Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 29/03/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002285-57.2012.4.03.6100/SP
2012.61.00.002285-0/SP
RELATORA : Desembargadora Federal CONSUELO YOSHIDA
APELANTE : ENOB AMBIENTAL LTDA
ADVOGADO : SP163665 RODRIGO BRANDAO LEX e outro(a)
APELADO(A) : Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis IBAMA
PROCURADOR : SP202700 RIE KAWASAKI e outro(a)
No. ORIG. : 00022855720124036100 17 Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

AMBIENTAL. PROCESSUAL CIVIL. IBAMA. INOCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. AUTORIZAÇÃO AMBIENTAL. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. ATERRO SANITÁRIO. MULTA INDEVIDA. BIS IN IDEM.
1. Afastada a preliminar de cerceamento de defesa, pelo indeferimento do pedido de oitiva de testemunhas, uma vez que o CPC consagra o juiz como condutor do processo, cabendo a ele analisar a necessidade da dilação probatória, conforme os artigos 125, 130 e 131 do CPC/73, vigentes à época da prolação da sentença, bem como dos arts. 139, 370 e 371 do CPC/15.
2. O magistrado, considerando a matéria impugnada, pode indeferir a realização da prova, por entendê-la desnecessária ou impertinente, entendimento corroborado nesta análise, não tendo ocorrido o cerceamento de defesa.
3. Cabia à Municipalidade de Cotia a obtenção das licenças ambientais, junto à CETESB, para a construção, instalação e funcionamento do Aterro Sanitário Municipal de Cotia, o que não foi feito oportunamente.
4. Após funcionamento irregular, sem autorizações ou licenças, há notícia de que o licenciamento ambiental estava sendo executado junto à CETESB (Processo nº 18.902/02), com tratativas para a celebração de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, o qual também não foi efetivado, por não dispor a Municipalidade de recursos financeiros para cumprimento das condições nele previstas.
5. Em 27 de novembro de 2003, a Prefeitura de Cotia foi autuada pela Polícia Militar Ambiental, conforme AI nº 156.080, série "A", por exercer atividade potencialmente degradadora do meio ambiente, ao depositar resíduos sólidos (lixo sanitário, proveniente do município), sem licença ambiental, exigível em desobediência ao que estabelece o art. 10 da Lei Federal 6.938/81, em área correspondente a 6,0 ha, com aplicação de multa.
6. A Municipalidade encaminhou ao IBAMA a documentação do aterro, informando que o licenciamento ambiental estava sendo providenciado junto à CETESB, órgão competente para tanto; que a Secretaria de Finanças da Prefeitura de Cotia havia concluído pela inexistência de recursos para o cumprimento de todas as condições previstas na minuta do TAC; sugeriu melhor equacionamento das exigências, para viabilidade do Município assumir os compromissos; mencionou a existência de contrato com a ENOB Ambiental Ltda., em 13/09/20002, com a previsão de obras de recuperação ambiental.
7. A ENOB foi vencedora da Concorrência Pública nº 003/02, processo 5.181/02, tendo firmado o Contrato DCCF nº 100/02 com a Prefeitura do Município de Cotia, em 13/09/2002, para a prestação de serviços integrados de limpeza urbana no Município, execução das obras de recuperação ambiental e encerramento do atual aterro sanitário.
8. Diante dos fatos acima relatados e pela Prefeitura não ter regularizada a licença ambiental do aterro sanitário, o IBAMA concluiu pelo prosseguimento da fiscalização, autuando a Prefeitura, em 16/02/2004 (AI 262.747, série "D"), com fundamento nos arts. 60 e 70 da Lei Federal nº 9.605/98 e arts. 2º, VII e 44 do antigo Decreto Federal 3.179/99; foi-lhe aplicada a multa de R$500.000,00 (quinhentos mil reais), código 614001.
9. Na mesma data, 16022004, a ENOB foi também autuada, AI 262.794, série "D", sob fundamento, espécie e cominação idênticos, pela infração dos arts. 60 e 70 da Lei Federal 9.605/98 e arts. 2º, VII e 44 do Decreto Federal 3.179/99, código da multa 61.4001, no valor de R$500.000,00 (fls. 85).
10. O art. 3º da Lei nº 6.938/81 (Política Nacional de Meio Ambiente), que define em seu inciso IV o conceito de "poluidor", como sendo: a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.
11. A responsabilidade civil do poluidor pelos danos causados é objetiva, sendo elogiada e muito avançada a disposição a respeito contemplada na Lei 6.938/81: Sem obstar a aplicação das penalidades contidas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade (Art. 14, §1º ).
12. Além de objetiva, a responsabilidade civil ambiental é solidária; a solidariedade passiva é um benefício instituído a favor do credor, que pode escolher um dos devedores solidários e dele exigir a reparação integral do dano, podendo, regressivamente, cobrar a cota parte dos demais codevedores.
13. No caso em análise, não está em discussão a responsabilidade na seara civil, em que são cabíveis, cumulativamente, a reparação específica e a indenização em dinheiro, por danos ao meio ambiente e às vítimas.
14. A discussão é em torno da multa administrativa imposta e cobrada tanto da Prefeitura quanto da concessionária envolvendo os mesmos fatos e a mesma infração.
15. Por expressa previsão art. 72, §3º ,da Lei 9.605/98, a aplicação da multa simples, que é a hipótese dos autos, depende da aferição do dolo ou culpa, não se podendo falar em responsabilidade objetiva nesta hipótese específica.
16. A Municipalidade foi autuada primeiramente pela Polícia Militar Ambiental e por determinação desta Relatora, a ENOB depositou o valor da multa nos autos do AI nº 2012.03.00.008491-8, por ela também interposto.
17. Há vedação ao bis in idem, como se depreende das disposições tanto do art. 76 da Lei 9.605/98 (lei de crimes e infrações administrativas ambientais) como no art. 17 e §3º da LC 140/2011. De acordo com esta última, deve prevalecer a multa estabelecida pelo órgão competente para o licenciamento ambiental, no caso, a multa imposta pela Polícia Militar Ambiental.
18. A autuação imposta pelo IBAMA à ENOB é indevida e não deve subsistir, restando configurada a situação de bis in idem.
19. Deve ser enfatizado que os critérios para aplicação da sanção de multa são estabelecidos no art. 6º, da Lei 9.605/98. Não houve justificativa, com base neste dispositivo legal, para aplicação do valor da multa administrativa em montante tão elevado.
20. A apelação deve ser provida, para reformar a r. sentença quanto ao mérito, para acolher apenas o pedido de anulação e desconstituição de todos os efeitos do auto de infração nº 262.794 e da certidão de dívida ativa, bem como determinar a exclusão da requerente do CADIN, pelo alegado motivo, restando prejudicada análise dos pedidos sucessivos.
21. Matéria preliminar rejeitada e Apelação parcialmente provida.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar e, por maioria, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 14 de março de 2017.
Consuelo Yoshida
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): CONSUELO YATSUDA MOROMIZATO YOSHIDA:10040
Nº de Série do Certificado: 184B8983BD7264E5
Data e Hora: 16/03/2017 19:02:08



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002285-57.2012.4.03.6100/SP
2012.61.00.002285-0/SP
RELATORA : Desembargadora Federal CONSUELO YOSHIDA
APELANTE : ENOB AMBIENTAL LTDA
ADVOGADO : SP163665 RODRIGO BRANDAO LEX e outro(a)
APELADO(A) : Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis IBAMA
PROCURADOR : SP202700 RIE KAWASAKI e outro(a)
No. ORIG. : 00022855720124036100 17 Vr SAO PAULO/SP

DECLARAÇÃO DE VOTO

Foi lavrado pelo IBAMA contra a Prefeitura Municipal de Cotia o Auto de Infração de nº 262.747, série "D", tendo por fundamento os arts. 60 e 70 da Lei Federal nº 9.605/98 e arts. 2º, VII e 44º do antigo Decreto Federal 3.179/99, aplicando-lhe a multa de R$500.000,00 (quinhentos mil reais), por "instalar e funcionar estabelecimento, serviços potencialmente poluidores (lixão) sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, situada na antiga estrada do Caputera, 1981, no município de Cotia, nas coordenadas 23K 0303787 UTM 7381407", bem como foi formalizado Termo de Embargo/Interdição 181464, série "C", constando em ambos a mesma autuada.

Isso está correto à luz do § 6º do art. 37 da CF (responsabilidade extracontratual do poder público, aqui no plano de lesão ambiental), do art. 14, § 1º da Lei n.º 6.938/81 e do art. 3º dessa Lei nº 6.938/81, que define em seu inciso IV o conceito de "poluidor", como sendo "a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental".

Mas também está correto punir - pelo mesmo fundamento - a empresa que executou a obra altamente degradadora do meio ambiente, que lhe foi cometida pelo Município.

Isso justamente porque, como dito pela e. relatora, a responsabilidade por dano ambiental é OBJETIVA (art. 14, § 1º da Lei n.º 6.938/81), bastante apurar-se a autoria, a lesão e o nexo causal. Salta aos olhos que está correto punir o Município que encomendou o "lixão" poluidor e também A EMPRESA que, a mando dele e recebendo como contrapartida recursos públicos, executou a obra poluidora. A propósito, há muito tempo o STJ já verbalizou que "Tratando-se de direito difuso, a reparação civil ambiental assume grande amplitude, com profundas implicações na espécie de responsabilidade do degradador que é objetiva, fundada no simples risco ou no simples fato da atividade danosa, independentemente da culpa do agente causador do dano" (REsp 1165281, j. 6/5/2010, re. Min. Eliana Calmon). Ou seja, verificado o dano ambiental, as consequências da ação ou omissão serão impostas objetivamente a quem as praticou.

Salta aos olhos que não ocorreu "bis in idem", pois essa figura aconteceu quando se pune UMA MESMA pessoa física ou jurídica pelo mesmo fato; aqui, o IBAMA puniu OS DOIS POLUIDORES, o Município e a empresa contratada para executar a obra poluidora, o que está corretíssimo no cenário - destacado pela e. relatora - de responsabilidade objetiva pelo dano ambiental, que, por sinal, é também solidária e nesse ponto, solidariedade na reparação, cai por terra o argumento do voto - que nem está em causa na demanda - no sentido de que o Município poderia entrar com ação de regresso contra a empresa para se ressarcir da multa (aliás, seria hilariante ver o Município que contrata uma empresa para realizar obra poluidora procurar receber dela a multa imposta justamente porque a obra foi realizada conforme ordenado no contrato administrativo...).

Com o máximo respeito, penso que o r. voto está conflitando com o § 3º do art. 225 da CF/88, o qual dispõe que "...As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independente da obrigação de reparar os danos causados"; ou seja, a responsabilização - segundo a Constituição - é de todo aquele que causar o dano ambiental.

Se a empresa ENOB AMBIENTAL LTDA realizou materialmente a obra ("lixão") é evidente que deve ser apenada por isso na seara administrativa, ao lado do poder público municipal que lhe cometeu a tarefa ultrajante. Assim, ao contrario da e. relatora, entendo que a autuação ora questionada é, de fato e de direito, plenamente válida, corretamente direcionada contra a empresa que materialmente provocou o dano ambiental, salientando que nem de longe o caso é de bis in idem porque o que aconteceu é que OS DOIS RESPONSÁVEIS pelo "lixão", o Município e a empresa que o fêz, estão sentido multadas.

Quanto a discussão sobre o valor da multa, não há um sinal sequer, nos autos, a demonstrar que houve violação do princípio da proporcionalidade.

Destarte, rejeito a matéria preliminar e nego provimento à apelação.



Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO:10042
Nº de Série do Certificado: 172FB228704EFD
Data e Hora: 01/03/2017 17:22:07



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002285-57.2012.4.03.6100/SP
2012.61.00.002285-0/SP
RELATORA : Desembargadora Federal CONSUELO YOSHIDA
APELANTE : ENOB AMBIENTAL LTDA
ADVOGADO : SP163665 RODRIGO BRANDAO LEX e outro(a)
APELADO(A) : Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis IBAMA
PROCURADOR : SP202700 RIE KAWASAKI e outro(a)
No. ORIG. : 00022855720124036100 17 Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA (RELATORA):

Trata-se de apelação em sede de ação anulatória cumulada com obrigação de não fazer, pelo rito ordinário, com pedido de tutela antecipada, objetivando a anulação e desconstituição de todos os efeitos do auto de infração nº 262.794 e da certidão de dívida ativa, bem como determinar a exclusão da requerente do CADIN.

Afirma a autora, empresa que se dedica à atividade de prestação de serviços de saneamento urbano e rural, urbanismo, coleta, transporte e destinação final de resíduos sólidos, varrição, limpeza e conservação de logradouros públicos e áreas verdes, construção, administração, operação e manutenção de usinas de tratamento de lixo, fabricação de produtos derivados da reciclagem e compostagem de lixo e a comercialização dos mesmos, construção, operação e manutenção de incineradores, desinfetadores de todo e qualquer tipo de lixo orgânico, industrial, inerte ou não, que se encontra inscrita no Cadastro Técnico Federal (CTF) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, sob nº 59561, exercendo regularmente suas atividades desde a sua constituição.

Sustenta ter participado do processo de licitação da Prefeitura do Município de Cotia, obtendo a concessão do serviço público de limpeza urbana municipal, bem como da execução das obras de recuperação ambiental e encerramento do aterro sanitário do Município. Encaminhou, então, planilhas e documentos necessários para a realização das primeiras obras de recuperação, não tendo, no entanto, obtido qualquer resposta da Prefeitura, vindo a realizar, às suas próprias expensas, algumas obras que considerava indispensáveis, naquele momento, para evitar a ocorrência de dano ambiental, demonstrando, assim, a sua boa-fé e a preocupação ambiental.

Em 27 de novembro de 2003, a Prefeitura de Cotia foi autuada pela Polícia Militar Ambiental, conforme auto de infração nº 156.080, série "A", por exercer atividade potencialmente degradadora do meio ambiente ao depositar resíduos sólidos (lixo sanitário, proveniente do município), sem licença ambiental, exigível em desobediência ao que estabelece o art. 10 da Lei Federal 6.938/81, em área correspondente a 6,0 ha. Foi então aplicada multa no valor de R$3.672,23 (Três mil, seiscentos e setenta e dois reais e vinte e três centavos)

A Prefeitura do Município de Cotia também foi notificada (Notificação 253887, série B) por agentes de fiscalização da Superintendência do IBAMA em São Paulo, 26/11/2003, a fim de que apresentasse autorização e/ou licenciamento ambiental do aterro sanitário, tendo encaminhado a documentação do Aterro Sanitário Municipal de Cotia informando que o Licenciamento Ambiental estava sendo providenciado junto à CETESB, processo 18.902 existindo, ainda, tratativas para o estabelecimento do Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, tendo, à época, a Secretaria de Finanças da Prefeitura, concluído pela possibilidade de inexistência de recursos para o cumprimento de todas as condições previstas na minuta do TAC, sugerindo a definição melhor equacionada das exigências contidas no Termo, para a análise da possibilidade econômica do Município assumir os compromissos previstos no TAC, mencionando a existência paralela de contrato com a empresa ENOB Ambiental Ltda., com a previsão de obras de recuperação ambiental.

Alega que à época, foi proposto pela autora e aceito pela Prefeitura contratante, a continuidade da coleta e disposição do lixo em outro local, custeado pela requerente, para evitar a situação de calamidade no Município.

Em 16/02/2014, foi lavrado o Auto de Infração e Termo de Embargo da atividade referente ao aterro sanitário supostamente irregular no Município de Cotia, sob nº 262.794, série "D", tendo por fundamento os arts. 60 e 70 da Lei Federal nº 9.605/98 e 2º, VII e 44º do antigo Decreto Federal 3.179/99, aplicando-se multa de R$500.000,00 (quinhentos mil reais) à autora, por "fazer funcionar serviços potencialmente poluidores (lixão, aterro de resíduos inertes e não inertes) sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, nas coordenadas 23K 0303787 UTM 7381407", lavrando-se outro Auto de Infração nº 262.747, série "D", em face da Prefeitura Municipal de Cotia, restando suspensas as atividades no local, conforme Termo de Embargo/Interdição n 181.464, série "C", aplicando a mesma cominação.

As defesas administrativas apresentadas pela requerente foram indeferidas.

Aduz, assim, a ilegalidade da aplicação de três sanções administrativas pecuniárias decorrentes do mesmo fato, caracterizando a ocorrência do bis in idem; que a total responsabilidade pela obtenção de licenças e autorizações para o Aterro Sanitário compete à Prefeitura do Município de Cotia, não tendo existido qualquer situação decorrente de dolo ou culpa por parte da autora, sendo certo que a responsabilidade administrativa ambiental é subjetiva, salientando que no contrato firmado com a Prefeitura não foi estabelecida a responsabilidade pelo licenciamento ambiental do aterro sanitário. Sustenta, ainda, a fixação da multa em valor excessivo, que não guarda correspondência com as reais consequências ambientais da intervenção, considerando que a autora é primária e sua conduta não causou danos ambientais, tendo havido ofensa aos princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade. Alega a nulidade do auto de infração, pela falta de legalidade, por ausência de motivação, tratando-se de vício insanável.

Da decisão que indeferiu o pedido de antecipação de tutela foi interposto o agravo de instrumento nº 2012.03.00.008491-8, no qual foi deferido parcialmente o efeito suspensivo pleiteado para autorizar a agravante o depósito judicial do montante da multa aplicada pela Polícia Militar Ambiental, devidamente atualizada, para obstar a cobrança judicial do débito antes do final da demanda.

O r. Juízo a quo julgou improcedente o pedido, oportunidade em que condenou a autora ao pagamento da verba honorária, arbitrada em cinco mil reais.

Apelou a autora, requerendo, preliminarmente, a anulação da sentença, em face da ocorrência de cerceamento de defesa, em face do indeferimento da produção de prova testemunhal. Sustentam a ocorrência de bis in idem, diante da inexistência de diversidade de infrações decorrentes de infração permanente; a responsabilidade exclusiva da Prefeitura do Município de Cotia, não tendo havido dolo ou culpa da autora, conforme contrato entre as partes, bem como diante da responsabilidade administrativa ambiental do tipo subjetiva; o valor excessivo da multa aplicada, ofendendo os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade; a nulidade do auto de infração pela carência de motivação legal e de fato.

Da decisão que recebeu o recurso em ambos os efeitos, foi interposto o agravo de instrumento nº 0001416-56.2014.4.03.0000, pela autora, no qual foi deferido o pedido de efeito suspensivo ativo ao apelo, com a finalidade de manter a suspensão da exigibilidade da multa em questão, até o julgamento do recurso.

Sem contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.

É o relatório.


Consuelo Yoshida
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): CONSUELO YATSUDA MOROMIZATO YOSHIDA:10040
Nº de Série do Certificado: 184B8983BD7264E5
Data e Hora: 21/02/2017 19:18:03



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002285-57.2012.4.03.6100/SP
2012.61.00.002285-0/SP
RELATORA : Desembargadora Federal CONSUELO YOSHIDA
APELANTE : ENOB AMBIENTAL LTDA
ADVOGADO : SP163665 RODRIGO BRANDAO LEX e outro(a)
APELADO(A) : Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis IBAMA
PROCURADOR : SP202700 RIE KAWASAKI e outro(a)
No. ORIG. : 00022855720124036100 17 Vr SAO PAULO/SP

VOTO

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA (RELATORA):


Inicialmente, afasto a preliminar de cerceamento de defesa, pelo indeferimento do pedido de oitiva de testemunhas, uma vez que o Código de Processo Civil consagra o juiz como condutor do processo, cabendo a ele analisar a necessidade da dilação probatória, conforme os artigos 125, 130 e 131 do CPC/73, vigentes à época da prolação da sentença, bem como dos arts. 139, 370 e 371 do CPC/15.

Desta forma, o magistrado, considerando a matéria impugnada, pode indeferir a realização da prova, por entendê-la desnecessária ou impertinente, entendimento corroborado nesta análise, não tendo ocorrido cerceamento de defesa.

Passo, assim, à análise do mérito.

Como se verifica da análise dos autos, cabia à Municipalidade de Cotia a obtenção das licenças ambientais, junto à CETESB, para a construção, instalação e funcionamento do Aterro Sanitário Municipal de Cotia, o que não foi feito oportunamente.

Aliás, nos autos do Inquérito Policial nº 723/04, já arquivado, a Prefeitura assumiu a responsabilidade pela obtenção das autorizações ou licenças ambientais necessárias (fls. 210).

Após funcionamento irregular, sem autorizações ou licenças, há notícia de que o licenciamento ambiental estava sendo executado junto à CETESB (Processo nº 18.902/02), com tratativas para a celebração de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, o qual também não foi efetivado, por não dispor a Municipalidade de recursos financeiros para cumprimento das condições nele previstas (fls. 64/83).

Em 27 de novembro de 2003, a Prefeitura de Cotia foi autuada pela Polícia Militar Ambiental, conforme AI nº 156.080, série "A", por exercer atividade potencialmente degradadora do meio ambiente, ao depositar resíduos sólidos (lixo sanitário, proveniente do município), sem licença ambiental, exigível em desobediência ao que estabelece o art. 10 da Lei Federal 6.938/81, em área correspondente a 6,0 ha, aplicando-se, então, a multa, no valor de R$3.672,23 (Três mil, seiscentos e setenta e dois reais e vinte e três centavos) (fls. 62).

A Prefeitura também foi notificada (Notificação 253887, série B), por agentes de fiscalização da Superintendência do IBAMA em São Paulo, em 26/11/2003, a fim de que apresentasse a autorização e/ou o licenciamento ambiental do aterro sanitário (fls. 63).

A Municipalidade encaminhou ao IBAMA a documentação do aterro, informando que o licenciamento ambiental estava sendo providenciado junto à CETESB, órgão competente para tanto; que a Secretaria de Finanças da Prefeitura de Cotia havia concluído pela inexistência de recursos para o cumprimento de todas as condições previstas na minuta do TAC; sugeriu melhor equacionamento das exigências, para viabilidade do Município assumir os compromissos; mencionou a existência de contrato com a ENOB Ambiental Ltda., em 13/09/2002, com a previsão de obras de recuperação ambiental do aterro sanitário (fls. 64/83).

A ENOB foi vencedora da Concorrência Pública nº 003/02, processo 5.181/02, tendo firmado o Contrato DCCF nº 100/02 com a Prefeitura do Município de Cotia, na data acima indicada, para a prestação de serviços integrados de limpeza urbana no Município, execução das obras de recuperação ambiental e encerramento do atual aterro sanitário.

Diante dos fatos acima relatados e em razão da Prefeitura não ter regularizado o licenciamento ambiental do aterro sanitário, o IBAMA concluiu pelo prosseguimento da fiscalização, autuando a Prefeitura, em 16/02/2004 (AI 262.747, série "D"), com fundamento nos arts. 60 e 70 da Lei Federal nº 9.605/98 e arts. 2º, VII e 44 do antigo Decreto Federal 3.179/99; foi-lhe aplicada a multa de R$500.000,00 (quinhentos mil reais), código 614001, por instalar e funcionar estabelecimento, serviços potencialmente poluidores (lixão) sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, situada na antiga estrada do Caputera, 1981, no município de Cotia, nas coordenadas 23K 0303787 UTM 7381407; e lavrou também o Termo de Embargo/Interdição 181464, série "C" (fls. 86/87).

Na mesma data, 16/02/2004, a ENOB foi também autuada (AI 262.794, série "D"), sob fundamento, espécie e cominação idênticos, nos seguintes termos: Fazer funcionar serviços potencialmente poluidores (LIXÃO, aterro de resíduos inertes e não inertes) sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, nas coordenadas 23k 0303787 UTM 7381407, pela infração dos arts. 60 e 70 da Lei Federal 9.605/98 e arts. 2º, VII e 44 do Decreto Federal 3.179/99, código da multa 61.4001, no valor de R$500.000,00 (fls. 85).

Para a análise da questão, importa destacar, de início, o art. 3º da Lei 6.938/81 (Política Nacional de Meio Ambiente), que define, em seu inciso IV, o conceito de "poluidor": pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.

Por sua vez, a Constituição Federal/88 deixa clara a tríplice responsabilidade do poluidor, por danos ambientais, abrangendo as esferas civil, administrativa e penal, de forma cumulativa, a saber: Art. 225, §3º : As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

A responsabilidade civil do poluidor pelos danos causados é objetiva, sendo elogiada e muito avançada a disposição a respeito contemplada na Lei 6.938/81: Sem obstar a aplicação das penalidades contidas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade (Art. 14, §1º ).

Além de objetiva, a responsabilidade civil ambiental é solidária; a solidariedade passiva é um benefício instituído a favor do credor, que pode escolher um dos devedores solidários e dele exigir a reparação integral do dano, podendo, regressivamente, cobrar a cota-parte dos demais codevedores.

No caso vertente, não está em discussão a responsabilidade objetiva na seara civil, em que são cabíveis, cumulativamente, a reparação específica e a indenização em dinheiro, por danos ao meio ambiente e às vítimas.

A discussão é em torno da multa administrativa imposta e cobrada tanto da Prefeitura quanto da concessionária envolvendo os mesmos fatos e as mesmas infrações.

Por expressa previsão da Lei 9.605/98, a aplicação da multa simples, que é a hipótese dos autos, depende da aferição do dolo ou culpa, não se podendo falar em responsabilidade objetiva no caso desta sanção específica. Com efeito, dispõe o art. 72, §3º, da Lei em apreço: A multa simples será aplicada sempre que o agente, por negligência ou dolo: I - advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná-las, no prazo assinalado por órgão competente do SISNAMA ou pela Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha; II - opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do SISNAMA ou da Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha.

Como já ressaltado, a Municipalidade foi autuada primeiramente pela Polícia Militar Ambiental e por determinação desta Relatora, a ENOB, nos autos do AI nº 2012.03.00.008491-8, por ela também interposto, depositou judicialmente o valor dessa multa.

Há vedação ao bis in idem, como se depreende das disposições tanto do art. 76 da Lei 9.605/98 (Lei de crimes e infrações administrativas ambientais), como no art. 17, caput e § 3º da LC 140/2011. De acordo com a Lei Complementar, deve prevalecer a multa estabelecida pelo órgão competente para o licenciamento ambiental, no caso, a multa imposta no nível estadual, e já depositada judicialmente pela apelante.


São do seguinte teor o caput e § 3º do art. 17 da LC 140/2011:


Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.
(...)
§ 3º O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.

Por sua vez, o art. 76 da Lei 9.605/98 prescreve: Art. 76. O pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência.

Destarte, a autuação imposta pelo IBAMA à ENOB é indevida e não deve subsistir, restando configurada a situação de bis in idem.

Neste sentido, cito o seguinte precedente do C. STJ:


ADMINISTRATIVO. APREENSÃO DE TRATOR. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. IMPOSSIBILIDADE. COMPREENSÃO. OMISSÃO. SÚMULA 284/STF. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ.
(...)
3. O Tribunal de origem consignou: "Na hipótese em exame, entendo que não poderia ter havido à apreensão do trator, uma vez que a Requerente foi autuada duas vezes pelo mesmo fato, implicando em inadmissível bis in idem, e, assim, a segunda autuação feita pelo IBAMA revela-se insubsistente. Por outro lado, não me parece que o trator seja utilizado permanente ou exclusivamente com propósitos ilícitos, de modo que é razoável a sua liberação".
4. Reexaminar os fatos para chegar a conclusão diversa, quanto à inexistência de indicação de uso específico e exclusivo do veículo apreendido na prática de infração ambiental, encontra óbice na Súmula 7/STJ. AgRg no REsp 1.481.121/RO, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 22.4.2015, AgRg no AREsp 452.815/PA, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 1º.12.2014 e AgRg no AREsp 245.620/AL, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 11.9.2014.
5. Ademais, o julgado vergastado concluiu, com acerto, que não poderia ter havido a apreensão do trator, uma vez que o recorrido foi autuado anteriormente pelo mesmo fato, portanto não poderia ter recebido duas sanções pelo mesmo motivo, e que a segunda punição implica inadimissível bis in idem.
6. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.
(RESP 1456797, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, j. 16/06/2015, DJ 17/11/2015)

Deve ser enfatizado, ademais, que os critérios para aplicação da sanção de multa são estabelecidos no art. 6º, da Lei 9.605/98. Não houve justificativa, com base neste dispositivo legal, para aplicação do valor da multa administrativa em montante tão elevado pelo IBAMA.

Dessa forma, a apelação deve ser provida, reformando-se a r. sentença quanto ao mérito, para acolher apenas o pedido de anulação e desconstituição de todos os efeitos do AI nº 262.794 e da certidão de dívida ativa, bem como determinar a exclusão da apelante do CADIN, restando prejudicada a análise dos pedidos sucessivos.

Em face do exposto, rejeito a matéria preliminar e dou parcial provimento à apelação.


Consuelo Yoshida
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): CONSUELO YATSUDA MOROMIZATO YOSHIDA:10040
Nº de Série do Certificado: 184B8983BD7264E5
Data e Hora: 21/02/2017 19:18:10