Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 05/12/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006149-05.2014.4.03.6110/SP
2014.61.10.006149-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS
APELANTE : ANA MARIA ALVES
ADVOGADO : SP129395 LUIZ MARIO PEREIRA DE SOUZA GOMES e outro(a)
APELADO(A) : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS
No. ORIG. : 00061490520144036110 1 Vr SOROCABA/SP

EMENTA

DIREITO INTERNACIONAL E PROCESSUAL CIVIL. CONVENÇÃO SOBRE OS ASPECTOS CIVIS DO SEQUESTRO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS. DECRETO Nº 3.413/2000. COOPERAÇÃO JURÍDICA ENTRE ESTADOS SOBERANOS. AÇÃO DE BUSCA, APREENSÃO E RESTITUIÇÃO PROPOSTA PELA UNIÃO FEDERAL. INTEGRAÇÃO DA CRIANÇA EM SEU NOVO AMBIENTE. RUPTURA DO NÚCLEO FAMILIAR. RISCO DE GRAVE PERIGO DE ORDEM PSÍQUICA. APELAÇÃO PROVIDA.
I. Cinge-se a controvérsia à aplicação da Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, ratificada pelo ordenamento jurídico brasileiro vinte anos após sua conclusão mediante a edição do Decreto nº 3.413, de 14/04/2000, que entrou em vigor na data de sua publicação no DOU em 17/04/2000.
II. Com efeito, a referida Convenção, que é a mais importante a dispor sobre os direitos das crianças, integrando-se ao contexto da Convenção Interamericana sobre Restituição de Menores, tem como escopo a tutela do princípio do melhor interesse da criança. Esse princípio, segundo o entendimento do Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, teve sua origem na Declaração Universal dos Direitos da Criança, adotada pela Organização das Nações Unidas - ONU no ano de 1959. O best interest of the child, ou princípio do melhor interesse da criança, deve ser entendido tendo em vista as verdadeiras necessidades da criança envolvida. O bem estar da criança deverá ser garantido, deixando qualquer interesse relativo aos pais para o segundo plano. Ou seja, o interesse da criança deverá se sobrepor ao de seus pais, quando em colidência ou quando inconciliáveis.
III. No caso em tela, parece inquestionável a prática de ato ilícito por parte da requerida, Ana Maria Alves, correspondente, especificamente, à retirada da menor da Espanha, país de residência habitual da família, sem o consentimento do pai Manuel Diaz Ruiz, diante do descumprimento dos termos de guarda e custódia fixados na sentença nº 626/2010, proferida pelo Juizado de Primeira Instância de Barcelona, em que restou assim estabelecido: "O poder familiar será compartilhado entre ambos os progenitores, de maneira que as decisões importantes referentes à saúde, educação, domicílio, formação integral e desenvolvimento deverão ser adotadas em comum acordo entre ambos os progenitores. A guarda e custódia corresponderão à mãe, Ana Maria Alves, sendo que a menor reside no domicílio materno.".
IV. Assim sendo, em linha de princípio, o caso em questão enquadra-se na hipótese prevista no artigo 12 da Convenção, que prevê a imediata devolução da criança quando tiver decorrido menos de 1 (um) ano entre a data da transferência ou retenção indevida e a data de início do processo de repatriação no Estado que estiver abrigando a criança.
V. Não obstante, ainda que não tenha decorrido o prazo de 1 (um) ano estabelecido, saliente-se que a Convenção de Haia autoriza a manutenção da criança no país em que estiver abrigada se o retorno comprometer o seu bem-estar físico ou psicológico, priorizando, portanto, o seu interesse em detrimento da vontade dos pais. Tal assertiva consta do artigo 13 da Convenção onde se prevê, inclusive, a possibilidade de oitiva da própria criança quando esta já atingiu certo grau de maturidade.
VI. Portanto, o deslinde da questão posta nos autos passa para além da aplicação literal da letra da lei, exigindo exame mais aprofundado sobre a situação da criança para que se possa aferir, na redação do próprio artigo 12 da Convenção, se a mesma se encontra integrada no meio social em que atualmente vive, pois, como bem assentado no julgamento do REsp nº 1.239.777/PE, a Convenção de Haia, não obstante apresente reprimenda rigorosa ao sequestro internacional de menores com determinação expressa de retorno destes ao país de origem, garante o bem estar e a integridade física e emocional da criança, o que deve ser avaliado de forma criteriosa.
VII. Registre-se, nesse ponto, que Victória passou por um infeliz episódio de dissolução familiar que resultou em completa alteração na estrutura social em que se encontrava inserida. Nesse novo lar, proporcionado pela mãe e pelo padrasto, foi acolhida com carinho por seus familiares e amigos. Ademais, não se ignora os esforços que teve de fazer para se adaptar a um ambiente tão distinto daquele a que estava acostumada na Espanha. Diversos percalços tiveram de ser superados, desde a questão da comunicação, até a paulatina reorganização do meio social, através da frequência em novas escolas e tantas outras experiências distintas que impossível enumerar com precisão e de forma exauriente. Porém, atestadas nos autos por meio de vasta documentação.
VIII. Assim sendo, tenho que não seria prudente submeter a referida infanta a uma nova ruptura de vínculos sociais e afetivos, ainda mais na idade em que atualmente se encontram, pois, se à época da retenção, a menor Victória Diaz Alves possuía 7 (sete) anos de idade, hoje encontra-se com 11 (onze) anos, em plena pré-adolescência, sendo inegável as inúmeras raízes parentais e relações sociais aqui estabelecidas nesses últimos 4 (quatro) anos e a relevância inarredável da presença materna nesse estágio da vida.
IX. Cumpre esclarecer que este Relator não desconhece corrente da jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que entende que o decurso do tempo não pode servir para validar atos ilícitos, sob pena de beneficiar o infrator. Todavia, apesar de concordar, em linha de princípio, com tal posicionamento, também não se pode ignorar que o tempo passou e, nesse ínterim, fatos foram criados, relações foram estabelecidas e laços afetivos foram firmados.
X. Cabe esclarecer que o entendimento deste Relator não tem base em posição de chauvinismo nacionalista, que acaba por crer cegamente que é sempre do interesse da criança ser criada em nosso país e não alhures. Todavia, considerando a atual situação da menor e tendo em conta o aspecto finalístico da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, que visa a garantir o melhor interesse da criança, a presente ação de busca, apreensão e restituição deverá ser julgada improcedente, com a manutenção de Victória Diaz Alves no País e na residência onde já se encontra.
XI. Deveras, o retorno da menor para a Espanha após plena adaptação ao novo ambiente, constitui risco grave de submetê-la a perigos de ordem física, psíquica ou, de qualquer modo, a uma situação intolerável, passível de ser desencadeada em razão da devolução.
XII. Apelação a que se dá provimento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte requerida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 14 de novembro de 2017.
VALDECI DOS SANTOS
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006149-05.2014.4.03.6110/SP
2014.61.10.006149-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS
APELANTE : ANA MARIA ALVES
ADVOGADO : SP129395 LUIZ MARIO PEREIRA DE SOUZA GOMES e outro(a)
APELADO(A) : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS
No. ORIG. : 00061490520144036110 1 Vr SOROCABA/SP

RELATÓRIO

Trata-se de ação ordinária de busca, apreensão e restituição de menores, proposta pela União Federal, em face de Ana Maria Alves, com fundamento na Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, de 25 de outubro de 1980, promulgada pelo Brasil por meio do Decreto nº 3.413, de 14 de abril de 2000.

Pleiteia a União Federal, no exercício de atividade de auxílio direto, prestado sob o manto da chamada cooperação jurídica internacional e por meio da presente ação, ajuizada em prol do cidadão espanhol Manuel Diaz Ruiz, a repatriação da menor, de nacionalidade espanhola e brasileira, Victoria Diaz Alves.

Consta dos autos que Victoria Diaz Alves é filha de Ana Maria Alves e Manuel Diaz Ruiz, nascida em Barcelona, Espanha, em 18 de abril de 2006, onde conviveu com os pais até 04 de julho de 2013, quando a genitora e a menina empreenderam viagem ao Brasil, e aqui se estabeleceram no município de Porto Feliz/SP.

Narra a parte autora que, em maio de 2013, a requerida solicitou ao seu ex marido, genitor de Victoria, a alteração da semana em que ficaria com a criança, de agosto para julho, e em 07 de julho do mesmo ano, através de ligação telefônica, comunicou-lhe que estava no Brasil e que havia decidido unilateralmente manter a criança no país, de modo que não retornaria à Espanha. Em face do ocorrido, Manuel Diaz Ruiz formulou, perante a autoridade espanhola, pedido de cooperação jurídica internacional, com a finalidade de obter a repatriação de sua filha.

Alega a União Federal que a situação examinada nos autos caracteriza retenção ilícita da menor no país, subsumindo-se aos termos do art. 3º, da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, razão pela qual deve ser julgado procedente o pedido para determinar a busca, apreensão e restituição da menina Victoria Diaz Alves ao país de origem, o Reino da Espanha.

Registre-se que foi deferido pedido de liminar apenas para proibir a alteração de domicílio de Victoria Diaz Alves, sendo intimadas todas as pessoas que com ela residem, e para que se procedesse à apreensão e depósito em juízo dos seus documentos de identidade e passaporte (fls. 166/178).

Em cumprimento à liminar, a Oficial de Justiça Marcela Ximenes Vieira dos Santos compareceu ao endereço designado e, após citar e intimar Ana Maria Alves e Pedro Serrano Rabella, atual marido da genitora, apreendeu os passaportes brasileiros da mãe e da filha, bem como a certidão de nascimento de Victoria. Ainda, a Oficial de Justiça entregou o Ofício nº 405/2014, onde constava o teor da decisão liminar, ao Juízo da Infância e Juventude de Porto Feliz/SP, ao Ministério Público Estadual, ao Conselho Tutelar Municipal de Porto Feliz/SP e à Superintendência Regional da Polícia Federal. Foram também anexadas à certidão de cumprimento do mandado fotografias das áreas externas e internas da residência ocupada pela família.

Na contestação apresentada, a requerida Ana Maria Alves, argumenta que mantinha a guarda e custódia da menor Victoria Diaz Alves em virtude de acordo celebrado com o ex marido no processo de divórcio ajuizado na Espanha e, em julho de 2013, dirigiu-se ao Brasil juntamente com a menina, com o intuito de estabelecer residência definitiva no país, sendo que fez tudo com o consentimento do genitor Manuel Diaz Ruiz, motivo pelo qual não houve transferência ilícita da menor.

Assim sendo, passaram a residir com Pedro Serrano Rabella, também espanhol, com quem a mãe mantém relacionamento desde que Victoria possuía 3 (três) anos de idade, em uma chácara na cidade de Porto Feliz/SP, tendo a menina rotina de vida bem definida, sendo bem alimentada, morando em casa bastante confortável e frequentando escola regularmente.

Alega, ainda, que por diversas vezes entrou em contato com o pai de Victoria oferecendo, inclusive, o pagamento de todas as despesas para que o mesmo viesse visitar a filha no Brasil, todavia, tal oferta foi recusada pelo genitor.

A requerida contratou profissional da área psiquiátrica com o objetivo de produzir um laudo de avaliação da criança Victoria Diaz Alves, juntado nos autos nas fls. 267/286.

Sobreveio sentença (fls. 339/375), que julgou procedente o pedido da União Federal, concedendo a antecipação dos efeitos da tutela, para determinar a busca e apreensão da menor Victoria Diaz Alves para ser encaminhada à Autoridade Central Espanhola, com o intuito de viabilizar o retorno delas à Espanha, de acordo com as normas previstas na Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis da Subtração Internacional de Crianças. Condenou, ainda, a requerida, ao pagamento das custas processuais e despesas a União Federal no processo administrativo, bem como honorários advocatícios fixados em R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Foi produzido laudo psicossocial pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social - CREAS do Município de Porto Feliz/SP (fls. 396/398).

Embargos de declaração opostos pela requerida foram rejeitados (fls. 407/409).

Contra a sentença proferida nos autos a requerida apresentou recurso de apelação (fls. 416/430), alegando que a menina está plenamente adaptada ao Brasil e que a transferência para a Espanha poderá resultar em abalos psicológicos a ela, conquanto não terão lá a vida social que desenvolveu aqui. Aliás, com a separação de seus pais, a convivência com o pai (Manuel) restou difícil, não bastasse, a mãe insiste que possuía a guarda e custódia da menor em razão de acordo celebrado na Justiça Espanhola. Impõe-se, assim, a reforma da sentença recorrida.

Foram interpostos Agravos de Instrumento perante esta Egrégia Corte Regional (Proc. nº 2015.03.00.28359-0 e 2016.03.00.001480-6), visando obter a reversão da decisão que concedeu a tutela antecipada e o recebimento do recurso de apelação no duplo efeito. O primeiro Agravo de Instrumento não foi conhecido e o segundo foi julgado procedente para receber o recurso de apelação no efeito suspensivo, objetando a saída da criança do Brasil neste momento processual.

Foram apresentadas contrarrazões de apelação pela União Federal (fls. 493/507) sustentando a impossibilidade de produção de prova pericial para verificação da eventual adaptação da criança ao novo ambiente, tendo em vista que transcorreu menos de um ano entre a subtração ilícita da criança e o início do procedimento perante a Autoridade Central Brasileira, devendo, portanto, ser aplicado o artigo 12, §1º, da Convenção de Haia.

Assim, subiram os autos a este Egrégio Tribunal Regional Federal.

A requerida peticionou nos autos informando que foi notificada pelo Poder Judiciário da Espanha para comparecer a audiência designada para o dia 30 de maio de 2016, razão pela qual requereu a liberação de seu passaporte para empreender viagem ao referido país (fls. 517/519).

Manifestou-se o Ministério Público Federal (fls. 558/570), por meio de seu Procurador Regional, pelo desprovimento da apelação interposta para que seja confirmada a sentença recorrida. Contudo, afirmou que não há óbice para a liberação do passaporte da requerida.

No âmbito desta Corte Federal, este Relator deferiu o pedido de restituição do passaporte de Ana Maria Alves, para fins de viagem à Espanha, devendo o mesmo ser devolvido à 1º Vara da Justiça Federal de Sorocaba/SP, no prazo de 3 (três) dias úteis, a contar de seu retorno e ingresso no território nacional.

A requerida apresentou cópia traduzida da sentença proferida pelo Juizado de Primeira Instância nº 17 de Barcelona (Família) em que restou julgada parcialmente procedente a demanda para alterar temporariamente a residência da menor Victoria Diaz Alves, permitindo-a continuar residindo no Brasil até que a questão seja decidida por este Tribunal Regional Federal (fls. 598/607).

A União Federal e o Ministério Público Federal foram intimados e se manifestaram pelo prosseguimento da ação.

É o relatório.

VOTO

Como premissa inicial, importante salientar que a decisão a ser proferida nos autos há de ser aquela que melhor atenda ao bem-estar da criança, em atitude de reverência aos princípios consagrados na Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, incorporada ao direito brasileiro por meio do Decreto nº 3.413/2000.

Claro está, outrossim, a dificuldade de aferição dos prejuízos que poderão advir a criança em decorrência da definição do local de sua residência habitual, questão a ser resolvida no presente feito.

Residindo cada um dos pais em países diferentes e tão longínquos, a distância de um deles inevitavelmente imporá a essa criança separação que poderá revelar-se penosa e isso escapa ao desejo geral. Em que pese isso, resta buscar a melhor aplicação da lei ao caso concreto, na busca de solução que melhor atenda aos interesses da menina. Frise-se, esta a finalidade essencial das normas inscritas na mencionada Convenção.

Feito o registro acima, passo ao exame do mérito da causa.

Cinge-se a controvérsia à aplicação da Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, ratificada pelo ordenamento jurídico brasileiro, vinte anos após sua conclusão, mediante a edição do Decreto nº 3.413, de 14/04/2000, que entrou em vigor na data de sua publicação no DOU em 17/04/2000, tendo como objetivo:
Artigo 1º:
a) assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente;
b) fazer respeitar de maneira efetiva nos outros Estados Contratantes os direitos de guarda e de visita existentes num Estado Contratante.
Com efeito, a referida Convenção, que é a mais importante a dispor sobre os direitos das crianças, integrando-se ao contexto da Convenção Interamericana sobre Restituição de Menores, tem como escopo a tutela do princípio do melhor interesse da criança. Esse princípio, segundo o entendimento do Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, teve sua origem na Declaração Universal dos Direitos da Criança, adotada pela Organização das Nações Unidas - ONU no ano de 1959. O best interest of the child, ou princípio do melhor interesse da criança, deve ser entendido tendo em vista as verdadeiras necessidades da criança envolvida. O bem estar da criança deverá ser garantido, deixando qualquer interesse relativo aos pais para o segundo plano. Ou seja, o interesse da criança deverá se sobrepor ao de seus pais, quando em colidência ou quando inconciliáveis.

Lecionando sobre o tema, Stella M. Biocca conceitua o "melhor interesse da criança como um conjunto de bens necessários ao desenvolvimento integral e a proteção da criança em um determinado momento, em certa circunstância, considerado seu caso particular." (Derecho internacional privado: um nuevo enfoque. Tomo I. p.115 Buenos Aires).

No âmbito da jurisprudência brasileira, o eminente Ministro César Asfor Rocha, então integrante do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, fez valiosa ponderação sobre a aplicação das normas da Convenção da Haia no REsp 1.239.777/PE, de sua relatoria:
"A Convenção da Haia, ora em debate, não agride o bom senso do homem comum ou os nossos costumes e regras internas. A norma internacional, não obstante contundente na reprimenda ao sequestro e na determinação de retorno imediato do menor ilicitamente transferido, revela, de forma equilibrada, grande preocupação com o bem-estar deste, assegurando-lhe, sobretudo, o equilíbrio emocional e a integridade física. Nesse contexto, hão de ser sopesados, sem dúvida em árdua tarefa, os valores envolvidos nessas delicadas situações trazidas ao crivo do Judiciário. De um lado, o acordo internacional de que o Brasil é signatário que, de forma escorreita, visa coibir as transferências ilícitas para outros países e, de outro, o interesse do menor, cuja integridade deve ser preservada em todos os aspectos."
Nesse sentido, mostra-se salutar análise mais profunda acerca do tema relacionado ao sequestro internacional de crianças, que nada mais é do que o deslocamento ilícito da criança de seu país e/ou sua retenção indevida em outro local que não o da sua residência habitual.

A ilicitude da transferência ou da retenção é aferida quando configuradas as hipóteses definidas no artigo 3º da Convenção:
Artigo 3º
A transferência ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando:
a) tenha havido violação a direito de guarda atribuído a pessoa ou a instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tivesse sua residência habitual imediatamente antes de sua transferência ou da sua retenção; e
b) esse direito estivesse sendo exercido de maneira efetiva, individual ou conjuntamente, no momento da transferência ou da retenção, ou devesse está-lo sendo se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.
No caso em tela, parece inquestionável a prática de ato ilícito por parte da requerida, Ana Maria Alves, correspondente, especificamente, à retirada da menor da Espanha, país de residência habitual da família, sem o consentimento do pai Manuel Diaz Ruiz, diante do descumprimento dos termos de guarda e custódia fixados na sentença nº 626/2010, proferida pelo Juizado de Primeira Instância de Barcelona, em que restou assim estabelecido: "O poder familiar será compartilhado entre ambos os progenitores, de maneira que as decisões importantes referentes à saúde, educação, domicílio, formação integral e desenvolvimento deverão ser adotadas em comum acordo entre ambos os progenitores. A guarda e custódia corresponderão à mãe, Ana Maria Alves, sendo que a menor reside no domicílio materno.".

Tal conduta, como comprovam os documentos trazidos nos autos, vem prevista no aludido art. 3º, alíneas "a" e "b", da referida Convenção.

Ora, se o pai não assentiu na viagem da menor ao Brasil, e tampouco no estabelecimento de domicílio definitivo neste país, a transferência da criança por vontade e decisão unilateral da mãe, constitui abuso contra direitos do pai.

Assim sendo, em linha de princípio, o caso em questão enquadra-se na hipótese prevista no artigo 12 da Convenção, que prevê a imediata devolução da criança quando tiver decorrido menos de 1 (um) ano entre a data da transferência ou retenção indevida e a data de início do processo de repatriação no Estado que estiver abrigando a criança:
Artigo 12
Quando uma criança tiver sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do Artigo 3º e tenha decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da transferência ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado Contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respectiva deverá ordenar o retomo imediato da criança.
A autoridade judicial ou administrativa respectiva, mesmo após expirado o período de um ano referido no parágrafo anterior, deverá ordenar o retorno da criança, salvo quando for provado que a criança já se encontra integrada no seu novo meio.
Quando a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido tiver razões para crer que a criança tenha sido levada para outro Estado, poderá suspender o processo ou rejeitar o pedido para o retorno da criança.
Não obstante, ainda que não tenha decorrido o prazo de 1 (um) ano estabelecido, saliente-se que a Convenção de Haia autoriza a manutenção da criança no país em que estiver abrigada se o retorno comprometer o seu bem-estar físico ou psicológico, priorizando, portanto, o seu interesse em detrimento da vontade dos pais.

Tal assertiva consta do artigo 13 da Convenção onde se prevê, inclusive, a possibilidade de oitiva da própria criança quando esta já atingiu certo grau de maturidade:
Artigo 13
Sem prejuízo das disposições contidas no artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o retomo da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se oponha a seu retorno provar:
a) que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a pessoa da criança não exercia efetivamente o direito de guarda na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou
b) que existe um risco grave de a criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável.
A autoridade judicial ou administrativa pode também recusar-se a ordenar o retorno da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu já idade e grau de maturidade tais que seja apropriado levar em consideração as suas opiniões sobre o assunto.
Ao apreciar as circunstâncias referidas neste artigo, as autoridades judiciais ou administrativas deverão tomar em consideração as informações relativas à situação social da criança fornecidas pela Autoridade Central ou por qualquer outra autoridade competente do Estado de residência habitual da criança.
Portanto, o deslinde da questão posta nos autos passa para além da aplicação literal da letra da lei, exigindo exame mais aprofundado sobre a situação da criança para que se possa aferir, na redação do próprio artigo 12 da Convenção, se a mesma se encontra integrada no meio social em que atualmente vive, pois, como bem assentado no julgamento do REsp nº 1.239.777/PE, a Convenção de Haia, não obstante apresente reprimenda rigorosa ao sequestro internacional de menores com determinação expressa de retorno destes ao país de origem, garante o bem estar e a integridade física e emocional da criança, o que deve ser avaliado de forma criteriosa.

A propósito do tema, em brilhante lição, Geraldine Van Bueren, em sua obra The International Law on the Rights of the Child (apud Jacob Dolinger, Direito Internacional Privado - A Criança no Direito Internacional, Renovar, Rio, 2003, p. 235), aponta que a Convenção de Haia não visa simplesmente "tirar as crianças permanentemente dos pais sequestradores e muito menos puni-los. A penalização do ato de deslocamento de uma criança de seu habitat normal para outro país levaria o sequestrador e, consequentemente, a criança sequestrada a se refugiar, dificultando mais ainda a sua localização. A ideia é tudo fazer para que a criança possa, no futuro mais próximo possível, manter contato com ambos os pais, mesmo se estes estiverem vivendo em países diferentes."

Assim, mesmo sem a expressa determinação do juízo de primeiro grau, com o intuito de esclarecer as atuais condições sociais, físicas e psicológicas da criança, foram produzidos dois laudos, sendo o primeiro realizado por profissional da área de psiquiatria contratado pela mãe de Victória e não nomeado pelo juízo, em 25 de janeiro de 2015 (fls. 267/286), e o segundo pela psicóloga Katiucha Reisdorfer, atuante no Centro de Referência Especializado de Assistência Social - CREAS do Município de Porto Feliz/SP, em razão de solicitação do Conselho Tutelar do referido município, em 29 de outubro de 2015 (fls. 396/398).

Na primeira avaliação, foram efetuadas entrevistas em conjunto e individualmente com Victória, sua mãe e o seu atual padrasto, na ambiência materna e no consultório do profissional contratado, além de outras abordagens que se julgaram necessárias para a aferição das condições da menor que, à época, tinha 8 (oito) anos.

No referido documento, sob o ponto de vista psicológico, constatou-se que Victória se sente bem acolhida e vive em harmonia no lar atual, de modo que a separação forçada da mãe e de seu padrasto, com quem mantém ótima relação, poderia sujeitá-la a um quadro depressivo reativo, com consequências no seu desenvolvimento neuropsicomotor.

Ainda, ao consultá-la sobre a possibilidade de retorno à Espanha, Victória transpareceu que "não que voltar para a Espanha" e que não possui boa relação com seu pai em razão de sua indiferença para com sua mãe e até para com ela.

No segundo laudo realizado, utilizando-se dos mesmos métodos, sob o aspecto social e psicológico, foi possível observar que Victória possui vínculo afetivo positivo com sua mãe, e especialmente com seu padrasto e sua meia-irmã, fruto de uma relação de confiança mútua que a permite chamá-los de pai e irmã.

De modo geral, verificou-se que Victória está plenamente adaptada e com seus vínculos afetivos adequados ao seu contexto social, demonstrando temor de perder a mãe. Todavia, durante o relato da criança notou-se ressentimento dela em relação ao pai.

Ademais, em sua análise, a psicóloga conclui que Victória demonstra maturidade para expor seu desejo e recomendou que a mesma seja ouvida quanto a sua vontade.

Reitere-se, agora nas palavras próprias da especialista: "Victória é uma criança alegre, educada, decidida, ativa, extrovertida, demonstra consciência de seus desejos e objetivos futuros almejados, apresenta senso moral adequado reconhecendo o certo e o errado e postura altruísta buscando ajudar a quem necessita. Seu comportamento verbal é adequado, com repertório de vocabulário condizente com sua fase de desenvolvimento e também sabe expressar seus desejos de forma clara." (fls. 397).

Outro ponto interessante é que Victória, apesar de se comunicar preponderantemente na língua portuguesa, manteve o hábito de interagir com seu padrasto e sua meia irmã através da língua espanhola, o que reforça a ideia de que a menina foi estimulada a valorizar suas heranças culturais e, portanto, não foi alienada do convívio paterno, pois ainda é capaz de conversar com seu pai em seu idioma nativo.

Não obstante, convém destacar que nos dois laudos a criança demonstrou sentimentos negativos em relação ao pai e que deseja permanecer no Brasil.

Registre-se, nesse ponto, que Victória passou por um infeliz episódio de dissolução familiar que resultou em completa alteração na estrutura social em que se encontrava inserida. Nesse novo lar, proporcionado pela mãe e pela padrasto, foi acolhida com carinho por seus familiares e amigos. Ademais, não se ignora os esforços que teve de fazer para se adaptar a um ambiente tão distinto daquele a que estava acostumada na Espanha. Diversos percalços tiveram de ser superados, desde a questão da comunicação, até a paulatina reorganização do meio social, através da frequência em novas escolas e tantas outras experiências distintas que impossível enumerar com precisão e de forma exauriente. Porém, atestadas nos autos por meio de vasta documentação.

Ora, se por vezes a adaptação a um ambiente culturalmente diferente já é difícil para um adulto, mais impactante o é para quem ainda está em fase de desenvolvimento físico, mental e emocional.

Assim sendo, tenho que não seria prudente submeter a referida infanta a uma nova ruptura de vínculos sociais e afetivos, ainda mais na idade em que atualmente se encontra, pois, se à época da retenção, a menor Victória Diaz Alves possuía 7 (sete) anos de idade, hoje encontra-se com 11 (onze) anos, em plena pré-adolescência, sendo inegável as inúmeras raízes parentais e relações sociais aqui estabelecidas nesses últimos 4 (quatro) anos e a relevância inarredável da presença materna nesse estágio da vida.

Com efeito, em se tratando de uma menina que já se encontra na puberdade, a presença da mãe nessa fase de suas vidas é essencial para garantir-lhes a segurança emocional de que necessitam para o pleno desenvolvimento físico e da personalidade.

Cumpre esclarecer que este Relator não desconhece corrente da jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que entende que o decurso do tempo não pode servir para validar atos ilícitos, sob pena de beneficiar o infrator. Todavia, apesar de concordar, em linha de princípio, com tal posicionamento, também não se pode ignorar que o tempo passou e, nesse ínterim, fatos foram criados, relações foram estabelecidas e laços afetivos foram firmados.

Essa ideia é ainda reforçada pelo fato de a menina manifestar o desejo de permanecer em seu lar atual e, em que pese a idade à época em que foi ouvida, não há razão objetiva para ser desconsiderada a sua opinião, mormente em razão da consolidação de laços os mais diversos, a denotar que o desejo lá manifestado é o mesmo nos dias atuais.

Quanto à oitiva de crianças nesses casos, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou pela importância de ouvi-las, desde que apresente algum grau de maturidade, in verbis:
DIREITO INTERNACIONAL E PROCESSUAL CIVIL. CONVENÇÃO DE HAIA SOBRE OS ASPECTOS CIVIS DO SEQUESTRO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS. DOIS IRMÃOS MENORES ALEGADAMENTE RETIDOS DE MODO INDEVIDO PELA MÃE NO BRASIL. PRIMOGÊNITO QUE JÁ COMPLETOU 16 ANOS. NÃO INCIDÊNCIA DA CONVENÇÃO. MANIFESTAÇÃO DO IRMÃO MENOR QUE CONTESTA SEU RETORNO PARA O DOMICÍLIO ESTRANGEIRO PATERNO. OPINIÃO DEVIDAMENTE CONSIDERADA NOS TERMOS DOS ARTS. 13 DA CONVENÇÃO DE HAIA E 12 DA CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA. MANUTENÇÃO DOS MENORES NO BRASIL. RECURSO ESPECIAL DA UNIÃO CONHECIDO E DESPROVIDO.
1. Ainda que comprovada a conduta da genitora em reter indevidamente seus dois filhos menores no Brasil, deixando de retornar para a residência habitual na Argentina, onde residia o pai das crianças (circunstância rejeitada pelo acórdão recorrido), mesmo assim e em situações excepcionalíssimas, nos termos da Convenção de Haia e no propósito de se preservar o superior interesse dos menores, possível será o indeferimento do pedido de imediato retorno dos infantes.
2. No caso concreto, tal como avaliado pela Corte regional de origem, com base em idôneo acervo probatório, os menores já se encontravam adaptados ao novo meio, contexto confirmado, posteriormente, em audiência de tentativa conciliatória realizada neste STJ, ocasião em que os infantes manifestaram o desejo de não regressar para o domicílio estrangeiro paterno. Filho mais velho que, tendo completado 16 anos, não mais se submete à Convenção de Haia, nos termos de seu art. 4º.
3. Nos termos do art. 13 da Convenção de Haia e do art. 12 da Convenção Internacional Sobre os Direitos da Criança, deve-se levar em conta a manifestação da criança que revele maturidade capaz de compreender a controvérsia resultante da desinteligência de seus pais sobre questões de seu interesse.
4. Recurso especial do Ministério Público Federal não conhecido. Recurso especial da União conhecido e desprovido.
(STJ, REsp 1214408/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Sergio Kukina, DJ 23-06-2015).
Não obstante, outro fato deve ser considerado na decisão que definirá o destino de Victória. Nas entrevistas realizadas com a mãe de Victória, Ana Maria Alves, a mesma afirmou que realizou diversas ofertas ao pai para que ele viesse visitar a sua filha no Brasil, sendo todas as despesas com passagens e hospedagem custeadas por ela, que atualmente dispõe de condição financeira bastante razoável. Todavia, tais ofertas foram recusadas, de modo que o pai de Victória jamais veio visitá-la no Brasil.

Tal informação foi confirmada inclusive pelo pai da criança em sentença proferida pela magistrada Marta Sitjes Pujol, titular do Juizado de Primeira Instância de Barcelona, em 03 de junho de 2016, onde restou consignado que: "Além do mais, cabe salientar, que surpreende a atitude demonstrada pelo pai, dado que o mesmo não tem comparecido em forma neste procedimento e foi declarado revel processual, e, embora tenha comparecido ao ato do juízo para poder ser interrogado, foi confirmado que a mãe lhe facilitou em várias ocasiões as visitas à menor, oferecendo pagamento das passagens tanto a ele como a seus familiares, bem como a estadia no Brasil, e o mesmo declinou todos os oferecimentos a respeito durante todo este tempo." (fl. 601)

Ademais, ainda que o pai nutrisse sentimentos negativos em relação a mãe de Victória em vista do ocorrido, as relações afetivas entre ele e Victória jamais foram obstaculizadas pela mãe, o que leva à conclusão que o pai optou voluntariamente por não visitar a sua filha por mais de 4 (quatro) anos, demonstrando, portanto, certa indiferença com a sua situação no Brasil.

Assim sendo, considerando a atual situação da menor e tendo em conta o aspecto finalístico da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, que visa a garantir o melhor interesse da criança, a presente ação de busca, apreensão e restituição deverá ser julgada improcedente, com a manutenção de Victória Diaz Alves no País e na residência onde já se encontra.

Deveras, o retorno da menor para a Espanha após plena adaptação ao novo ambiente, constitui risco grave de submetê-la a perigos de ordem física, psíquica ou, de qualquer modo, a uma situação intolerável, passível de ser desencadeada em razão da devolução.

Nesse sentido, menciono acórdãos do Superior Tribunal de Justiça proferidos em casos semelhantes:
CONVENÇÃO DA HAIA SOBRE ASPECTOS CIVIS DO SEQUESTRO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS. COOPERAÇÃO JURÍDICA ENTRE ESTADOS. BUSCA E APREENSÃO DE MENORES. REPATRIAÇÃO.
1. Cinge-se a controvérsia à aplicação da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, ratificada pelo ordenamento jurídico brasileiro vinte anos após sua conclusão mediante a edição do Decreto n. 3.413, de 14.4.2000, que entrou em vigor na data de sua publicação no DOU em 17.4.2000, tendo como objetivo (artigo 1º): "a) assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente; b) "fazer respeitar de maneira efetiva nos outros Estados Contratantes os direitos de guarda e de visita existentes num Estado Contratante."
2. A competência para a ação de repatriação proposta pela União em cumprimento a tratado internacional é da Primeira Seção (Regimento Interno, art. 9º, § 1º, XIII), ao contrário da ação de guarda, de direito de família, cuja competência é atribuída à Segunda Seção.
3. A Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças tem como escopo a tutela do princípio do melhor interesse da criança, de modo que nos termos do caput do art.
12 da referida Convenção, "Quando uma criança tiver sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do Artigo 3º e tenha decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da transferência ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado Contratante onde a criança se encontrar a autoridade respectiva deverá ordenar o retorno imediato da criança."
4. De acordo com o REsp 1.239.777/PE, Rel. Min. César Asfor Rocha, a Convenção da Haia, não obstante apresente reprimenda rigorosa ao sequestro internacional de menores com determinação expressa de retorno deste ao país de origem, garante o bem estar e a integridade física e emocional da criança, o que deve ser avaliado de forma criteriosa, fazendo-se necessária a prova pericial psicológica.
5. Na hipótese dos autos, a ação foi proposta após o prazo de 1 (um) ano a que se refere o art. 12 caput da Convenção. Sendo que o acórdão recorrido, ao reformar a sentença para que a menor permanecesse em solo brasileiro assentou que "diante da constatação no estudo psicológico de que a menor se encontra inteiramente integrada ao meio em que vive e que a mudança de domicílio poderá causar malefícios no seu futuro desenvolvimento -, e do próprio reconhecimento da Autoridade Central Administrativa de que "não seria prudente, portanto, arriscar que ela vivencie uma nova 'ruptura' de vínculos afetivos, especialmente em virtude de sua tenra idade" (três anos à época da avaliação) -, a "interpretação restritiva" dada pelo ilustre Juiz ao art. 12 da Convenção, determinando o imediato regresso à Argentina, quatro anos depois do seu ingresso em solo nacional (hoje conta com seis anos), vai de encontro à finalidade principal da Convenção, que é a proteção do interesse da criança."
6. Nesse ponto, melhor destino não se revela o recurso, pois a tarefa de apreciar os elementos de convicção e apontar o "melhor interesse da criança" não ultrapassa a instância ordinária, soberana no exame do acervo fático-probatório dos autos. Incidência da súmula
7/STJ. Precedentes: (REsp 900262/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/6/2007, DJ 08/11/2007; REsp 954.877/SC, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 4/9/2008, DJe 18/9/2008) Recurso especial não conhecido.
(STJ, REsp 1.293.800/MG, Segunda Turma, Rel. Ministro Humberto Martins, DJ 28-05-2013).
DIREITO INTERNACIONAL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONVENÇÃO DE HAIA SOBRE OS ASPECTOS CIVIS DO SEQUESTRO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS. DECRETO N. 3.413, DE 14 DE ABRIL DE 2000. DUAS IRMÃS MENORES ALEGADAMENTE RETIDAS DE MODO INDEVIDO PELA MÃE NO BRASIL. LEGITIMIDADE ATIVA DA UNIÃO. PECULIARIDADES EXCEPCIONAIS DO CASO DEVIDAMENTE CONSIDERADAS PELO ARESTO RECORRIDO. ART. 13 DA CONVENÇÃO DE HAIA. MANUTENÇÃO DAS MENORES NO BRASIL. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
1. Há de se frisar que, na forma da Constituição Federal de 1988 e visando ao cumprimento de obrigações internacionais assumidas pela República Federativa do Brasil, a União atua como legitimada ordinária, ou seja, em nome próprio e na defesa de interesse próprio. A sua legitimação em demandas de busca, apreensão e restituição de menores não decorre de interesse privado dos genitores das crianças e, sim, de interesse público consistente no cumprimento de obrigações assumidas em Convenção Internacional. Dessa forma, a legitimidade ativa ad causam da União decorre das regras atinentes, apresentando em sua estrutura a Secretaria Especial de Direitos Humanos, a qual atua na qualidade de representante do Estado brasileiro, na forma do disposto no art. 21, inc. I e IV, da CF/1988.
2. Demais disso, a alegação de ilegitimidade ativa da União, suscitada pelo Ministério Público Federal no seu parecer, revela-se tese inovadora na lide, porque nem sequer foi tratada nas contrarrazões da parte recorrida.
3. Ainda que comprovada a conduta da genitora em reter indevidamente as duas filhas menores no Brasil, deixando de retornar para a residência habitual na Espanha, onde reside o pai das crianças, mesmo assim e em situações excepcionalíssimas, nos termos da Convenção de Haia e no propósito de se preservar o superior interesse dos menores, possível será o indeferimento do pedido de imediato retorno dos infantes. Precedente: REsp 1.214.408/RJ, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 23/6/2015, DJe 5/8/2015.
4. No caso concreto, tal como avaliado pela Corte de origem, com base em idôneo acervo probatório, em verdade, as crianças mais viveram no Brasil do que na Espanha. E tal assim ocorrera com o consentimento, no mínimo tácito, do genitor, o qual jamais reclamou dos longos período de convivência das filhas no Brasil, exclusivamente em companhia da mãe. Na precisa anotação do aresto regional, "o período de permanência e convivência da família na Espanha foi marcado por constantes interrupções". E acrescenta que "as crianças passaram longos períodos no Brasil, inclusive a filha mais nova é nascida no País".
5. Ora, desconhecer essa peculiaridade, que se traduz na excepcionalidade do caso, devidamente abordada no acórdão recorrido, seria desconsiderar a norma constante do art. 13 da Convenção, a qual constou como fundamento suficiente do julgado prolatado pelo eg. TRF da 4ª Região.
6. Diante disso, no caso em exame, considerando, seja o disposto no art. 13 da Convenção de Haia - Decreto n. 3.413, de 14 de abril de 2000 -, sejam as peculiaridades excepcionais decorrentes do caso, não se há de acolher a conclusão de que as crianças devam retornar, de imediato, ao país onde inicialmente tinham residência e onde mora o seu genitor.
7. Recurso especial a que se nega provimento.
(STJ, REsp 1.387.905/RS, Segunda Turma, Rel. Ministro Og Fernandes, DJ 18-05-2017).
Em suma, a meu ver, a decisão que melhor atende aos interesses e bem-estar da menina Victória Diaz Alves, filha de Ana Maria Alves e de Manuel Diaz Ruiz, é a de improcedência da presente ação, para que permaneça no país.

Restando invertidos os ônus da sucumbência, a verba honorária é fixada com fundamento no princípio da razoabilidade, devendo, como tal, pautar-se em uma apreciação equitativa dos critérios contidos nos §§ 3.º e 4.º do artigo 20 do Código de Processo Civil de 1973, evitando-se que sejam estipulados em valor irrisório ou excessivo.

Assim sendo, fica a verba honorária fixada em R$ 2.000,00 (dois mil reais), em face do grau de zelo profissional, lugar de prestação do serviço, natureza e importância da causa, trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço, tudo visto de modo equitativo.

Diante do exposto, dou provimento à apelação da parte requerida para reformar a sentença recorrida e determinar a manutenção de Victória Diaz Alves no País, em seu lar atual, nos termos da fundamentação expendida.

É o voto.

VALDECI DOS SANTOS
Desembargador Federal


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