Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010713-69.2010.4.03.6109/SP
2010.61.09.010713-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : HILARIO CHINCAKU HASHIMOTO
: TOYOKA JANDIRA HASHIMOTO
ADVOGADO : SP163394 ROBERTO ANTONIO AMADOR e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00107136920104036109 3 Vr PIRACICABA/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. TERMO INICIAL. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. SÚMULA VINCULANTE Nº 24. PRELIMINAR DE NULIDADE. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO PELA RECEITA FEDERAL SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. LEI COMPLEMENTAR 105/2001. IMPOSSIBILIDADE DE COMPARTILHAMENTO COM A ESFERA PENAL. PROVA ILÍCITA. NULIDADE DA AÇÃO PENAL. APELO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Nos termos da Súmula Vinculante nº 24, o crime material previsto no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90 somente se tipifica com o lançamento definitivo do crédito tributário, sendo este o marco inicial da prescrição da pretensão punitiva estatal. Hipótese em que o lustro prescricional incidente à hipótese não se esgotou nem entre os fatos e o recebimento da denúncia, nem entre esta data e a da publicação da sentença condenatória.
2. Conforme precedentes do C. STJ e da Quarta Seção deste Regional, a quebra do sigilo bancário para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, nos termos do art. 5º, XII, da Constituição Federal, está sujeita à prévia autorização judicial.
3. Hipótese em que a prova da materialidade encontra-se em procedimento administrativo no bojo do qual a Receita Federal, com fundamento no art. 6º da Lei Complementar nº 105/2001, obteve dados acobertados por sigilo mediante requisição direta às instituições bancárias, sem prévia autorização judicial.
4. Reconhecida a ilicitude do compartilhamento de dados obtidos pela Receita Federal com o Ministério Público Federal, para fins penais, e estando a materialidade delitiva demonstrada exclusivamente com base em tais elementos (ou em provas deles derivadas), tem-se que a ação penal padece de nulidade desde o início.
5. Apelo defensivo parcialmente provido para acolher a nulidade suscitada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao apelo da defesa para reconhecer a nulidade da ação penal em razão do indevido compartilhamento de dados sigilosos obtidos pela Receita Federal junto às instituições financeiras sem prévia autorização judicial e anular o feito, desde o recebimento da denúncia, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 06 de dezembro de 2016.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): JOSE MARCOS LUNARDELLI:10064
Nº de Série do Certificado: 71D062F09822A461
Data e Hora: 09/12/2016 19:16:41



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010713-69.2010.4.03.6109/SP
2010.61.09.010713-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : HILARIO CHINCAKU HASHIMOTO
: TOYOKA JANDIRA HASHIMOTO
ADVOGADO : SP163394 ROBERTO ANTONIO AMADOR e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00107136920104036109 3 Vr PIRACICABA/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Cuida-se de apelação interposta por HILARIO CHINÇAKU HASHIMOTO e TOYOKA JANDIRA HASHIMOTO contra a r. sentença de fls. 184/190, por meio da qual o i. magistrado de primeiro grau julgou parcialmente procedente a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal em face dos ora apelantes pela prática do crime descrito no art. 1º, I e II, da Lei nº 8.137/90, por duas vezes.

Segundo a denúncia de fls. 31/35, os acusados teriam omitido rendimentos de suas declarações anuais de ajuste (DAAs 2002 e 2003), reduzindo, dessa maneira, o imposto de renda pessoa física devido nos anos-calendário de 2001 e 2002.

Consta da inicial acusatória que a Receita Federal apurou a omissão de rendimentos a partir de depósitos cuja origem não restou demonstrada em constas bancárias mantidas pelos denunciados, em conjunto e individualmente, junto ao Banco do Brasil (AG 3586-6, contas nº 6.112-3 e nº 65.184-2), à Caixa Econômica Federal (AG 2156, contas nº 001.0002132-9 e nº 013.00013016-4), ao Banco Real (AG 0428, conta nº 7.707780-1), ao Banco Bradesco (AG 2188-1, conta nº 6.879-9), ao Banco Sudameris (AG 063, conta nº 10733-4200-5), ao Banco América do Sul (AG 0120-1, conta nº 282.536-8) e ao Baco Santander Banespa (AG 0090, conta nº 01021100-0 e nº 22780-9).

Narra, ainda, a denúncia que, em razão de tais fatos, a fiscalização tributária apurou, no bojo dos procedimentos administrativos-fiscais nº 10865.00762/2006-93 e nº 10865.000763/2006-38, a redução de imposto de renda no valor de R$483.361,20 (HILÁRIO) e R$470.983,10 (TOYOKA), além dos correspondentes consectários.

A denúncia foi recebida em 19/11/2010 (fl. 36).

Processado o feito, sobreveio a r. sentença de fls.184/190, por meio da qual o Juízo de primeiro grau julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal, para:


i. condenar o réu HILÁRIO CHIÇAKU HASHIMOTO pela prática do crime do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90, à pena de 02 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 100 (cem) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos. A pena corporal foi substituída por duas restritivas de direitos consistentes em uma pena de prestação de serviços à comunidade e uma pena de prestação pecuniária, no valor de 15 (quinze) salários mínimos, a ser cumprida nos termos da Resolução CNJ nº 154, de 13 de julho de 2012.


ii. condenar a ré TOYOKA JANDIRA HASHIMOTO pela prática do crime do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90 à pena de 02 (dois) anos, 07 (sete) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 90 (noventa) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos. A pena corporal foi substituída por duas restritivas de direitos consistentes em uma pena de prestação de serviços à comunidade e uma pena de prestação pecuniária, no valor de 14 (quatorze) salários mínimos, a ser cumprida nos termos da Resolução CNJ nº 154, de 13 de julho de 2012.


iii. absolver os réus da imputação da prática do crime do art. 1º, II, da Lei nº 8.137/90, com fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal, por não haver prova da existência do fato.


Por fim, fixou como valor mínimo para reparação dos danos o quantum apurado nos processos administrativos fiscais em que figuram como sujeitos passivos cada um dos réus, com fundamento no art. 387, IV, do CPP, e condenou os réus no pagamento das custas processuais.

A sentença foi publicada em 22/04/2014 (fl. 191).

Em suas razões de recurso de fls. 201/219, os apelantes sustentam a ocorrência de prescrição da pretensão punitiva estatal, com base na pena concretamente aplicada, ao fundamento de que entre as datas em que os delitos se consumaram, 27/04/2001 e 29/04/2002, e a data do recebimento da denúncia (19/11/2010) teria transcorrido lustro temporal superior a oito anos.

Por fim, afirmam a ilegalidade da quebra do seu sigilo bancário pela autoridade fazendária, sem autorização judicial prévia, sustentando a inconstitucionalidade do art. 6º da Lei Complementar nº 105/2001.

Contrarrazões oferecidas pelo órgão ministerial oficiante em primeiro grau às fls. 222/237, pela manutenção da sentença condenatória.

A Procuradoria Regional da República, por meio do parecer de fls. 245/248, opinou pelo desprovimento do recurso defensivo.

É o relatório.

Sujeito à revisão, na forma regimental.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): JOSE MARCOS LUNARDELLI:10064
Nº de Série do Certificado: 71D062F09822A461
Data e Hora: 19/10/2016 14:37:02



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010713-69.2010.4.03.6109/SP
2010.61.09.010713-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : HILARIO CHINCAKU HASHIMOTO
: TOYOKA JANDIRA HASHIMOTO
ADVOGADO : SP163394 ROBERTO ANTONIO AMADOR e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00107136920104036109 3 Vr PIRACICABA/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso interposto.

Rejeito, inicialmente, a alegação de prescrição da pretensão punitiva estatal na modalidade retroativa com base na pena concretamente aplicada.

Isto porque, nos termos da Súmula Vinculante nº 24, o crime material do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90, apenas se consuma com a constituição definitiva do crédito tributário, o que, no caso dos autos, ocorreu em 03/05/2006 (quanto ao réu HILÁRIO - fl. 491 do apenso I) e em 05/05/2006 (quanto à ré TOYOKA - fl. 441 do apenso II).

Assim, o prazo prescricional incidente à espécie (oito anos) não se esgotou entre a data dos fatos e a data do recebimento da denúncia, em 19/11/2010 (fl. 36), nem entre esta data e a da publicação da sentença condenatória, em 22/04/2014.

No mais, cumpre apreciar a alegação da defesa no sentido da ilegalidade da quebra de sigilo bancário diretamente pela Receita Federal, com base no art. 6º da Lei Complementar nº 105/2001.

A defesa aduz, em síntese, a ilicitude da prova obtida mediante quebra de sigilo bancário do acusado sem autorização judicial prévia.

A alegação comporta acolhida, ainda que por fundamento diverso.

A despeito da existência de diversas ADIs questionando a validade do disposto no art. 6º, da Lei Complementar 105/2001 , bem como do julgamento do RE 601.314, cuja repercussão geral foi reconhecida em 23/10/2009, é certo que o Supremo Tribunal Federal não se manifestou definitivamente sobre o tema.

Com efeito, o acórdão proferido pelo E. STF - Supremo Tribunal Federal no julgamento levado a efeito no dia 24.02.2016, que tinha por objeto o RE 601314 e as ADIs 2859, 2390, 2386 e 2397 apenas tangenciou a questão ao longo dos debates, tendo, por fim, julgado improcedentes os pedidos de reconhecimento de inconstitucionalidade do artigo 6°, da Lei Complementar 105/2001, fixando quanto ao tema 225 da repercussão geral, as seguintes teses:

a. "O art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal";
b. "A Lei 10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, tendo em vista o caráter instrumental da norma, nos termos do artigo 144, §1º, do CTN".

Não é possível afirmar, portanto, que o STF analisou a questão da dispensa de exigência de prévia autorização judicial para o compartilhamento com o Ministério Público pela Receita dos dados obtidos por esta última mediante a quebra de sigilo para fins penais com base na Lei Complementar nº 105/2001.

Por outro lado, o pronunciamento feito pelo Plenário da Suprema Corte no RE 389.808 se deu em caráter incidental, carecendo, portanto, de efeito vinculante.

Não obstante, o C. Superior Tribunal de Justiça, a quem compete, nos termos do art. 105, III, "a", da Constituição Federal, apreciar, em grau de recurso, decisões que contrariem lei federal, adotou posição no sentido de que, para utilização em processo criminal, os dados bancários devem ser obtidos com autorização judicial.

Assim, as Turmas que compõem a Terceira Seção do STJ reputam ilegal o compartilhamento, pela Receita Federal, de dados sigilosos obtidos sem autorização judicial, e reconhecem a nulidade de tal prova no âmbito penal e, por conseguinte, da ação penal fundada em tais dados. Confira-se:

"HABEAS CORPUS. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO E FISCAL PERPETRADO DIRETAMENTE PELA RECEITA FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INVIABILIDADE. POSSIBILIDADE DE EXISTÊNCIA DE OUTRAS PROVAS QUE DÊEM BASE À PERSECUÇÃO PENAL. DESENTRANHAMENTO DAS PROVAS OBTIDAS ILICITAMENTE QUE SE IMPÕE. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer. Em princípio, incabível o presente habeas corpus substitutivo de recurso. Todavia, em homenagem ao princípio da ampla defesa, passa-se ao exame da insurgência, para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício. Possibilidade da requisição de informações bancárias pela autoridade fiscal sem a necessidade de prévia autorização judicial, desde que haja processo administrativo ou procedimento fiscal em curso, a teor do art. 6º da LC 105/01. "Ainda que se alegue ou que se sustente, com base na Lei Complementar n. 105, artigo 6º, que é possível o acesso a essas informações bancárias pela autoridade fazendária, sem autorização judicial, não há como isso ser possível para fins de investigação no processo criminal, pela previsão constitucional expressa a respeito" (RHC 34.952/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 04/09/2014, DJe 15/09/2014). Conforme assentada orientação jurisprudencial, a quebra dos sigilos bancários submetem-se à cláusula de reserva de jurisdição, de modo que somente pode ser deflagrada mediante decisão jurisdicional autorizativa. Trancamento da Ação Penal. Impossibilidade. A despeito da declaração de ilicitude da prova obtida de forma ilícita, bem como de todas que dela derivam, há possibilidade de existência de outros elementos de prova que possam embasar a denúncia, de modo que caberá ao Juízo de primeiro grau, após desentranhar todas as provas decorrentes da quebra do sigilo bancário e fiscal sem a competente autorização judicial, reavaliar o acervo probatório que permanecer incólume. Habeas corpus não conhecido. ordem concedida de ofício para que sejam desentranhadas dos autos as provas obtidas ilicitamente, bem como aquelas delas decorrentes, sem prejuízo do prosseguimento da ação penal com base noutras provas."
(STJ, 6ª Turma, HC 317049 / SP, Relator(a) Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (1182), DJe 24/08/2016);
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO PELA RECEITA FEDERAL. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. INVIABILIDADE SEM PRÉVIO CONSENTIMENTO JUDICIAL. SÚMULA 568/STJ. RECURSO DESPROVIDO.
1. "Não cabe à Receita Federal, órgão interessado no processo administrativo tributário e sem competência constitucional específica, fornecer dados obtidos mediante requisição direta às instituições bancárias, sem prévia autorização do juízo criminal, para fins penais." (HC 202.744/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, DJe 15/2/2016).
2. Incidência da Súmula 568/STJ: "O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema."
3. Agravo regimental não provido."
(STJ, 5ª Turma, AgRg no REsp 1584813 / SP, Relator(a) Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA (1170), DJe 01/06/2016).

Tal entendimento foi, igualmente, fixado no âmbito da Quarta Seção deste Regional.

"PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO PELA RECEITA FEDERAL. ILICITUDE DA PROVA. ACOLHIMENTO DOS EMBARGOS.
I.A quebra do sigilo bancário para investigação criminal deve ser necessariamente submetida à avaliação do magistrado competente, a quem cabe motivar concretamente seu decisum, nos termos dos artigos 5º, inciso XII e 93, inciso IX, da Constituição Federal.
II.Não poderia a Receita Federal, órgão interessado no processo administrativo e tributário, sem competência constitucional específica, fornecer dados obtidos mediante requisição direta às instituições bancárias, sem prévia autorização judicial, para fins penais.
III.Tendo em vista que o procedimento administrativo constitui a própria materialidade delitiva, estando este viciado, já que é fato incontroverso que houve quebra administrativa de sigilo bancário, a persecução penal deve ser reputada nula ab initio.
IV.A prova - cuja ilicitude ora se reconhece - constituía a justa causa para o exercício da ação penal, de modo que a sua nulidade significa que a denúncia deve ser rejeitada desde o início, na forma do artigo 395, III, do CPP, tendo em vista a falta do lastro probatório mínimo exigido para o ajuizamento da ação penal.
V.Não há que se falar em negativa de vigência ao artigo 6°, da LC 105/2001 (dispositivo que autoriza acesso de dados pela Receita Federal); aos artigos 7° e 8°, da Lei 8.021/90 (outros dispositivos que autorizam acesso de dados pela Receita Federal); ao artigo 42, da Lei 9.430/96 (natureza dos dados utilizados no procedimento que instruiu o processo);e ao artigo 145, §1°, da CF - Constituição Federal (regra constitucional que autoriza o acesso de dados pela Receita Federal); tampouco em omissão quanto à extensão do sigilo bancário do artigo 5°, XII, da CF/88. Sucede que o entendimento aqui adotado não parte do pressuposto de que a Receita Federal não possa ter acesso a dados bancários sem prévia autorização judicial para fins de constituição de crédito tributário, na forma do artigo 6°, da LC 105/2001, dos artigos 7° e 8°, da Lei 8.021/90, do artigo 42, da Lei 9.430/96 e do artigo 145, §1°, da CF, mas sim de que tal providência não é admitida no plano da investigação criminal, onde se exige a avaliação do magistrado competente, a quem cabe motivar concretamente seu "decisum", nos termos dos artigos 5º, inciso XII e 93, inciso IX, da Constituição Federal.
VI. Até o presente momento, não foi publicado o acórdão proferido pelo E. STF - Supremo Tribunal Federal no julgamento levado a efeito no dia 24.02.2016, o qual tinha por objeto o RE 601314 e as ADIs 2859, 2390, 2386 e 2397, em que a Excelsa Corte, por maioria, julgou improcedentes os pedidos de reconhecimento de inconstitucionalidade do artigo 6°, da Lei Complementar 105/2001. Logo, além de tal decisão ainda não ter transitado em julgado - conditio sine qua non para que ela produza efeito vinculante (artigo 28, parágrafo único, da Lei 9.868/99) -, não há como avaliar se a Egrégia Corte dispensou a exigência de prévia autorização judicial para a quebra de sigilo para fins penais ou apenas para fins tributários, nem se tem notícia se tal entendimento aplicar-se-á de forma retroativa ou se os seus efeitos serão, em atenção ao princípio da segurança jurídica, modulados.
VII.Embargos infringentes acolhidos."
(TRF 3ª Região, Quarta Seção, EI 0005264-35.2015.4.03.6181/SP, Rel. Des. Fed. Cecilia Mello, D.E. 31/08/2016).

Diante de tais razões, ressalvado o meu entendimento pessoal sobre a questão, sigo o posicionamento adotado pelo C. Superior Tribunal de Justiça para reconhecer a ilegalidade da utilização, para fins penais, da prova obtida mediante quebra de sigilo bancário pela autoridade fazendária, sem autorização judicial.

Reconhecida a nulidade de tal prova, tem-se que, no caso dos autos, não subsistem elementos sequer indiciários da materialidade delitiva aptos a embasar o recebimento da denúncia e o regular desenvolvimento da instrução processual penal.

Ante o exposto, dou parcial provimento ao apelo da defesa para reconhecer a nulidade da ação penal em razão do indevido compartilhamento de dados sigilosos obtidos pela Receita Federal junto às instituições financeiras sem prévia autorização judicial e anular o feito, desde o recebimento da denúncia.

É como voto.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): JOSE MARCOS LUNARDELLI:10064
Nº de Série do Certificado: 71D062F09822A461
Data e Hora: 09/12/2016 19:16:44