D.E. Publicado em 05/06/2017 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO à apelação dos réus, DAR PROVIMENTO PARCIAL à apelação ministerial e DAR PROVIMENTO à apelação da União e à remessa necessária, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O Senhor Desembargador Federal Nelton dos Santos (Relator): Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em face de José Aparecido Durante e outros requerendo, em síntese, a reparação do dano ambiental causado em área de preservação permanente (APP), às margens do Rio Paraná, consubstanciado na supressão e corte da vegetação, além do impedimento à regeneração natural, em razão da construção de rancho no local.
O pedido de antecipação da tutela foi deferido para determinar aos réus que se abstenham de realizar qualquer nova construção em área de preservação permanente e/ou inseridas nos limites da APA das ilhas e várzeas do Rio Paraná, com a paralisação de todas as atividades antrópicas, principalmente no que diz respeito a iniciar, dar continuidade ou concluir qualquer obra ou edificação (banheiros, fossas sépticas, aparelhos de lazer), bem como o despejo, no solo ou nas águas, de qualquer espécie de lixo doméstico ou de demais materiais ou substâncias poluidoras; para que se abstenham de promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal do referido imóvel, sem a autorização do órgão competente (CBRN, IBAMA e ICMBio); e para que não concedam o uso da área ocupada a qualquer interessado. Na oportunidade, o juízo a quo aplicou uma multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais) em caso de descumprimento da determinação (f. 49-50).
A União foi incluída no polo ativo da demanda, na qualidade de assistente litisconsorcial do MPF (f. 57).
Decretou-se a revelia dos réus Eduardo Olivo Cintra e José Paulo Flauzino, pois, devidamente citados, não apresentaram contestação (f. 467-469).
Ao final, o MM Juiz a quo julgou parcialmente procedente a ação, sob o fundamento de que se trata de rancho de pesca e lazer, consolidado como imóvel rural, conforme disposto no artigo 61-A, § 4º, inciso II, da Lei n. 12.651/2012. Nestes termos, condenou os réus Eduardo Olivo Cintra, José Paulo Flauzino, José Roberto Gonzalez e Darci de Almeida, atuais possuidores do imóvel: a) na obrigação de fazer consistente em demolir e remover todas as edificações (rampas, garagens, portões e etc), cercas, fossa negra, ou qualquer outra intervenção efetuada dentro da área de preservação permanente de 20 metros de largura (no mínimo), em projeção horizontal, medida a partir da borda da calha do leito regular do rio, no prazo máximo de 90 dias após sua intimação; b) na obrigação de não fazer consistente em não promover qualquer outra eventual intervenção em referida área; c) na obrigação de fazer consistente em reflorestar toda a área de preservação permanente degradada nos termos da alínea "a" - inclusive os locais onde se fez a limpeza da vegetação - sob a supervisão do IBAMA, CBRN ou CETESB, e de acordo com a legislação vigente, devendo: c.1) entregar ao órgão competente, no prazo de 60 (sessenta) dias, contado da intimação, projeto de recuperação ambiental, elaborado por técnico devidamente habilitado, onde deverá estar incluído o cronograma das obras e serviços; c.2) iniciar a implantação do projeto de recuperação ambiental da área de preservação permanente, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data de sua aprovação pelo órgão competente, devendo obedecer todas as exigências e recomendações feitas pelo referido órgão, que forem compatíveis com a recuperação a ser realizada; d) na obrigação de fazer consistente em construir ou adaptar, caso já existente, fossa séptica de acordo com as orientações do IBAMA, CBRN ou CETESB, e de acordo com a legislação ambiental e sanitária vigente. Condenou os réus, ainda, a pagar indenização pelos danos ambientais causados, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), na data da sentença, em favor do Fundo Constitucional de Interesses Difusos e Coletivos, e estabeleceu em R$ 500,00 (quinhentos reais) a multa diária em caso de descumprimento da sentença. Outrossim, deixou de fixar a condenação em honorários advocatícios, em razão da simetria (f. 552-559).
O réu Márcio Roberto de Alexandre opôs embargos de declaração (f. 562-563), os quais foram acolhidos para sanar a omissão apontada na sentença (f. 564).
O Ministério Público Federal apelou, sustentando, em síntese, que:
a) a faixa marginal a ser preservada no Rio Paraná é de 500 metros a partir da borda da calha do leito regular do rio, nos termos do artigo 4º, I, "e", da Lei n. 12.651/2012, razão pela qual o rancho em questão encontra-se totalmente inserido em APP;
b) o artigo 9º, § 2º, da Resolução CONAMA n. 369/06 veda a regularização de ocupações localizadas em áreas consideradas de risco de inundações, como no caso em comento, em que há inundações sazonais ocasionadas pelo aumento do nível do rio;
c) o fato de a construção ter sido edificada no passado não confere o direito de os proprietários continuarem interferindo em área de preservação permanente, pois inexiste direito adquirido quando se trata de direito ambiental;
d) a indenização fixada em R$ 1.000,00 (mil reais) não é suficiente para reparar a área degradada, sendo de rigor sua majoração.
A União interpôs apelação, aduzindo, em suma, que:
a) a APP, in casu, corresponde à faixa horizontal de 500 metros, inexistindo direito adquirido à degradação ambiental;
b) "admitir a preponderância de lei municipal sobre direito ambiental federal, implicaria autorizar os Municípios à redução da extensão de APP definida no Código Florestal, bem como legitimá-los a criar zonas administrativas de intervenção antrópica em área de preservação permanente, violando o próprio Código" (f. 606).
A apelação dos réus não foi recebida por ser intempestiva (f. 656).
O réu Eduardo Olivo Cintra e os demais proprietários do imóvel interpuseram recurso adesivo, alegando que:
a) à época em que adquiriram o terreno dos demais réus, no ano de 2013, as construções já existiam no local, o que os torna parte passiva ilegítima no feito, pelo fato de que não foram os causadores dos supostos danos ambientais na APP;
b) o indeferimento do pedido de realização de prova pericial configura cerceamento do direito de defesa, pois fere frontalmente o disposto no artigo 5º, X e XII, da CF/1988, tornando o processo nulo;
c) a sentença deve ser anulada diante da violação ao princípio da legalidade e da valoração incorreta da prova, pois tanto a APP quanto o tamanho da área construída foram definidos de forma equivocada e não condizentes com a realidade dos fatos;
d) a Sra. Geni Gomes Ramos de Oliveira foi a responsável pela construção do rancho, motivo pelo qual deve figurar no polo passivo da demanda;
e) o novo Código Florestal trouxe a possibilidade de regularização fundiária em área urbana consolidada, mesmo tratando-se de área de preservação permanente, o que desde já requer, pois a demolição das edificações trará mais prejuízos ao meio ambiente.
Com contrarrazões dos réus (f. 657-690), do Ministério Público Federal (f. 734-750) e da União (f. 752-757), vieram os autos a este Tribunal.
A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra da e. Dra. Laura Noeme dos Santos, opinou pelo provimento das apelações do Ministério Público Federal e da União (f. 759-763).
É o relatório.
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VOTO
O Senhor Desembargador Federal Nelton dos Santos (Relator): Submete-se ao duplo grau de jurisdição obrigatório a sentença que reconhecer a carência da ação ou julgar improcedente, no todo ou em parte, o pedido deduzido em sede de ação civil pública, por força da aplicação analógica da regra contida no artigo 19 da Lei n. 4.717/65. Realizo, pois, de ofício, o reexame necessário, nos termos do artigo 496 do Código de Processo Civil.
Analiso, inicialmente, as preliminares arguidas pela parte ré.
Cumpre asseverar que, nos casos de reparação de danos ambientais causados em área de preservação permanente, a obrigação é propter rem, aderindo ao título de domínio ou posse, independente da efetiva autoria da degradação ambiental, de modo que a legitimidade passiva dos réus decorre da aquisição da propriedade em questão, sendo irrelevante para o deslinde da causa quem efetivamente edificou o imóvel.
Nesse sentido, os precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça:
Sendo assim, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva dos réus e de legitimidade passiva da proprietária anterior.
No tocante à alegação de cerceamento de defesa, razão não assiste aos réus, pois a parte interessada deixou de recorrer oportunamente da decisão que indeferiu a produção de prova pericial, restando a questão preclusa.
Insta salientar que os pedidos relacionados à violação ao princípio da legalidade e à valoração incorreta da prova se confundem com o mérito e naquele momento serão apreciados.
Superadas as preliminares, passo à apreciação do mérito.
A presente ação civil pública foi ajuizada inicialmente em face de José Aparecido Durante, Márcio Roberto Alexandre, Onofre Panzarini, Jorge Carlos Gallego e Flávio Gardin, os quais adquiriram o imóvel da Sra. Geni Gomes Ramos de Oliveira, no ano de 2005.
No curso da demanda, sobreveio a informação de que os réus venderam o rancho para Eduardo Olivo Cintra, Adão Odorizzi, José Paulo Flauzino e João Roberto Gonzalez, no ano de 2013, o que ensejou o aditamento da inicial para inclusão dos novos proprietários no polo passivo da lide. O réu Adão Odorizzi, por sua vez, afirmou ter doado sua parte do imóvel para Darci de Almeida, o qual confirmou o fato e também foi incluído no polo passivo.
Pois bem. O imóvel em questão situa-se no bairro Beira Rio, no Município de Rosana, às margens do Rio Paraná.
O ponto nodal da questão refere-se à natureza do local em que o rancho foi construído, se consistente em área de preservação permanente (APP), tal como defendido pelo MPF, em área urbana consolidada, conforme alegado pelos réus, ou em área rural consolidada (rancho de pesca e lazer), consoante reconhecido na sentença.
Especificamente acerca da área marginal dos rios, preconizava o artigo 2º da Lei nº 4.771/65, Código Florestal vigente à época da autuação dos réus:
Sobreveio a Resolução CONAMA n. 303/2002, assim dispondo:
O atual Código Florestal (Lei n. 12.651/2012) manteve as disposições da Lei nº 4.771/65, no que tange às áreas marginais de rios, conforme segue:
Do cotejo da legislação em comento com o caso concreto versado nos autos, conclui-se que se considera área de preservação permanente, relativamente ao Rio Paraná - o qual possui um leito de mais de 2.300 (dois mil e trezentos) metros de largura - a faixa marginal de largura mínima de 500 (quinhentos) metros desde a borda da calha do leito regular.
Muito embora não se saiba a época exata da construção do rancho, vê-se que a legislação, desde a entrada em vigor do primeiro Código Florestal, estabelecia uma faixa protetiva de 500 metros para os rios cuja largura fosse superior a 600 metros.
Ademais, tratando das áreas de preservação permanente, o artigo 61-A do novo Código Florestal, incluído pela Medida Provisória nº 571/2012, convertida na Lei nº 12.727/2012, autoriza "exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008". Não é protegida, portanto, toda e qualquer intervenção consolidada até referida data, mas apenas a continuidade de certas atividades consolidadas até então.
Segundo o consagrado dicionário Houaiss, o vocábulo "turismo" pode ser compreendido como a "ação ou efeito de viajar, basicamente com fins de entretenimento e eventualmente com outras finalidades" ou como o "conjunto de atividades econômicas associadas a essa atividade e dependentes dos turistas". Nenhuma dessas acepções amolda-se à manutenção de rancho particular, com finalidade de lazer próprio.
No caso específico dos autos, chega a ser despropositada a afirmação de que se poderia equiparar a utilização do rancho às atividades de "ecoturismo" ou de "turismo rural". O ecoturismo pressupõe a cultura ou a difusão da ideia de proteção ao meio ambiente; e turismo rural simplesmente não existe em um imóvel caracterizado, basicamente, por uma casa.
Além disso, cumpre registrar que o reconhecimento por parte do Município de que um determinado local é área urbana ou consolidada não afasta a aplicação da legislação ambiental, até mesmo porque depende de prévia autorização do órgão ambiental competente, fundamentada em parecer técnico, para supressão da vegetação na área de preservação permanente, o que não ocorreu na hipótese em análise, pois houve a ocupação e construção clandestina, sem qualquer autorização do Poder Público.
E ainda que assim não fosse, o reconhecimento da área urbana consolidada ou da área rural consolidada depende da comprovação de que a área não ofereça risco à vida ou à integridade física das pessoas, nos termos dos artigos 61-A, § 12, e 65 da Lei n. 12.651/2012.
Segundo o Relatório Técnico de Vistoria, acostado às f. 87-99 dos autos em apenso, a largura do Rio Paraná no local é superior a 500 metros. Informa, ainda, a presença de fossa negra no bairro Beira Rio, o que leva invariavelmente à contaminação do solo e das águas subterrâneas, pois, com as constantes ocorrências de inundações na área, por ocasião das cheias, ocorre o contato direto dos resíduos presentes nas fossas negras (dejetos humanos) com as águas do rio. Por fim, afirma que "a medida inicial para recompor a APP é promover a retirada das construções e de qualquer outra intervenção resultante das atividades humanas no local" (f. 90).
De acordo com o Laudo de Perícia Criminal Federal Ambiental produzido pelo Núcleo de Criminalística da Polícia Federal, o bairro Beira Rio encontra-se totalmente inserido na faixa de proteção marginal de 500 metros e as edificações são simples, sobre palafitas, devido à ocorrência de enchentes sazonais. Os peritos verificaram a presença de energia elétrica no local e a ausência de malha viária com canalização de águas pluviais, de rede de abastecimento de água e de redes de esgoto e águas pluviais (utilização de fossas e/ou descarte diretamente no rio). O laudo apurou, ainda, que os danos observados são decorrentes da remoção da vegetação nativa, solo e implantações de áreas impermeabilizadas na APP das margens do Rio Paraná, e que a utilização antrópica do local impede o restabelecimento da vegetação, podendo trazer novos danos ambientais em razão do lançamento de efluentes (esgotos), ocupação irregular das margens e de áreas de várzeas alagáveis sem o competente licenciamento ambiental (f.123-152 dos autos em apenso).
Com efeito, colhe-se das declarações prestadas pelos réus Márcio Roberto Alexandre, Onofre Panzarini e Jorge Carlos Gallego que o imóvel foi construído a cerca de 5 metros da margem do rio, estando inserido, portanto, em APP.
Nota-se que a permanência dos réus no local coloca em risco sua própria segurança, tendo em vista que a construção ali existente adentra ao próprio leito do rio.
Dessa maneira, não há se falar em direito adquirido, porquanto desde 1965, ou seja, muito tempo antes da construção do rancho, a faixa marginal de 500 metros já era considerada como área de preservação permanente, o que comprova a irregularidade da edificação.
Uma vez evidenciado o dano ambiental causado pela construção e consequente permanência em área de preservação permanente, devem ser os proprietários ou possuidores condenados a reparar o meio ambiente, em cumprimento ao mandamento constitucional previsto no art. 225, §2º, da Constituição Federal).
Assim, de rigor a demolição do rancho denominado G-5, localizado no lote 13, no bairro Beira-Rio, em Rosana/SP, em observância ao limite de 500 (quinhentos) metros do leito do Rio Paraná, mantendo-se as demais determinações constantes da sentença, exceto em relação à construção de fossa séptica, que resta prejudicada diante da demolição do imóvel.
No que diz respeito à indenização, o E. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que é possível a cumulação das sanções decorrentes de dano ambiental, ressalvando, porém, não ser obrigatória a indenização quando possível a recomposição ou saneamento da área degradada. Veja-se:
No caso vertente, a indenização foi fixada no importe de R$ 1.000,00 (mil reais) e deve ser assim mantida, a uma, em razão da ausência de recurso acerca desta questão por parte dos réus, e a duas, para privilegiar o cunho reparatório da sanção aplicada pela degradação ambiental, até porque a perícia técnica atestou a viabilidade da regeneração da vegetação nativa, com a demolição da intervenção antrópica e implantação de plano de reflorestamento.
Nesse sentido, os seguintes precedentes desta Corte Regional:
Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO à apelação dos réus, DAR PROVIMENTO PARCIAL à apelação ministerial e DAR PROVIMENTO à apelação da União e à remessa necessária para reconhecer como área de preservação permanente a faixa de 500 metros de largura, em projeção horizontal, medida a partir da borda da calha do Rio Paraná, mantendo-se as demais determinações constantes da sentença, exceto em relação à construção de fossa séptica, que resta prejudicada diante da demolição do imóvel.
Proceda a Subsecretaria à renumeração dos autos a partir da f. 607.
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