Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 19/12/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0010452-69.2013.4.03.9999/MS
2013.03.99.010452-0/MS
RELATOR : Desembargador Federal CARLOS DELGADO
APELANTE : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO : MG109931 MARIANA SAVAGET ALMEIDA
: SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
APELADO(A) : ALVINO DA SILVA
ADVOGADO : MS013350 ANDERSON DENIS MARTINAZZO
No. ORIG. : 00008351220108120039 1 Vr PEDRO GOMES/MS

EMENTA

CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.742/93, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO DEFICIENTE. DEFICIÊNCIA E HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DEMONSTRADAS. CABIMENTO. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO MANTIDO NA DATA DA CITAÇÃO. RECURSO IMPROVIDO.
1 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
3 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
4 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
5 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
6 - O laudo médico pericial de fls. 58/62 diagnosticou o requerente, com 58 anos na data da perícia, ex-trabalhador rural, impossibilitado de laborar há três anos, como portador de "coxartrose primária bilateral", "gonartrose primária bilateral", "hipertensão essencial (primária)" e "doença cardíaca hipertensiva com insuficiência cardíaca (congestiva)". Concluiu o perito que o autor "possui invalidez permanente que não pode ser melhorada", situação em que se encontra há 4 anos, pelo que presente o impedimento de longo prazo.
7 - O estudo social, realizado em outubro de 2010 (fl. 12) informou que o autor, de 57 anos, vive sozinho, em casa própria, com dois quartos, sala, cozinha, banheiro e área de fundo. Com sérios problemas de saúde, sua única renda provém do benefício social Bolsa-Família, de R$ 68,00, que utiliza para pagar despesas com água e energia elétrica. Afirma a assistente social que a alimentação do autor depende de doações. O relatório social complementar, realizado em 18 de setembro de 2014, confirma as informações contidas no primeiro estudo realizado. "O autor se encontra desempregado, mas é beneficiário do BPC-LOAS: Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica de Assistência Social, a pessoa com deficiência, recebendo 01 salário mínimo mensal (fixo). Seu último trabalho foi no ano de 2007 como comerciante em um bar, anteriormente durante o apogeu de sua vida produtiva trabalhou na lavoura familiar; em carga e descarga e como balconista, recebendo entre ½ a 01 salário mínimo/mês, sendo registrado em CTPS por pouco tempo, ou seja, alijado em seus direito trabalhistas e previdenciários. Devido aos problemas de saúde que foram se agravando, teve que interromper seu trabalho. Não se encontra cadastrado em programa social de transferência de renda, nem em outros atendimentos da rede socioassistencial. Suas despesas mensais são: água, luz, alimentos, produtos de higiene e limpeza, recarga de botijão de gás e dos créditos para celular, medicamentos, convênio PAX e vestuário. O autor se constitui no único provedor financeiro para sua manutenção"."O autor reside em moradia própria, sendo essa modesta, necessitando de reforma. É edificada em alvenaria, coberta em telhas de cerâmica e de amianto, com forro e piso de cerâmica. Oferece boa acomodação para o autor. É abastecida pelos serviços de água encanada e energia elétrica, não contando com rede de esgoto, somente fossa séptica. Os resíduos sólidos são coletados e a pavimentação é asfáltica. O quintal é amplo, todo em areia, murado e com portão de acesso a entrada da moradia. Conta com mobília e eletrodomésticos basilares, modestos, antigos e alguns improvisados, outros necessitam de substituição. O autor declarou que não possui nenhum outro bem imóvel, moto ou carro, apenas 01 bicicleta elétrica, que foi adquirida com o auxílio de amigos. A área em que reside recebe cobertura da UBS-Unidade Básica de Saúde, recebendo visitas de agentes comunitários. O único hospital fica distante da moradia. O município não dispõe de transporte coletivo urbano (ônibus), somente rodoviário". "O autor conviveu em união estável por 31 anos, mas no ano de 2005 houve a dissolução conjugal ocasião em que sua companheira resolveu sair de casa acompanhada do único filho do casal, que hoje está com 32 anos e desde então perderam contatos". Relata a assistente social que "no momento da visita domiciliar e entrevista realizada, observamos que o autor enfrentou dificuldades financeiras após seu adoecimento, uma vez que dependia unicamente dos seus rendimentos financeiros para custear as despesas mensais, sendo que sua unidade doméstica apresentou prejuízos quanto à satisfação das necessidades básicas, em um patamar mínimo de subsistência, inserido em uma situação de vulnerabilidade social e com a renda comprometida". Afirma que "após a concessão do BPC-LOAS a Alvino da Silva, no 2º semestre do ano de 2012, o autor conseguiu suprir suas necessidades elementares de sobrevivência e autonomia, pois passou a receber uma renda mensal fixa mínima, que lhe garantiu certa segurança financeira e não mais o tornou tão dependente financeiramente de sua família e/ou de terceiros para se manter, até mesmo por não reunirem boa condição para auxiliá-lo".
8 - Deflui da análise do conjunto fático probatório que o autor se encontra em situação de hipossuficiência econômica e vulnerabilidade social, na medida em que, afora o benefício implantado por força da presente ação, não possui renda que lhe permita o suprimento de suas necessidades básicas e alimentares, inexistindo nos autos outros elementos de prova capazes de infirmar a conclusão a que chegou o julgador de 1º grau.
9 - Acerca do termo inicial do benefício, firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. No caso em apreço, a r. sentença concedeu o benefício a partir da data da citação (17/12/2010 - fl. 23-verso), a despeito da existência de pedido formulado na via administrativa (28/11/2007 - fl. 35). Logo, adequando-se o precedente citado com a aplicação do princípio do non reformatio in pejus, o termo inicial do benefício deve ser mantido na data da citação.
10 - Apelação do INSS desprovida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, para fixar o início do benefício na data do requerimento administrativo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 05 de dezembro de 2016.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 06/12/2016 17:57:38



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0010452-69.2013.4.03.9999/MS
2013.03.99.010452-0/MS
RELATOR : Desembargador Federal CARLOS DELGADO
APELANTE : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO : MG109931 MARIANA SAVAGET ALMEIDA
: SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
APELADO(A) : ALVINO DA SILVA
ADVOGADO : MS013350 ANDERSON DENIS MARTINAZZO
No. ORIG. : 00008351220108120039 1 Vr PEDRO GOMES/MS

RELATÓRIO

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):


Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS em ação ajuizada por ALVINO DA SILVA, patrocinado pela Defensoria Pública do Mato Grosso do Sul, objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.


A r. sentença de fls. 82/85 julgou procedente o pedido inicial e concedeu o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social - BPC - LOAS, no valor de salário mínimo mensal, a partir da citação (17/12/2010 - fl. 23-verso), com juros e correção monetária. Condenou, ainda, o INSS no pagamento da verba honorária, no valor equivalente a 10% do valor da condenação, considerando as parcelas devidas até a sentença (Súmula 111, do STJ). Determinada a imediata implementação do benefício.


Em razões recursais de fls. 99/105, o INSS requer, preliminarmente, a anulação da r. sentença, em razão da ausência de auto de constatação e/ou estudo social na residência do autor. No mérito, pugna pela reforma da sentença, ao fundamento da inexistência de incapacidade para a vida independente. Subsidiariamente, requer a fixação da DIB na data da juntada aos autos do laudo pericial.


Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.


Parecer do Ministério Público Federal (fls. 132/134), no sentido de não acolhimento da preliminar, do desprovimento do recurso do INSS e da reforma, de ofício, do termo inicial do benefício para a data do requerimento administrativo (28/11/2007 - fl.35).


Convertido o julgamento em diligência, fls. 136/136-verso, foram os autos remetidos à Vara de origem para complementação do estudo social.


Retornando os autos a esta Corte, o Ministério Público Federal manifestou-se à fl. 170 no sentido do desprovimento do recurso.


É o relatório.


VOTO

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):


A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:


"um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. 'Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.'"
(Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107).

Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:


"A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei."

Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.


O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.


Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de ser provido pela sua família.


Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.


O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).


A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.


Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".


No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).


Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.


O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:


"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico típico da reclamação - no "balançar de olhos" entre objeto e parâmetro da reclamação - que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E, inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6. Reclamação constitucional julgada improcedente. (Rcl 4374, GILMAR MENDES, STF)"

Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.


Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".


A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:


"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
(...)
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(REsp nº 1.112.557/MG, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJ 20/11/2009). (grifos nossos)

Pleiteia o autor a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é deficiente e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.


O laudo médico pericial de fls. 58/62 diagnosticou o requerente, com 58 anos na data da perícia, ex-trabalhador rural, impossibilitado de laborar há três anos, como portador de "coxartrose primária bilateral", "gonartrose primária bilateral", "hipertensão essencial (primária)" e "doença cardíaca hipertensiva com insuficiência cardíaca (congestiva)".


Concluiu o perito que o autor "possui invalidez permanente que não pode ser melhorada", situação em que se encontra há 4 anos, pelo que presente o impedimento de longo prazo.


Por sua vez, o estudo social, realizado em outubro de 2010 (fl. 12) informou que o autor, de 57 anos, vive sozinho, em casa própria, com dois quartos, sala, cozinha, banheiro e uma área de fundo. Com sérios problemas de saúde, sua única renda provém do benefício social Bolsa-Família, de R$ 68,00, que utiliza para pagar despesas com água e energia elétrica. Afirma a assistente social que a alimentação do autor depende de doações.


O relatório social complementar, realizado em 18 de setembro de 2014, confirma as informações contidas no primeiro estudo realizado. Relata a assistente social que:


"O autor se encontra desempregado, mas é beneficiário do BPC-LOAS: Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica de Assistência Social, a pessoa com deficiência, recebendo 01 salário mínimo mensal (fixo). Seu último trabalho foi no ano de 2007 como comerciante em um bar, anteriormente durante o apogeu de sua vida produtiva trabalhou na lavoura familiar; em carga e descarga e como balconista, recebendo entre ½ a 01 salário mínimo/mês, sendo registrado em CTPS por pouco tempo, ou seja, alijado em seus direito trabalhistas e previdenciários. Devido aos problemas de saúde que foram se agravando, teve que interromper seu trabalho. Não se encontra cadastrado em programa social de transferência de renda, nem em outros atendimentos da rede socioassistencial. Suas despesas mensais são: água, luz, alimentos, produtos de higiene e limpeza, recarga de botijão de gás e dos créditos para celular, medicamentos, convênio PAX e vestuário. O autor se constitui no único provedor financeiro para sua manutenção.
(...)
O autor reside em moradia própria, sendo essa modesta, necessitando de reforma. É edificada em alvenaria, coberta em telhas de cerâmica e de amianto, com forro e piso de cerâmica. Oferece boa acomodação para o autor. É abastecida pelos serviços de água encanada e energia elétrica, não contando com rede de esgoto, somente fossa séptica. Os resíduos sólidos são coletados e a pavimentação é asfáltica. O quintal é amplo, todo em areia, murado e com portão de acesso a entrada da moradia. Conta com mobília e eletrodomésticos basilares, modestos, antigos e alguns improvisados, outros necessitam de substituição. O autor declarou que não possui nenhum outro bem imóvel, moto ou carro, apenas 01 bicicleta elétrica, que foi adquirida com o auxílio de amigos. A área em que reside recebe cobertura da UBS-Unidade Básica de Saúde, recebendo visitas de agentes comunitários. O único hospital fica distante da moradia. O município não dispõe de transporte coletivo urbano (ônibus), somente rodoviário.
(...)
O autor conviveu em união estável por 31 anos, mas no ano de 2005 houve a dissolução conjugal ocasião em que sua companheira resolveu sair de casa acompanhada do único filho do casal, que hoje está com 32 anos e desde então perderam contatos.
(...)
No momento da visita domiciliar e entrevista realizada, observamos que o autor enfrentou dificuldades financeiras após seu adoecimento, uma vez que dependia unicamente dos seus rendimentos financeiros para custear as despesas mensais, sendo que sua unidade doméstica apresentou prejuízos quanto à satisfação das necessidades básicas, em um patamar mínimo de subsistência, inserido em uma situação de vulnerabilidade social e com a renda comprometida". Afirma que "após a concessão do BPC-LOAS a Alvino da Silva, no 2º semestre do ano de 2012, o autor conseguiu suprir suas necessidades elementares de sobrevivência e autonomia, pois passou a receber uma renda mensal fixa mínima, que lhe garantiu certa segurança financeira e não mais o tornou tão dependente financeiramente de sua família e/ou de terceiros para se manter, até mesmo por não reunirem boa condição para auxiliá-lo."

Deflui da análise do conjunto fático probatório que o autor se encontra em situação de hipossuficiência econômica e vulnerabilidade social, na medida em que, afora o benefício implantado por força da presente ação, não possui renda que lhe permita o suprimento de suas necessidades básicas e alimentares, inexistindo nos autos outros elementos de prova capazes de infirmar a conclusão a que chegou o julgador de 1º grau.


Acerca do termo inicial do benefício, firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência. Nessa esteira, confira-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:


"PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. TERMO INICIAL. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO.
1. Afasta-se a incidência da Súmula 7/STJ, porquanto o deslinde da controvérsia requer apenas a análise de matéria exclusivamente de direito.
2. Nos termos da jurisprudência pacífica do STJ, o termo inicial para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada é a data do requerimento administrativo e, na sua ausência, a partir da citação.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 1532015/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/08/2015, DJe 14/08/2015)."

É bem verdade que, em hipóteses excepcionais, o termo inicial do benefício pode ser fixado com base na data do laudo, nos casos, por exemplo, em que a data do início da miserabilidade ou incapacidade é fixada no momento da realização da perícia, até porque, entender o contrário, seria conceder o benefício ao arrepio da lei, isto é, antes da presença dos requisitos autorizadores para a concessão, o que configuraria inclusive enriquecimento ilícito do postulante.


No caso em apreço, a r. sentença concedeu o benefício a partir da data da citação (17/12/2010 - fl. 23-verso), a despeito da existência de pedido formulado na via administrativa (28/11/2007 - fl. 35). Logo, adequando-se o precedente citado com a aplicação do princípio do non reformatio in pejus, o termo inicial do benefício deve ser mantido na data da citação.


Ante o exposto, nego provimento ao recurso do INSS, mantendo íntegra a r. sentença de 1º grau de jurisdição.


É como voto.


CARLOS DELGADO
Desembargador Federal


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