Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 27/03/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004035-92.2011.4.03.6112/SP
2011.61.12.004035-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : FABRICIO DUARTE ROCHA e outro(a)
: SONIA YOSHIKO YOSHIHARA ROCHA
ADVOGADO : SP310681 FABIO BORINI MONTEIRO e outro(a)
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : LUIS ROBERTO GOMES e outro(a)
APELADO(A) : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS
APELADO(A) : Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis IBAMA
ADVOGADO : MS010594 FERNANDO ONO MARTINS e outro(a)
No. ORIG. : 00040359220114036112 3 Vr PRESIDENTE PRUDENTE/SP

EMENTA

AMBIENTAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APELAÇÃO. INTERVENÇÃO ANTRÓPICA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESERVATÓRIO DE USINA HIDRELÉTRICA. EFEITO DEVOLUTIVO. VEDAÇÃO À "REFORMATIO IN PEJUS". DANO AMBIENTAL "IN RE IPSA". RESPONSABILIDADE OBJETIVA. OBRIGAÇÃO "PROPTER REM". IMPROVIMENTO.
1. Com a finalidade de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, bem como proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, foram estabelecidas as áreas de preservação permanente entre os espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público, instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, VI, Lei nº 6.938/81).
2. A fim de estabelecer parâmetros, definições e limites para as áreas de preservação permanente, foram editadas as Resoluções n° 4, de 18.09.1985, n° 302, de 20.03.2002, e n° 303, de 20.03.2002, ambas pelo CONAMA, o qual possui a competência para editar tais atos normativos, conforme prevê o artigo 8°, VII, da Lei n° 6.938/81 e artigo 4° do Decreto n° 89.336/84.
3. Em face dos princípios tempus regit actum e da não regressão ou vedação ao retrocesso ecológico, a Lei n° 4.771/65, embora revogada, pode ser aplicada aos fatos ocorridos antes da vigência da Lei n° 12.651/12, ainda que a norma seja mais gravosa ao poluidor.
4. No caso em tela, houve recurso apenas dos réus, razão pela qual o exame deste Juízo deve-se limitar a matéria devolvida, a saber: possibilidade ou não de condená-los em obrigação de fazer consistente em reflorestar toda a área de preservação permanente, uma vez que deve ser respeitado o efeito devolutivo inerente ao recurso de apelação.
5. Não cabe qualquer análise quanto à extensão da área de preservação permanente, devendo ser mantido o entendimento exposto na r. sentença no sentido de que a área de preservação permanente a ser considerada corresponde à faixa de 50 (cinquenta) metros, sob pena de reformatio in pejus.
6. A fim de conferir uma maior proteção ao meio ambiente, a Lei nº 6.938/81, denominada Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, prevê que a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva, ou seja, independe da caracterização da culpa, além de ser fundada na teoria do risco integral, razão pela qual é incabível a aplicação de excludentes de responsabilidade para afastar a obrigação de indenizar.
7. Basta a demonstração do dano ambiental e do nexo causal entre o resultado lesivo e a situação de risco criada pelo agente no exercício de atividade, no seu interesse e sob seu controle, dispensando-se assim o elemento subjetivo, para resultar na responsabilidade por dano ambiental.
8. A obrigação de reparar os danos ambientais é considerada propter rem, sendo irrelevante que o autor da degradação ambiental inicial não seja o atual o proprietário, pois aquela adere ao título de domínio ou posse, sem prejuízo da solidariedade entre os vários causadores do dano, sendo inviável qualquer alegação de direito adquirido à degradação, nos termos do artigo 7° do novo Código Florestal.
9. A mera intervenção antrópica em área de preservação permanente, por causar supressão da vegetação nativa ou, ao menos, por impedir sua regeneração natural, inexistindo autorização do Poder Público, o qual poderia concedê-la apenas em casos taxativamente previstas em lei (art. 4°, caput, Lei n° 4.717/65 e art. 8°, caput, Lei n° 12.651/12), causa dano ecológico in re ipsa.
10. De rigor a manutenção da condenação dos apelantes na obrigação de não-fazer consistente em não promover qualquer intervenção na área de preservação permanente, bem como nas obrigações de fazer consubstanciadas em construir ou adaptar, caso já existente, fossa séptica de acordo com as orientações do IBAMA ou CBRN, e em reflorestar toda a área de preservação permanente degradada, inclusive os locais onde se fez a "limpeza da vegetação", sob a supervisão do IBAMA ou CBRN, nos termos estabelecidos na r. sentença.
11. Apelação improvida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 15 de março de 2017.
GISELLE FRANÇA
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004035-92.2011.4.03.6112/SP
2011.61.12.004035-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : FABRICIO DUARTE ROCHA e outro(a)
: SONIA YOSHIKO YOSHIHARA ROCHA
ADVOGADO : SP310681 FABIO BORINI MONTEIRO e outro(a)
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : LUIS ROBERTO GOMES e outro(a)
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ADVOGADO : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS
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RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por FABRÍCIO DUARTE ROCHA e SONIA YOSHIKO YOSHIHARA DUARTE em face da sentença que julgou parcialmente procedente a ação civil pública ambiental proposta pelo Ministério Público Federal.


Segundo narrado pelo Parquet Federal na inicial, os requeridos Fabrício Duarte Rocha e Sonia Yoshiko Yoshinara Rocha são possuidores de um imóvel situado no lote 30, do Loteamento Portal das Graças, Bairro Campinal, no Município de Presidente Epitácio/SP, cuja área total é de 0,384ha, localizado às margens do Reservatório da UHE Sérgio Motta (Porto Primavera), estando totalmente inserido em área de preservação permanente, impedindo a formação de estágios de regeneração natural da Mata Atlântica. Afirma que tal loteamento é clandestino, uma vez que inexistiu qualquer licença ou aprovação dos órgãos ambientais competentes. Ainda, aponta que a área objeto desta ação foi submetida a fiscalização pela Polícia Ambiental, aos 29.05.2005, sendo constatado que os possuidores gradearam com trator área de preservação permanente e construíram, nessa mesma área, uma edificação. Ademais, alega que, consoante vistoria realizada pela Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais - CBRN, aos 31.01.2011, o local está na faixa de 100 (cem) metros do reservatório em área rural, tendo em vista que apresenta apenas coleta de lixo esporádica e luz elétrica, bem como as construções iniciam-se a partir de 60 (sessenta) metros da cota máxima de operação (fls. 02/34).


O pedido liminar foi deferido para que os réus se abstivessem de: realizar qualquer nova construção em área de preservação permanente, com a paralização de todas as atividades antrópicas; promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal do imóvel, sem a autorização do órgão competente; e conceder o uso da área ocupada a qualquer interessado (fls. 37/38).


A União e o IBAMA passaram a integrar o polo ativo da ação, na qualidade de assistentes litisconsorciais (fls. 108 e 155).


Juntado Relatório Técnico Ambiental pelo IBAMA (fls. 78/90 e 143/154).


Devidamente citados, os réus apresentaram contestação (fls. 91/103).


Determinada a realização de vistoria técnica pela Companhia Energética de São Paulo (fl. 225), o respectivo laudo foi juntado à fl. 229.


Indeferido o pleito de produção de provas (fls. 290/291).


Aos 2 de setembro de 2013, o MM Juízo da 3ª Vara Federal de Presidente Prudente/SP, com fundamento no artigo 330, I, do Código de Processo Civil de 1973, julgou parcialmente procedente a ação civil pública, para fins de:


"1) Declarar que em relação ao imóvel objeto da ação a Área de Preservação Permanente a ser considerada corresponde à faixa desapropriada pela concessionária, definida na licença ambiental, ou seja, corresponde a 50 metros:

2) Condenar os réus:

2.a) na obrigação de não fazer consistente em não promover qualquer intervenção em referida área de APP;

2.b) na obrigação de fazer consistente em construir (ou adaptar, caso já existente) fossa séptica de acordo com as orientações do IBAMA ou CBRN e de acordo com a legislação ambiental e sanitária vigente.

2.c) na obrigação de fazer consistente em reflorestar toda a área de preservação permanente degradada nos termos da alínea "2.a" - inclusive os locais onde se fez a "limpeza da vegetação" - sob a supervisão do IBAMA ou CBRN, de acordo com a legislação vigente e autorização da CESP, devendo:

2.c.1) entregar ao órgão competente, no prazo de 60 (sessenta) dias, contado da intimação, projeto de recuperação ambiental, elaborado por técnico devidamente habilitado, onde deverá estar incluído o cronograma das obras e serviços;

2.c.2) iniciar a implantação do projeto de recuperação ambiental da área de preservação permanente, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data de sua aprovação pelos órgãos competentes, devendo obedecer todas as exigências e recomendações feitas pelo referidos órgãos, que forem compatíveis com a recuperação a ser realizada.

Ressalte-se que caso a fossa existente já cumpra com os requisitos técnicos, bastará aos réus comprovar que a fossa existente foi edificada de acordo com as normas técnicas e ambientais, ficando prejudicada eventual execução.".

(fls. 356/362)


Em razões recursais, os apelantes pugnam pela reforma da sentença, sob o fundamento de que não provocaram danos na área de preservação permanente ou impediram a regeneração natural da vegetação nativa, de modo que deve ser afastada a condenação em reflorestar referida área (fls. 364/367).


Foram apresentadas contrarrazões pelo Ministério Público Federal e pela União (fls. 369/375 e 382/385).


O recurso foi recebido nos efeitos devolutivo e suspensivo, com exceção da parte relativa à antecipação da tutela, recebida apenas naquele efeito (fl. 380).


A Procuradoria Regional da República da 3ª Região opina, em parecer, pelo improvimento do recurso (fls. 389/395).


É o relatório.



GISELLE FRANÇA
Juíza Federal Convocada


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004035-92.2011.4.03.6112/SP
2011.61.12.004035-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : FABRICIO DUARTE ROCHA e outro(a)
: SONIA YOSHIKO YOSHIHARA ROCHA
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VOTO

Inicialmente, destaca-se que a ação civil pública é um dos instrumentos processuais adequados para tutelar direitos e interesses supraindividuais, os quais abrangem os difusos, coletivos e individuais homogêneos pertinentes ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, à ordem econômica e urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos, ao patrimônio público e social, e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, conforme determina os artigos 129, III, da Constituição Federal e 1°, da Lei n° 7.347/85.


A manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado consiste em direito fundamental de terceira geração, sendo dever do Poder Público e da coletividade defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, conforme determina o artigo 225, da Constituição Federal:


"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados."

Neste contexto de proteção ao direito fundamental ao meio ambiente sadio, com a finalidade de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, bem como proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, foram estabelecidas as áreas de preservação permanente entre os espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público, instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, VI, Lei nº 6.938/81), definidas tanto pelo antigo (art. 1°, §2°, II, Lei n° 4.771/65) quanto pelo novo Código Florestal (art. 3°, II, Lei n° 12.651/12):


"Lei n° 4.771/65: (...)
§ 2o Para os efeitos deste Código, entende-se por: (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001) (...)
II - área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2o e 3o desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001) (...)
Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:(...)
b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais;"
"Lei n° 12.651/12:
Art. 3o Para os efeitos desta Lei, entende-se por: (...)
II - Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas; (...)
Art. 4o Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: (...)
III - as áreas no entorno dos reservatórios d'água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d'água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento; (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). (...)"

Visando proteger tais espaços territoriais, através de fixação de parâmetros, definições e limites para as reservas ecológicas e áreas de preservação permanente no entorno de reservatórios artificiais, foram editadas as Resoluções n° 4, de 18.09.1985, n° 302, de 20.03.2002, e n° 303, de 20.03.2002, ambas pelo CONAMA, o qual possui a competência para editar tais atos normativos, conforme prevê o artigo 8°, VII, da Lei n° 6.938/81 e artigo 4° do Decreto n° 89.336/84.


No sentido de legalidade de tais Resoluções editadas pelo CONAMA, colaciono julgados do C. Superior Tribunal de Justiça:


ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. ANÁLISE DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE. OMISSÃO INEXISTENTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. TERRENO DE MARINHA. RESTINGA. COMPETÊNCIA DO CONAMA NA EDIÇÃO DE RESOLUÇÕES QUE OBJETIVEM O CONTROLE E A MANUTENÇÃO DO MEIO AMBIENTE. EDIFICAÇÃO EM DESACORDO COM A LEGISLAÇÃO AMBIENTAL. REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. APLICAÇÃO DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. IRRETROATIVIDADE. APLICAÇÃO IMEDIATA.
1. A apreciação de suposta violação a princípios constitucionais não é possível na via especial, nem à guisa de prequestionamento, porquanto matéria reservada, pela Carta Magna, ao Supremo Tribunal Federal.
2. Não há violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida, com enfrentamento e resolução das questões abordadas no recurso.
3. Trata-se de Ação de Civil Pública, objetivando a recuperação de local de preservação permanente (terreno de marinha - restinga) e a demolição do imóvel lá edificado.
4. O Código Florestal tem como escopo proteger não só as florestas existentes no território nacional como a fauna e as demais formas de vegetação nativas situadas em algumas de suas áreas, tais como na área de restinga. Embora não tenha como elemento primordial o resguardo de sítios e acidentes geográficos, estes o são por várias vezes protegidos em seu texto legal. O art. 2º, "f", do Código Florestal qualifica como área de preservação permanente (APP) não o acidente topográfico em si, mas a vegetação de restinga que lá se faz presente.
5. O Código Florestal, no art. 3º, dá ao Poder Público (por meio de Decreto ou Resolução do Conama ou dos colegiados estaduais e municipais) a possibilidade de ampliar a proteção aos ecossistemas frágeis.
6. Possui o CONAMA autorização legal para editar resoluções que visem à proteção do meio ambiente e dos recursos naturais, inclusive mediante a fixação de parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente.
7. A Resolução n. 303/02 do CONAMA não está substancialmente apartada da Resolução n. 04/85 do CONAMA, que lhe antecedeu e que é vigente à época dos fatos. Ambas consideram a restinga como espécie de acidente geográfico, encoberto por vegetação característica. Destarte, não há extrapolação de competência regulamentar do CONAMA em sua Resolução n. 303/02 no que se refere à definição de restinga, porquanto está de acordo com o definido na Lei n. 4.771/65 e nos estritos limites ali delineados.
8. Dentro do contexto fático delineado no acórdão recorrido, é inafastável a conclusão a que chegou o Tribunal de origem, no sentido de que a edificação foi promovida dentro de área de restinga, considerada de preservação permanente, sob pena de ferir o disposto na Súmula 7 do STJ.
9. A Corte a quo não analisou a matéria recursal à luz da aplicação do novo Código Florestal, que segundo as razões lançadas neste pleito, levaria à aplicação de sanções mais benéficas à parte. Ressalte-se, em que pese a oposição de vários embargos declaratórios, que a controvérsia não foi arguida como forma de suprir a omissão do julgado. Assim, incide, no caso, o enunciado das Súmulas n. 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal.
10. "O novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da 'incumbência' do Estado de garantir a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I)." Recurso especial improvido.
(REsp 1462208/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/11/2014, DJe 06/04/2015)
PROCESSUAL CIVIL E DIREITO AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. OBRA EMBARGADA PELO IBAMA, COM FUNDAMENTO NA RESOLUÇÃO DO CONAMA N. 303/2002. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. EXCESSO REGULAMENTAR. NÃO-OCORRÊNCIA. ART. 2º, ALÍNEA 'F', DO CÓDIGO FLORESTAL NÃO-VIOLADO. LOCAL DA ÁREA EMBARGADA. PRETENSÃO DE ANÁLISE DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DO STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO-CONHECIDO.
1. O fundamento jurídico da impetração repousa na ilegalidade da Resolução do Conama n. 303/2002, a qual não teria legitimidade jurídica para prever restrição ao direito de propriedade, como aquele que delimita como área de preservação permanente a faixa de 300 metros medidos a partir da linha de preamar máxima.
2. Pelo exame da legislação que regula a matéria (Leis 6.938/81 e 4.771/65), verifica-se que possui o Conama autorização legal para editar resoluções que visem à proteção do meio ambiente e dos recurso naturais, inclusive mediante a fixação de parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente, não havendo o que se falar em excesso regulamentar.
3. Assim, dentro do contexto fático delineado no acórdão recorrido, e, ainda, com fundamento no que dispõe a Lei n. 6.938/81 e o artigo 2º, "f", da Lei n. 4.771/65, devidamente regulamentada pela Resolução Conama n. 303/2002, é inafastável a conclusão a que chegou o Tribunal de origem, no sentido de que os limites traçados pela norma regulamentadora para a construção em áreas de preservação ambiental devem ser obedecidos.
4. É incontroverso nos autos que as construções sub judice foram implementadas em área de restinga, bem como que a distância das edificações está em desacordo com a regulamentação da Resolução Conama n. 303/2002. Para se aferir se o embargo à área em comento se deu apenas em razão de sua vegetação restinga ou se, além disso, visou à proteção da fixação de dunas e mangues, revela-se indispensável a reapreciação do conjunto probatório existente no processo, o que é vedado em sede de recurso especial em virtude do preceituado na Súmula n. 7, desta Corte.
5. Recurso especial não-conhecido.
(REsp 994.881/SC, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/12/2008, DJe 09/09/2009)

Saliente-se que, em face dos princípios tempus regit actum e da não regressão ou vedação ao retrocesso ecológico, a legislação ambiental, ainda que revogada, tal como a Lei n° 4.771/65, pode ser aplicada aos fatos ocorridos antes da vigência da Lei n° 12.651/12, ainda que a norma seja mais gravosa ao poluidor.


Nesse sentido:


ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. FORMAÇÃO DA ÁREA DE RESERVA LEGAL. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. SÚMULA 83/STJ. PREJUDICADA A ANÁLISE DA DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. SUPERVENIÊNCIA DA LEI 12.651/12. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO IMEDIATA. IRRETROATIVIDADE. PROTEÇÃO AOS ECOSSISTEMAS FRÁGEIS. INCUMBÊNCIA DO ESTADO. INDEFERIMENTO.
1. A jurisprudência desta Corte está firmada no sentido de que os deveres associados às APPs e à Reserva Legal têm natureza de obrigação propter rem, isto é, aderem ao título de domínio ou posse, independente do fato de ter sido ou não o proprietário o autor da degradação ambiental. Casos em que não há falar em culpa ou nexo causal como determinantes do dever de recuperar a área de preservação permanente.
2. Prejudicada a análise da divergência jurisprudencial apresentada, porquanto a negatória de seguimento do recurso pela alínea "a" do permissivo constitucional baseou-se em jurisprudência recente e consolidada desta Corte, aplicável ao caso dos autos.
3. Indefiro o pedido de aplicação imediata da Lei 12.651/12, notadamente o disposto no art. 15 do citado regramento.
Recentemente, esta Turma, por relatoria do Ministro Herman Benjamin, firmou o entendimento de que "o novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da 'incumbência' do Estado de garantir a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I)." Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp 327.687/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/08/2013, DJe 26/08/2013)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. NOVO CÓDIGO FLORESTAL (LEI 12.651/2012). REQUERIMENTO. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO CONTRA ACÓRDÃO. INVIABILIDADE. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. RECEBIMENTO COMO EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC NÃO APONTADA. AUTO DE INFRAÇÃO. IRRETROATIVIDADE DA LEI NOVA. ATO JURÍDICO PERFEITO. DIREITO ADQUIRIDO. ART. 6º, CAPUT, DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO.
(...)
3. Precedente do STJ que faz valer, no campo ambiental-urbanístico, a norma mais rigorosa vigente à época dos fatos, e não a contemporânea ao julgamento da causa, menos protetora da Natureza: O "direito material aplicável à espécie é o então vigente à época dos fatos. In casu, Lei n. 6.766/79, art. 4º, III, que determinava, em sua redação original, a 'faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de cada lado' do arroio" (REsp 980.709/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 2.12.2008).
(...)
(PET no REsp 1240122/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/10/2012, DJe 19/12/2012)
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - CONSTUÇÃO - RESERVATÓRIO DE ÁGUA VERMELHA - RECUO DE 30 METROS - OBSERVÂNCIA - RESOLUÇÃO/CONAMA 302/2002 - ZONA URBANA - ILEGALIDADE DA AUTUAÇÃO. 1. Afastada a alegação de prescrição da pretensão punitiva do IBAMA, dada a natureza permanente do ilícito narrado, o qual se protrai no tempo (art. 1º, Lei nº 9.873/1999). 2. Incidência, in casu, da regulamentação do Código Florestal da época (Lei nº 4.771/65, art. 2º, "b"), qual seja, a Resolução/CONAMA nº 302/2002, em atendimento ao princípio "tempus regit actum", postulado geral de direito com sede no Decreto-Lei 4.657/42 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro). 3. O conceito de área de preservação permanente extraído da Resolução/CONAMA nº 302/2002, em vigor à época da lavratura dos atos administrativos questionados, vem prescrito pelos artigos 2º e 3º. Nesse sentido, o limite espacial da área de preservação, em torno dos reservatórios artificiais, poderá ser 30 ou 100 metros, a depender de estar localizada em zona urbana (e expansão urbana) ou rural. 4. O loteamento "Condomínio Parque Paraíso" está situado no perímetro urbano, por contar com os seguintes equipamentos de infraestrutura: coleta de lixo, malha viária, vias com iluminação pública, caixa de coleta de água, rede de energia elétrica e de água encanada e tratada, linhas de telefonia, entre outros. Prova pré-constituída nos autos. 5. Incontroverso o fato de haver o impetrante obedecido o limite de 30 metros do reservatório da represa de Água Vermelha. 6. Sem condenação em honorários advocatícios, a teor do disposto no art. 25 da Lei nº 10.016/2009.(AMS 00020488720084036124, DESEMBARGADOR FEDERAL MAIRAN MAIA, TRF3 - SEXTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/09/2015 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

No caso em tela, houve recurso apenas dos réus, razão pela qual o exame deste Juízo deve-se limitar a matéria devolvida, a saber: possibilidade ou não de condená-los em obrigação de fazer consistente em reflorestar toda a área de preservação permanente (item 2.c do dispositivo da sentença atacada), uma vez que deve ser respeitado o efeito devolutivo inerente ao recurso de apelação.


Desse modo, não cabe qualquer análise quanto à extensão da área de preservação permanente, devendo ser mantido o entendimento exposto na r. sentença no sentido de que a área de preservação permanente a ser considerada corresponde à faixa de 50 (cinquenta) metros, sob pena de reformatio in pejus.


A fim de conferir uma maior proteção ao meio ambiente, a Lei nº 6.938/81, denominada Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, prevê que a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva, ou seja, independe da caracterização da culpa, além de ser fundada na teoria do risco integral, razão pela qual é incabível a aplicação de excludentes de responsabilidade para afastar a obrigação de reparar ou indenizar, verbis:


"Art 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:
(...)
§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente."

Nesse sentido é firme a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça, o qual já se manifestou inclusive sob o rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973:


AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MATERIAIS E MORAIS A PESCADORES CAUSADOS POR POLUIÇÃO AMBIENTAL POR VAZAMENTO DE NAFTA, EM DECORRÊNCIA DE COLISÃO DO NAVIO N-T NORMA NO PORTO DE PARANAGUÁ - 1) PROCESSOS DIVERSOS DECORRENTES DO MESMO FATO, POSSIBILIDADE DE TRATAMENTO COMO RECURSO REPETITIVO DE TEMAS DESTACADOS PELO PRESIDENTE DO TRIBUNAL, À CONVENIÊNCIA DE FORNECIMENTO DE ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL UNIFORME SOBRE CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FATO, QUANTO A MATÉRIAS REPETITIVAS; 2) TEMAS: a) CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE NO JULGAMENTO ANTECIPADO, ANTE OS ELEMENTOS DOCUMENTAIS SUFICIENTES; b) LEGITIMIDADE DE PARTE DA PROPRIETÁRIA DO NAVIO TRANSPORTADOR DE CARGA PERIGOSA, DEVIDO A RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR; c) INADMISSÍVEL A EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE POR FATO DE TERCEIRO; d) DANOS MORAL E MATERIAL CARACTERIZADOS; e) JUROS MORATÓRIOS: INCIDÊNCIA A PARTIR DA DATA DO EVENTO DANOSO - SÚMULA 54/STJ; f) SUCUMBÊNCIA. 3) IMPROVIMENTO DO RECURSO, COM OBSERVAÇÃO.
1.- É admissível, no sistema dos Recursos Repetitivos (CPC, art. 543-C e Resolução STJ 08/08) definir, para vítimas do mesmo fato, em condições idênticas, teses jurídicas uniformes para as mesmas consequências jurídicas.
2.- Teses firmadas: a) Não cerceamento de defesa ao julgamento antecipado da lide.- Não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide (CPC, art. 330, I e II) de processo de ação de indenização por danos materiais e morais, movida por pescador profissional artesanal contra a Petrobrás, decorrente de impossibilidade de exercício da profissão, em virtude de poluição ambiental causada por derramamento de nafta devido a avaria do Navio "N-T Norma", a 18.10.2001, no Porto de Paranaguá, pelo período em que suspensa a pesca pelo IBAMA (da data do fato até 14.11.2001); b) Legitimidade ativa ad causam.- É parte legítima para ação de indenização supra referida o pescador profissional artesanal, com início de atividade profissional registrada no Departamento de Pesca e Aquicultura do Ministério da Agricultura, e do Abastecimento anteriormente ao fato, ainda que a emissão da carteira de pescador profissional tenha ocorrido posteriormente, não havendo a ré alegado e provado falsidade dos dados constantes do registro e provado haver recebido atenção do poder público devido a consequências profissionais do acidente; c) Inviabilidade de alegação de culpa exclusiva de terceiro, ante a responsabilidade objetiva.- A alegação de culpa exclusiva de terceiro pelo acidente em causa, como excludente de responsabilidade, deve ser afastada, ante a incidência da teoria do risco integral e da responsabilidade objetiva ínsita ao dano ambiental (art. 225, § 3º, da CF e do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81), responsabilizando o degradador em decorrência do princípio do poluidor-pagador. d) Configuração de dano moral.- Patente o sofrimento intenso de pescador profissional artesanal, causado pela privação das condições de trabalho, em consequência do dano ambiental, é também devida a indenização por dano moral, fixada, por equidade, em valor equivalente a um salário-mínimo. e) termo inicial de incidência dos juros moratórios na data do evento danoso.- Nos termos da Súmula 54/STJ, os juros moratórios incidem a partir da data do fato, no tocante aos valores devidos a título de dano material e moral; f) Ônus da sucumbência.- Prevalecendo os termos da Súmula 326/STJ, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não afasta a sucumbência mínima, de modo que não se redistribuem os ônus da sucumbência.
3.- Recurso Especial improvido, com observação de que julgamento das teses ora firmadas visa a equalizar especificamente o julgamento das ações de indenização efetivamente movidas diante do acidente ocorrido com o Navio N-T Norma, no Porto de Paranaguá, no dia 18.10.2001, mas, naquilo que encerram teses gerais, aplicáveis a consequências de danos ambientais causados em outros acidentes semelhantes, serão, como natural, evidentemente considerados nos julgamentos a se realizarem.
(REsp 1114398/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/02/2012, DJe 16/02/2012)(grifos nossos)
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELA EMISSÃO DE FLÚOR NA ATMOSFERA. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. POSSIBILIDADE DE OCORRER DANOS INDIVIDUAIS E À COLETIVIDADE. NEXO DE CAUSALIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. DANO MORAL IN RE IPSA.
1. Inexiste violação do art. 535 do Código de Processo Civil se todas as questões jurídicas relevantes para a solução da controvérsia são apreciadas, de forma fundamentada, sobrevindo, porém, conclusão em sentido contrário ao almejado pela parte.
2. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que, nos danos ambientais, incide a teoria do risco integral, advindo daí o caráter objetivo da responsabilidade, com expressa previsão constitucional (art. 225, § 3º, da CF) e legal (art. 14, § 1º, da Lei n.
6.938/1981), sendo, por conseguinte, descabida a alegação de excludentes de responsabilidade, bastando, para tanto, a ocorrência de resultado prejudicial ao homem e ao ambiente advindo de uma ação ou omissão do responsável.
3. A premissa firmada pela Corte de origem, de existência de relação de causa e efeito entre a emissão do flúor na atmosfera e o resultado danoso na produção rural dos recorridos, é inafastável sem o reexame da matéria fática, procedimento vedado em recurso especial. Aplicação da Súmula 7/STJ.
4. É jurisprudência pacífica desta Corte o entendimento de que um mesmo dano ambiental pode atingir tanto a esfera moral individual como a esfera coletiva, acarretando a responsabilização do poluidor em ambas, até porque a reparação ambiental deve ser feita da forma mais completa possível.
5. Na hipótese, a leitura da exordial afasta qualquer dúvida no sentido de que os autores - em sua causa de pedir e pedido - pleiteiam, dentre outras, a indenização por danos extrapatrimonias no contexto de suas esferas individuais, decorrentes do dano ambiental ocasionado pela recorrente, não havendo falar em violação ao princípio da adstrição, não tendo a sentença deixado de apreciar parcela do pedido (citra petita) nem ultrapassado daquilo que fora pedido (ultra petita).
6. A admissibilidade do recurso especial, na hipótese da alínea "c" do permissivo constitucional, exige a indicação das circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, mediante o cotejo dos fundamentos da decisão recorrida com o acórdão paradigma, a fim de demonstrar a divergência jurisprudencial existente (arts. 541 do CPC e 255 do RISTJ).
7. Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp 1175907/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/08/2014, DJe 25/09/2014)

Assim, basta a demonstração do dano ambiental e do nexo causal entre o resultado lesivo e a situação de risco criada pelo agente no exercício de atividade, no seu interesse e sob seu controle, dispensando-se o elemento subjetivo, para resultar na responsabilidade por dano ambiental.


Outrossim, a obrigação de reparar os danos ambientais é considerada propter rem, sendo irrelevante que o autor da degradação ambiental inicial não seja o atual o proprietário, possuidor ou ocupante, pois aquela adere ao título de domínio ou posse, sem prejuízo da solidariedade entre os vários causadores do dano, sendo inviável qualquer alegação de direito adquirido à degradação, nos termos do artigo 7° do novo Código Florestal:


"Art. 7o A vegetação situada em Área de Preservação Permanente deverá ser mantida pelo proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado.
§ 1o Tendo ocorrido supressão de vegetação situada em Área de Preservação Permanente, o proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título é obrigado a promover a recomposição da vegetação, ressalvados os usos autorizados previstos nesta Lei.
§ 2o A obrigação prevista no § 1o tem natureza real e é transmitida ao sucessor no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural."

Destaca-se que a novel legislação apenas veio positivar a jurisprudência já consolidada do C. Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a obrigação de reparação por dano ambiental possui natureza real, transmissível ao sucessor, a qualquer título, na hipótese de transferência de domínio ou posse do imóvel rural, razão pela qual incabível qualquer alegação visando eximir-se do dever de reparação do dano por ter ocorrido antes da novatio legis:


AMBIENTAL. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. FUNÇÃO ECOLÓGICA DA PROPRIEDADE. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. MÍNIMO ECOLÓGICO. DEVER DE REFLORESTAMENTO. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. ART. 18, § 1º, DO CÓDIGO FLORESTAL de 1965. REGRA DE TRANSIÇÃO.
1. Inexiste direito ilimitado ou absoluto de utilização das potencialidades econômicas de imóvel, pois antes até "da promulgação da Constituição vigente, o legislador já cuidava de impor algumas restrições ao uso da propriedade com o escopo de preservar o meio ambiente" (EREsp 628.588/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Primeira Seção, DJe 9.2.2009), tarefa essa que, no regime constitucional de 1988, fundamenta-se na função ecológica do domínio e posse.
2. Pressupostos internos do direito de propriedade no Brasil, as Áreas de Preservação Permanente e a Reserva Legal visam a assegurar o mínimo ecológico do imóvel, sob o manto da inafastável garantia constitucional dos "processos ecológicos essenciais" e da "diversidade biológica". Componentes genéticos e inafastáveis, por se fundirem com o texto da Constituição, exteriorizam-se na forma de limitação administrativa, técnica jurídica de intervenção estatal, em favor do interesse público, nas atividades humanas, na propriedade e na ordem econômica, com o intuito de discipliná-las, organizá-las, circunscrevê-las, adequá-las, condicioná-las, controlá-las e fiscalizá-las. Sem configurar desapossamento ou desapropriação indireta, a limitação administrativa opera por meio da imposição de obrigações de não fazer (non facere), de fazer (facere) e de suportar (pati), e caracteriza-se, normalmente, pela generalidade da previsão primária, interesse público, imperatividade, unilateralidade e gratuidade. Precedentes do STJ.
3. "A obrigação de reparação dos danos ambientais é propter rem" (REsp 1.090.968/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 3.8.2010), sem prejuízo da solidariedade entre os vários causadores do dano, descabendo falar em direito adquirido à degradação. O "novo proprietário assume o ônus de manter a preservação, tornando-se responsável pela reposição, mesmo que não tenha contribuído para o desmatamento. Precedentes" (REsp 926.750/MG, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJ 4.10.2007; em igual sentido, entre outros, REsp 343.741/PR, Rel. Min. Franciulli Netto, Segunda Turma, DJ 7.10.2002; REsp 843.036/PR, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, DJ 9.11.2006; EDcl no Ag 1.224.056/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 6.8.2010; AgRg no REsp 1.206.484/SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 29.3.2011; AgRg nos EDcl no REsp 1.203.101/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, DJe 18.2.2011). Logo, a obrigação de reflorestamento com espécies nativas pode "ser imediatamente exigível do proprietário atual, independentemente de qualquer indagação a respeito de boa-fé do adquirente ou de outro nexo causal que não o que se estabelece pela titularidade do domínio" (REsp 1.179.316/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 29.6.2010).
4. "O § 1º do art. 18 do Código Florestal quando dispôs que, 'se tais áreas estiverem sendo utilizadas com culturas, de seu valor deverá ser indenizado o proprietário', apenas criou uma regra de transição para proprietários ou possuidores que, à época da criação da limitação administrativa, ainda possuíam culturas nessas áreas" (REsp 1237071/PR, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 11.5.2011).
5. Recurso Especial não provido.
(REsp 1240122/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 11/09/2012)

Por outro lado, eventual preexistência de degradação ambiental não possui o condão de desconfigurar uma área de preservação permanente, tendo em vista que sua importância ecológica em proteger ecossistemas sensíveis ainda se perpetua, sendo a lei imperiosa no sentido de que constitui área protegida aquela coberta ou não por vegetação nativa (art. 1°, §2°, II, Lei n° 4.771/65 e art. 3, II, Lei n° 12.651/12). Assim, a recuperação ambiental revela-se necessária, em respeito ao fim social da propriedade e a prevalência do direito supraindividual ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.


No caso em tela, resta demonstrado pelos documentos que instruíram a inicial que os réus são proprietários do imóvel em tela, o que não refutado por eles em nenhum momento, tendo até admitido tal fato, razão pela qual eles são solidariamente responsáveis pela recomposição da vegetação e indenização pela degradação ambiental com outros eventuais proprietários ou possuidores.


Incumbindo ao réu o ônus da prova relativo a fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, descabe qualquer alegação de que a construção na área de preservação permanente em tela estaria autorizada legalmente, uma vez que a parte ré não trouxe nenhum indício de que desenvolve atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo natural em área rural consolidada até 22.07.2008, o que poderia configurar uma exceção legal. No mais, não se trata de fatos notórios, confessados pela parte contrária, incontroversos ou sobre os quais recai presunção legal de existência ou veracidade, situações que independeriam de prova.


Tratando-se a questão de proteção ao meio ambiente, incidem os princípios in dubio pro natura e da precaução, de modo que ao poluidor recai o ônus probatório de inocorrência de potencial ou efetiva degradação ambiental:


ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANOS AMBIENTAIS. ADIANTAMENTO DE DESPESAS PERICIAIS. ART. 18 DA LEI 7.347/1985. ENCARGO DEVIDO À FAZENDA PÚBLICA. DISPOSITIVOS DO CPC. DESCABIMENTO. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO.
(...)
3. Em ação ambiental, impõe-se a inversão do ônus da prova, cabendo ao empreendedor, no caso concreto o próprio Estado, responder pelo potencial perigo que causa ao meio ambiente, em respeito ao princípio da precaução. Precedentes.
4. Recurso especial não provido.
(REsp 1237893/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe 01/10/2013)
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL E DIREITO AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO DE USINA HIDRELÉTRICA. REDUÇÃO DA PRODUÇÃO PESQUEIRA. SÚMULA Nº 7/STJ. NÃO CABIMENTO. DISSÍDIO NOTÓRIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO INCONTESTE. NEXO CAUSAL. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. CABIMENTO. PRECEDENTES.
(...)
3. A Lei nº 6.938/81 adotou a sistemática da responsabilidade objetiva, que foi integralmente recepcionada pela ordem jurídica atual, de sorte que é irrelevante, na espécie, a discussão da conduta do agente (culpa ou dolo) para atribuição do dever de reparação do dano causado, que, no caso, é inconteste.
4. O princípio da precaução, aplicável à hipótese, pressupõe a inversão do ônus probatório, transferindo para a concessionária o encargo de provar que sua conduta não ensejou riscos para o meio ambiente e, por consequência, aos pescadores da região.
5. Agravo regimental provido para, conhecendo do agravo, dar provimento ao recurso especial a fim de determinar o retorno dos autos à origem para que, promovendo-se a inversão do ônus da prova, proceda-se a novo julgamento.
(AgRg no AREsp 206.748/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/02/2013, DJe 27/02/2013)
PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL. CONTAMINAÇÃO COM MERCÚRIO. ART. 333 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ÔNUS DINÂMICO DA PROVA. CAMPO DE APLICAÇÃO DOS ARTS. 6º, VIII, E 117 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. POSSIBILIDADE DE INVERSÃO DO ONUS PROBANDI NO DIREITO AMBIENTAL. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO NATURA.
1. Em Ação Civil Pública proposta com o fito de reparar alegado dano ambiental causado por grave contaminação com mercúrio, o Juízo de 1º grau, em acréscimo à imputação objetiva estatuída no art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81, determinou a inversão do ônus da prova quanto a outros elementos da responsabilidade civil, decisão mantida pelo Tribunal a quo.
2. O regime geral, ou comum, de distribuição da carga probatória assenta-se no art. 333, caput, do Código de Processo Civil. Trata-se de modelo abstrato, apriorístico e estático, mas não absoluto, que, por isso mesmo, sofre abrandamento pelo próprio legislador, sob o influxo do ônus dinâmico da prova, com o duplo objetivo de corrigir eventuais iniquidades práticas (a probatio diabólica, p. ex., a inviabilizar legítimas pretensões, mormente dos sujeitos vulneráveis) e instituir um ambiente ético-processual virtuoso, em cumprimento ao espírito e letra da Constituição de 1988 e das máximas do Estado Social de Direito.
3. No processo civil, a técnica do ônus dinâmico da prova concretiza e aglutina os cânones da solidariedade, da facilitação do acesso à Justiça, da efetividade da prestação jurisdicional e do combate às desigualdades, bem como expressa um renovado due process, tudo a exigir uma genuína e sincera cooperação entre os sujeitos na demanda.
4. O legislador, diretamente na lei (= ope legis), ou por meio de poderes que atribui, específica ou genericamente, ao juiz (= ope judicis), modifica a incidência do onus probandi, transferindo-o para a parte em melhores condições de suportá-lo ou cumpri-lo eficaz e eficientemente, tanto mais em relações jurídicas nas quais ora claudiquem direitos indisponíveis ou intergeracionais, ora as vítimas transitem no universo movediço em que convergem incertezas tecnológicas, informações cobertas por sigilo industrial, conhecimento especializado, redes de causalidade complexa, bem como danos futuros, de manifestação diferida, protraída ou prolongada.
5. No Direito Ambiental brasileiro, a inversão do ônus da prova é de ordem substantiva e ope legis, direta ou indireta (esta última se manifesta, p. ex., na derivação inevitável do princípio da precaução), como também de cunho estritamente processual e ope judicis (assim no caso de hipossuficiência da vítima, verossimilhança da alegação ou outras hipóteses inseridas nos poderes genéricos do juiz, emanação natural do seu ofício de condutor e administrador do processo).
6. Como corolário do princípio in dubio pro natura, "Justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar a segurança do empreendimento, a partir da interpretação do art. 6º, VIII, da Lei 8.078/1990 c/c o art. 21 da Lei 7.347/1985, conjugado ao Princípio Ambiental da Precaução" (REsp 972.902/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 14.9.2009), técnica que sujeita aquele que supostamente gerou o dano ambiental a comprovar "que não o causou ou que a substância lançada ao meio ambiente não lhe é potencialmente lesiva" (REsp 1.060.753/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 14.12.2009).
7. A inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, contém comando normativo estritamente processual, o que a põe sob o campo de aplicação do art. 117 do mesmo estatuto, fazendo-a valer, universalmente, em todos os domínios da Ação Civil Pública, e não só nas relações de consumo (REsp 1049822/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 18.5.2009).
8. Destinatário da inversão do ônus da prova por hipossuficiência - juízo perfeitamente compatível com a natureza coletiva ou difusa das vítimas - não é apenas a parte em juízo (ou substituto processual), mas, com maior razão, o sujeito-titular do bem jurídico primário a ser protegido.
9. Ademais, e este o ponto mais relevante aqui, importa salientar que, em Recurso Especial, no caso de inversão do ônus da prova, eventual alteração do juízo de valor das instâncias ordinárias esbarra, como regra, na Súmula 7 do STJ. "Aferir a hipossuficiência do recorrente ou a verossimilhança das alegações lastreada no conjunto probatório dos autos ou, mesmo, examinar a necessidade de prova pericial são providências de todo incompatíveis com o recurso especial, que se presta, exclusivamente, para tutelar o direito federal e conferir-lhe uniformidade" (REsp 888.385/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 27.11.2006. No mesmo sentido, REsp 927.727/MG, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJe de 4.6.2008).
10. Recurso Especial não provido.
(REsp 883.656/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/03/2010, DJe 28/02/2012)

Repise-se que o imóvel está situado em espaço territorial especialmente protegido pelo Poder Público, que está gravado por obrigação propter rem, de maneira que a alegação de pré-existência de construções à posse não exime seu titular da obrigação de reparar e indenizar os danos ambientais, em face da inexistência de direito adquirido de poluir.


Portanto, a mera intervenção antrópica em área de preservação permanente, por causar supressão da vegetação nativa ou, ao menos, por impedir sua regeneração natural, inexistindo autorização do Poder Público, o qual poderia concedê-la apenas em casos taxativamente previstas em lei (art. 4°, caput, Lei n° 4.717/65 e art. 8°, caput, Lei n° 12.651/12), causa dano ecológico in re ipsa.


A imputação de obrigações de fazer e não fazer destinam-se à recomposição in natura do bem lesado, contribuindo para a restauração do status quo ante do bem ambiental, finalidade maior a ser alcançada pelo Poder Público e pela sociedade, consoante os princípios do poluidor-pagador e da reparação integral do dano ambiental, nos termos dos artigos 225, §3°, da Constituição Federal e 4° da Lei n° 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente).


Neste contexto, para demonstrar que a indevida intervenção antrópica em área de preservação permanente implica em dano presumido ao meio ambiente, cabe transcrever mais uma ementa de julgado do C. Superior Tribunal de Justiça:


ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. CASAS DE VERANEIO ("RANCHOS"). LEIS 4.771/65 (CÓDIGO FLORESTAL DE 1965), 6.766/79 (LEI DO PARCELAMENTO DO SOLO URBANO) E 6.938/81 (LEI DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE). DESMEMBRAMENTO E LOTEAMENTO IRREGULAR. VEGETAÇÃO CILIAR OU RIPÁRIA. CORREDORES ECOLÓGICOS. RIO IVINHEMA. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. NULIDADE DA AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA AMBIENTAL. SILÊNCIO ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA, NO DIREITO BRASILEIRO, DE AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA AMBIENTAL TÁCITA. PRINCÍPIO DA LEGITIMIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DE OFÍCIO DE LICENÇA E DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. PRECEDENTES DO STJ.
1. Trata-se, originariamente, de Ação Civil Pública ambiental movida pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul contra proprietários de 54 casas de veraneio ("ranchos"), bar e restaurante construídos em Área de Preservação Permanente - APP, um conjunto de aproximadamente 60 lotes e com extensão de quase um quilômetro e meio de ocupação da margem esquerda do Rio Ivinhema, curso de água com mais de 200 metros de largura. Pediu-se a desocupação da APP, a demolição das construções, o reflorestamento da região afetada e o pagamento de indenização, além da emissão de ordem cominatória de proibição de novas intervenções. A sentença de procedência parcial foi reformada pelo Tribunal de Justiça, com decretação de improcedência do pedido.
ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE CILIAR
2. Primigênio e mais categórico instrumento de expressão e densificação da "efetividade" do "direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado", a Área de Preservação Permanente ciliar (= APP ripária, ripícola ou ribeirinha), pelo seu prestígio ético e indubitável mérito ecológico, corporifica verdadeira trincheira inicial e última - a bandeira mais reluzente, por assim dizer - do comando maior de "preservar e restaurar as funções ecológicas essenciais", prescrito no art. 225, caput e § 1º, I, da Constituição Federal.
3. Aferrada às margens de rios, córregos, riachos, nascentes, charcos, lagos, lagoas e estuários, intenta a APP ciliar assegurar, a um só tempo, a integridade físico-química da água, a estabilização do leito hídrico e do solo da bacia, a mitigação dos efeitos nocivos das enchentes, a barragem e filtragem de detritos, sedimentos e poluentes, a absorção de nutrientes pelo sistema radicular, o esplendor da paisagem e a própria sobrevivência da flora ribeirinha e fauna. Essas funções multifacetárias e insubstituíveis elevam-na ao status de peça fundamental na formação de corredores ecológicos, elos de conexão da biodiversidade, genuínas veias bióticas do meio ambiente. Objetivamente falando, a vegetação ripária exerce tarefas de proteção assemelhadas às da pele em relação ao corpo humano: faltando uma ou outra, a vida até pode continuar por algum tempo, mas, no cerne, muito além de trivial mutilação do sentimento de plenitude e do belo do organismo, o que sobra não passa de um ser majestoso em estado de agonia terminal.
4. Compreensível que, com base nessa ratio ético-ambiental, o legislador caucione a APP ripária de maneira quase absoluta, colocando-a no ápice do complexo e numeroso panteão dos espaços protegidos, ao prevê-la na forma de superfície intocável, elemento cardeal e estruturante no esquema maior do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Por tudo isso, a APP ciliar qualifica- se como território non aedificandi. Não poderia ser diferente, hostil que se acha à exploração econômica direta, desmatamento ou ocupação humana (com as ressalvas previstas em lei, de caráter totalmente excepcional e em numerus clausus, v.g., utilidade pública, interesse social, intervenção de baixo impacto).
5. Causa dano ecológico in re ipsa, presunção legal definitiva que dispensa produção de prova técnica de lesividade específica, quem, fora das exceções legais, desmata, ocupa ou explora APP, ou impede sua regeneração, comportamento de que emerge obrigação propter rem de restaurar na sua plenitude e indenizar o meio ambiente degradado e terceiros afetados, sob regime de responsabilidade civil objetiva. Precedentes do STJ.
LICENCIAMENTO AMBIENTAL
6. Se é certo que em licença, autorização ou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), ao Administrador, quando implementa a legislação ambiental, incumbe agregar condicionantes, coartações e formas de mitigação do uso e exploração dos recursos naturais - o que amiúde acontece, efeito de peculiaridades concretas da biota, projeto, atividade ou empreendimento -, não é menos certo que o mesmo ordenamento jurídico não lhe faculta, em sentido inverso, ignorar, abrandar ou fantasiar prescrições legais referentes aos usos restringentes que, por exceção, sejam admitidos nos espaços protegidos, acima de tudo em APP.
7. Em respeito ao princípio da legalidade, é proibido ao órgão ambiental criar direitos de exploração onde a lei previu deveres de preservação. Pela mesma razão, mostra-se descabido, qualquer que seja o pretexto ou circunstância, falar em licença ou autorização ambiental tácita, mormente por quem nunca a solicitou ou fê-lo somente após haver iniciado, às vezes até concluído, a atividade ou o empreendimento em questão. Se, diante de pleito do particular, o Administrador permanece silente, é intolerável que a partir da omissão estatal e do nada jurídico se entreveja salvo-conduto para usar e até abusar dos recursos naturais, sem prejuízo, claro, de medidas administrativas e judiciais destinadas a obrigá-lo a se manifestar e decidir.
8. Embora o licenciamento ambiental possa, conforme a natureza do empreendimento, obra ou atividade, ser realizado, conjunta ou isoladamente, pela União, Distrito Federal e Municípios, não compete a nenhum deles - de modo direto ou indireto, muito menos com subterfúgios ou sob pretexto de medidas mitigatórias ou compensatórias vazias ou inúteis - dispensar exigências legais, regulamentares ou de pura sabedoria ecológica, sob pena de, ao assim proceder, fulminar de nulidade absoluta e insanável o ato administrativo praticado, bem como de fazer incidir, pessoalmente, sobre os servidores envolvidos, as sanções da Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente (arts. 66, 67 e 69-A) e da Lei da Improbidade Administrativa, às quais se agrega sua responsabilização civil em regime de solidariedade com os autores diretos de eventual dano causado.
HIPÓTESE DOS AUTOS
9. O Recurso Especial em questão debate, entre outros pontos, os efeitos da suspensão de ofício da Licença de Operação 12/2008, emitida pelo órgão ambiental do Estado de Mato Grosso do Sul e incorporada às razões de decidir do acórdão recorrido. Nos Embargos de Declaração, o Parquet suscita, de maneira expressa, a suspensão de ofício da licença concedida, bem como diversas outras omissões. Em resposta, o respectivo acórdão limita-se a apontar pretensão supostamente infringente, sem examinar as impugnações, todas pertinentes para o deslinde da controvérsia. Por essa razão, vislumbro ofensa ao art. 535 do CPC. Precedentes do STJ em situações análogas.
10. Recurso Especial parcialmente provido para anular o acórdão dos Embargos de Declaração.
(REsp 1245149/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/10/2012, DJe 13/06/2013) (grifos nossos)

De rigor, portanto, a manutenção da condenação dos apelantes na obrigação de não-fazer consistente em não promover qualquer intervenção na área de preservação permanente, bem como nas obrigações de fazer consubstanciadas em construir ou adaptar, caso já existente, fossa séptica de acordo com as orientações do IBAMA ou CBRN, e em reflorestar toda a área de preservação permanente degradada, inclusive os locais onde se fez a "limpeza da vegetação", sob a supervisão do IBAMA ou CBRN, de acordo com a legislação vigente e autorização da CESP, nos termos estabelecidos na r. sentença.


Diante do exposto, nego provimento à apelação.


É o voto.


GISELLE FRANÇA
Juíza Federal Convocada


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