D.E. Publicado em 16/12/2016 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, acolher a preliminar de prescrição em relação ao delito capitulado no artigo 55 da Lei n° 9.605/98 e, no tocante ao crime descrito no artigo 2º da Lei nº 8.176/91, rejeitar as preliminares invocadas pela defesa e dar parcial provimento à apelação para substituir a pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos consistente em prestação pecuniária fixada no valor de 10 (dez) salários mínimos, em favor da União, em observância ao artigo 45, §1º, do Código Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
A SENHORA JUÍZA FEDERAL CONVOCADA GISELLE FRANÇA:
Cuida-se de apelação criminal interposta por Adilson Fernando Franciscate contra sentença que o condenou pela prática dos crimes descritos nos artigos 55 da Lei nº 9.605/98 e 2º da Lei nº 8.176/91, mediante o concurso formal de delitos.
De acordo com a peça acusatória, até, pelo menos, 29 de abril de 2009, Adilson Fernando Fransciscate, com pleno conhecimento dos elementos objetivos do tipo penal e vontade de realizar a conduta proibida, extraiu areia, de propriedade da União, no leito do Rio Paraíba do Sul, no município de Caçapava, Estado de São Paulo, sem licença ambiental de operação expedida pela CETESB e em desacordo com o que consta do processo 829.592/08 do Departamento Nacional de Produção Mineral ( DNPM).
Narra a denúncia que, em 29 de abril de 2009, agentes de fiscalização do DNPM realizaram uma vistoria no local que se refere o Ofício nº 3BPAmb-301/410/08, a saber, junto à ponte do bairro Menino Jesus, na Fazenda Paraúna, em Caçapava/SP, onde constataram a presença de 02 (duas ) dragas em operação no leito do Rio Paraíba, um conjunto de barcaça-rebocador sendo carregado com areia e a tubulação de recalque para a pilha. Anteriormente, policiais militares ambientais e técnicos da CETESB haviam vistoriado o local e constatado a extração ilegal, apreendendo 500 metros cúbicos de areia.
Relata que na oportunidade, ao verificarem que o acusado não detinha o título mineral que o habilitava à lavra, estando o processo em fase de requerimento de pesquisa, tais agentes determinaram, imediatamente, a paralisação dos trabalhos, sendo atendidos de pronto.
Discorre que em seu termo de declarações, Adilson Fernando Franciscate afirmou que em 29 de abril de 2009, recebeu a visita de servidores do DNPM, os quais constataram que a extração de areia no leito do Rio estava sendo feita sem título de lavra e por este motivo foi aplicado o Auto de Paralisação nº17/2009. Alegou, todavia, que tal atividade não tinha intuito lucrativo, não visava o comércio, mas à facilitação de passagem de barcos já que o rio estava cheio de areia, o que não se sustenta, pois a exploração de substâncias minerais, qualquer que seja a finalidade, depende de outorga da União ( por intermédio do DNPM), ressalvadas as hipóteses legais de dispensa do título não verificadas, aliás, no caso.
A peça acusatória foi recebida em 27 de maio de 2011 (fls.76/78).
Regulamente processado o feito, sobreveio sentença (fls.614/625), publicada em 21 de fevereiro de 2013 (fl.626) condenando o acusado à pena de 01 (um) ano e 02 (dois) meses de detenção, em regime inicial aberto, bem como ao pagamento de 20 (vinte) dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos corrigido monetariamente, cada dia, pela prática dos crimes descritos no artigo 55 da Lei nº 9.605/98 e no artigo 2º da Lei nº 8.176/91, mediante o concurso formal de delitos.
A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes em uma prestação de serviços à comunidade, pelo prazo da condenação, a razão de uma hora por dia, facultada a aplicação do artigo 46,§4º, do Código Penal, em entidade a ser definida em sede de execução de sentença e uma pena de prestação pecuniária fixada no valor de 10 (dez) salários mínimos vigentes ao tempo da sentença, corrigidos monetariamente até o pagamento.
Os embargos de declaração opostos pela defesa restaram rejeitados ( fls.627/631).
Inconformado, apela o acusado (fl.635). A defesa, em razões recursais, apresentadas nesta Corte Regional, com o permissivo do artigo 600,§4º, do Código de Processo Penal (639/668), postula, em preliminar: a) o reconhecimento da prescrição no tocante ao delito descrito no artigo 55 da Lei nº 9.605/98; b) a nulidade do processo, desde a decisão que recebeu a denúncia, ante a incompetência da Justiça Federal ou mesmo do Juízo da Subseção Judiciária de Taubaté para o processamento e julgamento do feito; c) a nulidade do processo desde o recebimento da denúncia "(...) pelo equívoco do momento em que ocorreu"; d) a extinção do processo, pela falta de interesse de agir, diante da realização de ajuste para recuperação ambiental.
No mérito, pede a absolvição ante a derrogação do tipo penal descrito no artigo 2º da lei nº 8.176/91, pelo fato de sua atividade não ter extrapolado a Portaria de Lavra ou, ainda, por insuficiência probatória capaz de ensejar a prolação do édito condenatório.
Subsidiariamente, requer a aplicação da pena abaixo do mínimo legal ou, ao menos, que a pena privativa de liberdade seja integralmente convertida em prestação pecuniária.
Contrarrazões do Ministério Público Federal (fls.671/676) no sentido de se reconhecer e declarar extinta a punibilidade do acusado pela ocorrência do advento prescricional no tocante ao crime descrito no artigo 55 da Lei nº 9.605/98, rejeitar as demais preliminares e negar provimento ao recurso quanto ao crime definido no artigo 2º da Lei nº 8.176/91.
Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República, em seu parecer (fls.679/688) opinou pelo desprovimento do recurso e reconhecimento, de ofício, da prescrição da pretensão punitiva estatal tão somente no tocante ao crime definido no artigo 55 da Lei nº 9.605/98, remanescendo, na íntegra, a condenação pelo crime de usurpação descrito no artigo 2º da Lei nº 8.176/91.
Indeferido pleito de adiamento do julgamento formulado pela defesa do denunciado, sob o seguinte fundamento, "in verbis":
"Um dos defensores do denunciado, Dr. Jorge Urbani Salomão, pede o adiamento do julgamento por uma sessão, para apresentação de memoriais e eventual sustentação oral.
É dos autos que o substabelecimento ao referido peticionário se dera com reserva de iguais poderes, em 08 de setembro de 2016 (fl.699), dispondo, o causídico, de amplo prazo - dois meses - para se inteirar dos fatos postos nesta ação penal.
Ademais, referido advogado requereu e obteve, em 26 de outubro de 2016, a cópia integral dos autos, que se lhe fora fornecida pela diligente Subsecretaria da 1ª Turma em mídia digital, como se depreende de fls.701/702, de forma a possibilitar ciência plena de tudo o quanto posto neste processo.
Noutro vértice, o advogado que representara o acusado durante o transcorrer de toda a instrução criminal, Dr. Júnior Alexandre Moreira Pinto, fê-lo com zelo e dedicação, apresentando defesa que prima pela tecnicidade e pelo vigor, tendo recorrido da sentença condenatória e arguindo, em razões recursais, várias preliminares, discorrendo, ao final, de forma minuciosa, sobre o "meritum causae".
Sob outro prisma, a possibilidade da ocorrência do advento prescricional exige julgamento célere por parte do colegiado.
Desta forma, indefiro o pedido.".
É o relatório.
Dispensada a revisão, na forma regimental.
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VOTO
A SENHORA JUÍZA FEDERAL CONVOCADA GISELLE FRANÇA:
1.Dos fatos. De acordo com a peça acusatória, até, pelo menos, 29 de abril de 2009, Adilson Fernando Fransciscate, com pleno conhecimento dos elementos objetivos do tipo penal e vontade de realizar a conduta proibida, extraiu areia, de propriedade da União, no leito do Rio Paraíba do Sul, no município de Caçapava, Estado de São Paulo, sem licença ambiental de operação expedida pela CETESB e em desacordo com o que consta do processo 829.592/08 do Departamento Nacional de Produção Mineral ( DNPM).
Narra a denúncia que, em 29 de abril de 2009, agentes de fiscalização do DNPM realizaram uma vistoria no local que se refere o Ofício nº 3BPAmb-301/410/08, a saber, junto à ponte do bairro Menino Jesus, na Fazenda Paraúna, em Caçapava/SP, onde constataram a presença de 02 (duas ) dragas em operação no leito do Rio Paraíba, um conjunto de barcaça-rebocador sendo carregado com areia e a tubulação de recalque para a pilha. Anteriormente, policiais militares ambientais e técnicos da CETESB haviam vistoriado o local e constatado a extração ilegal, apreendendo 500 metros cúbicos de areia.
Relata que na oportunidade, ao verificarem que o acusado não detinha o título mineral que o habilitava à lavra, estando o processo em fase de requerimento de pesquisa, tais agentes determinaram, imediatamente, a paralisação dos trabalhos, sendo atendidos de pronto.
Discorre que em seu termo de declarações, Adilson Fernando Franciscate afirmou que em 29 de abril de 2009, recebeu a visita de servidores do DNPM, os quais constataram que a extração de areia no leito do Rio estava sendo feita sem título de lavra e por este motivo foi aplicado o Auto de Paralisação nº17/2009. Alegou, todavia, que tal atividade não tinha intuito lucrativo, não visava o comércio, mas à facilitação de passagem de barcos já que o rio estava cheio de areia, o que não se sustenta, pois a exploração de substâncias minerais, qualquer que seja a finalidade, depende de outorga da União ( por intermédio do DNPM), ressalvadas as hipóteses legais de dispensa do título não verificadas, aliás, no caso.
2. Das preliminares arguidas pela defesa.
2.1. Da preliminar de prescrição no tocante ao delito descrito no artigo 55 da Lei nº 9.605/98.
Quanto ao delito definido no artigo 55 da Lei n° 9.605/98, ocorreu o advento prescricional.
Deveras, consoante o disposto no artigo 119 do Código Penal, no caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um isoladamente.
A sentença de primeiro grau condenou o acusado à pena de 06 (seis) meses de detenção, que tem o prazo prescricional fixado em 02 (dois) anos, na forma do artigo 109, inciso VI, do Código Penal , em sua redação original.
Inaplicável, ao caso, a Lei nº. 12.234/2010, de 05 de maio de 2010, que aumentou para 03 (três) anos o prazo prescricional previsto no artigo 109, inciso VI, do Código Penal, além de revogar o §2º do artigo 110 do citado código, para excluir a prescrição na modalidade retroativa, vedando o seu reconhecimento no período anterior ao recebimento da denúncia ou da queixa, subsistindo o marco interruptivo entre o juízo de admissibilidade da acusação - recebimento da denúncia - e a sentença, uma vez que configurada "novatio legis in pejus" em prejuízo do apelante, bem assim vedada a retroação em desfavor do réu, nos termos do artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal:
Neste sentido a seguinte ementa de aresto do C. STJ:
Assim, considerada a ausência de causa interruptiva ou suspensiva, operou-se o lapso prescricional entre a data dos fatos ( 29 de abril de 2009) e a data do recebimento da denúncia ( 27 de maio de 2011), razão pela qual extinta se encontra a punibilidade do acusado.
Desta forma, acolho o parecer ministerial e o pleito defensivo para reconhecer e declarar extinta a punibilidade do apelante no tocante ao crime descrito no artigo 55 da Lei nº 9.605/98 pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, com supedâneo nos artigos 107, inciso IV, combinado com os artigos 109, inciso VI, 110, § 1º, todos do Código Penal.
2.2. Da preliminar de nulidade do processo, desde a decisão que recebeu a denúncia, ante a incompetência da Justiça Federal ou mesmo do Juízo da Subseção Judiciária de Taubaté para o processamento e julgamento do feito.
A defesa aponta preliminar de incompetência do Juízo ao argumento de que, "in verbis":
Não se ignora que, com o permissivo do artigo 3º do Código de Processo Penal, vigora, no processo penal, o princípio da "perpetuatio jurisdictionis" inserto no artigo 87 do Código de Processo Civil de 1973.
No caso, no entanto, não se cuida da aplicação do referido princípio, porquanto ao tempo da publicação do Provimento nº 311 - em 17/02/2010 - a persecução penal ainda se encontrava na fase inquisitorial - a denúncia foi recebida em 27/05/2011 - e, portanto, não havia ação penal em andamento.
A 1ª Seção desta E. Corte Regional já decidiu:
Preliminar rejeitada.
2.3. Da preliminar de nulidade do processo desde o recebimento da denúncia "(...) pelo equívoco do momento em que ocorreu".
A defesa aduz que o recebimento da denúncia deveria ter ocorrido somente após a apresentação da defesa preliminar, nos moldes da Lei nº 11.719/2008.
Pede a anulação do processo desde o recebimento da exordial acusatória.
Razão não se lhe assiste.
Com o advento da Lei nº. 11.719/08, que deu nova redação aos artigos 395 e seguintes do Código de Processo Penal, o Juiz pode rejeitar a denúncia quando: a) for manifestamente inepta; b) faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal ou c) faltar justa causa para o exercício da ação penal.
Não sendo a hipótese de rejeição liminar da peça acusatória, o juiz recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias, conforme estabelece o artigo 396 do Código de Processo Penal.
O artigo 397 daquele código dispõe que, cumprida a referida diligência, o juiz, se presentes as hipóteses legais: a) a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; b) a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; c) que o fato narrado evidentemente não constitui crime ou d) extinta a punibilidade do agente, deverá absolver sumariamente o acusado.
Se ausentes, recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente, de acordo com o artigo 399 do Código de Processo Penal.
"In casu", o Juízo "a quo", em 27 de maio de 2011: a) recebeu a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal; b) determinou a citação do réu para apresentação da defesa preliminar- artigo 396 - A do Código de Processo Penal; e c) ordenou a intimação dos denunciados acerca da realização de audiência de instrução e julgamento (fls.76/78).
Apresentada resposta à acusação (fls.126/149), na audiência de instrução, antes de proceder à oitiva das testemunhas, o magistrado, em decisão devidamente fundamentada, entendeu que a hipótese dos autos não autorizava a absolvição sumária nos termos do artigo 397, I a IV, do Código Penal, pelo que ratificou o recebimento da denúncia e deu prosseguimento à instrução processual. Ainda, de forma também fundamentada, rejeitou a preliminar de incompetência jurisdicional ( fl.188).
O só fato de o magistrado, em uma única decisão, receber a denúncia e designar, desde logo, data para a realização de audiência de instrução não consubstancia constrangimento ilegal à míngua de ofensa ao devido processo legal.
A violação do "due processo law" estaria caracterizada se a audiência de instrução tivesse sido realizada sem que o Juízo "a quo" apreciasse, de forma fundamentada, os termos da resposta ofertada. Mas não foi isso o que ocorreu, conforme se vê da decisão de fl.188.
De qualquer forma, não se cuida de nulidade absoluta. Desta feita, a anulação do processo, diante do princípio "pas de nullité sans grief", deve ser arguida oportunamente na seara própria e com a efetiva demonstração do prejuízo ( artigo 563 do Código de Processo Penal), o que, no caso, não se dera.
Neste ponto, trago à colação os seguintes arestos:
À míngua de vício processual derivado da decisão que recebeu a peça acusatória, rejeito a preliminar arguida pela defesa.
2.4. Da preliminar de extinção do processo, pela falta de interesse de agir - falta de justa causa para a propositura da ação penal - diante da realização de ajuste para recuperação ambiental.
O apelante alega que a assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) perante o Ministério Público Estadual da Comarca de Caçapava/SP, afasta a justa causa para a propositura da ação penal no tocante ao crime ambiental, o que enseja sua absolvição relativamente a este delito.
A preliminar resta prejudicada, uma vez que extinta a punibilidade do denunciado relativamente ao crime definido no artigo 55 da Lei nº 9.605/98.
Ainda que assim não fosse, em se considerando a independência entre as searas administrativa e penal, a assinatura do TAC de per se não obsta a propositura da ação penal e o exercício da "persecutio criminis" pelo órgão ministerial.
Passo ao exame do "meritum causae".
3.Da materialidade delitiva do crime de usurpação do patrimônio público da União, descrito no artigo 2º da Lei n° 8.176/91.
Tendo em vista a ocorrência da prescrição retroativa em relação ao crime do artigo 55 da Lei n° 9.605/98, passo à análise da materialidade delitiva do crime descrito no artigo 2º da Lei n° 8.176/91.
Anoto, de início, que os crimes narrados na denúncia tutelam bens jurídicos distintos. O delito descrito no artigo 55 da Lei nº 9.605/98 visa à proteção do meio ambiente, enquanto que o crime definido no artigo 2º da Lei nº 8.176/91 visa à proteção do patrimônio da União.
Nessa linha raciocínio, não se há falar em derrogação do tipo penal descrito no artigo 2º da Lei nº 8.176/91 pelo artigo 55 da Lei nº 9.605/98, como quer fazer crer a defesa, mas de concurso formal de delitos, uma vez que o agente, mediante uma só ação ou omissão pratica dois ou mais crimes ( artigo 70 do Código Penal).
Colaciono os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Regional:
A materialidade do crime de usurpação do patrimônio público da União, previsto no artigo 2º da Lei n° 8.176/91, ficou suficientemente comprovada. O Relatório de Vistoria e Aplicação de Auto de Paralisação (fls.13/17) comprova que o acusado extraiu areia, sem possuir licença para referida operação tanto da CETESB quanto do DNPM.
As fotos acostadas aos autos mostram a draga e a areia extraída (fls. 15/17) e não há prova que demonstre autorização, permissão, concessão ou licença do órgão competente, ou seja, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) para a extração do minério, restando comprovada a materialidade do tipo previsto no artigo 2º, da Lei 8.176/91.
Não prosperam as teses defensivas de atipicidade fática, no sentido de que: a) a remoção do minério se dera com o único fito de permitir a livre circulação das embarcações que havia sido obstaculizada em decorrência do assoreamento do rio Paraíba do Sul; b) não ocorreu a comercialização do minério e, por via transversa, a apropriação do bem, de forma que não se há falar em usurpação do patrimônio da União Federal; c) o DNPM não mensurou o volume da areia supostamente extraída, o que enseja a aplicação, ao caso, da teoria da bagatela.
O crime descrito no artigo 2º da Lei nº 8.176/91 é formal, consumando-se no momento em que o agente inicia suas atividades extrativas com o ânimo de conseguir o produto e dele apropriar-se.
Confira-se julgado deste E. Tribunal:
Noutro vértice, o princípio da insignificância, como corolário do princípio da pequenez ofensiva inserto no artigo 98, inciso I, da Constituição Federal, estabelece que o Direito Penal, pela adequação típica do fato à norma incriminadora, somente intervenha nos casos de lesão de certa gravidade, atestando a atipicidade penal nas hipóteses de delitos de lesão mínima, que ensejam resultado diminuto.
No escólio de Maurício Antonio Ribeiro Lopes:
No presente caso, a denúncia descreve o porte da operação de extração irregular, com duas dragas e um conjunto de barcaça-rebocador, de maneira que as circunstâncias que delineiam a empreitada criminosa, bem como as consequências deletérias da prática criminosa obstam a aplicação do princípio da insignificância.
Nesse sentido:
Sob outro prisma, o fato de o apelante ter firmado contrato com a Prefeitura de Município de Caçapava/SP, em razão de procedimento licitatório, para a extração de areia, como se depreende de fls.414/566, não torna o fato atípico.
A Prefeitura do Município de Caçapava/SP realizou procedimento licitatório, na modalidade pregão, objetivando a contratação de serviços de dragagem de areia ou sedimentos para desobstrução do canal do leito do rio Paraíba do Sul (fl.415).
A Agência Nacional de Águas, ao autorizar, por dispensa de outorga de direito de uso de recursos hídricos, nos moldes do artigo 6º, inciso I, da Resolução ANA nº 707, de 21/12/2004, a retirada de material arenoso depositado no leito do Rio Paraíba do Sul, no Município de Caçapava/SP, dispôs, de forma expressa, que "(...) esta autorização não exime o interessado da obtenção da anuência da autoridade florestal (DEPRN) no que diz respeito a eventual interferência em Área de Preservação Permanente" ( fl.460).
A empresa do denunciado vencera o procedimento licitatório, razão pela qual restou firmado o Contrato nº 032/2007, dele extraindo-se as seguintes cláusulas:
" CLÁUSULA 3º- DOS VALORES.
Parágrafo único. O percentual do repasse é de 21% ( vinte e um por cento) de areia e 100% ( cem por cento) de pedregulho, sendo que os valores são os descritos no ANEXO ÚNICO deste contrato."
A Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental- CETESB, ao conceder a Licença Prévia e de Instalação nº 3000105, de 30 de maio de 2008, à Prefeitura Municipal de Caçapava/SP, expressamente dispôs que, "in verbis":
Alterou-se o projeto licitado com o fito de proceder à mudança de pátio de manobra de veículos e maquinários, em apoio ao desassoreamento do leito do Rio Paraíba do Sul, próximo a ponte do Bairro Menino Jesus.
O Parecer Técnico da CETESB restou desfavorável à referida alteração: "(...) concluímos que a operação na área pleiteada, deverá ser objeto de licenciamento ambiental específico, de acordo com as normas vigentes, pelo que o parecer é DESFAVORÁVEL" (fl.518).
Desta feita, a Licença de Operação foi concedida pela CETESB a título precário - com validade até 11/01/2010.
No entanto, o Relatório de Vistoria do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) demonstra que a exploração de areia estava sendo realizada "fora da poligonal destinada ao empreendimento", o que ensejou a lavratura do Auto de Paralisação.
Isso porque ainda que a obra de desassoreamento do rio tivesse sido licenciada pela Prefeitura de Caçapava/SP, os dados probatórios demonstram que a atividade de extração de areia que vinha sendo realizado pelo acusado fugira do objeto licitado e, portanto, foi realizada sem a licença de operação para a atividade de extração de areia.
Os depoimentos dos fiscais responsáveis pelo Relatório de Vistoria e Auto de Paralisação de fls.13/17 atestaram que a obra estava licenciada em nome da Prefeitura, mas a sua realização se dera sem a licença de operação para a atividade de extração de areia.
Neste ponto, o depoimento judicial do técnico ambiental da CETESB, Antônio José Dias técnico (mídia de fl.371) é esclarecedor. Asseverou que a Prefeitura de Caçapava/SP obteve autorização junto à Agência Nacional de Águas para desassoreamento do Rio Paraíba e o DNPM concedeu uma licença para a extração de areia (Registro de Extração), em virtude da existência de uma ilha no local, que estava alterando o curso do rio e suas margens. Relatou que o serviço estava sendo executado pela empresa do denunciado, uma vez que a Prefeitura não possuía os equipamentos necessários. Disse que na data da autuação havia extração de areia, mas não havia licença de operação da CETESB.
A prova documental e testemunhal colhida no transcorrer da instrução criminal é uníssona ao indicar que houve a extração de areia, sem autorização para tanto, bem assim que ao menos 500 metros cúbicos foram explorados pelo acusado.
É dizer: ainda que a realização da obra tivesse sido contratada pela Prefeitura de Caçapava/SP, tem-se que, ao tempo dos fatos, não havia autorização do poder público competente para a extração de matéria-prima de propriedade da União.
Andou bem o magistrado ao consignar que, "in verbis":
Comprovada, portanto, a materialidade do delito narrado na peça acusatória, caindo por terra assertiva defensiva de atipicidade fática.
4. Da autoria delitiva. A autoria delitiva restou demonstrada de forma clara e incontestável. Os elementos de cognição demonstram que o acusado, na qualidade de único sócio e administrador da empresa mineradora, organizou e dirigiu as atividades de lavra de areia no leito do Rio Paraíba do Sul, sem autorização, permissão, concessão ou licença do órgão competente, com finalidade mercantil, em detrimento do patrimônio da União.
Assim, estando comprovadas a materialidade e autoria delitiva, mantenho a condenação pela prática do crime previsto no artigo 2º, "caput", da Lei nº 8.176/91.
5. Da dosimetria. A pena-base foi acertadamente fixada no mínimo legal - 01 (um) ano de detenção - restando definitiva, não comportando redução, nos exatos termos da Súmula 231 do C. Superior Tribunal de Justiça:
Mantido o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade - o aberto -, nos termos do artigo 33, §2º, alínea "c", do Código Penal.
Reconhecido o advento prescricional no tocante ao delito descrito no artigo 55 da Lei nº 9.605/98, de rigor redimensionar a pena e afastar o concurso formal de delitos, remanescendo a pena de 01 (um) ano de detenção aplicada ao delito descrito no artigo 2º da Lei nº 8.176/91, de maneira que a substituição da sanção corporal deve se dar por uma pena de multa ou por uma pena restritiva de direitos, nos termos do artigo 44,§2º, do Código Penal.
Destarte, a pena privativa de liberdade deve ser substituída por uma pena de prestação pecuniária fixada no valor de 10 (dez) salários mínimos, nos moldes do édito condenatório, em favor da União Federal, em observância ao artigo 45, §1º, do Código Penal.
Ante o exposto: a) acolho a preliminar para reconhecer e declarar extinta a punibilidade do denunciado pela ocorrência da prescrição retroativa em relação ao delito capitulado no artigo 55 da Lei n° 9.605/98; b) rejeito as demais preliminares arguidas; e c) dou parcial provimento à apelação para substituir a pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos consistente em prestação pecuniária fixada no valor de 10 (dez) salários mínimos, em favor da União, em observância ao artigo 45, §1º, do Código Penal.
Expeça-se guia de recolhimento, encaminhando-se ao Juízo das Execuções Penais.
É o voto.
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