D.E. Publicado em 27/03/2017 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta por FABRÍCIO DUARTE ROCHA e SONIA YOSHIKO YOSHIHARA DUARTE em face da sentença que julgou parcialmente procedente a ação civil pública ambiental proposta pelo Ministério Público Federal.
Segundo narrado pelo Parquet Federal na inicial, os requeridos Fabrício Duarte Rocha e Sonia Yoshiko Yoshinara Rocha são possuidores de um imóvel situado no lote 30, do Loteamento Portal das Graças, Bairro Campinal, no Município de Presidente Epitácio/SP, cuja área total é de 0,384ha, localizado às margens do Reservatório da UHE Sérgio Motta (Porto Primavera), estando totalmente inserido em área de preservação permanente, impedindo a formação de estágios de regeneração natural da Mata Atlântica. Afirma que tal loteamento é clandestino, uma vez que inexistiu qualquer licença ou aprovação dos órgãos ambientais competentes. Ainda, aponta que a área objeto desta ação foi submetida a fiscalização pela Polícia Ambiental, aos 29.05.2005, sendo constatado que os possuidores gradearam com trator área de preservação permanente e construíram, nessa mesma área, uma edificação. Ademais, alega que, consoante vistoria realizada pela Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais - CBRN, aos 31.01.2011, o local está na faixa de 100 (cem) metros do reservatório em área rural, tendo em vista que apresenta apenas coleta de lixo esporádica e luz elétrica, bem como as construções iniciam-se a partir de 60 (sessenta) metros da cota máxima de operação (fls. 02/34).
O pedido liminar foi deferido para que os réus se abstivessem de: realizar qualquer nova construção em área de preservação permanente, com a paralização de todas as atividades antrópicas; promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal do imóvel, sem a autorização do órgão competente; e conceder o uso da área ocupada a qualquer interessado (fls. 37/38).
A União e o IBAMA passaram a integrar o polo ativo da ação, na qualidade de assistentes litisconsorciais (fls. 108 e 155).
Juntado Relatório Técnico Ambiental pelo IBAMA (fls. 78/90 e 143/154).
Devidamente citados, os réus apresentaram contestação (fls. 91/103).
Determinada a realização de vistoria técnica pela Companhia Energética de São Paulo (fl. 225), o respectivo laudo foi juntado à fl. 229.
Indeferido o pleito de produção de provas (fls. 290/291).
Aos 2 de setembro de 2013, o MM Juízo da 3ª Vara Federal de Presidente Prudente/SP, com fundamento no artigo 330, I, do Código de Processo Civil de 1973, julgou parcialmente procedente a ação civil pública, para fins de:
"1) Declarar que em relação ao imóvel objeto da ação a Área de Preservação Permanente a ser considerada corresponde à faixa desapropriada pela concessionária, definida na licença ambiental, ou seja, corresponde a 50 metros:
2) Condenar os réus:
2.a) na obrigação de não fazer consistente em não promover qualquer intervenção em referida área de APP;
2.b) na obrigação de fazer consistente em construir (ou adaptar, caso já existente) fossa séptica de acordo com as orientações do IBAMA ou CBRN e de acordo com a legislação ambiental e sanitária vigente.
2.c) na obrigação de fazer consistente em reflorestar toda a área de preservação permanente degradada nos termos da alínea "2.a" - inclusive os locais onde se fez a "limpeza da vegetação" - sob a supervisão do IBAMA ou CBRN, de acordo com a legislação vigente e autorização da CESP, devendo:
2.c.1) entregar ao órgão competente, no prazo de 60 (sessenta) dias, contado da intimação, projeto de recuperação ambiental, elaborado por técnico devidamente habilitado, onde deverá estar incluído o cronograma das obras e serviços;
2.c.2) iniciar a implantação do projeto de recuperação ambiental da área de preservação permanente, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data de sua aprovação pelos órgãos competentes, devendo obedecer todas as exigências e recomendações feitas pelo referidos órgãos, que forem compatíveis com a recuperação a ser realizada.
Ressalte-se que caso a fossa existente já cumpra com os requisitos técnicos, bastará aos réus comprovar que a fossa existente foi edificada de acordo com as normas técnicas e ambientais, ficando prejudicada eventual execução.".
(fls. 356/362)
Em razões recursais, os apelantes pugnam pela reforma da sentença, sob o fundamento de que não provocaram danos na área de preservação permanente ou impediram a regeneração natural da vegetação nativa, de modo que deve ser afastada a condenação em reflorestar referida área (fls. 364/367).
Foram apresentadas contrarrazões pelo Ministério Público Federal e pela União (fls. 369/375 e 382/385).
O recurso foi recebido nos efeitos devolutivo e suspensivo, com exceção da parte relativa à antecipação da tutela, recebida apenas naquele efeito (fl. 380).
A Procuradoria Regional da República da 3ª Região opina, em parecer, pelo improvimento do recurso (fls. 389/395).
É o relatório.
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VOTO
Inicialmente, destaca-se que a ação civil pública é um dos instrumentos processuais adequados para tutelar direitos e interesses supraindividuais, os quais abrangem os difusos, coletivos e individuais homogêneos pertinentes ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, à ordem econômica e urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos, ao patrimônio público e social, e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, conforme determina os artigos 129, III, da Constituição Federal e 1°, da Lei n° 7.347/85.
A manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado consiste em direito fundamental de terceira geração, sendo dever do Poder Público e da coletividade defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, conforme determina o artigo 225, da Constituição Federal:
Neste contexto de proteção ao direito fundamental ao meio ambiente sadio, com a finalidade de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, bem como proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, foram estabelecidas as áreas de preservação permanente entre os espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público, instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, VI, Lei nº 6.938/81), definidas tanto pelo antigo (art. 1°, §2°, II, Lei n° 4.771/65) quanto pelo novo Código Florestal (art. 3°, II, Lei n° 12.651/12):
Visando proteger tais espaços territoriais, através de fixação de parâmetros, definições e limites para as reservas ecológicas e áreas de preservação permanente no entorno de reservatórios artificiais, foram editadas as Resoluções n° 4, de 18.09.1985, n° 302, de 20.03.2002, e n° 303, de 20.03.2002, ambas pelo CONAMA, o qual possui a competência para editar tais atos normativos, conforme prevê o artigo 8°, VII, da Lei n° 6.938/81 e artigo 4° do Decreto n° 89.336/84.
No sentido de legalidade de tais Resoluções editadas pelo CONAMA, colaciono julgados do C. Superior Tribunal de Justiça:
Saliente-se que, em face dos princípios tempus regit actum e da não regressão ou vedação ao retrocesso ecológico, a legislação ambiental, ainda que revogada, tal como a Lei n° 4.771/65, pode ser aplicada aos fatos ocorridos antes da vigência da Lei n° 12.651/12, ainda que a norma seja mais gravosa ao poluidor.
Nesse sentido:
No caso em tela, houve recurso apenas dos réus, razão pela qual o exame deste Juízo deve-se limitar a matéria devolvida, a saber: possibilidade ou não de condená-los em obrigação de fazer consistente em reflorestar toda a área de preservação permanente (item 2.c do dispositivo da sentença atacada), uma vez que deve ser respeitado o efeito devolutivo inerente ao recurso de apelação.
Desse modo, não cabe qualquer análise quanto à extensão da área de preservação permanente, devendo ser mantido o entendimento exposto na r. sentença no sentido de que a área de preservação permanente a ser considerada corresponde à faixa de 50 (cinquenta) metros, sob pena de reformatio in pejus.
A fim de conferir uma maior proteção ao meio ambiente, a Lei nº 6.938/81, denominada Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, prevê que a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva, ou seja, independe da caracterização da culpa, além de ser fundada na teoria do risco integral, razão pela qual é incabível a aplicação de excludentes de responsabilidade para afastar a obrigação de reparar ou indenizar, verbis:
Nesse sentido é firme a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça, o qual já se manifestou inclusive sob o rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973:
Assim, basta a demonstração do dano ambiental e do nexo causal entre o resultado lesivo e a situação de risco criada pelo agente no exercício de atividade, no seu interesse e sob seu controle, dispensando-se o elemento subjetivo, para resultar na responsabilidade por dano ambiental.
Outrossim, a obrigação de reparar os danos ambientais é considerada propter rem, sendo irrelevante que o autor da degradação ambiental inicial não seja o atual o proprietário, possuidor ou ocupante, pois aquela adere ao título de domínio ou posse, sem prejuízo da solidariedade entre os vários causadores do dano, sendo inviável qualquer alegação de direito adquirido à degradação, nos termos do artigo 7° do novo Código Florestal:
Destaca-se que a novel legislação apenas veio positivar a jurisprudência já consolidada do C. Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a obrigação de reparação por dano ambiental possui natureza real, transmissível ao sucessor, a qualquer título, na hipótese de transferência de domínio ou posse do imóvel rural, razão pela qual incabível qualquer alegação visando eximir-se do dever de reparação do dano por ter ocorrido antes da novatio legis:
Por outro lado, eventual preexistência de degradação ambiental não possui o condão de desconfigurar uma área de preservação permanente, tendo em vista que sua importância ecológica em proteger ecossistemas sensíveis ainda se perpetua, sendo a lei imperiosa no sentido de que constitui área protegida aquela coberta ou não por vegetação nativa (art. 1°, §2°, II, Lei n° 4.771/65 e art. 3, II, Lei n° 12.651/12). Assim, a recuperação ambiental revela-se necessária, em respeito ao fim social da propriedade e a prevalência do direito supraindividual ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
No caso em tela, resta demonstrado pelos documentos que instruíram a inicial que os réus são proprietários do imóvel em tela, o que não refutado por eles em nenhum momento, tendo até admitido tal fato, razão pela qual eles são solidariamente responsáveis pela recomposição da vegetação e indenização pela degradação ambiental com outros eventuais proprietários ou possuidores.
Incumbindo ao réu o ônus da prova relativo a fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, descabe qualquer alegação de que a construção na área de preservação permanente em tela estaria autorizada legalmente, uma vez que a parte ré não trouxe nenhum indício de que desenvolve atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo natural em área rural consolidada até 22.07.2008, o que poderia configurar uma exceção legal. No mais, não se trata de fatos notórios, confessados pela parte contrária, incontroversos ou sobre os quais recai presunção legal de existência ou veracidade, situações que independeriam de prova.
Tratando-se a questão de proteção ao meio ambiente, incidem os princípios in dubio pro natura e da precaução, de modo que ao poluidor recai o ônus probatório de inocorrência de potencial ou efetiva degradação ambiental:
Repise-se que o imóvel está situado em espaço territorial especialmente protegido pelo Poder Público, que está gravado por obrigação propter rem, de maneira que a alegação de pré-existência de construções à posse não exime seu titular da obrigação de reparar e indenizar os danos ambientais, em face da inexistência de direito adquirido de poluir.
Portanto, a mera intervenção antrópica em área de preservação permanente, por causar supressão da vegetação nativa ou, ao menos, por impedir sua regeneração natural, inexistindo autorização do Poder Público, o qual poderia concedê-la apenas em casos taxativamente previstas em lei (art. 4°, caput, Lei n° 4.717/65 e art. 8°, caput, Lei n° 12.651/12), causa dano ecológico in re ipsa.
A imputação de obrigações de fazer e não fazer destinam-se à recomposição in natura do bem lesado, contribuindo para a restauração do status quo ante do bem ambiental, finalidade maior a ser alcançada pelo Poder Público e pela sociedade, consoante os princípios do poluidor-pagador e da reparação integral do dano ambiental, nos termos dos artigos 225, §3°, da Constituição Federal e 4° da Lei n° 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente).
Neste contexto, para demonstrar que a indevida intervenção antrópica em área de preservação permanente implica em dano presumido ao meio ambiente, cabe transcrever mais uma ementa de julgado do C. Superior Tribunal de Justiça:
De rigor, portanto, a manutenção da condenação dos apelantes na obrigação de não-fazer consistente em não promover qualquer intervenção na área de preservação permanente, bem como nas obrigações de fazer consubstanciadas em construir ou adaptar, caso já existente, fossa séptica de acordo com as orientações do IBAMA ou CBRN, e em reflorestar toda a área de preservação permanente degradada, inclusive os locais onde se fez a "limpeza da vegetação", sob a supervisão do IBAMA ou CBRN, de acordo com a legislação vigente e autorização da CESP, nos termos estabelecidos na r. sentença.
Diante do exposto, nego provimento à apelação.
É o voto.
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Data e Hora: | 17/03/2017 16:59:24 |