômico. Assim é que, no artigo 7º, inciso II, da Lei nº 8.884/94 e no artigo 9º, inciso II, da Lei nº 12.529/11, está prevista sua competência para decidir sobre a existência de infração à ordem econômica e aplicar as penalidades fixadas em lei. Também está assentado que suas decisões não comportam revisão do Poder Executivo (art. 50, Lei nº 8.884/94 e art. 9º, §2º, Lei nº 12.529/11), bem como as disposições são aplicáveis às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado (art. 15, Lei nº 8.884/94 e art. 31, Lei nº 12.529/11). É certo, outrossim, que a ANTAQ , Agência Nacional de Transportes Aquaviários, ao tomar conhecimento de fato que configure ou possa configurar infração da ordem econômica, deverá comunicá-lo ao CADE.
Consideradas tais premissas e respeitadas as competências legais do CADE e da ANTAQ (Leis nº 8.884/94, Lei nº 10.233/01 e Lei nº 12.529/11), as normas infralegais que, direta ou indiretamente, ofenderem a ordem econômica, sobretudo a livre concorrência, não prevalecerão sobre decisões do CADE.
A decisão do CADE objeto destes autos analisou a THC2 sob a temática de infração à livre concorrência e estritamente à luz das relações entre operadores portuários e recintos alfandegados independentes. Assim, as disposições da Resolução nº 2.389, de 13.02.12, e a Decisão DIREXE nº 371, de 07.07.05, no que possibilitaram a cobrança da THC2 pelos operadores portuários dos recintos retroalfandegados não subsistem.
É de ser ressaltado que a taxa M-20 ser comparada à THC2 não se mostra apropriado. Primeiramente, porque ela preexistiu a privatização do Porto de Santos. Ademais, a Lei nº 8.630/93 mudou radicalmente o regime jurídico dos portos brasileiros. Com ela a operação portuária passou a particulares, os quais, no que tange à armazenagem, devem competir livremente no mercado. A taxa M-20 foi criada em 14.07.89 pela CODESP, quando esta exercia funções ou serviços que depois foram passados à iniciativa privada. Com a privatização operada após a promulgação da Lei nº 8.630/93, as razões que a justificaram não mais existiam. Tanto é assim que seu artigo 51 determinou que as administrações dos portos organizados deveriam adotar estruturas de tarifas adequadas aos respectivos sistemas operacionais, em substituição ao modelo tarifário previsto no Decreto nº 24.508, de 29.06.34, o qual dava sustentáculo à taxa M-20, e foi expressamente revogado (art. 76).
Por fim, é preciso enfatizar que o poder regulamentar que a Lei nº 8.630/93, a Lei nº 10.233/01 e a Lei nº 12.815/13 conferiram à CODESP e à ANTAQ é plenamente reconhecido. Porém, naquilo que afrontarem as Leis nº 8.884/94 e 12.529/11, que cuidam da prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, ficarão sob a jurisdição administrativa do CADE.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo retido, não conheço da remessa oficial, nego provimento à apelação da União e à apelação da autora.
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RELATÓRIO
O Excelentíssimo Senhor Juiz Federal Convocado MARCELO GUERRA (Relator):
Cuida-se de recursos de apelação interpostos em autos de ação ordinária ajuizada por ECOPORTO SANTOS S/A em face de sentença que julgou improcedente os pedidos formulados nesta ação ordinária e na medida cautelar nº 0014972.13.2005.403.6100, entendendo hígida a decisão administrativa proferida pelo CADE no processo administrativo nº 08012.007443/99-17, que proibiu a cobrança pelos serviços de segregação e entrega de contêineres a outros recintos alfandegados (THC2) pela autora impondo multa de 1% (um por cento) sobre o seu faturamento. Em consequência, condenou a autora nas custas processuais e honorários advocatícios fixados em R$50.000,00 (cinquenta mil reais) em favor de cada um dos réus.
Em sua apelação pugna a autora pela apreciação do agravo retido interposto contra a decisão que indeferiu a produção de provas testemunhal e pericial. Em matéria preliminar, sustenta a nulidade da sentença por entendê-la extra petita, posto tratar da legalidade da cobrança da THC2.
No mérito, requer a reversão do julgado sob a alegação de que há amparo legal e contratual para a cobrança da THC2 (Terminal Handling Charge 2), a qual tem origem na Taxa M-20 cobrada pela CODESP antes da privatização dos portos. E com o advento da Lei dos Portos, a taxa de capatazia passou a ser denominada de THC, sendo os serviços de segregação e entrega de contêineres aos Terminais Retroportuários prestados e cobrados pelos operadores portuários, tal como a autora.
Aduz que a regulamentação da THC2 pela ANTAQ e pela CODESP decorre das Leis nºs 10.233/01 e 8.630/93, razão pela qual resta indene de dúvida que a referida cobrança possui previsão legal específica.
Acresce que, nos termos do artigo 27, inciso IV da Lei nº 10.233/2001, a ANTAQ conferiu à CODESP a competência para fixar e controlar os preços máximos a serem cobrados nos serviços de segregação e entrega de contêineres.
Sustenta que o serviço de segregação e entrega de contêineres para outros recintos alfandegados não se confunde com os serviços prestados aos armadores e remunerados através de box rate, tampouco aqueles cujas despesas são ressarcidas por meio da THC. Trata-se, segundo alega, de uma nova etapa de trabalho, que requer a disponibilização de maquinário, mão de obra e tempo extra, razão pela qual a cobrança da THC2 é utilizada para remunerar tal serviço. Esclarece que os serviços de box rate remuneram apenas a movimentação de carga entre o costado do navio e sua colocação no pátio do terminal, ou seja, a movimentação pela qual o contêiner é retirado do navio e trazido ao porto, não cobrindo o custo do serviço de segregação e entrega de contêineres caso estes sejam armazenados em outro recinto alfandegado.
Refuta a autora a afirmação de que a cobrança da THC2 viola o princípio da livre concorrência, ante a regulação pelas autoridades competentes (ANTAQ e CODESP), inclusive com o estabelecimento de limites em relação aos valores máximos a serem cobrados.
Pede, por fim, no caso de manutenção da r. sentença monocrática, a redução da honorária advocatícia.
Por sua vez apela a UNIÃO FEDERAL às fls. 2318/2319 restringindo-se apenas à alegação de ilegitimidade passiva ad causam.
Com contrarrazões oferecidas pela União Federal às fls, 2316/2317, pela Marimex Despachos Transportes e Serviços às fls. 2246/2285, pelo CADE às fls. 2321/2325 e pela Ecoporto Santos S/A às fls.2340/2344, subiram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
O Excelentíssimo Senhor Juiz Federal Convocado MARCELO GUERRA (Relator):
Desde logo, ressalte-se que os recursos foram interpostos antes da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, razão pela qual serão apreciados de acordo com a forma prevista no CPC de 1973, "com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (enunciado nº 2º do E. STJ).
Cinge-se a controvérsia sobre a legalidade da decisão do CADE concernente à cobrança da denominada taxa de segregação e entrega de contêineres no Porto de Santos, conhecida pela sigla THC-2 (Terminal Handling Charge 2) exigida pelo operador portuário ao entregar a carga para Terminais Retro Alfandegados - TRA.
Submeto a r. sentença monocrática ao reexame necessário, ex vi do artigo 475, inciso I do CPC/73.
Do agravo retido
Conheço do agravo retido, tendo em vista que suas alegações foram renovadas nas razões de apelação, contudo nego-lhe provimento.
Não prospera a alegação de cerceamento de defesa em razão do julgamento antecipado da lide, pois os autos contêm elementos suficientes ao deslinde da controvérsia, sendo absolutamente desnecessária a produção de quaisquer outros meios de prova, seja oral ou pericial para demonstrar a legalidade da cobrança da THC2.
Com efeito, os aspectos fáticos da lide, demonstrados por meio de documentos juntados aos autos, prescindem de dilação probatória e as demais questões constituem matéria exclusivamente de direito, motivo pelo qual se mostrou correta a antecipação do julgamento da lide, conforme o artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil/73.
Por outro lado, a prova pericial e a testemunhal constituem provas absolutamente inúteis ao deslinde da controvérsia, pelo que sua dispensa não pode ser adotada como fundamento para anular a r. decisão, vez que cabe ao juiz o poder-dever de impedir a produção de prova inútil ao julgamento da causa.
Na verdade, todas as questões suscitadas independem da produção de outras provas além das apresentadas nos autos, tratando-se as teses defendidas pelos apelantes de matéria de direito e, assim sendo, o julgamento antecipado da lide era de rigor.
Incumbe ao juiz, como destinatário da prova, o exame do cabimento do meio pretendido pela parte e sua dispensa no caso de estarem presentes nos autos elementos bastantes para a formação de sua convicção sem caracterizar cerceamento de defesa.
Nesse sentido, os seguintes precedentes:
Assim sendo, nego provimento ao agravo retido.
Nulidade da sentença.
Igualmente afasta-se a alegação de nulidade da sentença.
A sentença é extra petita quando contempla questão não inserida na lide, decidindo matéria estranha à contida no pedido.
A decisão que interpreta de forma ampla o pedido formulado pela parte não pode ser considerada extra petita, na medida em que é extraída da interpretação lógico-sistemática da petição inicial.
Portanto, ao tratar também da legalidade da cobrança da THC2, a r. sentença não desbordou do pedido, mas aplicou o direito ao caso concreto, ainda que sob fundamentos diversos aos apresentados pela parte.
Nesse sentido:
Afastada a matéria preliminar aduzida pela autora, analisa-se as demais questões.
Primeiramente tenho que a União Federal não detém legitimidade para figurar no polo passivo da presente ação.
O fato de competir a ela, nos termos da Constituição Federal, a exploração, diretamente ou mediante autorização, a concessão ou a permissão dos serviços de portos marítimos, não lhe defere, ipso facto, obrigação para ditar as regras tarifárias que são de exclusiva atribuição da CODESP e da ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), cada qual no respectivo âmbito de atribuição legal.
Tanto assim que a Lei nº 12.815/2013, que modificou a Lei nº 8.630/93, ao individuar a competência do poder concedente, preceitua:
Observe-se que em nenhum desses dispositivos se remete ao poder concedente a fixação de valores de tarifas a serem exigidas no âmbito do Porto de Santos, razão pela qual deve a União Federal ser excluída da lide.
Outra é a situação da CODESP.
A CODESP é a autoridade portuária, que nos termos da denominada Lei dos Portos então vigente à época dos fatos - Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, é quem qualifica o operador portuário, e quem devia fixar os valores e arrecadar a tarifa portuária (inciso IV do art. 33).
No mérito, cinge-se a questão sobre a suposta ofensa ao direito à livre concorrência pela cobrança do serviço de segregação e entrega de contêineres (também chamada de TSE - Taxa de Segregação e Entrega ou TLC - Taxa de Liberação de Contêiner ou THC2 - Terminal Handling Charge 2) aos terminais retroportuários alfandegados, bem como se existe fundamento para anulação da decisão do CADE proferida no processo administrativo nº 0812.007443/1999-17, de 27/04/2005, a qual entendeu que a cobrança dessa taxa constituiria abuso de posição dominante por parte dos operadores portuários no Porto de Santos.
Firma-se, em decorrência do que foi preliminarmente exposto, a competência da Justiça Federal, eis que, além da concessão federal feita à CODESP pela União Federal, a fixação dos valores de tarifas, era de sua atribuição, atribuição essa que após a vigência da nova Lei dos Portos passou a ser da ANTAC, agência reguladora que tem em sua esfera de atuação específica a promoção de estudos aplicados às definições de tarifas, preços e fretes, em confronto com os custos e os benefícios econômicos transferidos aos usuários pelos investimentos realizados, bem como as revisões e os reajustes das tarifas portuárias (Lei nº 12.815/2013)).
No caso, tenho que a decisão do CADE não pode subsistir.
Primeiramente, quanto à legalidade da exigência dessa tarifa portuária, considero-a como um fato inconteste, eis que anteriormente exigida pela própria autoridade portuária CODESP antes da privatização do Porto de Santos, em razão dos serviços previstos na Tabela M.
Essa tarifa foi contestada perante os Tribunais e confirmada favoravelmente à CODESP.
No que consiste essa exigência feita pelos operadores portuários?
Há no Porto de Santos 5 (cinco) operadores portuários, a saber: Santos Brasil; Libra; Ecoporto Santos S/A (nova denominação da Tecondi); Cais Público e Rio Cubatão/Usiminas.
Quando o navio chega ao Porto num determinado berço de atracação, inicia-se, no que pertine à parte comercial, a descarga desse navio pelo operador portuário escolhido.
Assim, as cargas acondicionadas em contêineres são movimentadas horizontalmente, isto é, tiradas dos porões do navio que se encontra no cais e depositadas em pilhas de contêineres (stacking área), não estando incluída nessa movimentação - cais-pilha - qualquer outro serviço já cobrado via THC dos proprietários pelos armadores.
Ocorre que para que sejam esses contêineres retirados, segregados da pilha e movimentados a pedido os interessados, os RA's e os EADI'S- Estações Aduaneiras do Interior, os operadores portuários exercem atividades não previstas na tarifa básica, razão pela qual, sob fiscalização da CODESP exigem por essa segregação e movimentação dos contêineres a THC-2, que evidentemente carreiam para os operadores custos extraordinários.
Ressalto que a atividade desenvolvida pela autora da ação é evidentemente um serviço público, havendo acirrada concorrência entre portos brasileiros, impondo a cada operador o desenvolvimento de trabalho de manutenção de equipamento, rapidez no desembarque das mercadorias e pessoal suficiente para tornar interessante importar por aquela entrada no território nacional.
Na verdade, com a criação dos portos secos, nestes incluídos os Terminais Retroportuários Alfandegados, a CODESP, durante o período em que era operador portuário, realizou cobrança para liberar contêineres de importação aos recintos alfandegados retroportuários, serviço pelo qual era cobrada a taxa M-20, prevista na tabela M - Serviços Acessórios da tarifa no Porto de Santos.
Portanto, a comparação da tabela M com a THC2 foi feita em razão da cobrança, pela CODESP, antes da privatização do Porto de Santos, da referida taxa "M-20", por esses serviços de segregação e entrega de contêineres.
Na verdade, a exigência de tarifas por força da prestação de serviços de segregação e entrega de contêineres alude a período anterior à privatização dos portos, sendo que, com o advento da Lei nº 8.630/93, foram delegados os serviços portuários à iniciativa privada, por meio de arrendamento. Assim, a movimentação de cargas no âmbito dos Portos Organizados passou a ser realizada pelos Operadores Portuários, pessoas jurídicas de direito privado que celebram contrato de arrendamento com o poder público, assumindo a execução dos serviços até então prestados pela CODESP.
Por outro lado, a exigência da THC2 observa os parâmetros regulatórios da ANTAQ e da CODESP, os quais detêm presunção de legalidade. Não obstante, esse poder regulatório não exime as agências reguladoras do cumprimento da legislação antitruste.
Com efeito, a THC diz respeito à movimentação do contêiner que sai do porão do navio e a sua posterior colocação na pilha de contêineres existente no terminal. A THC-2, por outro lado, cuida da movimentação de contêiner, a partir da pilha em que estava, para colocação segregada em outra parte, a fim de atender pedido da autoridade aduaneira. Nesse contexto, a THC-2 importa em custo extraordinário para o operador portuário, não incluído na THC, o que permite sua cobrança do beneficiário do serviço, sob pena de enriquecimento sem causa.
Logo, não cabe ao CADE interferir na questão das tarifas da THC2, sobretudo porque a matéria em desate é de competência da CODESP e da ANTAQ, os quais estabelecem parâmetros regulatórios a serem observados na prestação dos serviços de movimentação e armazenagem de contêineres e volumes, em instalação de uso público, nos Portos Organizados, distinguindo entre os serviços incluídos no box rate e os demais como o de segregação e entrega de contêineres, demandados ou requisitados por clientes ou usuários. De se concluir, pois, que não há ofensa aos princípios da ordem econômica e da livre concorrência.
No caso do poder concedente, o certo é que estando a CODESP a fiscalizar e fixar valores para esse serviço complementar, não é dado ao CADE, como alinhavado pela recorrente autora, imiscuir-se em setor concedido, ignorando fortemente a atuação da agencia reguladora-ANTAQ.
Aliás, tanto a CODESP quanto a União Federal, chamadas a compor a lide na inicial, afirmaram que não tem pretensão resistida à autora, posto concordarem com a exigência dessa tarifa complementar.
A atividade portuária é devidamente regulamentada desde a edição da Lei nº 8.630/93, passando pela Lei nº 10.233/2001, que criou a ANTAQ e a nova lei de portos - Lei nº 12.815/2013.
Evidente que não sendo essa segregação e movimentação de contêineres prevista dentro do contrato de arrendamento como serviço básico de movimentação (horizontal), deve ser cobrado daqueles que dele se beneficiam, pena de sufragar-se o enriquecimento sem causa.
A propósito, conforme parecer do Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello trazido pela autora, "...Deveras, se o operador portuário, por um serviço de realiza em prol de outrem, cobra valor módico, enquadrado dentro dos limites impostos pela própria 'Autoridade Portuária' no exercício de competência que lhe é reconhecida como pertinente pela agência reguladora (ANTAQ),então é óbvio que está no exercício regular de um direito. Para entender-se de modo diverso seria necessário contender - não o operador portuário, cuja posição jurídica é sólida - mas a própria legislação portuária, para fins de considerar que esta não deveria permitir aos operadores portuários a armazenagem da mercadoria movimentada, pena de coloca-los em vantagem em relação aos chamados 'portos secos'. Este tipo de apreciação, contudo, obviamente envolve e resolve-se, desde logo e acima de tudo, em uma apreciação política que, à toda evidência, não é da alçada do CADE. Este tem de equacionar o tema do abuso de poder econômico no interior do quadro legislativo brasileiro, o qual, uma vez regularmente produzido, não pode ser objeto de censura juridicamente consequente por parte do CADE. À toda evidência, menos ainda poderá, tolhido por tal dificuldade, voltar-se contra a atuação de particulares que estejam se comportando à sombra de atos expedidos pela Administradora do Porto no exercício de atuação administrativa legítima, porque acomodada na intimidade do quadro normativo que preside o sistema portuário brasileiro. É óbvio, então, e da mais cristalina obviedade que nunca poderia ser sancionado o operador portuário cuja conduta se encontrasse acobertada pelo pálio das decisões dessarte oficialmente expedidas.(...)" (fls. 1473/1474).
Aliás, o próprio CADE reconhece que há um serviço de entrega de contêineres aos TRA's e que essa atividade impõe custos para sua execução; reconhece também que tais serviços são cobrados dos proprietários ou consignatários. Ora, ou é cobrado dos TRA's ou cobrado dos proprietários ou consignatários. Um exclui o outro exatamente porque são diversos os fundamentos e as razões da exigência da tarifa questionada.
Laborou em equivoco o voto do e. Relator do CADE ao afirmar que há diferença fundamental entre a tarifa cobrada pela CODESP pela segregação e entrega e a cobrança dos terminais portuários privados.
Afirma o i. Relator que no caso da CODESP a cobrança estava fundamentada em dispositivos legais (Decreto nº 24.511/34) e que houve aquiescência do poder público responsável pela outorga do serviço portuário para a cobrança dessa tarifa, o que configuraria excludente de ilicitude concorrencial, segundo a teoria do "State Action Doctrine" .
Nada mais inexato, eis que mencionada doutrina, como expendido no próprio voto, identifica dois critérios para a determinação se a regulamentação confere ou não imunidade à aplicação do direito antitruste:
- Que a decisão ou a regulamentação seja expedida em consequência de uma política claramente expressa e definida de substituição da competição por regulamentação;
- Haja supervisão do cumprimento das obrigações impostas pela regulamentação.
A própria Lei dos Portos prevê a existência do contrato de concessão, através do qual surge a autoridade portuária (Administração do Porto, no caso a CODESP), a existência de um Conselho de Autoridade Portuária, que detém, dentre outras, a competência de baixar o regulamento de exploração, zelar pelo cumprimento das normas de defesa da concorrência, homologar valores das tarifas portuárias, estimular a competitividade (art. 30 e incisos), competindo ainda a esse colegiado estabelecer normas visando o aumento da produtividade e a redução dos custos das operações portuárias, especialmente as de contêineres e dos sistemas roll-on-roll-off.
Ora, se há lei determinando normas de atuação inclusive quanto a tarifas e defesa de concorrência pela uutoridade portuária, se existe uma agencia reguladora, legalmente competente para promover os estudos de demanda de transporte aquaviário e de atividades portuárias segundo a regra da Lei nº 12.815/2013, com expressa previsão no art. 27, inciso II, de promover estudos aplicados às definições de tarifas, preços e fretes, em confronto com os custos e benefícios econômicos transferidos aos usuários pelos investimentos realizados, não tem o mínimo sentido que outro órgão federal se imiscua no contrato de concessão e na atuação do operador portuário para ditar regras que os órgãos encarregados da disciplina da atividade informam e reiteram ser legal.
Seria o caso então de extinguir ou revogar a competência da agência reguladora- ANTAQ e mesmo da autoridade portuária CODESP.
Mas a lei qualificou ambas como responsáveis pela fixação das tarifas e a sadia concorrência e atuação dessas entidades de propósitos específicos devem atuar com presteza e eficiência.
Em suma, o ato do CADE foi abusivo, relevando notar que a própria Secretaria de Direito Econômico-SDE manifestou-se favoravelmente à cobrança do THC-2.
Anote-se que as sanções impostas pelo CADE não podem subsistir, pois não houve qualquer prejuízo à livre concorrência; não ocorreu dominação de mercado; não se configurou, segundo as provas dos autos, qualquer abuso de posição dominante; não houve qualquer empecilho ao acesso de novas empresas ao mercado; e também não se criou qualquer dificuldade ao funcionamento ou desenvolvimento de empresa concorrente dos serviços realizados pela autora apelante, eis que aumentou o número de recintos alfandegados desde a privatização dos portos, a demonstrar o interesse financeiro no desenvolvimento de tal serviço público. Sequer se observa potencial lesividade à concorrência ou dominação de mercado.
Por fim, a CODESP exarou decisão DIREXE nº 371.2005, estabelecendo o preço máximo a ser praticado pelos Terminais Portuários para os serviços de segregação e entrega de contêineres, afastando uma das situações trazidas no acórdão do CADE.
Atualmente em vigor a Resolução ANTAQ 2389/2012, que estabelece parâmetros regulatórios a serem observados na prestação dos serviços de movimentação e armazenagem de contêineres e volume, em instalação de uso público, nos portos organizados, que estabelece a distinção entre os serviços incluídos no box rate e os demais como o de segregação e entrega de contêineres, demandados ou requisitados por clientes ou usuários
Infere-se, pois, que não se pretendeu excluir a competência do CADE, no sentido de coibir a prática de ato prejudicial à concorrência igualitária em determinado setor.
Na verdade, o CADE e a ANTAQ exercem competências próprias e distintas. O CADE, instrumentalizado pela Lei nº 8.894/94, substituída pela Lei nº 12.529/2011, tem competência legal para atuar na prevenção e repressão às infrações de ordem econômica, ao passo que a ANTAQ como reguladora do mercado de serviços aquaviários, à luz da Lei nº 10.233/01, detém competência legal para regular este mercado específico nos seus vários aspectos.
Nesse contexto, reconhecida pela ANTAQ a validade da cobrança da THC2 para os serviços de segregação e entrega de contêineres pelos operadores portuários aos recintos alfandegados, por gerarem custos adicionais não cobertos pelo THC - Terminal Handling Charge do armador, cuja avaliação envolveu critérios técnicos, não há falar-se em infração à ordem econômica, ex vi da então vigente Lei nº 8.884/94, revogada pela Lei nº 12.529/11, fato este que afasta a potencialidade de efeitos nocivos e, via de consequência, a necessidade de intervenção do CADE.
Ante o exposto, dou provimento à apelação da União Federal, para excluí-la da lide; dou provimento à apelação da autora para o fim de anular a decisão do CADE e a consequente imposição de multa e nego provimento à remessa oficial, tida por interposta.
Considerando que manifestou a apelante autora cumulação subsidiária de pedidos em face de réus distintos e considerando que a cumulação envolveu outros réus demandados na ação que não resistiram sequer à sua pretensão, com base no artigo 20, §§3º e 4º do CPC/73, condeno a autora no pagamento de honorários advocatícios à União Federal e à CODESP no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para cada uma; eis que se defenderam da ação proposta, por força do princípio da causalidade.
Condeno ainda o CADE e a Marimex, igualmente com fundamento no artigo 20, §§3º e 4º do CPC/73 a pagar honorários advocatícios à autora no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil) reais cada uma, eis que esta última atuou no feito na condição de assistente litisconsorcial, passando a ter a mesma sorte que o assistido. Condeno finalmente ainda as apeladas Marimex e CADE ao pagamento de custas e despesas processuais.
É como voto.
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