Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 19/04/2010
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0005838-07.2006.4.03.6106/SP
2006.61.06.005838-1/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : PEDRO GREGUI
ADVOGADO : ONIVALDO PAULINO REGANIN e outro

EMENTA

PROCESSO PENAL - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - LEI 9.605/98, ARTIGOS 40 E 48 - REJEIÇÃO DA DENÚNCIA APENAS NO QUE TANGE AO CRIME CAPITULADO NO ARTIGO 40 DA LEI AMBIENTAL - MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADA - INDÍCIOS DE AUTORIA - DENÚNCIA INTEGRALMENTE RECEBIDA - RECURSO MINISTERIAL PROVIDO.
1. A denúncia ofertada às fls.02/03 atende aos requisitos previstos no artigo 41 do Código de Processo Penal. E não se vislumbra qualquer uma das hipóteses contidas no Código de Processo Penal, a justificar a sua rejeição parcial, no que diz respeito ao delito previsto no artigo 40 da Lei 9605/98.
2. A materialidade delitiva restou demonstrada através do Auto de Infração Ambiental (fl.11) e Termo de Embargo/Interdição (fl.12), e, principalmente, pelo Laudo de Exame para Constatação de Dano Ambiental de fls. 40/41, em que o perito ambiental ofereceu respostas aos quesitos formulados pela autoridade policial deprecante.
3. Também concluiu o laudo que o local onde se deram as edificações se situa em área de preservação permanente, localizada a margem esquerda da Usina Hidrelétrica de Água Vermelha, conforme se depreende da leitura às respostas aos quesitos 01 a 03 de fl. 40.
4. Por sua vez, o depoimento do acusado (fl. 37) dá conta de que ele é o proprietário do imóvel construído em área de preservação ambiental, utilizado para o seu lazer, o que se consubstancia em indício da autoria delitiva.
5. O delito previsto no artigo 40 da Lei 9.605/98 consistente em causar dano em área de preservação permanente é crime que se consuma com a degradação ambiental de determinada região.
6. É bem verdade que o laudo pericial elaborado nos autos não dá conta de quando as edificações foram levantadas. Também houve desmatamento e remoção da flora original, não havendo como precisar se a construção daquelas edificações foi diretamente responsável pelo desmatamento ou se este foi um evento muito anterior, não relacionado a ela.
7. De outro lado, não pode prosperar a fundamentação contida na sentença de primeiro grau no sentido de que, não tendo o laudo afirmado quando ocorreram as edificações, sendo o depoimento do proprietário o único documento que por ora permite esta conclusão, não se pode responsabilizar o réu pelo cometimento do delito.
8. Note-se que, prestando declarações à autoridade policial (fl. 37), o réu afirmou ter adquirido a propriedade em 1989, tendo-o adquirido do então proprietário, Hernandes Alves Santana, conforme comprova a cópia do compromisso particular de compra e venda (fl.38). No entanto alega que, na época da aquisição, desconhecia o fato de que a área era considerada de preservação ambiental permanente, e que não teve a intenção de causar dano ao meio ambiente, como também não teve conhecimento de que não poderia construir naquele local.
9. Assim, a conclusão de que o réu não foi o responsável pela prática delitiva é prematura e deve ser afastada.
10. Ora, considerando que o réu é possuidor do imóvel em questão e mantém as edificações presentes no local e lá elas permanecem até a presente data, conclui-se que há indícios de que ele foi o causador do dano ao meio ambiente, até porque a edificação em área de preservação permanente pressupõe ato antecedente gerador de dano direto à vegetação natural protegida por lei. E a manutenção da edificação impede (ou, ao menos dificulta) a regeneração da vegetação natural.
11. Destarte, as imputações contidas na denúncia (artigos 40 e 48 da Lei Ambiental) devem ser objeto de instrução processual, vez que tais condutas são, em tese, passíveis de punição.
12. E o Juízo a quo, ao rejeitar a denúncia no que tange ao crime capitulado no artigo 40 da Lei 9.605/98, extrapolou os limites da fase de prelibação, analisando profundamente as provas carreadas aos autos com a denúncia, provas estas que poderiam ser complementadas durante o trâmite do processo penal.
13. É sabido que, na fase do recebimento da denúncia, o principio jurídico "in dubio pro societate" deve prevalecer, devendo-se verificar a procedência da acusação e a presença de causas excludentes de antijuridicidade ou de punibilidade no decorrer da ação penal.
14. Recurso ministerial provido. Denúncia recebida também com relação ao delito previsto no artigo 40 da Lei 9605/98. Retorno dos autos ao juízo de origem para prosseguimento.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes os acima indicados, ACORDAM os Desembargadores da Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, nos termos do relatório e voto da Senhora Relatora, constantes dos autos, e na conformidade da ata de julgamento, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, por unanimidade, em dar provimento ao recurso ministerial, para receber a denúncia também no que diz respeito ao delito previsto no artigo 40 da Lei 9605/98, determinando o retorno dos autos ao Juízo de origem para que o feito tenha seu regular prosseguimento.

São Paulo, 05 de abril de 2010.
RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0005838-07.2006.403.6106/SP
2006.61.06.005838-1/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : PEDRO GREGUI
ADVOGADO : ONIVALDO PAULINO REGANIN e outro

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE:

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra a decisão proferida pelo MM. Juiz Federal da 4ª Vara de São José do Rio Preto - SP, que recebeu parcialmente a denúncia oferecida em face de PEDRO GREGUI, rejeitando-a quanto ao crime previsto no artigo 40 da Lei 9605/98, e acolhendo-a quanto ao crime previsto no artigo 48 da mesma lei supracitada.

Consta da denúncia que PEDRO GREGUI teria causado dano direto ao meio ambiente, mediante intervenção em área de preservação ambiental permanente (APP), localizada a margem do reservatório da Usina Hidrelétrica de Água Vermelha, no loteamento Água Azul, lote 3, mediante a manutenção de área de lazer - "rancho de veraneio", impedindo a regeneração natural da vegetação, no município de Cardoso/SP.

Assim, o réu foi denunciado como incurso nas penas dos artigos 40 e 48 do Código de Processo Penal (fls.02/03).

A fl. 59, o MM. Juiz de primeiro grau rejeitou parcialmente a inicial acusatória para afastar a incidência do crime tipificado no artigo 40 da Lei Ambiental, por não poder o denunciado responder por tal crime, pela ausência de prova da autoria delitiva, pois a construção ocorreu há mais de 15 anos, ou seja, bem antes do advento da Lei Ambiental, além do que o laudo pericial não menciona quando foram realizadas as construções, não havendo comprovação, nos autos, ou sequer indícios de que a destruição em decorrência das construções foi provocada pelo acusado. Entendeu, todavia, que ele pode sofrer a ação penal pela prática do delito previsto no artigo 48 da Lei Ambiental, que também lhe foi imputado pelo órgão acusador, por manter, atualmente, as edificações no local, na medida em que elas impedem a regeneração do meio ambiente.

Por outro lado, o Douto Magistrado recebeu a denúncia promovida contra o acusado, quanto ao crime capitulado no artigo 48 da mesma Lei Ambiental.

Inconformado, o Ministério Público Federal pugna pela reforma da decisão monocrática, argumentando, em apertada síntese que:

a)- não é apenas o ato de construir, no instante em que se edifica, que completa o núcleo do tipo do artigo 40 da Lei Ambiental, mas, sim a atividade antrópica, em área onde essa atividade não deveria existir, que causa o dano e completa o tipo penal;

b)- o momento da edificação é, no caso em tela, irrelevante para a imputação feita ao agente. A conduta relevante é a da intervenção antrópica em área de preservação permanente. A cada intervenção o agente danifica a área e realiza o tipo;

c)- não é apenas a edificação ou a impermeabilização do solo que causa o dano ambiental, mas a presença inadequada e constante de dejetos humanos e químicos, a manutenção do local para habitabilidade, com o uso de pesticidas e constante "limpeza" da vegetação circunvizinha (capina, roça, fogo, etc.). Tudo isso, sem falar no prejuízo causado à fauna terrestre e aquática. Conseqüentemente, a cada intervenção humana (não necessariamente a edificação), o infrator danifica a área e impede a regeneração natural da vegetação local;

d)- no presente caso, a edificação está a menos de 100 metros do reservatório da Usina Hidrelétrica de Água Vermelha, encontrando-se em área de preservação permanente, constando dos autos tratar-se de área destinada ao lazer, o que evidencia a presença e atividade humana em toda a área de proteção permanente, o que, de per si, causa dano ao meio ambiente;

e)- o recorrido vem causando dano a APP reiteradamente, com a simples manutenção de sua presença, causando diariamente dano direto a Unidade de Conservação;

f)- e não é só o ato de construir em área de preservação permanente que tipifica o delito do artigo acima mencionado, mas sim a intervenção antrópica indevida na área;

g)- e, por fim, alega que o delito em questão é permanente, e é em decorrência da vontade do agente que a ação danificadora se protrai no tempo (fls. 62/78).

Em contra-razões de recurso, a defesa do recorrido requereu o desprovimento do recurso, pugnando pela confirmação do "decisum" (fls. 88/97).

A decisão restou mantida, em sede de juízo de retratação (fl. 104).

Após, subiram os autos a esta E. Corte, onde o parecer do Ministério Público Federal é pelo provimento do recurso (fls. 107/112).

Dispensada a revisão, na forma regimental.

É O RELATÓRIO.



RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0005838-07.2006.403.6106/SP
2006.61.06.005838-1/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : PEDRO GREGUI
ADVOGADO : ONIVALDO PAULINO REGANIN e outro

VOTO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE:

A denúncia ofertada às fls.02/03 atende aos requisitos previstos no artigo 41 do Código de Processo Penal. E não se vislumbra qualquer uma das hipóteses elencadas no Código de Processo Penal, a justificar a sua rejeição parcial, no que diz respeito ao delito previsto no artigo 40 da Lei 9605/98.

Inicialmente, observo que a materialidade delitiva restou demonstrada através do Auto de Infração Ambiental (fl.11) e Termo de Embargo/Interdição (fl.12), e, principalmente, pelo Laudo de Exame para Constatação de Dano Ambiental de fls. 40/41, em que o perito ambiental ofereceu respostas aos quesitos formulados pela autoridade policial deprecante, do qual reproduzo os seguintes excertos, a esclarecer que:

Quesito 1 - Descrever a área definida no auto de infração e termo de embargo/interdição, cujas cópias seguem em anexo.
-A área que motivou a infração ambiental e que gerou o Auto de Infração(...), cujas cópias nos foram encaminhadas pelo expediente já referido, constitui-se de um lote no qual se edificou rancho para lazer, e onde se constatou intervenções não autorizadas em área de preservação permanente, contrariando-se a legislação vigente.(...)sendo identificado como o lote nº 3 do Loteamento Lago Azul, distante cerca de 2 Km da sede urbana, margem esquerda do Reservatório da UHE de Água Vermelha, município de Cardoso,SP.
Quesito 2 - A área descrita no item 1, é considerada de preservação permanente? Por quê?
Sim, a área em questão é considerada de preservação permanente, e desta forma, protegida por lei. As edificações ali encontradas e mantidas pelo infrator contrariam frontalmente a legislação em vigor, especialmente a alínea b do art. 2º da Lei nº 4.7771/65; o inciso V do § único do art. 3º da Lei nº 6.776/79; os artigos 38 e 70 da Lei nº 9.605/98, e o art. 1º, os incisos II e V do art. 2º e o inciso I do art. 3º da Resolução CONAMA nº 302/02.
Quesito 3 - Ocorreu, na área em questão, algum tipo de dano ao meio ambiente? Qual?
-A degradação ambiental, verificada no local, decorreu da ocupação de área de preservação permanente, portanto, protegida por lei, sem a prévia autorização do órgão ambiental competente. O infrator construiu nesta área um rancho de lazer, constituído por uma casa com 85,5 m2 e calçadas com 40,25 m2, perfazendo 125,75 m2 de edificações, bem como a ocupou irregularmente com vegetação inadequada, cercas e outros pequenos elementos, atingindo toda a área de preservação permanente referente ao lote, isto é, toda parcela de lote compreendida entre as linhas dos pontos de cota igual à cota máxima normal de operação do reservatório e uma linha paralela a essa, à 100,0 metros de distância, impedindo dessa forma a sua regeneração.

Também concluiu o laudo que o local onde se deram as edificações se situa em área de preservação permanente, localizada a margem esquerda da Usina Hidrelétrica de Água Vermelha, conforme se depreende da leitura às respostas aos quesitos 01 a 03 de fl. 40.

Por sua vez, o depoimento do acusado (fl. 37) dá conta de que ele é o proprietário do imóvel construído em área de preservação ambiental, utilizado para seu lazer, o que se consubstancia em indício da autoria delitiva.

E, não se pode deixar de dar razão ao Ministério Público Federal, quando afirma, às fls. 66//67, em suas razões recursais:

"(...)O Recorrido vem, assim, causando dano à APP reiteradamente, com a simples manutenção de sua presença. Causa, portanto, diariamente, dano direto a Unidade de Conservação. Tanto assim que, em 23 de março de 2006, agentes do IBAMA autuaram o Recorrido, e encaminharam cópia da autuação a esta Procuradoria da República, visto que a área é de interesse da União (art. 20, inciso III,CF). Portanto, não é o ato de construir em área de preservação permanente que tipifica o artigo acima mencionado, mas sim a intervenção antrópica indevida na área."

Por outro lado, verifico que o MM Juiz de primeiro grau afastou a suposta autoria delitiva, imputada ao réu, sob os seguintes argumentos:

"(...)Formulada com lastro na Lei 9605/98, a denúncia indica que a propriedade do réu está em área de preservação ambiental. Contudo observo que a construção ocorreu há mais de 15 anos (fls.37), portanto bem antes da entrada em vigor da legislação ambiental supra mencionada. Aliás, o laudo não menciona a idade das construções, sendo o depoimento do proprietário o único documento que por ora permite essa conclusão. O crime em questão - destruição do meio ambiente - é de consumação imediata, embora seus efeitos possam se protrair no tempo. Assim, sendo, como a legislação penal não pode retroagir para prejudicar o réu, descabida a imputação feita em relação à destruição decorrente da construção. (...)Assim sendo, rejeito a denúncia quanto ao crime previsto no artigo 40 considerando ser o fato narrado na inicial anterior à legislação penal invocada (...)."

O delito previsto no artigo 40 da Lei 9.605/98 consistente em causar dano em área de preservação permanente é crime instantâneo que se consuma com a degradação ambiental de determinada região.

É bem verdade que o laudo pericial elaborado nos autos não dá conta de quando as edificações foram levantadas. Também houve desmatamento e remoção da flora original, não havendo como precisar se a construção daquelas edificações foi diretamente responsável pelo desmatamento ou se este foi um evento muito anterior, não relacionado a ela.

De outro lado, não pode prosperar a fundamentação contida na sentença de primeiro grau no sentido de que, não tendo o laudo afirmado quando ocorreram as edificações, sendo o depoimento do proprietário o único documento que por ora permite esta conclusão, não se pode responsabilizar o réu pelo cometimento do delito.

Note-se que, prestando declarações à autoridade policial (fl. 37), o réu afirmou ter adquirido a propriedade em 1989, tendo-o adquirido do então proprietário, Hernandes Alves Santana, conforme comprova a cópia do compromisso particular de compra e venda (fl.38). No entanto, alega que, na época da aquisição, desconhecia o fato de que a área era considerada de preservação ambiental permanente, e que não teve a intenção de causar dano ao meio ambiente, como também não teve conhecimento de que não poderia construir naquela área.

Assim, a conclusão de que o réu não foi o responsável pela prática delitiva é prematura e deve ser afastada.

Ora, como sabe, não se pode afastar, por ora, a possibilidade de ser o réu o autor do delito, dada a existência de incerteza quanto à data da edificação.

E, como bem colocado pelo parquet, em suas razões recursais, a simples permanência do recorrido em área de preservação permanente, mantendo o imóvel, limpando o terreno, impermeabilizando o solo, plantando gramíneas, de forma contínua, faz com que a consumação do crime de impedir ou dificultar a regeneração natural da área por meio de seu próprio banco de sementes (artigo 48) não cesse enquanto a área não for desocupada. E, da mesma forma, se houve intervenção humana na APP houve dano ambiental, com a consumação da conduta delituosa (artigo 40).

Ora, considerando que o réu é possuidor do imóvel em questão e mantém as edificações presentes no local e lá elas permanecem até a presente data, conclui-se que há indícios de que ele foi o causador do dano ao meio ambiente, até porque a edificação em área de preservação permanente pressupõe ato antecedente gerador de dano direto à vegetação natural protegida por lei. E a manutenção da edificação impede (ou, ao menos dificulta) a regeneração da vegetação natural.

Destarte, as imputações contidas na denúncia (artigos 40 e 48 da Lei Ambiental) devem ser objeto de instrução processual, vez que tais condutas são, em tese, passíveis de punição.

Rezam os artigos 40 e 48 da Lei 9605/98:

"Art. 40. Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localização:
 Pena - reclusão, de um a cinco anos."
 "Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação:
 Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa."

Como acima já se aludiu, a edificação em área de preservação permanente pressupõe ato antecedente gerador de dano direto a vegetação natural protegida por lei. Por outro lado, a manutenção da edificação impede (ou, ao menos, dificulta) a regeneração da vegetação natural.

Portanto, há, em tese, subsunção das condutas imputadas ao réu aos tipos penais acima citados.

E o Juízo a quo, ao rejeitar a denúncia no que tange ao crime capitulado no artigo 40 da Lei 9.605/98, extrapolou os limites da fase de prelibação, analisando profundamente as provas carreadas aos autos com a denúncia, provas estas que poderiam ser complementadas durante o trâmite do processo penal.

Ensina Fernando Capez:

"Caso o fato narrado aparentemente configure fato típico e ilícito, a denúncia deve ser recebida, pois, nessa fase, há mero juízo de prelibação. O juiz não deve efetuar um exame aprofundado de prova, deixando para enfrentar a questão por ocasião da sentença. A existência ou não de crime passará a constituir o próprio mérito da demanda, e a decisão fará, por conseguinte, coisa julgada material" (Curso de Processo Penal, fls. 128/129, 4ª edição, revista, 1999, Ed. Saraiva).

Nesse mesmo sentido, temos os seguintes julgados do E. Superior Tribunal de Justiça:

"PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO. DE HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. FALTA DE JUSTA CAUSA. IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO.
1. Não é necessário a lavratura de termo circunstanciado ou procedimento administrativo para iniciar a ação penal nos juizados especiais criminais, quando Parquet conta com elementos suficientes a embasar a peça acusatória;
2. Quando na denúncia narra-se vários fatos atribuindo-os de maneira particularizada às pessoas neles envolvidas e, por outro lado, acompanhada de documentos que os demonstram, não há que se falar que seja inepta ou que inexiste justa causa para a ação penal;
3. O delito descrito no art. 48, Lei 9.605/98, pode ser instantâneo ou permanente, como também comissivo ou omissivo, conforme a conduta criminosa que se pratica;
4. Recurso improcedente".
(SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS - 16171 - Processo: 200400766560 UF: SP - Órgão Julgador: SEXTA TURMAData da decisão: 25/06/2004 - Relator Paulo Medina)
"CRIMINAL. HC. EXTRAÇÃO DE AREIA SEM AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO COMPETENTE COM FINALIDADE MERCANTIL USURPAÇÃO X EXTRAÇÃO. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. INOCORRÊNCIA. CONCURSO FORMAL. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO-EVIDENCIADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO-DEMONSTRADO. ORDEM DENEGADA.
I - O art. 2º da Lei 8.176/91 descreve o crime de usurpação, como modalidade de delito contra o patrimônio público, consistente em produzir bens ou explorar matéria-prima pertencente à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo. Já o art. 55 da Lei 9.605/98 descreve delito contra o meio-ambiente, consubstanciado na extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida.
II - Noticiada a existência de crime em tese, bem como indícios de autoria há necessidade de apuração a respeito do ocorrido, o que só será possível no transcurso da respectiva ação penal, sendo despicienda a alegação de isenção de apresentação de licença ambiental para exploração de areia.
III - A falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhecida quando, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, evidenciar-se a atipicidade do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade.
IV - Ordem denegada."
(SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - HABEAS CORPUS - 30852 - Processo: 200301769048 - UF: SP - Órgão Julgador: QUINTA TURMA Data da decisão: 13/04/2004 - Relator Gilson Dipp)
"PENAL. HC. CRIME AMBIENTAL. PESCA DE CAMARÕES DURANTE PERÍODO DE REPRODUÇÃO DA ESPÉCIE. INSIGNIFICÂNCIA DA CONDUTA. INOCORRÊNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA DE PLANO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE AUTORIA E MATERIALIDADE. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. ILEGALIDADES NÃO-DEMONSTRADAS DE PRONTO. ORDEM DENEGADA.
I - A quantidade de pescado apreendido não desnatura o delito descrito no art. 34 da Lei 9.605/98, que pune a atividade durante o período em que a pesca seja proibida ou em locais interditados, exatamente a hipótese dos autos, em que a pesca do camarão se deu em época de reprodução da espécie.
II - Não pode ser considerada quantidade insignificante a pesca de noventa quilos de camarão.
III - Eventual inépcia da denúncia só pode ser acolhida quando demonstrada inequívoca deficiência a impedir a compreensão da acusação, em flagrante prejuízo à defesa dos acusados, ou na ocorrência de qualquer das falhas apontadas no art. 43 do CPP - o que não se vislumbra in casu.
IV - A negativa de autoria, bem como a alegação de ausência de elementos à demonstração da materialidade do delito são questões que devem ser analisadas no âmbito da instrução criminal, ocasião em que é possível a ampla dilação de fatos e provas, quando a paciente poderá argüir todos os fundamentos que considerar relevantes para provar a inexistência de configuração da autoria, da materialidade do crime.
V - A falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhecida quando, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, evidenciar-se a atipicidade do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade, hipóteses não verificadas in casu.
VI - Ordem denegada. (grifo nosso)
(SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - HABEAS CORPUS - 38682 - Processo: 200401396346 - UF: SP Órgão Julgador: QUINTA TURMA - Data da decisão: 03/02/2005 - Relator Gilson Dipp).

Deste modo, na fase do recebimento da denúncia, o principio jurídico "in dubio pro societate" deve prevalecer, devendo-se verificar a procedência da acusação e a presença de causas excludentes de antijuridicidade ou de punibilidade no decorrer da ação penal.

Nesse sentido, já se posicionou esta Turma, quando do julgamento do Recurso em Sentido Estrito interposto no Processo nº 1999.61.07.002716-7, da lavra desta Relatora, cuja a ementa transcrevo:

"PROCESSO PENAL - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - LEI 9.605/98, ARTIGO 34, caput - REJEIÇÃO DA DENÚNCIA - ARTIGO 43, INCISO III DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADA - INDÍCIOS DE AUTORIA - DENÚNCIA RECEBIDA - RECURSO PROVIDO - DECISÃO REFORMADA.
1. A materialidade delitiva restou comprovada através do auto de infração lavrado pelo IBAMA (fls. 11) e o laudo de dano ambiental também lavrado pelo IBAMA (fls. 34/35).
2. Há indícios de autoria, conforme boletim de ocorrência (fls. 10) e Ofício nº 2º BPFM-085/103/99 (fls.09) que permitem a identificação do réu, como parte passiva na ação penal a ser instaurada.
3. Pela leitura dos artigo 34 e 36 da Lei 9605/98 verifica-se a vontade do legislador de tipificar a conduta imputada ao indiciado que, segundo os depoimentos dos policiais militares (fls. 32/33), encontrava-se a pescar com caniço de bambu próximo à jusante do Rio Tietê.
4. Quanto as alegações do indiciado de que sua conduta não passara dos atos preparatórios, a fase de investigação policial é de caráter inquisitivo, reservando-se o contraditório para a fase judicial.
5. É sabido que, na fase do recebimento da denúncia, o principio jurídico "in dubio pro societate" deve prevalecer, devendo-se verificar a procedência da acusação e a presença de causas excludentes de antijuridicidade ou de punibilidade no decorrer da ação penal.
8. Recurso ministerial provido. Decisão reformada" (grifos nossos).

Diante do exposto, dou provimento ao recurso ministerial, para receber a denúncia também quanto ao delito previsto no artigo 40 da Lei 9.605/98, retornando os autos ao Juízo de origem, para regular prosseguimento.

É COMO VOTO.



RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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