D.E. Publicado em 14/03/2017 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso de apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (RELATOR):
Trata-se de ação proposta por José Antônio do Nascimento em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por meio da qual o Autor pleiteia a condenação da Autarquia Ré ao pagamento de compensação por danos morais.
Afirma o Requerente, em síntese, que requereu benefício assistencial, em 25/02/2002, havendo tal pedido sido indeferido administrativamente, sob o fundamento de não haver sido constatada sua incapacidade para os atos da vida independente e para o trabalho. Por conseguinte, o Autor somente veio a ter seu direito à percepção de benefício reconhecido judicialmente, anos depois, o que teria lhe privado de acesso a recursos essenciais, por período significativo, ocasionando-lhe danos de ordem moral.
Sobreveio sentença, às fls. 142/143, que julgou improcedente o pedido, sob o entendimento de não haver restado demonstrado ato legal ou abusivo por parte do INSS.
Inconformado, o Autor interpôs apelação, às fls. 146/160, pleiteando a reforma da sentença para que seja julgado procedente o pedido. Alega, em síntese, que, em decorrência de ato do Réu, encontrou-se indevidamente privado da percepção de benefício essencial à sua subsistência, ao qual fazia jus, razão pela qual impõe-se o reconhecimento da responsabilidade do Recorrido pela reparação dos danos morais causados.
Com contrarrazões (fls. 171/173), subiram os autos a esta Egrégia Corte Regional.
O Ministério Público Federal deixou de apresentar parecer sobre a matéria, por entender não estar caracterizada, no caso, a relevância social a exigir a intervenção do parquet (fls. 176/178).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (RELATOR):
O caso sob exame deve ser apreciado à luz do art. 37, § 6º, da Constituição da República, que estabelece a responsabilidade objetiva das entidades de direito público e das prestadoras de serviço público, segundo a teoria do risco administrativo, no caso de condutas comissivas, e segundo a culpa do serviço, no caso de condutas omissivas, por parte de tais entes, sem prejuízo da aplicação de outros diplomas legais, naquilo em que for pertinente, dentro do que recomenda o diálogo entre as fontes.
De acordo com tal arcabouço teórico, o dever de indenizar do Estado, pela ocorrência de dano material ou moral, decorre da mera ocorrência de ato lesivo, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público, deslocando-se a questão apenas para o exame da causalidade entre o ato e o resultado danoso.
Nesse sentido, destaco trecho do voto proferido pelo Min. Celso de Mello, no julgamento do RE nº 109.615 (DJ 02-08-1996):
Assim, nos termos da Teoria do Risco Administrativo, aplicável à espécie, não há que se perquirir acerca da existência de culpa do agente, posto que a responsabilidade civil do Estado é objetiva, e tampouco sobre a ocorrência de falta do serviço.
A apreciação de falta na prestação do serviço, objetivamente considerada, consubstancia-se na Teoria da Culpa Administrativa, em que a existência do dever de indenizar do Estado está condicionada à verificação de tal elemento. Essa concepção, porém, só comporta aplicação nas hipóteses de omissão do poder público, não se tratando da situação tratada nos autos.
Portanto, no caso, a análise da pretensão autoral restringe-se ao exame da existência de dano, causado, de modo direto e imediato, por ato de agente público, realizado no âmbito de sua condição funcional.
A prova documental produzida (fls. 26/67) leva à conclusão de que estão presentes os elementos necessários à responsabilização do INSS no caso concreto, quais sejam: conduta ilícita; resultado danoso; e nexo de causalidade.
Consoante restou demonstrado, o Autor requereu, em sede administrativa, em 25/02/2002, a concessão de benefício de prestação continuada (fls. 44), havendo o requerimento, no entanto, sido indeferido (fls. 57), sob o fundamento de que não haveria restado demonstrado o requisito legal a amparar o pleito, qual seja, tratar-se de pessoa portadora de deficiência que a torne incapaz para a vida independente e não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por meio de sua família.
Tais fatos foram reconhecidos, inclusive, pelo Recorrido, havendo restado incontroversos.
O Apelante ajuizou, então, demanda previdenciária (nº 2004.61.14.000467-7), para obtenção do benefício. No âmbito da referida ação, foi produzido laudo médico pericial (fls. 37/40), o qual apontou que "o periciando apresenta retardo mental leve e transtorno mental não especificado devido a uma lesão e disfunção cerebral e a uma doença física, pela CID10 F70.1 e F06.9, respectivamente (...). Devido ao transtorno mental não especificado devido a uma lesão e disfunção cerebral e a uma doença física o autor ficou incapaz para o trabalho de forma total, pois tem prejuízo na interação social, comportamento pueril e regredido e inaptidão para sair sozinho de casa ou executar tarefas mesmo que as mais simples (...) a incapacidade apresentada é permanente" (fls. 39/40).
Por conseguinte, a ação nº 2004.61.14.000467-7 foi julgada procedente, sendo o INSS condenado a implementar benefício de prestação continuada ao deficiente, no valor de um salário mínimo mensal ao Autor, a partir da data da citação (fls. 60-v.).
Verifico, ainda, em consulta ao Sistema de Acompanhamento Processual do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, que a mencionada ação transitou em julgado em 29/07/2013, havendo o provimento judicial proferido em favor do Requerente - que reconheceu a sua incapacidade total para o trabalho -, sido acobertado pela autoridade da coisa julgada.
Ante a análise da prova dos autos, portanto, resta indene de dúvidas que o Recorrente fazia jus ao recebimento do benefício previdenciário requerido, o qual, no entanto, foi negado em sede administrativa, fato que lhe privou, indevidamente, da percepção da verba de natureza alimentar, essencial à sua subsistência.
A Lei nº 8.212/1991, em seu art. 3º, estabelece que "a Previdência Social tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, idade avançada, tempo de serviço, desemprego involuntário, encargos de família e reclusão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente".
Em evidência, a dignidade da pessoa humana visa a garantir, a todo indivíduo, a existência de condições mínimas que assegurem sua dignidade pessoal.
Por conseguinte, o indevido indeferimento de um benefício previdenciário - que visa à subsistência de pessoa portadora de deficiência incapaz de prover a própria manutenção -, em razão de análise errônea dos fatos pelo INSS, gera graves danos ao segurado, os quais não se restringem à sua esfera patrimonial, mas alcançam também o âmbito moral, ensejando o dever de compensação.
No caso, tendo em vista a conclusão do laudo pericial produzido no âmbito da ação nº 2004.61.14.000467-7 - que embasou o reconhecimento do direito da parte autora ao recebimento do benefício pleiteado -, é irrefutável a conclusão de que o indeferimento administrativo do benefício, por parte do INSS, pautou-se em perícia médica equivocada, realizada pela Autarquia Ré, causando grave restrição e comprometimento de recursos essenciais à subsistência do Apelante.
Depreende-se, portanto, que o Autor sofreu dano direta e imediatamente decorrente de conduta atribuível ao Réu, perpetrada através dos seus agentes, cuja atuação se deu no âmbito de suas funções.
A Autarquia Ré deveria ter procedido, quando da análise do requerimento administrativo, com a devida diligência que se espera de uma entidade de direito público responsável pelo pagamento de benefícios previdenciários e assistenciais, de modo a assegurar a adequada avaliação das condições do Requerente. O INSS, no entanto, atuou de modo negligente para com o segurado, havendo tal conduta colocado em risco a subsistência do Autor, em razão da indevida privação de verba alimentar.
Observo, ainda, que não apresenta relevância para o deslinde do feito a alegação de que, posteriormente, o benefício veio a ser efetivamente implantado, com pagamento dos valores atrasados, posto que a ação cinge-se a danos puramente morais, decorrentes do abalo sofrido pelo indeferimento infundado do benefício.
Em face do exposto, entendo que o dano moral está presente. É inexorável que o óbice injustificado ao pagamento do benefício previdenciário do Apelante - ao que tudo indica, a principal, senão única fonte de seu sustento - foi, considerando as circunstâncias do caso concreto, substancialmente relevante para ele.
Nesse aspecto, observo que, conforme relatório social, produzido em 29/11/2005, pelo Departamento de Desenvolvimento Social, da Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania da Prefeitura do Município de São Bernardo do Campo/SP (fls. 34/36), o Autor "realiza tratamento médico especializado junto ao Ambulatório de Saúde Mental [e] a esposa Sra. Maria dos Ramos é sequelada de AVC (Acidente Vascular Cerebral), deambula com dificuldade, realiza tratamento médico no CMEN (Clínica Municipal de Especialidades Médicas) e na UBS do Jardim Silvina". No que concerne às condições financeiras, foi consignado que "a família tem como salário fixo o valor de R$ 300,00, referente a aposentadoria por invalidez percebida pela Sra. Maria Ramos" (fls. 35).
Diante do panorama fático apresentado, mostram-se claras as consequências lesivas que a restrição indevida do benefício previdenciário implicaram para a preservação dos meios indispensáveis de manutenção do Recorrente.
A privação indevida a verba de natureza alimentar, a que fora submetido o Autor, inobstante preenchesse os requisitos para o recebimento do benefício, consubstancia-se em ato lesivo à subsistência e à dignidade humana, assim conceituada na doutrina como uma "qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida" (SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2011, p. 73)
É irrefutável, também, que tais acontecimentos causaram constrangimento à personalidade do Apelante, que teve sua integridade psíquica abalada. Ressalte-se, no ponto, que a violação a direitos da personalidade do Autor supera os aborrecimentos cotidianos, tendo atingido de forma efetiva a sua integridade psíquica, imagem e honra, na medida em que se trata de pessoa absolutamente incapaz para o trabalho e dependente dos valores a serem pagos pelo Recorrido para suprir suas necessidades vitais.
O nexo de causalidade também está presente. O dano moral decorreu, conforme exposto, de conduta atribuível ao INSS, da qual resultou a violação de direitos do segurado.
Conclui-se, portanto, que, no caso em tela o fato ultrapassa o mero dissabor, impondo-se reparação.
Não há, por outro lado, que se cogitar em exigir do Requerente que comprove, concretamente, a dor ou vergonha que supostamente sentira, sendo a verificação dos fatos expostos suficiente a embasar a caracterização de danos de natureza extrapatrimonial.
Nesse sentido é o entendimento jurisprudencial, em casos semelhantes:
Nesses termos, o evento danoso está plenamente caracterizado, sendo, portanto, de rigor a condenação do INSS ao pagamento de compensação por danos morais.
No tocante à sua quantificação, a jurisprudência orienta e concede parâmetros para a fixação da correspondente indenização. Neste diapasão, fixou o C. Superior Tribunal de Justiça diretrizes à aplicação das indenizações por dano imaterial, orientando que esta deve ser determinada segundo o critério da razoabilidade e do não enriquecimento despropositado, nos seguintes moldes, in verbis:
Destarte, observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade e considerando que a condenação não pode implicar em enriquecimento sem causa e que tem também como fulcro sancionar o autor do ato ilícito, de forma a desestimular a sua repetição, decido por fixar a compensação por danos morais em R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Verbas sucumbenciais
Considerando que o recurso foi interposto na égide do CPC/73, deixo de aplicar o art. 85, do Código de Processo Civil de 2015, porquanto a parte não pode ser surpreendida com a imposição de condenação não prevista no momento em que recorreu, sob pena de afronta ao princípio da segurança jurídica.
Observa-se, ainda, que, nos termos do Enunciado Administrativo nº 7, elaborado pelo STJ para orientar a comunidade jurídica acerca da questão do direito intertemporal, tratando-se de recurso interposto contra decisão publicada anteriormente a 18/03/2016, não é possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do CPC/2015.
Nesses termos, fixo os honorários advocatícios em 15% (quinze por cento) do valor da condenação, importância que, em observância às características do caso, mostra-se adequada.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso de apelação, para condenar o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ao pagamento de compensação por danos morais ao Autor, no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais), com incidência de correção monetária, contada a partir da data do seu arbitramento (Súmula 362, do STJ), e de juros moratórios, contados a partir da data do evento danoso (Súmula 54, do STJ), assim considerada a data do indevido indeferimento do benefício assistencial (24/05/2002). Atualizações com base nos índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal (atualizado pela Resolução nº 267/2013).
Condeno o INSS, ainda, ao pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios, que arbitro em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 22/02/2017 18:02:48 |