Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 21/08/2017
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0016351-22.2014.4.03.6181/SP
2014.61.81.016351-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA
: APARECIDO LAERTES CALANDRA
ADVOGADO : SP015193 PAULO ALVES ESTEVES e outro(a)
RECORRIDO(A) : DIRCEU GRAVINA
ADVOGADO : LEONARDO HENRIQUE SOARES (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00163512220144036181 1P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. LEI Nº 6.683/79. ANISTIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. COMPATIBILIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. DENÚNCIA. REJEIÇÃO.
1. A morte do agente constitui causa de extinção da punibilidade.
2. A anistia concedida pela Lei nº 6.683/79 foi ampla e geral, alcançando os crimes políticos e eleitorais praticados pelos agentes da repressão, no período compreendido entre 02/09/1961 e 15/08/1979.
3. A Lei nº 6.683/79 foi integrada na nova ordem constitucional de 1988.
4. Em razão da concessão de anistia em relação aos delitos políticos e os conexos com estes, praticados no período compreendido entre 02/09/1961 a 15/08/1979, não há falar em existência material de crime. Ausência de justa causa para a ação penal. Rejeição da denúncia é medida de rigor.
5. Recurso em sentido estrito prejudicado em parte, em razão da morte de agente. Na parte não prejudicada, recurso desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar parcialmente prejudicado o recurso em sentido estrito, em razão da extinção da punibilidade pela morte de Carlos Alberto Brilhante Ustra, a teor do artigo 107, inciso I, do Código Penal e artigo 62 do Código de Processo Penal e, por maioria, na parte não prejudicada, negar provimento ao recurso, com fundamento no artigo 1º, caput, da Lei nº 6.683/79 e artigo 107, inciso II, do Código Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 07 de agosto de 2017.
MAURICIO KATO
Desembargador Federal


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0016351-22.2014.4.03.6181/SP
2014.61.81.016351-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA
: APARECIDO LAERTES CALANDRA
ADVOGADO : SP015193 PAULO ALVES ESTEVES e outro(a)
RECORRIDO(A) : DIRCEU GRAVINA
ADVOGADO : LEONARDO HENRIQUE SOARES (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00163512220144036181 1P Vr SAO PAULO/SP

DECLARAÇÃO DE VOTO

Ressalto inicialmente meu profundo respeito e admiração pelo E. Des. Fed. Maurício Kato, a quem peço vênia para divergir na parte recursal não prejudicada pela extinção da punibilidade em decorrência do óbito do denunciado Carlos Alberto Brilhante Ustra.

I - ELEMENTOS FÁTICOS - INDÍCIOS DE MATERIALIDADE E AUTORIA.

Inicialmente, vislumbro, nos autos, indícios suficientes de materialidade e autoria para o recebimento da denúncia no que se refere aos acusados Aparecido Laertes Calandra e Dirceu Gravina, pela prática, em tese, do crime descrito no artigo 121,§2º, incisos I, III e IV c.c. o artigo 29, todos do Código Penal.

A denúncia narra que, entre os dias 28 e 31 de janeiro de 1972, em um contexto de ataque sistemático e generalizado à população civil, Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante responsável pelo Destacamento de Operações e Informações do II Exército (DOI) em São Paulo, em unidade de desígnios com Aparecido Laertes Calandra e Dirceu Gravina mataram Hélcio Pereira Fortes, por motivo torpe, com emprego de tortura e por meio de recurso que impossibilitou a defesa da vítima.

Relata que o homicídio foi cometido por motivo torpe, consubstanciado no intuito de preservação do poder usurpado em 1964, mediante violência e uso do aparato estatal para reprimir e eliminar opositores do regime e garantir a impunidade dos autores de homicídios, torturas, sequestros e ocultações de cadáver. Houve também o emprego de tortura, consistente na aplicação intencional de sofrimentos físicos e mentais agudos contra a vítima, com o fim de intimidá-la e obter informações. Ainda, narra a acusação que o crime foi cometido mediante recurso que tornou impossível a defesa do ofendido, que foi sequestrado por grande número de agentes do DOI, imobilizado e mantido sob forte vigilância armada.

Os elementos de cognição provisórios próprios da seara do recurso em sentido estrito indicam que os réus Dirceu Gavina e Aparecido Laertes Calandra, agindo em concurso e mediante unidade de desígnios com o corréu Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do exército, já falecido, entre os dias 28 e 31 de janeiro de 1972, nesta Capital, mataram Hélcio Pereira Fortes, por motivo torpe, com emprego de tortura e por meio de recurso que impossibilitou a defesa da vítima.

A vítima Hélcio Pereira Forte, também conhecido como "Nelson", "Gomes" e "Crioulo", ativista político, desde 1963 era ligado ao PCB- Partido Comunista Brasileiro e considerado um dos principais dirigentes da "Corrente Revolucionária de Minas Gerais". Sequestrado em 22 de janeiro de 1972 por agentes da repressão do Rio de Janeiro/RJ, foi transferido para o Destacamento de Operações de Informações do II Exército (DOI) situado na rua Tutóia, nesta Capital, onde foi torturado pelos acusados Dirceu Gavina e Aparecido Laertes Calandra a mando do denunciado Carlos Alberto Brilhante Ustra.

Assim, presentes indícios de materialidade e autoria capazes de propiciar a abertura da ação penal.

II - DA DECISÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS NO CASO "GOMES LUND E OUTROS VS. BRASIL" : OBSERVÂNCIA NECESSÁRIA

É sabido que, após as assombrosas práticas verificadas na Segunda Guerra Mundial, consolidou-se no cenário internacional uma maior preocupação com a proteção dos direitos humanos, sobrevindo a adoção de normas como a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 e de mecanismos de proteção dotados de maior eficácia. Atribuem-se a esse contexto, igualmente, as transformações observadas no Direito Constitucional de diversos países, com a explicitação dos direitos fundamentais e a propagação do controle de constitucionalidade das leis. O Direito Internacional, por sua vez, postulará maior amplitude e força frente à outrora intocável soberania dos Estados; são criados sistemas regionais de proteção dos direitos humanos, como a Convenção Europeia dos Direitos do Homem de 1953, que criou a Corte Europeia dos Direitos do Homem, sediada em Estrasburgo, na França, com jurisdição sobre todos os países membros do tratado.

Seguindo a lógica dos sistemas regionais de proteção dos direitos humanos, em 1969 foi adotada a Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de São José da Costa Rica. O Brasil ratificou a referida Convenção em 25/09/1992, tendo ela sido promulgada através do Decreto 678, de 06/11/1992. Posteriormente, após aprovação do Congresso Nacional, foi reconhecida como obrigatória a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, nos termos do Decreto 4463, de 08/11/2002:

Art. 1o É reconhecida como obrigatória, de pleno direito e por prazo indeterminado, a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José), de 22 de novembro de 1969, de acordo com art. 62 da citada Convenção, sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998.

Vê-se, pois, que o Brasil somente reconheceu a competência da Corte posteriormente à ratificação, e fê-lo com as ressalvas da reciprocidade e "para fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998."

Em 24 de novembro de 2010, adveio sentença oriunda da Corte Interamericana no "caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil", com importantes consequências para o caso sub examine.

Nessa decisão, que trata do desaparecimento de militantes envolvidos na Guerrilha do Araguaia, no seu parágrafo de nº 256, consta que "este Tribunal dispõe que o Estado deve conduzir eficazmente a investigação penal dos fatos do presente caso, a fim de esclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei disponha." Obriga, ainda, a:

b) determinar os autores materiais e intelectuais do desaparecimento forçado das vítimas e da execução extrajudicial. Ademais, por se tratar de violações graves de direitos humanos, e considerando a natureza dos fatos e o caráter continuado ou permanente do desaparecimento forçado, o Estado não poderá aplicar a Lei de anistia em benefício dos autores, bem como nenhuma outra disposição análoga, prescrição, irretroatividade da lei penal , coisa julgada, ne bis in idem ou qualquer excludente similar da responsabilidade para eximir-se dessa obrigação, nos termos dos parágrafos 171 a 179 desta Sentença,

Nos parágrafos a que remete, a Corte Interamericana aplicou sua jurisprudência, afirmada em relação a outros países latino-americanos que também enfrentaram regimes de exceção, no sentido da invalidade das leis de anistia, nos contextos analisados, perante o Direito Internacional.

Importante salientar que a ressalva temporal feita pelo Brasil no Decreto 4463/2202 ("fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998") foi levada em conta pela Corte (parágrafos 15 a 19 e 181). A Corte reconhece a validade da ressalva temporal, mas aduz que, em sua jurisprudência constante, "este Tribunal estabeleceu que os atos de caráter contínuo ou permanente perduram durante todo o tempo em que o fato continua(...) a Corte recorda que o caráter contínuo ou permanente do desaparecimento forçado de pessoas foi reconhecido de maneira reiterada pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, no qual o ato de desaparecimento e sua execução se iniciam com a privação da liberdade da pessoa e a subsequente falta de informação sobre seu destino, e permanecem até quando não se conheça o paradeiro da pessoa desaparecida e os fatos não tenham sido esclarecidos." (parágrafo 17 da sentença).

Passo a tecer algumas considerações que entendo relevantes para o deslinde do presente feito:

- Primeiramente, penso não haver dúvidas de que o Brasil está sujeito à jurisdição da Corte Interamericana, pelos atos de ratificação e reconhecimento da competência da Corte acima mencionados;

- Por outro lado, entendo que a decisão do STF na ADPF 153, que considerou ter sido a Lei de anistia recepcionada pela Constituição de 1988, não representa óbice ao cumprimento da decisão da Corte Interamericana;

- Isso porque cabe precipuamente à Corte Interamericana o chamado "controle de convencionalidade" das leis e atos normativos que se mostrem incompatíveis com a Convenção Americana, controle este que também pode e deve ser exercido pela jurisdição nacional;

- A necessidade de compatibilidade normativa tanto com a Constituição Federal quanto com a Convenção Interamericana fica muito clara com a decisão do STF no HC 90172/SP, que culminou na Súmula Vinculante nº 25, que veda a prisão civil do depositário infiel. Tal modalidade de prisão foi considerada incompatível com o Pacto de São José da Costa Rica, embora seja permitida pela Constituição brasileira. Assim sendo, a Lei de anistia pode igualmente mostrar-se compatível com a Constituição e incompatível com a Convenção;

- Ademais, a adesão à Convenção levou ao reconhecimento de uma regra de competência - a da Corte Interamericana de Direitos Humanos - para apreciar soberanamente casos em que se alegue o descumprimento da Convenção;

- Ainda nessa linha de raciocínio, é mister salientar que o Supremo Tribunal Federal reconhece aos tratados sobre direitos humanos, mesmo àqueles previstos no art. 5º, §2º, da Constituição, hierarquia supralegal;

- Por fim, os autores mais abalizados do Direito Internacional afirmam que a obrigatoriedade de observância pelo Brasil ocorre tanto diante da coisa julgada quanto da "coisa interpretada", ou seja, o país deve aplicar o entendimento consagrado pela Corte a outros casos que envolvam a mesma matéria.

Fixada a obrigatoriedade de dar cumprimento à decisão da Corte, de forma genérica, faz-se necessário esclarecer alguns aspectos pertinentes ao presente feito. Apesar da diferença de nomenclatura - pois não temos no nosso direito interno as figuras legais do "desaparecimento forçado" e da "execução extrajudicial" - é certo que podemos associá-las aos delitos de ocultação de cadáver e homicídio. Restam afastadas, assim, de acordo com o entendimento da Corte Interamericana, tanto a prescrição do delito quanto a eventual aplicação ao caso da Lei de anistia.

Ante o exposto, julgo parcialmente prejudicado o recurso em decorrência da extinção da punibilidade pela morte do denunciado Carlos Alberto Brilhante Ustra, nos termos do artigo 107, inciso I, do Código Penal e 62 do Código de Processo Penal (acompanho o relator) e, na parte não prejudicada, dou provimento ao recurso para receber a denúncia em face dos acusados Aparecido Laertes Calandra e Dirceu Gravina (divirjo do relator).

É o voto.



PAULO FONTES
Desembargador Federal


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0016351-22.2014.4.03.6181/SP
2014.61.81.016351-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA
: APARECIDO LAERTES CALANDRA
ADVOGADO : SP015193 PAULO ALVES ESTEVES e outro(a)
RECORRIDO(A) : DIRCEU GRAVINA
ADVOGADO : LEONARDO HENRIQUE SOARES (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00163512220144036181 1P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra a decisão de fls. 73/79-verso, que rejeitou a denúncia oferecida em face de Carlos Alberto Brilhante Ustra, pelo cometimento do delito previsto no artigo 121, §2º, incisos I, III e IV c. c. o artigo 29, ambos do Código Penal e do crime estabelecido no artigo 4º, alíneas a, c e h, da Lei nº 4.898/65 e em face de Dirceu Gravina e Aparecido Laertes Calandra pela prática do tipo penal do artigo 121, §2º, incisos I, III e IV c. c. o artigo 29, ambos do Código Penal, em razão da anistia, com fundamento nos inciso II e III do artigo 395 do Código de Processo Penal c. c. os artigos 1º, §1º, da Lei nº 6.683/79; 4º, §1º, da Emenda Constitucional nº 26/85 e 10, §3º, da Lei nº 9.882/99.

Em razões recursais de fls. 83/100, o órgão ministerial requer o recebimento da peça acusatória ao argumento de que os crimes imputados aos recorridos constituem graves violações a Direitos Humanos e delitos contra a Humanidade, motivo pelo qual são imprescritíveis e insuscetíveis de concessão de anistia.

Aduz que, nos termos da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Gomes Lund vs. Brasil, torturas, execuções e desaparecimentos forçados cometidos por agentes de Estado no âmbito da repressão política constituem graves violações a direitos humanos, devendo ser invalidadas as interpretações jurídicas que impliquem a impunidade destes crimes (incluindo a Lei da Anistia), tendo o Estado Brasileiro o dever cogente de promover a investigação e a responsabilização criminal dos autores.

Argumenta que a sentença prolatada pela CIDH tem força vinculante a todos os Poderes do Estado brasileiro e que não há incompatibilidade entre esta decisão internacional e o quanto decidido pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF nº 153/DF.

Subsidiariamente, na hipótese de não se admitir a tese da imprescritibilidade dos crimes de lesa-humanidade, o Ministério Público Federal pleiteia que o prazo prescricional dos delitos cometidos pelos denunciados comece a correr em 14/12/2010, data em que o Brasil foi notificado da decisão da CIDH, no caso Gomes Lund vs. Brasil (fls. 83/100).

Os recorridos Carlos Alberto Brilhante Ustra, Aparecido Laertes Calandra e Dirceu Gravina apresentaram contrarrazões de recurso às fls. 12/130, 133/136 e 141/148-verso, respectivamente.

Em juízo de retratação, o Magistrado de primeiro grau manteve a decisão recorrida (fl. 149).

Remetidos os autos a este Tribunal Regional Federal, a Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 153/159).

A defesa de Carlos Alberto Brilhante Ustra comunicou o falecimento deste recorrido em 15/10/2015 e juntou certidão de óbito (fls. 161/163).

Instado a se manifestar, a Procuradoria Regional da República requereu a decretação da extinção da punibilidade de Carlos Alberto Brilhante Ustra em razão de sua morte (art. 107, I, do CP), aguardando julgamento do recurso quanto aos demais recorridos (fl. 166).

É o relatório.

Dispensada a revisão, a teor dos artigos 34 e 236, caput, do Regimento Interno desta Corte Regional.


VOTO

Em primeiro lugar, o recurso está parcialmente prejudicado em razão da extinção da punibilidade pela morte de Carlos Alberto Brilhante Ustra.

Tendo em vista a certidão de óbito acostada à fl. 162, em cópia autenticada pelo 1º Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais e Jurídicas e Registro de Títulos e Documentos de Brasília/DF, bem como a manifestação do Ministério Público Federal (fl. 166), declaro extinta a punibilidade de Carlos Alberto Brilhante Ustra, com fundamento artigo 107, inciso I, do Código Penal e artigo 62 do Código de Processo Penal.

Na parte não prejudicada, o recurso em sentido estrito comporta desprovimento.

Consta dos autos que Carlos Alberto Brilhante Ustra, Aparecido Laertes Calandra e Dirceu Gravina foram denunciados pela prática do delito previsto no artigo 121, §2º, incisos I, III e IV c. c. o artigo 29, ambos do Código Penal. Ao primeiro recorrido também foi imputada a conduta criminosa prevista no artigo 4º, alíneas a, c e h, da Lei nº 4.898/65.

Narra o órgão ministerial que, entre os dias 28 e 31 de janeiro de 1972, em um contexto de ataque sistemático e generalizado à população civil, Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante responsável pelo Destacamento de Operações e Informações do II Exército (DOI) em São Paulo, em unidade de desígnios com Aparecido Laertes Calandra e Dirceu Gravina mataram Hélcio Pereira Fortes, por motivo torpe, com emprego de tortura e por meio de recurso que impossibilitou a defesa da vítima.

Segundo o Ministério Público Federal, o homicídio foi cometido por motivo torpe, consubstanciado no intuito de preservação do poder usurpado em 1964, mediante violência e uso do aparato estatal para reprimir e eliminar opositores do regime e garantir a impunidade dos autores de homicídios, torturas, sequestros e ocultações de cadáver. Houve também o emprego de tortura, consistente na aplicação intencional de sofrimento físicos e mentais agudos contra a vítima, com o fim de intimidá-la e obter informações. Ainda, narra a acusação que o crime foi cometido mediante recurso que tornou impossível a defesa do ofendido, que foi sequestrado por grande número de agentes do DOI, imobilizado e mantido sob forte vigilância armada.

Em juízo de admissibilidade da denúncia, o Magistrado de primeiro grau rejeitou a denúncia em razão da extinção da punibilidade dos recorridos, que foram anistiados por força da Lei nº 6.681/79.

A questão controvertida refere-se à aplicabilidade da Lei da Anistia a delitos praticados durante o período da ditadura militar.

A anistia caracteriza-se pelo esquecimento jurídico do ilícito, tem como objeto fatos (e não pessoas) definidos como crime, em regra, políticos, militares ou eleitorais, independe da aceitação do anistiado e, uma vez concedida, é insuscetível de revogação.

Trata-se de forma de extinção da punibilidade, que pode ser concedida antes ou depois da condenação. Na hipótese de sentença condenatória, extingue todos os efeitos penais da condenação e o próprio crime, permanecendo, contudo, eventuais obrigações de natureza cível, como a obrigação de indenizar.

Com efeito, a Lei nº 6.683/79 concedeu anistia aos crimes políticos e conexos praticados durante o período da ditadura militar:

Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.

§ 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.

§ 2º - Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal.

§ 3º - Terá direito à reversão ao Serviço Público a esposa do militar demitido por Ato Institucional, que foi obrigada a pedir exoneração do respectivo cargo, para poder habilitar-se ao montepio militar, obedecidas as exigências do art. 3º.

Importante mencionar que a Lei da Anistia foi expressamente reafirmada no ato convocatório da Assembleia Nacional Constituinte, que resultou na promulgação da Constituição Federal de 1988, nos termos da Emenda Constitucional nº 26, de 27/11/1985:

Art. 1º Os Membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal reunir-se-ão, unicameralmente, em Assembleia Nacional Constituinte, livre e soberana, no dia 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional.

Art. 2º. O Presidente do Supremo Tribunal Federal instalará a Assembleia Nacional Constituinte e dirigirá a sessão de eleição do seu Presidente.

Art. 3º A Constituição será promulgada depois da aprovação de seu texto, em dois turnos de discussão e votação, pela maioria absoluta dos Membros da Assembleia Nacional Constituinte.

Art. 4º É concedida anistia a todos os servidores públicos civis da Administração direta e indireta e militares, punidos por atos de exceção, institucionais ou complementares.

§ 1º É concedida, igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou conexos, e aos dirigentes e representantes de organizações sindicais e estudantis, bem como aos servidores civis ou empregados que hajam sido demitidos ou dispensados por motivação exclusivamente política, com base em outros diplomas legais.

§ 2º A anistia abrange os que foram punidos ou processados pelos atos imputáveis previstos no "caput" deste artigo, praticados no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.

§ 3º Aos servidores civis e militares serão concedidas as promoções, na aposentadoria ou na reserva, ao cargo, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade, previstos nas leis e regulamentos vigentes.

§ 4º A Administração Pública, à sua exclusiva iniciativa, competência e critério, poderá readmitir ou reverter ao serviço ativo o servidor público anistiado.

§ 5º O disposto no "caput" deste artigo somente gera efeitos financeiros a partir da promulgação da presente Emenda, vedada a remuneração de qualquer espécie, em caráter retroativo.

§ 6º Excluem-se das presentes disposições os servidores civis ou militares que já se encontravam aposentados, na reserva ou reformados, quando atingidos pelas medidas constantes do "caput" deste artigo.

§ 7º Os dependentes dos servidores civis e militares abrangidos pelas disposições deste artigo já falecidos farão jus ás vantagens pecuniárias da pensão correspondente ao cargo, função, emprego, posto ou graduação que teria sido assegurado a cada beneficiário da anistia, até a data de sua morte, observada a legislação específica.

§ 8º A Administração Pública aplicará as disposições deste artigo, respeitadas as características e peculiaridades próprias das carreiras dos servidores públicos civis e militares, e observados os respectivos regimes jurídicos.

Ainda, ressalte-se que, no julgamento da ADPF nº 153/DF, de relatoria do Ministro Eros Grau, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a Lei de Anistia é compatível com a Constituição Federal de 1988 e que a anistia por ela concedida foi ampla e geral, alcançando os crimes de qualquer natureza praticados pelos agentes da repressão no período compreendido entre 02/09/1961 e 15/08/1979.

Considerando que a Lei da Anistia veiculou uma decisão política tomada no momento da transição e foi reafirmada pelo Poder Constituinte da Constituição de 1988, no texto da Emenda Constitucional nº26/85, que convocou a Assembleia Nacional Constituinte, pode-se dizer que a anistia de 1979 foi integrada na nova ordem constitucional.

Tendo em vista que a anistia aproveita a todos aqueles que tenham participado dos fatos anistiados, os crimes políticos e os conexos supostamente cometidos Aparecido Laertes Calandra e Dirceu Gravina deixaram de existir.

No particular, os fatos descritos na denúncia ocorreram entre os dias 28 e 31 de janeiro de 1972, durante a ditadura militar, motivo pelo qual se deve reconhecer a extinção da punibilidade em razão da concessão da anistia, nos termos do artigo 107, inciso II, do Código Penal.

De acordo com o artigo 41 do Código de Processo Penal, a peça acusatória deve conter a exposição do fato criminoso e suas circunstâncias, a indicação da qualificação do acusado (ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo), a classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas. Busca-se, com isso, possibilitar o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa.

Por sua vez, o artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal estabelece que a denúncia será rejeitada quando faltar justa causa para a ação penal.

Presentes, no caso concreto, os elementos que demonstrem a existência de fundamento de direito e de fato para a instauração do processo, há justa causa para a ação penal.

O fundamento de direito está consubstanciado na subsunção da conduta descrita a um tipo penal.

Por outro lado, o fundamento de fato é identificado na acusação em conformidade com a prova, relacionada com a existência material de um fato típico e ilícito (materialidade), indícios suficientes de autoria e um mínimo de culpabilidade.

No caso, em razão da concessão de anistia em relação aos delitos políticos e os conexos com estes, praticados no período compreendido entre 02/09/1961 a 15/08/1979, não há falar em existência material de crime.

Ademais, a pretensão punitiva estatal foi extinta em razão da anistia, a teor do artigo 1º, caput, da Lei nº 6.683/79 e do artigo 107, inciso II, do Código Penal.

Deve, pois, ser mantida a decisão de rejeição da denúncia.

Ante o exposto, julgo parcialmente prejudicado o recurso em sentido estrito, em razão da extinção da punibilidade pela morte de Carlos Alberto Brilhante Ustra, nos termos no artigo 107, inciso I, do Código Penal e artigo 62 do Código de Processo Penal. E, na parte não prejudicada, nego provimento ao recurso, com fundamento no artigo 1º, caput, da Lei nº 6.683/79 e artigo 107, inciso II, do Código Penal.

É como voto.


MAURICIO KATO
Desembargador Federal


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