D.E. Publicado em 14/12/2016 |
|
|
|
|
|
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeito a preliminar arguida, não conheço da remessa necessária, e dou provimento à apelação autárquica, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | David Diniz Dantas:10074 |
Nº de Série do Certificado: | 38CFC068D15FB53AD8593AE2A24BF850 |
Data e Hora: | 29/11/2016 18:17:38 |
|
|
|
|
|
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Cuida-se de ação proposta em 11/05/2011 com vistas à concessão de benefício assistencial, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.
Documentos acostados à exordial (fls. 12-29).
Deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita (fl. 35).
Citação, em 19/05/2011 (fl. 36).
Estudo socioeconômico (fls. 60-63).
Laudo médico pericial (fls. 99-101).
Parecer do Ministério Público do Estado de São Paulo (fls. 118-120).
Sentença de procedência, prolatada em 03/04/2014 (fls. 140-144).
Apelação do réu e contrarrazões (fls. 147-152 e 158-160).
Decisão proferida por esta E. Corte, anulando a r. sentença prolatada, e determinando a devolução dos autos ao Juízo de origem, para realização de perícia socioeconômica (fls. 163-164).
Baixa dos autos a Instância inferior (fls. 168).
Estudo socioeconômico (fls. 187-194).
Parecer do Ministério Público do Estado de São Paulo (fls. 206-208).
A r. sentença, prolatada em 03/03/2016, julgou procedente o pedido e antecipou os efeitos jurídicos da tutela. Determinado o pagamento do benefício desde a data do pedido administrativo, 25/01/2011 (fl. 29), descontadas as parcelas recebidas por força de antecipação da tutela. Condenado ainda o réu ao pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em 15% (quinze por cento) sobre o valor das prestações vincendas até a data da sentença, consoante Súmula 111 do C. STJ. Sentença submetida ao reexame necessário (fls. 213-218).
Apelação do INSS. Preliminarmente, requer seja a sentença submetida ao reexame oficial. No mérito, pugnou, em suma, pela reforma integral do julgado, em razão do não atendimento do requisito relativo à miserabilidade. Para o caso de manutenção do decisum, requer sejam reduzidos os honorários advocatícios ao percentual máximo de 10% (dez por cento) das prestações vencidas até a sentença meritória (fls. 224-231).
Com contrarrazões da parte autora, subiram os autos a este Egrégio Tribunal (fls. 234-236).
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 250-257).
É o relatório.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | David Diniz Dantas:10074 |
Nº de Série do Certificado: | 38CFC068D15FB53AD8593AE2A24BF850 |
Data e Hora: | 07/10/2016 17:48:26 |
|
|
|
|
|
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Ab initio, insta salientar que em virtude da alteração legislativa decorrente da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/15), a remessa oficial a qual foi submetida a r. sentença pelo douto Juiz a quo, não há de ser conhecida, consoante as seguintes considerações.
DA REMESSA NECESSÁRIA
O novo Estatuto processual trouxe inovações no tema da remessa ex officio, mais especificamente, estreitou o funil de demandas cujo transito em julgado é condicionado ao reexame pelo segundo grau de jurisdição, para tanto elevou o valor de alçada, verbis:
Convém recordar que no antigo CPC, dispensava do reexame obrigatório a sentença proferida nos casos CPC, art. 475, I e II sempre que a condenação, o direito controvertido, ou a procedência dos embargos em execução da dívida ativa não excedesse a 60 (sessenta) salários mínimos. Contrario sensu, aquelas com condenação superior a essa alçada deveriam ser enviadas à Corte de segundo grau para que pudesse receber, após sua cognição, o manto da coisa julgada.
Pois bem. A questão que se apresenta, no tema Direito Intertemporal, é de se saber se as demandas remetidas ao Tribunal antes da vigência do Novo Diploma Processual - e, consequentemente, sob a égide do antigo CPC -, vale dizer, demandas com condenações da União e autarquias federais em valor superior a 60 salários mínimos, mas inferior a 1000 salários mínimos, se a essas demandas aplicar-se-ia o novel Estatuto e com isso essas remessas não seriam conhecidas (por serem inferiores a 1000 SM), e não haveria impedimento - salvo recursos voluntários das partes - ao seu trânsito em julgado; ou se, pelo contrário, incidiria o antigo CPC (então vigente ao momento em que o juízo de primeiro grau determinou envio ao Tribunal) e persistiria, dessa forma, o dever de cognição pela Corte Regional para que, então, preenchida fosse a condição de eficácia da sentença.
Para respondermos, insta ser fixada a natureza jurídica da remessa oficial.
Natureza Jurídica Da Remessa Oficial
Cuida-se de condição de eficácia da sentença, que só produzirá seus efeitos jurídicos após ser ratificada pelo Tribunal.
Portanto, não se trata o reexame necessário de recurso, vez que a legislação não a tipificou com essa natureza processual.
Apenas com o reexame da sentença pelo Tribunal haverá a formação de coisa julgada e a eficácia do teor decisório.
Ao reexame necessário aplica-se o principio inquisitório (e não o principio dispositivo, próprio aos recursos), podendo a Corte de segundo grau conhecer plenamente da sentença e seu mérito, inclusive para modificá-la total ou parcialmente. Isso ocorre por não ser recurso, e por a remessa oficial implicar efeito translativo pleno, o que, eventualmente, pode agravar a situação da União em segundo grau.
Finalidades e estrutura diversas afastam o reexame necessário do capítulo recursos no processo civil.
Em suma, constitui o instituto em "condição de eficácia da sentença", e seu regramento será feito por normas de direito processual.
Direito Intertemporal
Como vimos, não possuindo a remessa oficial a natureza de recurso, na produz direito subjetivo processual para as partes, ou para a União. Esta, enquanto pessoa jurídica de Direito Público, possui direito de recorrer voluntariamente. Aqui temos direitos subjetivos processuais. Mas não os temos no reexame necessário, condição de eficácia da sentença que é.
A propósito oportuna lição de Nelson Nery Jr.:
Por consequência, como o Novo CPC modificou o valor de alçada para causas que devem obrigatoriamente ser submetidas ao segundo grau de jurisdição, dizendo que não necessitam ser confirmadas pelo Tribunal condenações da União em valores inferiores a 1000 salários mínimos, esse preceito tem incidência imediata aos feitos em tramitação nesta Corte, inobstante remetidos pelo juízo a quo na vigência do anterior Diploma Processual.
Trata-se de recurso interposto pela parte ré contra sentença que julgou procedente pedido de benefício assistencial a pessoa portadora de deficiência.
O benefício de assistência social foi instituído com o escopo de prestar amparo aos idosos e deficientes que, em razão da hipossuficiência em que se acham, não tenham meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por suas respectivas famílias. Neste aspecto está o lastro social do dispositivo inserido no artigo 203, V, da Constituição Federal, que concretiza princípios fundamentais, tais como o de respeito à cidadania e à dignidade humana, ao preceituar o seguinte:
De outro giro, os artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/93, com redação dada pela Lei 12.435, de 06 de julho de 2011, e o art. 34, da Lei 10.741 (Estatuto do Idoso), de 1º de outubro de 2003 rezam, in verbis:
O apontado dispositivo legal, aplicável ao idoso, procedeu a uma forma de limitação do mandamento constitucional, eis que conceituou como pessoa necessitada, apenas, aquela cuja família tenha renda inferior à 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, levando em consideração, para tal desiderato, cada um dos elementos participantes do núcleo familiar, exceto aquele que já recebe o benefício de prestação continuada, de acordo com o parágrafo único, do art. 34, da Lei 10.741/03.
De mais a mais, a interpretação deste dispositivo legal na jurisprudência tem sido extensiva, admitindo-se que a percepção de benefício assistencial, ou mesmo previdenciário com renda mensal equivalente ao salário mínimo, seja desconsiderada para fins de concessão do benefício assistencial previsto na Lei 8.742/93.
Ressalte-se, por oportuno, que os diplomas legais acima citados foram regulamentados pelo Decreto nº 6.214/07, o qual em nada alterou a interpretação das referidas normas, merecendo destacamento o art. 4º, inc. VI e o art. 19, caput e parágrafo único do referido decreto, in verbis:
A inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da mencionada Lei 8.742/93 foi arguida na ADIN nº 1.232-1/DF que, pela maioria de votos do Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi julgada im procedente. Para além disso, nos autos do agravo regimental interposto na reclamação n.º 2303-6, do Rio Grande do Sul, interposta pelo INSS, publicada no DJ de 01.04.2005, p. 5-6, Rel. Min. Ellen Gracie, o acórdão do STF restou assim ementado:
Evidencia-se que o critério fixado pelo parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS é o único apto a caracterizar o estado de necessidade indispensável à concessão da benesse em tela. Em outro falar, aludida situação de fato configuraria prova inconteste de necessidade do benefício constitucionalmente previsto, de modo a tornar dispensáveis elementos probatórios outros.
Assim, deflui dessa exegese o estabelecimento de presunção objetiva absoluta de estado de penúria ao idoso ou deficiente cuja partilha da renda familiar resulte para si montante inferior a 1/4 do salário mínimo.
Não se desconhece notícia constante do Portal do Supremo Tribunal Federal, de que aquela Corte, em recente deliberação, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais em voga (Plenário, na Reclamação 4374, e Recursos Extraordinários - REs 567985 e 580963, estes com repercussão geral, em 17 e 18 de abril de 2013, reconhecendo-se superado o decidido na ADI 1.232-DF), do que não mais se poderá aplicar o critério de renda per capita de ¼ do salário mínimo para fins de aferição da miserabilidade.
Também restou consolidado no colendo Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que a comprovação do requisito da renda familiar per capita não-superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo não exclui outros fatores que tenham o condão de aferir a hipossuficiência econômica da parte:
Em outras palavras: deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, consoante a renda informada, caso a caso.
Quanto à alegada incapacidade, depreende-se do laudo médico pericial, relativo a perícia médica realizada em 19/10/2012 (fls. 99-101), que o expert concluiu que a demandante "é portadora de Esquizofrenia paranoide, condição essa que prejudica total e definitivamente sua capacidade laboral".
Por sua vez, estudo social elaborado em 10/10/2015 (fls. 187-194) revela que o núcleo familiar era constituído por quatro pessoas: pela própria autora, com 26 anos de idade, por seus genitores, Aparecido Miguel de Almeida, 59 anos de idade (DN: 15/01/1956), e Aparecida Ribeiro de Queiroz Almeida, 57 anos de idade (DN: 19/09/1958), do lar, e pelo seu irmão, Genivaldo Queiroz Almeida, 25 anos de idade (12/07/1990), solteiro.
A autora não exerce atividade laborativa, assim como sua genitora e o irmão solteiro, sendo que os dois últimos percebem benefício assistencial (BPC), por incapacidade, em razão de serem portadores de doença psíquica (esquizofrenia), consoante informação prestada à assistente social,
O núcleo familiar residia em casa própria, com financiamento em andamento (faltando 04 anos para o término), construída em alvenaria, com piso de cerâmica e sem forro; constituída de três quartos, sala, cozinha, banheiro, em péssimo estado de conservação e de higiene.
A residência encontrava-se guarnecida com uma cama de casal e duas camas de solteiro, rádio, dois ventiladores, um jogo de sofá, um fogão, uma geladeira, um armário de cozinha, uma mesa, duas cadeiras, liquidificador, uma máquina de lavar roupas, e um "tanquinho".
A família possuía também um automóvel marca Fiat, modelo Uno, ano 1995, duas bicicletas, e um aparelho celular.
A assistente social foi informada de que a renda familiar resumia-se aos valores de dois salários-mínimos, que totalizavam R$ 1.576,00 por mês, relativos aos benefícios assistenciais percebidos pela genitora e pelo irmão da autora, bem como pela renda auferida pelo genitor da demandante, no valor aproximado de R$ 120,00 mensais, decorrente da comissão auferida pela comercialização de títulos de capitalização.
Consoante pesquisa realizada no CNIS - Cadastro Nacional de Informações Sociais, o genitor da demandante laborou na Associação dos Deficientes Físicos de Birigui, no decorrer da presente ação (de 03/06/2013 a 19/11/2014), tendo auferido nesse interstício salários que ultrapassavam o mínimo nacional. Assim, considerando-se sua idade e quantidades de vínculos laborais indicados no CNIS, a denotar experiência profissional, há que considerar-se que o seu desemprego é apenas temporário, e não definitivo.
De outro lado, a despesa mensal fixa do núcleo familiar compreendia gastos com financiamento do imóvel (R$ 56,00), alimentação e produtos de higiene e limpeza (R$ 440,00), padaria (R$ 20,00), energia elétrica (R$ 78,00), água (R$ 44,63), gás (R$ 65,00), medicamentos (R$ 28,00), "Plano Bom Pastor" (R$ 50,00), crédito para celular (R$ 35,00), prestação nº 02/12 relativa a aquisição de um computador (R$ 203,80), mensalidade de serviço de Internet (R$ 69,70), combustível (R$ 120,00), despesas pessoais do irmão da autora (R$ 100,00) totalizando R$ 1.310,13 ao mês.
Verifico que parte significativa da renda familiar estaria sendo destinada a gastos com a aquisição de bem durável valioso - um computador; com a manutenção (combustível, taxas e impostos) do automóvel da família, e ainda, com acesso a serviço de Internet, despesas essas totalmente prescindíveis em situação de penúria econômica extrema.
Sendo assim, não há, nos autos, elementos o bastante para se afirmar que se trata de família que vive em estado de miserabilidade, ao contrário: os recursos obtidos pela família da parte requerente aparentemente são ser suficientes para cobrir os gastos ordinários, bem como tratamentos médicos e cuidados especiais que lhe sejam imprescindíveis.
Cabe lembrar que a concessão de benefício assistencial não tem caráter de complementação de renda familiar, o que, por certo, traria distorção ao propósito da instituição do benefício no universo da assistência social.
Neste diapasão, não comprovados pela parte autora os requisitos legais necessários, não faz ela jus à concessão do benefício assistencial, tornando imperiosa a reforma da r. sentença, na íntegra.
Por conseguinte, impõe-se a cassação da tutela jurisdicional deferida pelo r. Juízo de Primeira Instância. Determino seja remetida esta decisão por via eletrônica à autoridade administrativa, a fim de que seja cessado o pagamento do benefício ora pleiteado, após o trânsito em julgado.
Consoante entendimento firmado pela Terceira Seção desta Corte, deixo de condenar a parte autora ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios, porquanto beneficiária da assistência judiciária gratuita (TRF - 3ª Seção, AR n.º 2002.03.00.014510-0/SP, Rel. Des. Fed. Marisa Santos, j. 10.05.2006, v.u., DJU 23.06.06, p. 460).
Isso posto, rejeito a preliminar arguida, não conheço da remessa necessária e, no mérito, dou provimento à apelação autárquica.
É COMO VOTO.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | David Diniz Dantas:10074 |
Nº de Série do Certificado: | 38CFC068D15FB53AD8593AE2A24BF850 |
Data e Hora: | 29/11/2016 18:17:34 |