D.E. Publicado em 19/12/2017 |
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EMENTA
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. PETIÇÃO DA DEFESA NÃO CONHECIDA. INOVAÇÃO DA TESE. INADMISSIBILIDADE. CONHECIMENTO PARCIAL DO RECURSO DA ACUSAÇÃO. MATÉRIA ESTRANHA À LIDE. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. OPERAÇÃO OVERSEA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA/TELEMÁTICA. NULIDADE INEXISTENTE. VIOLAÇÃO DE SIGILO PROFISSIONAL INOCORRENTE. NULIDADE POR INOBSERVÂNCIA DA LEI Nº 11.719/2008. INÉPCIA DA DENÚNCIA. MATÉRIA PRELIMINAR REJEITADA. PENA DE MULTA PROCESSUAL POR ABANDONO DO PROCESSO. ART. 265 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRELIMINAR ACOLHIDA. DUPLA IMPUTAÇÃO DOS FATOS. BIS IN INDEM. CONCESSÃO DA ORDEM DE HABEAS CORPUS EX OFFICIO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL QUANTO AO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. REDIMENSIOMENTO DAS PENAS. APLICAÇÃO DA CAUSA DE AUMENTO DO FINANCIAMENTO OU CUSTEIO DA PRÁTICA DO CRIME. INAPLICABILIDADE DA MAJORANTE DA TRAFICÂNCIA EM LOCAL DE TRABALHO COLETIVO, BEM COMO DA MINORANTE DO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006. EXASPERAÇÃO DO VALOR DO DIA MULTA (CP, ART. 60).
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ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NÃO CONHECER do pedido da defesa a fls. 1.947/1.950, NÃO CONHECER de parte da apelação do Ministério Público Federal e, na parte conhecida, DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO, DAR PARCIAL PROVIMENTO às apelações de LEANDRO TEIXEIRA DE ANDRADE e de RICARDO MENEZES LACERDA, ACOLHER a preliminar de afastamento da pena de multa prevista no art. 265 do Código de Processo Penal, REJEITAR as demais alegações preliminares e, no mérito, DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação de SUAÉLIO MARTINS LEDA, REJEITAR a matéria preliminar e, no mérito, DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação de CARLOS BODRA KARPAVICIUS, bem como, CONCEDER, DE OFÍCIO, ordem de habeas corpus para o trancamento da ação penal tão somente no que tange ao crime de associação para o tráfico internacional de entorpecentes (art. 35 da Lei nº 11.343/2006), com fundamento no art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Narra a denúncia (fls. 76/83), em síntese:
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VOTO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelos réus LEANDRO TEIXEIRA DE ANDRADE, RICARDO MENEZES LACERDA, CARLOS BODRA KARPAVICIUS e SUAÉLIO MARTINS LEDA em face da sentença proferida pela 5ª Vara Federal de Santos/SP, nos autos da denominada Operação Oversea.
Foi determinado, por decisão judicial, o desmembramento do feito quanto aos corréus ANDRÉ DE OLIVEIRA MACEDO, JEFFERSON MOREIRA DA SILVA e GILCIMAR DE ABREU.
A sentença julgou parcialmente procedente a denúncia, nos seguintes termos (fls. 1.332/1.438):
a) absolveu WELLINGTON, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, da acusação de tráfico transnacional de drogas e de associação para o tráfico transnacional de drogas (art. 33, caput, e art. 35, caput, ambos c.c. o art. 40, I, todos da Lei nº 11.343/2006);
b) absolveu LEANDRO, RICARDO, CARLOS e SUAÉLIO, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, da acusação de associação para o tráfico transnacional de drogas (art. 35, caput, da Lei nº 11.343/2006);
c) condenou LEANDRO, RICARDO, CARLOS e SUAÉLIO à pena total, cada uma, de 12 (doze) anos de reclusão, em regime inicial fechado, e 975 (novecentos e setenta e cinco) dias-multa, no valor unitário de 1/2 (meio) salário mínimo vigente ao tempo do fato, pela prática do crime de tráfico transnacional de drogas (art. 33, caput, c.c. o art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006);
d) decretou o perdimento de bens móveis, imóveis e valores apreendidos em favor da União (art. 63 da Lei nº 11.343/2006 c.c o art. 91, II, b, do Código Penal); e
e) manteve a aplicação da pena de multa de 20 (vinte) salários mínimos ao defensor do corréu SUAÉLIO, com base no art. 265 do Código de Processo Penal (cfr. fls. 1.257/1.257v).
Petição apresentada pela defesa do apelante LEANDRO, acompanhada de laudo pericial: não conhecimento
Diante do aludido pedido, manifestou-se a Procuradoria Regional da República, in verbis (fls. 1.975/1.975v):
Trata-se, como aventado pelo Parquet Federal, de inovação na tese da defesa do apelante LEANDRO, o que é inadmissível neste momento processual. Referida tese e laudo técnico não foram apresentados perante o juízo a quo e, consequentemente, não foram apreciados na instância originária, tendo sido ofertados em segundo grau de jurisdição, até mesmo após o oferecimento de razões recursais, revelando-se, portanto, absolutamente inoportunos.
Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
Registre-se que a regularidade das interceptações telefônicas/telemáticas dos autos nº 0002800-46.2013.403.6104 foi objeto do Habeas Corpus nº 0028984-47.2015.4.03.0000/SP, de minha relatoria, tendo sido denegada a ordem, à unanimidade, por esta Décima Primeira Turma, em 24.05.2016.
Acrescente-se, por fim, que, uma vez oferecido o recurso de apelação pela defesa, opera-se a preclusão em sua modalidade consumativa, não havendo a possibilidade de complementação ou aditamento da peça processual (TRF-3, ACR nº 0005427-97.2016.4.03.6110, Rel. Des. Federal José Lunardelli, j. 12.9.2017, DJF3 Judicial 1 25.9.2017).
Assim, não conheço do pedido da defesa de LEANDRO de reconhecimento da nulidade da prova colhida pela interceptação telefônica/telemática ou, alternativamente, de conversão do feito em diligência, por se tratar de inadmissível inovação nos autos.
Recurso ministerial: conhecimento parcial
Em contrarrazões, os acusados LEANDRO, RICARDO, SUAÉLIO e CARLOS sustentam que a apelação do MPF não deve ser conhecida quanto ao pedido de agravamento da pena imposta na sentença, pois tal pleito deu-se com base na prática do delito previsto no art. 2º da Lei nº 12.850/2013, matéria estranha à lide.
Assiste razão aos réus. O Parquet Federal requer a majoração da pena-base em razão do cometimento de delito pelo qual os acusados não foram denunciados na presente ação. Portanto, trata-se de pedido estranho ao feito, sobre o qual não houve pronunciamento judicial em primeiro grau de jurisdição e, desse modo, não merece ser conhecido nesta instância recursal.
Assim, não conheço da apelação do MPF no tocante ao pedido de aumento da pena-base aplicada os réus pelo juízo a quo.
Questões preliminares
Nulidade da interceptação telefônica/telemática: fundamentação, prorrogações e sigilo profissional
Os recorrentes SUAÉLIO e CARLOS sustentam a nulidade da interceptação das comunicações telefônicas/telemáticas por violação ao disposto no art. 5º da Lei nº 9.296/1996. CARLOS sustenta, ainda, a nulidade da interceptação por violação ao sigilo profissional, prerrogativa do exercício da profissão de advogado em relação a seus clientes.
A denúncia baseou-se, fundamentalmente, nos autos dos inquéritos policiais nº 1418/2013-4 e nº 788/2013 (autos nº 0004506-64.2013.403.6104 - fls. 463 e 1.087 - CD) e na interceptação telefônica judicialmente autorizada nos autos do pedido de quebra de sigilo de dados e/ou telefônico nº 0002800-46.2013.403.6104 (fls. 463 e 1.087 - CD).
Segundo consta, o setor de análise de dados de inteligência da Polícia Federal recebeu informação acerca da existência de um grupo criminoso voltado ao narcotráfico internacional e, em razão disso, passou a realizar diversas diligências a fim de aferir a veracidade daquela notícia.
Essa investigação preliminar foi sintetizada no relatório que instruiu a representação policial visando à autorização para interceptação das comunicações telefônicas/telemáticas de diversos indivíduos, constando, de forma detalhada, a suposta participação de cada um deles, seus dados pessoais e alcunhas, e respectivos números de telefone/PIN - Personal Identification Number.
Os acusados nesta ação penal não foram prontamente mencionados, mas suas participações foram detectadas ao longo das investigações. Anote-se que a descoberta ocasional de novos fatos criminosos e de outros envolvidos é corriqueira em operações policiais desse porte, sendo legítima a extensão do campo investigativo e a inclusão de novos alvos.
Com relação ao deferimento da representação policial pelo início da interceptação das comunicações telefônicas, não verifico qualquer mácula ou deficiência na decisão exarada pelo juízo a quo (fls. 42/45 dos autos nº 0002800-46.2013.403.6104). Além de ter indicado pontualmente os indícios de autoria, destacou que a própria "dinâmica da atuação criminosa" demonstrava a inevitabilidade do deferimento da medida.
A utilização de interceptação telefônica em casos semelhantes a este é recorrente e, de fato, necessária, pois o alto grau de cautela adotado por associações ligadas ao narcotráfico acaba determinando o acesso a métodos de investigação diferentes dos tradicionais, o que atende ao disposto no art. 2º, II, da Lei nº 9.296/1996.
O caso concreto reflete, de forma clássica, aquelas situações em que a medida excepcional da interceptação das comunicações telefônicas mostra-se imprescindível para a colheita da prova. As sucessivas prorrogações, a seu turno, foram concretamente fundamentadas e justificaram-se em razão da complexidade do caso e do número de investigados. O longo período pelo qual se estendeu a manutenção da quebra alinha-se à gravidade dos fatos e à magnitude da atuação do grupo investigado, o que tornou imprescindível a sua prorrogação por quase um ano.
Nesse sentido, aliás, é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, como se verifica, a título exemplificativo, nas seguintes ementas:
Ademais, consigno que a regularidade das interceptações telefônicas/telemáticas dos autos nº 0002800-46.2013.403.6104 foi objeto do Habeas Corpus nº 0028984-47.2015.4.03.0000/SP, de minha relatoria, no qual foi denegada a ordem, à unanimidade, por esta Décima Primeira Turma, em 24.05.2016, como segue:
Assim, não há que se falar em nulidade da interceptação das comunicações telefônicas/telemáticas por violação aos requisitos previstos na Lei nº 9.296/1996, uma vez que a matéria, no caso concreto, já foi julgada por esta Turma.
No mais, destaco que, na hipótese em comento, a interceptação das comunicações telefônicas/telemáticas do acusado CARLOS não viola o sigilo profissional, assegurado pela Constituição Federal, pois o exercício da advocacia não pode ser invocado para acobertar a prática de crimes. Nessa trilha, registro a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça:
Por fim, a alegação da defesa de CARLOS de que, na data do fato, não havia autorização judicial para a interceptação do PIN 286b9fb9, utilizado por ele, não procede. Verifica-se dos autos que a conversa foi originada do PIN 281ea5c0, usado por SUAÉLIO, cuja interceptação foi devidamente autorizada por decisão judicial a fls. 4.029/4.042 no volume 15 dos autos nº 0002800-46.2013.403.6104. Não há, portanto, que se falar em ilegalidade.
Assim, rejeito a preliminar de nulidade da interceptação das comunicações telefônicas/telemáticas suscitada pelas defesas dos réus SUAÉLIO e CARLOS.
Nulidade processual: inobservância da regra advinda da Lei nº 11.719/2008 pertinente ao juízo de absolvição sumária
A alegação da defesa do réu CARLOS de nulidade do processo por inobservância do juízo de absolvição sumária não procede.
O rito processual previsto na Lei nº 11.343/2006, por se tratar de lei especial, prefere àquele previsto na Lei nº 11.719/2008, ainda que esta seja posterior àquela. Nesse sentido, leciona Guilherme de Souza Nucci (In: Leis penais e processuais penais comentadas, Volume 1. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 370):
Some-se a isso que, nos termos do art. 563 do Código de Processo Penal, "nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa".
In casu, não restou demonstrado o suposto prejuízo sofrido pela defesa, em razão da alegada ausência de cumprimento do disposto no art. 397 do Código de Processo Penal. O apelante foi condenado pelo juízo a quo ao cumprimento da pena de 12 (doze) anos de reclusão, em regime inicial fechado, e 975 (novecentos e setenta e cinco) dias-multa, no valor unitário de 1/2 (meio) salário mínimo vigente ao tempo do fato, pela prática do crime de tráfico transnacional de drogas (art. 33, caput, c.c. o art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006) - (cfr. fls. 1.332/1.438). Assim, descabe falar-se em nulidade processual por ausência do juízo de absolvição sumária.
A propósito, destaco remansosa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça:
Portanto, rejeito a preliminar de nulidade processual.
Pena de multa processual: abandono do processo - art. 265 do Código de Processo Penal
A defesa do réu SUAÉLIO requer o afastamento da pena de multa, por abandono do processo, imposta pelo juízo a quo na decisão de fls. 1.257/1.257v e confirmada pela sentença a fls. 1.332/1.438.
A decisão foi assim fundamentada:
Sustenta a defesa ausência de regular intimação do réu SUAÉLIO para a apresentação das alegações finais, o que fere o princípio da isonomia, considerando-se que o ato processual foi devidamente oportunizado aos demais acusados.
Verifica-se dos autos que, a fls. 1.085, houve determinação do juízo de primeiro de grau para que fosse aberta vista às partes, iniciando-se pela acusação, para a apresentação de memoriais no prazo de 05 (cinco) dias, decisão que foi publicada no DJe em 01.04.2015 (fls. 1.086). Ato contínuo, o Parquet apresentou as alegações finais (fls. 1.088/1.101v). Foram, então, intimadas as defesas dos acusados da decisão de fls. 1.085, cuja publicação deu-se em 17.04.2015 (fls. 1.103).
Por sua vez, as defesas dos réus CARLOS e SUAÉLIO requereram, dado o grau de complexidade do feito e o volume de provas produzido, fosse concedida vista sucessiva dos autos a cada patrono, intimando-se oportunamente (fls. 1.104/1.105, 1.108 e 1.149), o que foi acolhido pelo magistrado (fls. 1.106) - e publicado no DJe em 27.04.2015 (fls. 1.107) -, como segue:
Apresentadas as alegações finais pelos acusados RICARDO e LEANDRO (fls. 1.156/1.178 e 1.179/1.200, respectivamente), ambos representados pelo mesmo causídico, sobreveio o despacho de fls. 1.203 que determinou a intimação da defesa dos acusados WELLINGTON, CARLOS e SUAÉLIO para a apresentação de alegações finais no prazo sucessivo de 05 (cinco) dias.
Ofertados os memoriais pela defesa do réu WELLINGTON (fls. 1.207/1.2015), houve nova determinação judicial para a intimação, por derradeiro, da defesa dos acusados CARLOS e SUAÉLIO, para a apresentação das alegações finais (fls. 1.216), publicada no DJe em 03.06.2015 (fls. 1.217).
Na sequência, foram juntadas aos autos as alegações finais do réu CARLOS (fls. 1.219/1.256), sobrevindo a fls. 1.257 a decisão combatida, que aplicou à defesa do réu SUAÉLIO a multa prevista no art. 265 do Código de Processo Penal, em razão da ausência de apresentação dos memoriais de alegações finais.
Apesar de expressamente registrada a fls. 1.216 a ordem de intimação, por derradeiro, da defesa dos réus CARLOS e SUAÉLIO, mostra-se legítima, in casu, a pretensão dos defensores do réu SUAÉLIO de aguardar nova e última intimação, dado que todos os demais assim o foram, revelando-se, desse modo, açodada a aplicação da pena de multa por abandono do processo.
Neste ponto, portanto, merece prosperar o pedido da defesa de afastamento da pena de multa, o que faço em observância aos princípios da isonomia, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. Nesse mesmo sentido, é o parecer da Procuradoria Regional da República (fls. 1.875/1.890).
Assim, afasto a condenação da defesa do réu SUAÉLIO ao pagamento da pena de multa prevista no art. 265 do Código de Processo Penal no montante de 20 (vinte) salários mínimos.
Inépcia da denúncia
As defesas dos réus SUAÉLIO e CARLOS alegam inépcia da denúncia, por não ter sido individualizada a responsabilidade de cada agente na conduta delituosa. Entretanto, não lhes assiste razão. Com efeito, o art. 41 do Código de Processo Penal dispõe que "a denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas". O art. 395 desse Código, por sua vez, dispõe que a denúncia ou queixa será rejeitada quando: (i) for manifestamente inepta; (ii) faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou (iii) faltar justa causa para o exercício da ação penal.
No caso, a denúncia descreveu adequadamente os fatos, qualificou os acusados e classificou o crime, permitindo o exercício da defesa quanto à imputação, de modo que preencheu os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, não sendo inepta.
Cumpre registrar que a primeira fase da persecutio criminis não exige que todos os elementos de um delito estejam definitivamente esclarecidos, uma vez que a verificação de justa causa para a ação penal pauta-se em juízo de probabilidade, e não de certeza (materialidade e indícios suficientes de autoria). A certeza para fins de juízo condenatório advém do conjunto probatório formado ao longo da instrução processual.
Portanto, havendo suficientes indícios da prática do delito imputado aos acusados e tendo a denúncia apontado liame entre suas condutas e o referido delito, possibilitando-lhes o pleno exercício do direito à ampla defesa e ao contraditório, não há que se falar em inépcia.
Destaco que o entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que eventual inépcia da denúncia só pode ser acolhida quando demonstrada inequívoca deficiência a impedir a compreensão da acusação, em flagrante prejuízo à defesa do acusado (HC 34.021/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 25.05.2004, DJ 02.08.2004, p. 456; e HC 27.463/RJ, Sexta Turma, Rel. Min. Paulo Medina, j. 28.10.2003, DJ 10.05.2004, p. 349), o que não se verifica no caso em exame. Ademais, uma vez proferida sentença condenatória, resta superada a alegação de inépcia (AgRg no AREsp 990.224/RO, Quinta Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 28.03.2017, DJe 05.04.2017) . Desse modo, rejeito a preliminar.
Dupla imputação dos fatos - bis in idem
No presente feito (autos nº 0005832-25.2014.4.03.6104), os acusados foram denunciados por tráfico e associação para o tráfico internacional de drogas (Lei nº 11.343/2006, arts. 33 e 35 c.c. art. 40, I e VII), em razão do "Evento nº 13" da Operação Oversea. Em 24.07.2014 (fls. 76), houve determinação judicial para a distribuição da denúncia (datada de 16.07.2014) por dependência aos autos do inquérito policial.
Observo que o "Evento nº 13", pertinente à apreensão de 145,67 kg (cento e quarenta e cinco quilos e sessenta e sete gramas) de cocaína em contêiner com carregamento de embalagens de carne que seriam exportadas pela empresa JBS S.A. no navio MSC ATHOS com destino a Las Palmas, na Espanha, em 17.12.2013, também fundamenta expressamente as denúncias das ações penais nº 0005747-39.2014.4.03.6104, 0005749-09.2014.4.03.6104 e 0007199-84.2014.4.03.6104, nas quais LEANDRO, RICARDO, WELLINGTON, CARLOS e SUAÉLIO são acusados pelo delito de organização criminosa (Lei nº 12.850, art. 2º). Nas aludidas ações penais, houve determinação judicial, em 21.07.2014, para a distribuição das respectivas denúncias (datadas de 16.07.2014) por dependência aos autos do inquérito policial.
Em contrarrazões, LEANDRO, RICARDO, CARLOS e SUAÉLIO sustentam a ocorrência de dupla imputação quanto aos crimes de associação para o tráfico internacional de drogas e de organização criminosa e, por conseguinte, de violação ao princípio do ne bis in idem.
É certo que os delitos tipificados nos arts. 2º da Lei nº 12.850/2013 e 35 da Lei nº 11.343/2006 não se confundem conceitualmente. Integrar organização criminosa implica associação de 4 (quatro) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional, diversamente da associação para o tráfico transnacional de drogas, que nos remonta à união estável e permanente de duas ou mais pessoas para esse fim específico. O escopo do primeiro é evidentemente mais abrangente que o do segundo, que se restringe à associação para a prática do crime de tráfico de drogas.
A respeito do princípio do ne bis in idem, ensinam Américo Bedê Júnior e Gustavo Senna (Princípios do processo penal: entre o garantismo e a efetividade da sanção. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 346):
Extrai-se das denúncias dos processos supracitados, sem margem de dúvida, que o denominado "Evento nº 13" foi utilizado para fundamentar, do ponto de vista fático, a denúncia em desfavor dos acusados pelo crime de organização criminosa. Posteriormente, foi também utilizado para fundamentar a denúncia de que trata o presente feito, ou seja, pela associação para o tráfico transnacional de drogas. Está claro, portanto, que os acusados LEANDRO, RICARDO, WELLINGTON, CARLOS e SUAÉLIO foram processados duas vezes pelo mesmo fato.
Ante a duplicidade de ações penais pelo mesmo fato, caracterizada está a violação ao princípio do ne bis in idem, o que impõe o trancamento da segunda ação penal, relativamente aos acusados LEANDRO, RICARDO, WELLINGTON, CARLOS e SUAÉLIO, haja vista a inexistência de justa causa quanto ao delito de associação para o tráfico internacional de drogas. Nesse sentido, é o precedente desta Décima Primeira Turma, julgado à unanimidade (Habeas Corpus nº 0012511-49.2016.4.03.0000/SP, Rel. Des. Federal Nino Toldo, j. 13.12.2016, DJe 19.12.2016).
Isso, contudo, não impede que nos autos nº 0005747-39.2014.4.03.6104, 0005749-09.2014.4.03.6104 e 0007199-84.2014.4.03.6104, cujas denúncias - pelo crime de organização criminosa - foram distribuídas anteriormente à do presente feito, proceda-se ao exame dos fatos de modo a atribuir-lhes definição jurídica diversa, nos termos do disposto no art. 383 do Código de Processo Penal. Por oportuno, ressalto que em cada hipótese, dar-se-á a capitulação jurídica que melhor se amoldar aos fatos narrados na denúncia.
Portanto, diante das razões expostas, concedo, ex officio, ordem de habeas corpus para o trancamento desta ação penal tão somente no que tange ao crime de associação para o tráfico internacional de drogas (art. 35 da Lei nº 11.343/2006), com fundamento no art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, ante a ocorrência de flagrante ilegalidade consistente no bis in idem.
Feitas essas considerações, passo ao exame do MÉRITO.
A sentença faz um breve relato dos fatos apurados no âmbito da Operação Oversea, bem como do "Evento nº 13" - objeto da denúncia nestes autos -, que ora transcrevo (fls. 1.344/1.345):
Materialidade - Tráfico transnacional de drogas (art. 33, caput, c.c. art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006)
No que concerne ao delito de tráfico de drogas, referem-se estes autos à apreensão ocorrida em 17.12.2013.
A materialidade está comprovada pelos documentos que instruem os inquéritos policiais nº 0788/2013 (autos nº 0004506-64.2013.403.6104 - fls. 1.087 - CD, evento nº 13) e nº 1418/2013 (na presente ação penal), sendo que deste último constam:
(i) o auto de apresentação e apreensão de 136 tabletes envoltos em fita adesiva, contendo substância aparentando tratar-se de cocaína, acondicionados em cinco malas de viagem, com peso total aproximado de 150 kg (cento e cinquenta quilogramas) (fls. 05);
(ii) as declarações do Auditor Fiscal da Receita Federal Luís Felipe do Amaral Montesso que participou da inspeção física do contêiner CXRU106061-1. Segundo o Auditor, no interior do contêiner, que seria embarcado no navio MSC ATHOS com destino a Las Palmas, Espanha, além de embalagens de carne que seriam exportadas pela empresa JBS S.A., foram constatadas 5 (cinco) bolsas de viagem de nylon esportivas, que continham tabletes com substância em pó branco aparentando ser cocaína, com peso bruto aproximado de 150 kg (cento e cinquenta quilogramas) (fls. 08/09);
(iii) o laudo pericial nº 049/2014, que concluiu que as 136 porções apresentavam massa (substância e embalagens) de 145,67 kg (cento e quarenta e cinco quilos e sessenta e sete gramas) de cocaína (fls. 56/66).
Autoria
A autoria também restou demonstrada, especialmente pelos documentos que instruem o inquérito policial nº 0788/2013 (autos nº 0004506-64.2013.4.03.6104 - fls. 463 e 1.087 - CD, evento nº 13) e o pedido de quebra de sigilo telefônico e telemático (autos nº 0002800-46.2013.4.03.6104 - fls. 463 e 1.087 - CD), assim como pelo depoimento da testemunha de acusação na presente ação penal.
Consta a fls. 22/23 dos autos nº 0002800-46.2013.4.03.6104 o Memorando nº 04/2013-CH/GISE/RPO, de 15.01.2013, do chefe do Grupo de Investigações Sensíveis em Ribeirão Preto/SP - GISE/RPO/DPF/SR/SP, endereçado ao chefe do SIP/DPF/SR/SP, referente a informações sobre a atuação de organização criminosa na cidade portuária de Santos, o que deu origem às investigações realizadas pela Delegacia de Polícia Federal - DPF em Santos, in verbis:
Iniciadas as investigações pelo DPF em Santos e após a realização de diligências de campo, deu-se a representação nº 001 pela quebra de sigilo telefônico/telemático (fls. 02/19 dos autos nº 0002800-46.2013.4.03.6104), a qual foi deferida pelo juízo a quo a fls. 42/45 (dos aludidos autos), após a manifestação do MPF a fls. 26/36 (fls. 1.087 - CD, arquivo: COPIA INTEGRAL DIGITALIZADA 2800-46, volume 01).
Na medida em que as investigações avançaram, foram deferidas, com base na Lei nº 9.296/1996, as interceptações das comunicações telefônicas/telemáticas de diversos números PIN, isto é, Personal Identification Number, da tecnologia BBM, qual seja, Blackberry Messenger. Faz-se mister esclarecer também que o "nome de usuário" do aparelho Blackberry pode ser alterado na forma como ele aparece para outros usuários de aparelhos por meio de um apelido ou nickname.
As investigações possibilitaram a realização de 21 (vinte e uma) apreensões de drogas, sendo que cada uma delas foi catalogada com um número de evento. No presente feito, trata-se, como já mencionado, do "Evento nº 13", relativo à apreensão, em 17.12.2013, de 145,67 kg (cento e quarenta e cinco quilos e sessenta e sete gramas) de cocaína (cfr fls. 56/66) destinada a Las Palmas, nas Ilhas Canárias, Espanha, continente europeu, por meio do navio MSC ATHOS.
As investigações apontaram o envolvimento de diversos acusados, divididos entre o que se denominou Célula Gold, Célula Porto e Célula Mogi. No evento nº 13, observa-se a negociação para o embarque dos 136 (cento e trinta e seis) tabletes de cocaína entre os acusados da denominada Célula Mogi - que compreende SUAÉLIO e CARLOS - e aqueles da chamada Célula Porto de Santos - ANDRÉ, LEANDRO, RICARDO, JEFFERSON, WELLINGTON e GILCIMAR.
Consta dos autos nº 0004506-64.2013.403.6104, o relatório da Polícia Federal referente ao "Evento nº 13", que descreve o envolvimento de cada um dos acusados, bem como os respectivos diálogos interceptados, como segue (fls. 1.087 - CD, arquivo: IPL, evento 13):
Consta dos autos nº 0002800-46.2013.403.6104, ainda, o relatório de investigações policiais - RIP nº 18 - Operação Oversea, que confirma os fatos supramencionados (fls. 1.087 - CD, arquivo: COPIA INTEGRAL DIGITALIZADA 2800-46, volume 18, fls. 4.669/4.698).
Em juízo (fls. 671 - CD), o Delegado de Polícia Federal Rodrigo Paschoal Fernandes, testemunha de acusação, declarou que presidiu a operação desde o início, porém foram os agentes da Receita Federal que efetuaram as apreensões de drogas. Com relação aos envolvidos no "Evento nº 13", relatou que CARLOS e SUAÉLIO fazem parte da denominada Célula Mogi, porque estavam baseados na cidade de Mogi das Cruzes/SP, e os demais fazem parte da chamada Célula Porto, porque estavam situados na região portuária de Santos, quais sejam, ANDRÉ, LEANDRO, RICARDO, JEFFERSON, WELLINGTON e GILCIMAR. Informou que os diálogos interceptados, relativos ao "Evento nº 13", constam do relatório de inteligência policial nº 18, o qual os descreve de forma cronológica e, ainda, possui um diagrama para melhor esclarecer como se deram os fatos.
A testemunha explicou o modo como ocorreu essa apreensão, revelando que SUAÉLIO e CARLOS, que estavam baseados em Mogi das Cruzes, necessitavam dos destinos das cargas para o envio da droga ao exterior, via Porto de Santos, e essas informações eram solicitadas aos envolvidos localizados na Baixada Santista. As informações eram obtidas especialmente por meio de ANDRÉ, que se utilizava dos serviços prestados por seus operacionais JEFFERSON e WELLINGTON, assim como pelos intermediários LEANDRO, RICARDO e GILCIMAR. A quantidade da droga a ser remetida ao estrangeiro ficava a cargo de SUAÉLIO e de CARLOS.
Quanto aos envolvidos que estavam localizados na Baixada Santista, a testemunha de acusação disse que LEANDRO é amigo de RICARDO, e ambos eram responsáveis pela logística de colocação da droga no Porto de Santos, por meio da obtenção de informações relativas a destinos, navios, tipos de carga, etc. LEANDRO, no caso, foi o responsável por cooptar GILCIMAR e por passar o contato dele para o pessoal da quadrilha de ANDRÉ, capitaneada por ele e integrada por JEFFERSON e WELLINGTON. Essa era outra parte do grupo criminoso de Santos que também obtinha destinos e informações para a exportação de cocaína.
Por sua vez, GILCIMAR, funcionário da empresa "JBS Friboi", foi quem passou as informações: a data de embarque, o destino - Las Palmas, Ilhas Canárias - e o navio - ATHOS -, para ser embarcado o entorpecente. RICARDO foi o responsável por cooptar o funcionário da Santos Brasil que trabalhava com o raio x, para que passasse o contêiner pela fiscalização e qualquer problema informasse de pronto a quadrilha. JEFFERSON e WELLINGTON, ambos operacionais de ANDRÉ, ficaram encarregados do transporte e estufagem da droga no contêiner no terminal portuário. ANDRÉ mantinha contato frequente com SUAÉLIO, assim como fazia JEFFERSON. O Delegado relatou que todos os envolvidos empreenderam esforços conjuntos para o embarque da droga no Porto de Santos. Afirmou que, com os dados obtidos pela interceptação, isto é, o nome do navio, a carga e o destino, os policiais foram até a Receita Federal e tiveram sucesso na apreensão do entorpecente.
Aduziu que, quando os responsáveis pela apreensão foram ao terminal da empresa Santos Brasil para averiguar o contêiner, houve um atraso proposital de um funcionário que trabalha naquela empresa, o qual foi cooptado para deixar passar a droga pelo raio x. Esclareceu que, pelos diálogos interceptados, verifica-se que RICARDO era o responsável por apresentar esse funcionário cooptado para o restante do grupo criminoso. Enfatizou que, logo após a apreensão, foram interceptados diversos diálogos dos envolvidos reclamando a respeito da perda do carregamento. Nos diálogos, foi questionada a razão por que o funcionário cooptado da Santos Brasil, ainda não identificado pela Polícia Federal, falhou na passagem da droga, tendo ocorrido a apreensão.
Asseverou que, no interrogatório extrajudicial, CARLOS admitiu que RICARDO, juntamente com JEFFERSON, foi encontrar-se com SUAÉLIO, no sítio deste em Mogi das Cruzes, para acertar os detalhes do carregamento de cocaína. Informou que SUAÉLIO e CARLOS intermediavam a comercialização da droga entre fornecedores colombianos e importadores europeus, enquanto os demais réus participavam da operacionalização do embarque do estupefaciente na área portuária. Relatou que ficou claro o modus operandi da organização de envio de cocaína por meio de empresa brasileira exportadora para empresa importadora na Europa, de modo que a remessa fosse feita direto, ponta a ponta.
Declarou que, no tocante à Célula Mogi, SUAÉLIO era quem mais conversava a respeito de entorpecentes e respectivas remessas, enquanto CARLOS dava todo o suporte jurídico para que a traficância pudesse ocorrer. Narrou que CARLOS alugou um imóvel para um holandês, traficante de drogas, que fazia o recebimento do entorpecente na Europa. Disse, ainda, que CARLOS era procurador das empresas que constam como proprietárias do sítio onde SUAÉLIO mantinha encontros com traficantes, bem como da casa onde SUAÉLIO foi preso. Esclareceu que duas empresas offshore, que têm o mesmo endereço, eram as proprietárias dos imóveis utilizados por SUAÉLIO.
Informou que CARLOS chegou até mesmo a fornecer para SUAÉLIO uma espingarda calibre 12, que foi apreendida no dia da deflagração da operação. CARLOS também possuía várias outras armas na sua casa e no seu escritório. Disse que, embora ele fosse colecionador, algumas dessas armas estavam em situação irregular, inclusive a mencionada espingarda.
Sublinhou que CARLOS assumiu, no próprio interrogatório extrajudicial, que também era procurador das empresas "CRYSTALGLASS" e "CELTA". Acrescentou que esta última foi utilizada para exportar um carregamento de 373 kg (trezentos e setenta e três quilogramas) de cocaína. Complementou que, dentro do cofre, localizado no quarto de SUAÉLIO, foi encontrada uma anotação, na qual constam todos os dados, dentre eles o número do contêiner, o navio, etc., dentro do qual foi localizada, na Espanha, a droga exportada na carga da empresa "CELTA". Afirmou que, em razão desta informação, foi possível fazer a ligação entre os dois acusados.
A testemunha explicou que o senhor Jair, que em tese era o proprietário das empresas "CELTA" e "JAFEX", era, na realidade, um "laranja" de CARLOS, que utilizava todas essas empresas para remeter drogas para a Europa. Além disso, CARLOS frequentemente utilizava os serviços do doleiro Ahmad Ali Ali para trocar dólares e euros a pedido de SUAÉLIO.
Descreveu que CARLOS e SUAÉLIO, na verdade, mantinham uma sociedade de fato com o objetivo de exportar cocaína para a Europa, sendo que SUAÉLIO tinha mais contato com os fornecedores e compradores de entorpecentes, enquanto CARLOS, por sua vez, tinha mais conhecimento jurídico e operacional do negócio escuso, como, por exemplo, providenciar imóveis para encontros, empresas de fachada, efetuar o câmbio do dinheiro com pessoas não autorizadas.
Ressaltou que CARLOS chegou a relatar, em sede policial, sua participação em encontro com SUAÉLIO, JEFFERSON e RICARDO no sítio de SUAÉLIO em Mogi das Cruzes. Aduziu que há um relatório de vigilância policial no referido sítio, no qual constam o veículo Land Rover utilizado pelo traficante holandês, chamado de My Friend, e o veículo BMW de ANDRÉ, que era muito usado por JEFFERSON, já que ANDRÉ não costumava ir pessoalmente aos encontros, utilizando-se frequentemente de seu operacional.
Explicou que o aludido encontro entre CARLOS, SUAÉLIO, JEFFERSON e RICARDO ocorreu durante as negociações para o envio do entorpecente, anteriormente à apreensão ocorrida em 17.12.2013. Entretanto, o relatório de vigilância 21-B deu-se posteriormente aos fatos narrados na denúncia, em razão da frequência que os acusados mencionavam, nas interceptações, os encontros ocorridos no sítio.
Afirmou que a apuração dos fatos logrou demonstrar que SUAÉLIO tinha contato com dois fornecedores colombianos de droga, que, inclusive, tinham laboratório de drogas na Bolívia. Os nomes dos traficantes são Cristóbal Morales Velasquez e Yul Neyder Morales Sanchez.
Explanou que a Célula Porto não era homogênea, uma vez que dentro dela existiam outras pequenas células, isto é, grupos criminosos. Neste evento, quem exercia precipuamente a liderança era ANDRÉ, que foi o responsável por dar a SUAÉLIO explicações a respeito da perda do carregamento da droga. Além disso, ANDRÉ determinava a JEFFERSON que comparecesse aos lugares, pegasse o entorpecente, negociasse com fornecedores, etc., assim como fazia WELLINGTON. Asseverou que LEANDRO e RICARDO ficavam mais à parte, pois tinham outros negócios também. Todavia, no caso concreto, todos eles trabalharam juntos.
Às perguntas da defesa, a testemunha ressaltou, a respeito da participação de WELLINGTON, que ele foi mencionado na conversa de outros dois investigados, os quais disseram claramente que ele estava envolvido no transporte do entorpecente. Afirmou que a função de WELLINGTON em outros episódios era a mesma, ou seja, de acompanhar o transporte do entorpecente e sua colocação nos contêineres.
O Delegado referiu que, a partir da informação encaminhada por um ofício da Delegacia de Polícia Federal em Ribeirão Preto à Delegacia de Polícia Federal em Santos, iniciou-se um levantamento prévio, que primeiramente deu-se sobre João dos Santos Rosa, Ângelo Marcos Canuto da Silva e Rolim Gonzalo Parada Gutierrez (traficante boliviano). Revelou que os três encontraram-se algumas vezes e, a partir daí, os policiais concluíram que a informação procedia, pois verificaram que os três estavam envolvidos em negócios escusos.
Narrou que, pelo que consta dos diálogos interceptados, as conversas entre os envolvidos a respeito da estufagem da droga começaram em 29 de novembro, mas esta só veio a ocorrer em dezembro na própria "Friboi", com a participação de GILCIMAR. Disse que se depreende dos diálogos que a estufagem foi realizada por WELLINGTON e JEFFERSON, restando clara numa conversa entre JEFFERSON e ANDRÉ a citação expressa da alcunha "W Gordinho" usada por WELLINGTON.
Observou que não consta no caso examinado conversa interceptada do réu RICARDO, porque ele quase não usava o Blackberry. Informou, inclusive, que a equipe policial explicitou, no início da investigação, que RICARDO, incialmente usava esse meio de comunicação, entretanto, posteriormente deixou de usá-lo e, portanto, era tão somente citado nas conversas de outros alvos interceptados.
Asseverou que, após a apreensão da droga, ANDRÉ, de pronto, disse que RICARDO explicaria a situação para SUAÉLIO, ou seja, a razão de ter ocorrido a apreensão, já que SUAÉLIO havia pagado o funcionário do raio x para facilitar o escoamento do entorpecente. Acrescentou que esse encontro entre RICARDO e SUAÉLIO, mencionado nos diálogos, não chegou a ocorrer, provavelmente, porque eles acharam desnecessário persistir em algo que já havia sido apreendido.
Repisou que CARLOS disse que RICARDO foi ao sítio em Mogi das Cruzes durante as negociações com SUAÉLIO para a remessa do entorpecente. Sublinhou que as investigações policiais, especialmente a interceptação das comunicações telefônicas, permitem concluir que foi RICARDO quem cooptou o funcionário da Santos Brasil.
Descreveu que, nas residências de SUAÉLIO, foram apreendidos aproximadamente quinze Blackberries, dos quais, ao menos oito foram interceptados e que, certamente, ele utilizou o nickname "Ricardo" por algum tempo. Esclareceu que, na investigação, existem vários "Ricardos", um deles, com apelido de "R" não chegou a ser identificado. Destacou que consta do relatório final para desconsiderar a indicação de SUAÉLIO, nas interceptações BBM, como "Ricardo Habibbs", retirando-se apenas a identificação provisória "Habibbs", pois "Ricardo" ele efetivamente utilizou. Esclareceu que o nome, apresentado no BBM, ou é o nome que a pessoa se autodeclarou ou é o nome que as demais possuem na agenda telefônica, por isso, verifica-se que era "Ricardo", mas não consta conversa em que ele tenha-se atribuído o nome de "Ricardo".
Declarou que os fornecedores colombianos, descobertos no bojo das investigações - Cristóbal e Neyder -, anteriormente mencionados, tinham contato habitual com SUAÉLIO e CARLOS, além de outros acusados na Operação Oversea, a fim de internalizar cocaína no Brasil. Ademais, afirmou que Cristóbal chegou a se hospedar na residência de SUAÉLIO. Mencionou que Cristóbal é pai de Yul Neyder.
Disse que a internalização da droga ocorria de várias formas, tendo em vista que o entorpecente era trazido dentro de caminhão, através de aviões que faziam pouso no Centro Oeste, no Triângulo Mineiro, etc., entretanto, a equipe policial concentrou-se no que se refere à saída da droga para o exterior. No caso do "Evento nº 13", os diálogos dão conta de que SUAÉLIO e CARLOS já estavam em poder da droga, não sendo possível afirmar sua procedência.
Afirmou que SUAÉLIO e CARLOS especializaram-se em criar pessoas jurídicas que pudessem remeter cargas para o exterior, algumas vezes recheadas de cocaína, como foi o caso da "CELTA", supramencionado. Confirmou que a "CELTA" era uma empresa em nome da pessoa chamada Jair, que era um "laranja", pois, na verdade, o procurador da empresa era CARLOS, o qual operacionalizou o embarque da cocaína, cujas informações, relativas ao transporte da droga, foram encontradas no cofre da casa de SUAÉLIO.
Enfatizou que o fato que vincula o acusado CARLOS a este evento é o diálogo entre ele e SUAÉLIO, no qual este questiona a respeito do "espanhol", porque receberá o papel relativo ao embarque da droga, enquanto CARLOS responde "até que enfim". Declarou que está claro o assunto sobre o qual os acusados estavam conversando. Referiu, ainda, que os fatos devem ser analisados dentro do contexto, já que CARLOS é sócio de fato e parceiro de SUAÉLIO há mais de três anos e os dois trabalham juntos exclusivamente para exportar drogas, tendo sido colhidas inúmeras provas a esse respeito no inquérito policial.
Reforçou que CARLOS, além de procurador da "CELTA" e da "CRYSTALGLASS", era procurador da "OKLONA CORPORATION", proprietária do sítio e da casa relacionada a SUAÉLIO ["casa branca"]. No tocante à outra casa ["casa roxa"], embora CARLOS tenha relatado que não sabia quem era o proprietário, verificou-se que a proprietária é outra empresa com sede no Uruguai no mesmo endereço da "OKLONA", sendo que de todas as pessoas jurídicas envolvidas, o acusado era o verdadeiro procurador.
A testemunha ainda declarou que, no dia da deflagração da operação, SUAÉLIO foi encontrado na casa situada na Rua Emílio Zapile, onde foi constatada, no quarto do acusado, a anotação sobre o número do contêiner e o navio que transportou 373 kg (trezentos e setenta quilogramas) de cocaína, apreendidos na Espanha, o que não foi evento da Operação Oversea. Essa informação foi apurada pesquisando-se a empresa "CELTA", da qual CARLOS era procurador. Disse que também foram apreendidos, dentro de um cofre, na posse de SUAÉLIO, dois documentos das empresas "LABOGEM" e "PIROQUÍMICA" que estão relacionadas à distribuição de propina na Operação Lava-Jato da Polícia Federal.
Afirmou que não consta fotografia de SUAÉLIO nas reuniões, apenas fotografia do veículo Suzuki Vitara branco, frequentemente usado pela esposa do acusado. Nas vigilâncias realizadas, foram também colacionadas fotografias de outros veículos de participantes dos encontros como o Land Rover Evoque, utilizado pelo traficante holandês, e o Sonata, de CARLOS.
Asseverou que SUAÉLIO usava o nome falso de Hélio Alves Leda e estava sendo procurado desde 2001 por tráfico de drogas. Acrescentou que SUAÉLIO não constava como sócio de nenhuma empresa, apenas como empregado da "ELETEM". Além disso, nenhum dos imóveis utilizados por SUAÉLIO estavam em seu nome ou no nome de "Hélio". Uma das casas - "casa branca" - e o sítio estavam em nome da empresa "OKLONA". A "casa roxa", onde ele foi preso, estava, inicialmente, em nome do doleiro Ahmad Ali Ali.
Enfatizou que no próprio registro imobiliário consta que Ahmad comprou a casa por R$ 470.000,00 (quatrocentos e setenta mil reais) e, seis meses depois, vendeu-a por R$ 430.000,00 (quatrocentos e trinta mil reais), razão por que lhe foi perguntado, no interrogatório em sede policial, o motivo de a casa ter sido vendida por preço inferior ao da compra, uma vez que, normalmente, vende-se o imóvel com certa margem de lucro, ao que ele afirmou, na verdade, ter vendido o imóvel para CARLOS por R$ 1.000.000,00 (um milhão) de reais, e CARLOS o cedeu para uso de SUAÉLIO.
Declarou que, em resumo, com relação ao "Evento nº 13", WELLINGTON, assim como nos outros eventos, foi o responsável por transportar a droga, o que fez juntamente com JEFFERSON. O local de origem e de destino do transporte não ficou claro para a equipe policial, pois os acusados falavam em códigos como "foram buscar no aeroporto e levaram para a rodoviária". LEANDRO passou o contato de GILCIMAR, funcionário da Friboi, para ANDRÉ e JEFFERSON fazerem "a venda" das informações para os donos da droga. RICARDO, por sua vez, aliciou o funcionário do raio x da Santos Brasil. SUAÉLIO era o principal interessado em obter essas informações para enviar a droga para o exterior, assim como CARLOS.
Disse que a equipe policial apurou que ANDRÉ, JEFFERSON e WELLINGTON estão envolvidos com a organização criminosa Primeiro Comando da Capital - PCC. Por fim, asseverou que, na Operação Oversea, trabalharam sete agentes da Polícia Federal e, no total, foram apreendidas quase três toneladas de cocaína.
Assim, depreende-se do depoimento judicial pormenorizado da testemunha de acusação, o Delegado de Polícia Federal Rodrigo Paschoal Fernandes, colhido sob o pálio do contraditório, de modo claro e preciso, que todos os acusados efetivamente participaram da empreitada criminosa de tráfico transnacional de 145,67 kg (cento e quarenta e cinco quilos e sessenta e sete gramas) de cocaína em 17.12.2013.
Segundo o Delegado, SUAÉLIO e CARLOS, em comunhão de desígnios, estavam na posse do entorpecente e obtiveram, por meio de ANDRÉ, os dados relativos ao navio, contêiner, carregamento, data de embarque, etc., para o envio da droga às Ilhas Canárias na Espanha. Por sua vez, LEANDRO passou a ANDRÉ, através de JEFFERSON, o contato de GILCIMAR, funcionário da Friboi, que possuía as informações de interesse de SUAÉLIO e de CARLOS para a remessa do entorpecente ao exterior. WELLINGTON, juntamente com JEFFERSON, efetuou o transporte do entorpecente para a estufagem no navio. Por fim, RICARDO cooptou o funcionário responsável pelo equipamento de raio x da Santos Brasil a fim de facilitar a expedição internacional do entorpecente pela via marítima.
O depoimento da testemunha confirma os diálogos interceptados, supratranscritos, constantes do relatório do DPF referente ao "Evento nº 13".
LEANDRO TEIXEIRA DE ANDRADE
Em juízo (fls. 671 - CD), o acusado LEANDRO relatou, em síntese, que exercia a profissão de caminhoneiro autônomo cooperado, com rendimento mensal entre R$ 5.000,00 e R$ 8.000,00 reais. Disse que já foi preso e processado pela Justiça Estadual de Santos por tráfico de drogas e porte ilegal de armas, tendo cumprido pena. Alegou não ser verdadeira a acusação no presente feito. Afirmou conhecer RICARDO, porque viveram no mesmo bairro, bem como GILCIMAR, porque a ex-sogra dele morava na mesma rua em que residia há 18 anos. Por fim, declarou que teve um telefone Blackberry apreendido em sua casa.
Portanto, LEANDRO limitou-se a negar os fatos que lhe são imputados na denúncia e afirmou conhecer apenas GILCIMAR e RICARDO.
A testemunha de defesa do acusado, Adaílson Cardoso, em juízo (fls. 671 - CD), disse que trabalha na Coopersantos - cooperativa de transportes de Santos - e que LEANDRO é cooperado, entretanto, nada soube esclarecer sobre os fatos narrados na denúncia.
Ao contrário da negativa de LEANDRO, as provas colacionadas aos autos demonstram cabalmente a sua participação no crime de tráfico internacional de drogas tratado no presente feito. A identificação do réu, segundo consta no relatório policial do inquérito nº 0788/2013, deu-se da seguinte forma (fls. 463 - CD, arquivo: volume 3 nº 5-788.2013 a fls. 29/34 do documento digital):
Na sequência, infere-se do depoimento extrajudicial de Erika Biazole Ferreira, que mantém união estável com LEANDRO, o envolvimento do acusado com o tráfico de drogas e com alguns dos demais réus, no caso dos autos, assim como o uso da tecnologia BBM, in verbis (fls. 463 - CD, arquivo: volume 2 nº 5-788.2013 a fls. 36/37 do documento digital):
Consta dos autos nº 0002800-46.2013.403.6104, que LEANDRO foi identificado a partir dos relatórios de vigilância nº 02, 04 e 06, todos de 2013, nos encontros ocorridos em frente à Santa Casa de Santos (25.04.2013), bem como na Praça da República, diante do prédio da Alfândega, em Santos (27.05.2013 e 04.06.2013). No encontro para as tratativas criminosas ocorrido em frente ao prédio da Alfândega, na data de 27.05.2013, também estava presente o corréu RICARDO MENEZES LACERDA (fls. 1.087 - CD, arquivo: COPIA INTEGRAL DIGITALIZADA 2800-46, volume 02, fls. 618/619, 623/633 e 639/645). Registre-se, ademais, que LEANDRO e RICARDO já foram presos e condenados conjuntamente por tráfico de drogas nos autos do processo nº 0171/1999, conforme o apenso Folhas Antecedentes Criminais.
Além disso, LEANDRO foi preso em flagrante delito, em 27.03.2014, na posse de 56 kg (cinquenta e seis quilogramas) de cocaína, o que foi considerado, no âmbito na Operação Oversea, o "Evento nº 21", e consta dos autos do inquérito policial, bem como da interceptação das comunicações telefônicas/telemáticas (fls. 1.087 - CD, arquivo: COPIA INTEGRAL DIGITALIZADA 2800-46, volume 27, fls. 7.110/7.138).
No presente feito, o depoimento da testemunha de acusação, na fase judicial, e as mensagens interceptadas, nos autos do pedido de quebra de sigilo de comunicação telefônica/telemática, comprovam plenamente a participação de LEANDRO no crime de tráfico transnacional de drogas ocorrido no embarque de cocaína no navio MSC ATHOS com destino a Las Palmas, cuja apreensão deu-se em 17.12.2013 - "Evento nº 13".
Na conversa a seguir transcrita, LEANDRO, vulgo Holt, Popó, passa para JEFFERSON, também conhecido como Ruan, Kamilly, Isabelly Vitória, em 29.11.2013, o número de telefone de GILCIMAR a fim de que JEFFERSON obtenha informações precisas quanto ao navio (busão), ao contêiner (caixa) e à data do embarque para a viagem, as quais serão repassadas aos respectivos interessados:
Posteriormente, em 14.12.2013, LEANDRO avisa JEFFERSON que a cocaína está pronta para a estufagem no navio, utilizando-se da expressão - "dá pra ir pro baile agora, está no jeito" -, quando JEFFERSON certifica-se a respeito de tratar-se do entorpecente destinado às Ilhas Canárias, conforme a seguinte interceptação telefônica:
Em 16.12.2013, LEANDRO diz a JEFFERSON que o contêiner foi entregue, enquanto JEFFERSON responde que pegará com o próprio LEANDRO os documentos que comprovam o despacho da carga, no diálogo monitorado seguinte:
Em 17.12.2013, LEANDRO avisa JEFFERSON a respeito da apreensão da cocaína, sublinhando que a carga nem chegou a passar pelo funcionário cooptado que trabalha operando o equipamento de scanner, como se observa:
Portanto, estão devidamente comprovadas a materialidade e a autoria do delito. A mera negativa do acusado a respeito dos fatos que lhe são imputados não procede.
No tocante à alegação da defesa dos corréus LEANDRO e RICARDO, em sede de apelação, de que a sentença condenatória está calcada somente em provas colhidas na fase inquisitorial, o que viola o disposto no art. 155 do Código de Processo Penal, consigno que os diálogos dos réus, colhidos no âmbito da interceptação de suas comunicações telefônicas/telemáticas, assim como o monitoramento e vigilância pela Polícia Federal de encontros realizados entre os acusados, são provas não repetíveis excepcionadas pelo aludido artigo do Diploma Processual Penal. Ademais, as provas foram devidamente confirmadas em juízo, na fase processual instrutória, pelo depoimento judicial do Delegado de Polícia Federal Rodrigo Paschoal Fernandes, tendo sido exercido plenamente o direito ao contraditório pela defesa dos acusados.
Assim, não resta dúvida de que LEANDRO, de forma consciente e em comunhão de vontades, praticou o crime de tráfico transnacional de drogas, previsto no art. 33, caput, c.c. o art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006, ficando mantida a sua condenação.
RICARDO MENEZES LACERDA
Na fase judicial (fls. 671 - CD), o corréu RICARDO afirmou, em resumo, que é técnico em edificação, bem como em transação imobiliária, trabalhando especificamente como construtor, fazendo reformas e avaliações, com rendimento mensal de R$ 8.000,00 (oito mil reais) a R$ 16.000,00 (dezesseis mil reais), pois sua renda varia conforme o contrato que estiver trabalhando no período. Informou que foi processado perante a Justiça Estadual de Santos em 1999 por tráfico de drogas, tendo sido condenado e cumprido pena. Com relação à acusação, disse não ser verdadeira. Asseverou que conhece LEANDRO, do bairro Jabaquara, onde nasceram, e WELLINGTON, do Guarujá, porque a família dele possui loja de materiais de construção, onde já realizou cotação quando tinha obra sendo executada naquela cidade. Revelou ser amigo de ANDRÉ, que promove vários eventos e show, e que muita gente de Santos o conhece, uma vez que ele realiza eventos noturnos na cidade. Alegou não ter participado do tráfico de cocaína cuja apreensão ocorreu em 17.12.2013. Disse que está sendo processado porque conhece LEANDRO e ANDRÉ, assim como porque esteve num determinado encontro da alfândega, que não faz parte deste processo, mas esteve no local e acredita que foi reconhecido pela Polícia Federal naquele momento.
Desse modo, RICARDO negou qualquer participação nos fatos que lhe são imputados na denúncia, declarou conhecer LEANDRO e WELLINGTON, assim como ANDRÉ, e afirmou que esteve presente no mencionado encontro da alfândega.
Apesar da negativa de RICARDO, as provas colacionadas aos autos evidenciam a sua participação no crime de tráfico transnacional de drogas objeto do presente feito. A identificação do acusado, de acordo com o relatório policial do inquérito nº 0788/2013, deu-se da seguinte forma (fls. 463 - CD, arquivo: volume 3 nº 5-788.2013 a fls. 34/41 do documento digital):
Depreende-se do interrogatório de CARLOS, na fase inquisitorial, a respeito do encontro com RICARDO (fls. 1.087 - CD, arquivo: IPL, prisão bodra santos, img20140623_10272948 a fls. 01/05 do documento digital):
Em juízo, CARLOS ratificou integralmente suas declarações em sede policial (fls. 671 - CD).
Portanto, as declarações de CARLOS não deixam dúvidas de que RICARDO, vulgo Jones, Kaká, esteve presente no mencionado encontro "em uma casa de milho" (Rodovia Mogi-Bertioga, Km 74), nas cercanias do sítio de SUAÉLIO - propriedade denominada "rancho ou mato" (Rodovia Mogi-Bertioga, 900, Km 74,4) -, com SUAÉLIO, CARLOS e JEFFERSON, o que demonstra o seu envolvimento com os demais corréus e a sua participação nas negociações encetadas para a remessa da droga ao exterior.
O próprio réu RICARDO, em sede extrajudicial, afirmou, que costumava parar em um local onde se vende milho verde na estrada Mogi-Bertioga (fls. 1.087 - CD, arquivo: IPL, bs 07, auto de qualificação e interrogatório 04):
Assim, infere-se também das declarações de RICARDO, tomadas em conjunto com o relato de CARLOS, a ocorrência de, ao menos, um encontro entre ele e os corréus SUAÉLIO, JEFFERSON e CARLOS para as negociações atinentes ao crime ora examinado. Esclareço, entretanto, que o relatório de vigilância nº 21-B de 2014 não se refere aos fatos do "Evento nº 13", uma vez que se deu posteriormente a 17.12.2013.
Consta, ainda, dos autos nº 0002800-46.2013.403.6104, que RICARDO foi identificado a partir do relatório de vigilância nº 04 de 2013, no encontro ocorrido em frente à Praça da República, diante do prédio da Alfândega, em Santos. No aludido encontro para as tratativas criminosas, na data de 27.05.2013, também estava presente o corréu LEANDRO TEIXEIRA DE ANDRADE (Fls. 1.087 - CD, arquivo: COPIA INTEGRAL DIGITALIZADA 2800-46, volume 02, fls. 623/633). Registre-se, ademais, que LEANDRO e RICARDO já foram presos e condenados conjuntamente por tráfico de drogas nos autos do processo nº 0171/1999, conforme o apenso Folhas Antecedentes Criminais.
Especificamente, as mensagens interceptadas, nos autos do pedido de quebra de sigilo de comunicação telefônica/telemática, comprovam a participação de RICARDO no crime de tráfico transnacional de drogas por meio do embarque de cocaína no navio MSC ATHOS, destinado às Ilhas Canárias, na Espanha, tendo ocorrido a apreensão em 17.12.2013, conforme consta do "Evento nº 13".
No diálogo transcrito, ANDRÉ comunica a apreensão do entorpecente a SUAÉLIO (Huy, Mio, Alfredo, Tubarão), ambos comentam a respeito de possível falha do funcionário da Santos Brasil e, por fim, ANDRÉ (André do Rap) diz a SUAÉLIO que RICARDO (Jones) poderá levar o funcionário para explicar pessoalmente o fato ocorrido:
Assim, fica evidente que RICARDO estava sob o comando de ANDRÉ e participou das tratativas do crime que se arrastaram por diversos meses, segundo apurado pela Polícia Federal. In casu, a atuação de RICARDO deu-se, particularmente, no que se refere ao funcionário cooptado da Santos Brasil, ainda que RICARDO não tenha efetivamente levado o aludido funcionário até SUAÉLIO, já que constou do relatório policial que até o momento da confecção daquele documento esse fato não havia se concretizado.
Em juízo, o Delegado de Polícia Federal Rodrigo Paschoal Fernandes confirmou, de forma categórica, a participação de RICARDO no delito ora examinado. Desse modo, a mera negativa do réu quanto aos fatos que lhe são imputados não prospera. A materialidade e a autoria do delito foram devidamente comprovadas ao longo da instrução criminal.
Resta claro, portanto, que RICARDO, em comunhão de vontades com os corréus, agiu conscientemente para a perpetração do crime de tráfico transnacional de drogas, tipificado no art. 33, caput, c.c. o art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006, daí por que mantenho a sua condenação.
WELLINGTON ARAÚJO DE JESUS
Em juízo (fls. 671 - CD), o acusado WELLINGTON declarou, em síntese, que exercia a profissão de empresário do ramo de materiais de construção, com rendimento mensal entre R$ 15.000,00 e R$ 20.000,00 reais. Referiu que já foi preso e processado por roubo, tendo o processo tramitado em Caraguatatuba. Afirmou que a acusação não é verdadeira. Disse ser amigo de ANDRÉ, para quem alugou uma lancha, tendo feito um contrato, e conhecer RICARDO de uma festa de aniversário no Guarujá, onde conversaram sobre trabalho e materiais de construção. Informou conhecer JEFFERSON, que já comprou materiais de construção em sua loja no Guarujá, e que RICARDO também fez dois orçamentos na sua loja. Declarou que, além de sua atividade na loja de materiais de construção, exercia outras atividades como alugar rádios Nextel de sua propriedade, bem como apartamentos dos quais aufere a comissão, com o objetivo de aumentar sua renda. Descreveu que, quando foi preso, havia alugado rádio Nextel, mas não havia feito o contrato, de modo que respondeu pela acusação, sendo ao final absolvido. Indagado a respeito de continuar alugando rádios Nextel, mesmo diante da referida experiência, afirmou que fez contrato, anotando o CIC e o RG dos locatários. Aduziu que anteriormente não fez o contrato e, por essa razão, foi preso. Asseverou que ANDRÉ é produtor de shows e eventos e já alugou diversos apartamentos para ele, bem como vendeu carros para a família dele.
Desse modo, WELLINGTON negou a sua participação nos fatos denunciados. Alegou que alugava rádios Nextel para aumentar a renda e, por essa razão, viu-se envolvido no caso dos autos, assim como esteve envolvido em outro crime pelo qual foi anteriormente processado. Disse que é amigo de ANDRÉ e conhece JEFFERSON e RICARDO.
Em que pesem as suas alegações, WELLINGTON não logrou demonstrar para quem supostamente alugou o rádio Nextel. Não declinou nomes, não apresentou os mencionados contratos, ou ofereceu algum dado que comprovasse essa assertiva.
Ao contrário dos seus argumentos, os elementos de prova evidenciam a sua participação no crime de tráfico internacional de drogas no caso concreto. A identificação do réu, conforme o relatório policial do inquérito nº 0788/2013, deu-se da seguinte forma (fls. 463 - CD, arquivo: volume 2 nº 5-788.2013 a fls. 237/250 do documento digital; arquivo: volume 3 nº 5-788.2013 a fls. 02/03 do documento digital):
Como se observa do relatório transcrito, WELLINGTON tinha envolvimento com o tráfico de drogas, bem como, com a organização criminosa denominada PCC, capitaneada, no caso concreto, por ANDRÉ do RAP, que, segundo apurado pela Polícia Federal nos autos do pedido de quebra de sigilo das comunicações telefônicas/telemáticas, era "sintonia da disciplina", função exercida no seio da organização criminosa PCC, cuja atribuição é disseminar e fiscalizar a implantação da ideologia da facção em um bairro ou cidade, cabendo ao "disciplina" a primeira decisão, inclusive a punição, a respeito de conflitos na comunidade onde a facção atua. Por sua vez, a "rifa" é uma das formas utilizadas pelo PCC para a obtenção de receita a fim de custear as atividades ilícitas da organização, de acordo com estudos dos órgãos responsáveis pelo combate à criminalidade, de notícias veiculadas nos meios de comunicação, assim como de informação da equipe policial nos autos (fls. 463 - CD, arquivo: volume 2 nº 5-788.2013, fls. 204 do documento digital e fls. 1.087 - CD, arquivo: COPIA INTEGRAL DIGITALIZADA 2800-46, volume 19, fls. 5.013). O diálogo colacionado demonstra claramente que WELLINGTON tinha pleno conhecimento a respeito da arrecadação por meio da "rifa".
Consta dos autos que, após o cumprimento de mandado de busca e apreensão, foram apreendidos na posse de WELLINGTON telefones celulares que continham contatos de outros acusados na Operação Oversea, inclusive de JEFFERSON (Dente) e RICARDO (Jones), assim como da filha de ANDRÉ e da mãe dela (fls. 1.087 - CD, arquivo: IPL, bs 15, img20140616_16294695, relatório de análise documental nº 15 - BS a fls. 02/12 do documento digital), denotando o enredamento entre eles.
O depoimento da testemunha de acusação, na fase judicial, o Delegado de Polícia Federal Rodrigo Paschoal Fernandes, assim como as mensagens interceptadas, nos autos do pedido de quebra de sigilo de comunicação telefônica/telemática, comprovam além de qualquer dúvida razoável a participação de WELLINGTON no crime de tráfico internacional de drogas através do navio MSC ATHOS com destino a Las Palmas, cuja apreensão deu-se em 17.12.2013, de acordo com o "Evento nº 13".
Na conversa interceptada entre JEFFERSON (Ruan, Kamilly, Isabelly Vitória) e ANDRÉ (André do Rap, Qui deus proteja), fica evidente o envolvimento de WELLINGTON, conhecido como "W Gordim", no transporte da cocaína, que como declarou a testemunha de acusação, é referido entre os réus sob a forma de códigos, a exemplo de "ele foi comigo na rodoviária buscar o pessoal", ou seja, WELLINGTON foi, juntamente com JEFFERSON, buscar a droga:
Assim, a negativa do acusado a respeito dos fatos que lhe são imputados não procede. Estão devidamente comprovadas a materialidade e a autoria delitiva. WELLINGTON, de forma consciente e em comunhão de vontades, praticou o crime de tráfico transnacional de drogas, previsto no art. 33, caput, c.c. o art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006, de modo que a sentença merece ser reformada para condenar o réu, provendo-se a apelação ministerial neste ponto.
SUAÉLIO MARTINS LEDA
Na fase judicial (fls. 671 - CD), SUAÉLIO afirmou que usou o nome falso de "Hélio Alves Leda". Declarou que residia em Mogi das Cruzes, na Rua Emilio Zapile, onde apenas alugava um cômodo da casa, e que já residiu no bairro Gonzaga em Santos. Asseverou que exercia a profissão de vendedor autônomo de chicote e de painéis de elevadores, auferindo aproximadamente R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 8.000,00 (oito mil reais) mensais. Relatou que já foi preso e processado em Itanhaém, no ano de 2001, por tráfico de drogas, tendo cumprido pena.
No que tange à acusação, o réu disse não ser verdadeira, desconhecendo os fatos que lhe são imputados. Afirmou que não conhece ANDRÉ nem LEANDRO, RICARDO, JEFFERSON, WELLINGTON ou GILCIMAR. Por outro lado, asseverou que conhece CARLOS, da fábrica de elevadores, pois ele era advogado da empresa. Alegou que CARLOS jamais advogou em seu favor, tampouco teve negócios com ele. Simplesmente, conhece CARLOS em razão da fábrica.
Argumentou que não tinha nenhum conhecimento a respeito dessa operação, pois passara dez dias internado num hospital, e quando tivera alta, no dia seguinte, uma segunda-feira, a polícia invadiu sua casa, procurando uma pessoa chamada CARLOS. Disse que, indagado se era o proprietário da casa, respondeu que não, que apenas residia naquele local. Afirmou que também se encontravam na casa sua namorada e mais um casal e que um policial pedira para aguardar na parte de baixo junto com essas outras pessoas, pois ele procederia à busca e apreensão na residência, o que foi consentido.
Narrou que, perguntado, foi dito ao policial que não tinha conhecimento a respeito de nenhuma arma, tampouco do cofre ou da respectiva senha. Afirmou ter dito ao policial que apenas alugava um quarto da casa, questionando, por essa razão, o local onde fora encontrado o cofre. Asseverou que, posteriormente, o policial deu-lhe voz de prisão.
Assegurou que residia na casa localizada na Rua Emílio Zapile, em Mogi das Cruzes, porém não sabia informar quem era o proprietário. Se não estava enganado, a casa pertencia a uma empresa chamada "OKLONA". Alegou que pagava aluguel para CARLOS, mas ele não era o proprietário da casa. Como CARLOS advogava para a empresa, ele disse que, se quisesse, poderia morar no local. Praticamente, não pagava um aluguel, apenas uma ajuda de custo no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais). Afirmou que CARLOS advogava para várias empresas, inclusive a "OKLONA".
SUAÉLIO declarou que não trabalhava para a "OKLONA", uma vez que exercia sua atividade de venda de chicotes e painéis de elevadores. Relatou que não tinha onde morar e, conversando com CARLOS, o qual conheceu na empresa onde trabalhava - "ELETEM" -, perguntou-lhe a esse respeito, e ele ofereceu aquele local para moradia, sendo que, se quisesse, poderia ajudar com o pagamento do custo. Disse que, como havia um quarto disponível na casa, aceitou residir lá, mas não fez contrato, apenas pagava R$ 2.000,00 (dois mil reais) mensais a CARLOS BODRA. Acrescentou que esse valor era pago em dinheiro, contudo CARLOS não emitia recibo, pois era tão somente um "contrato de boca".
Ressaltou não conhecer o sítio em Mogi das Cruzes e acreditar que os fatos foram-lhe atribuídos em virtude de um problema que teve no passado. Alegou que nunca manteve contato telefônico com ANDRÉ, tampouco com JEFFERSON. Disse que era raro até mesmo manter contato telefônico com CARLOS, porque falava com ele pessoalmente na empresa, o que também era pouco frequente.
Argumentou que já teve diversas profissões, como vendedor, montador de móveis, bem como que, antes de ser preso, estava trabalhando na empresa "ELETEM", onde era vendedor e recebia comissão sobre os produtos vendidos. Afirmou nunca ter trabalhado com exportação.
Asseverou conhecer CARLOS da "ELETEM", pois ele era advogado financeiro da empresa e que, além do quarto que locava, não tinha relação negocial com ele. Negou ter trabalhado com venda de vidros. Relatou que sabia a respeito da atividade de CARLOS como advogado financeiro e tributário, desconhecendo as demais atividades exercidas por ele, como assessoria para exportação de vidros.
Declarou que, quando a Polícia Federal chegou no imóvel onde locava um cômodo, no quarto onde se encontrava naquele momento, nada foi constatado. Ressaltou que o cofre não foi encontrado no quarto que ocupava, pois naquele cômodo não havia cofre, e que nunca viu o bilhete a que se referiu a testemunha de acusação em audiência. Enfatizou que jamais teve encontros ou reuniões com estrangeiros, sejam colombianos, sejam holandeses, para tratar do tráfico de drogas.
Acrescentou que, em relação ao Dr. Rodrigo Paschoal Fernandes, houve uma oportunidade em ele compareceu no presídio para ouvi-lo a respeito da acusação de tráfico de drogas, mas in off, ou seja, sem que suas declarações fossem anotadas, tendo-lhe dito que somente responderia à acusação na presença de seu advogado de defesa em juízo. Asseverou que, como não foi prestado depoimento, o delegado simplesmente concluiu que era um traficante de drogas. Sublinhou sentir-se indignado diante disso e da questão relacionada ao cofre.
Narrou que, quando chegou na Polícia Federal, estava em uma sala, onde se encontravam os objetos apreendidos, momento em que entrou um policial, pegou o cofre dizendo que iria ver o que havia dentro dele, e saiu da sala. Argumentou que, tendo o policial retirado o cofre e o levado para outra sala, não se pode garantir que ele não tenha sido aberto para a colocação, ou a retirada, de um papel no seu interior, e que isso tudo o deixou indignado, pois jamais esperava um acontecimento desses na Polícia Federal.
Por fim, assegurou que, no tocante à acusação, é inocente. Alegou que não há sequer uma foto sua, uma gravação, uma filmagem mostrando que estava próximo da droga.
Desse modo, SUAÉLIO negou a autoria do delito, bem como qualquer relação cliente/advogado com o corréu CARLOS. Além disso, atribuiu irregularidades à atuação da Polícia Federal.
A negativa dos fatos que lhe são imputados e o argumento de SUAÉLIO, no sentido de que apenas locava um quarto na casa onde foi preso, não prosperam. O acusado não juntou aos autos o contrato de locação do imóvel, documentos que pudessem demonstrar os pagamentos efetuados a título de aluguel, ou ainda, testemunhas para confirmar sua versão. Acrescente-se que no depoimento dos Agentes de Polícia Federal Nelson Onofre Ferrari de Paula e Luiz Fernando Pancini Nunes, que deram cumprimento ao mandado de busca e apreensão nº 0046/2014, bem como deram voz de prisão em flagrante delito ao réu, por uso de documento falso, em nome de "Hélio Alves Leda", consta que SUAÉLIO apresentou-se como responsável pelo imóvel em questão, isto é, o imóvel situado na Rua Emílio Zapile, 582, Mogi das Cruzes/SP (fls. 1.087 - CD, arquivo: IPL, prisão - suaélio martins leda, img20140623_10593048 a fls. 01/03 do documento digital).
Registra o relatório policial a respeito da diligência (fls. 1.087 - CD, arquivo: IPL, prisão - suaélio martins leda, img20140623_10593048 a fls. 15/17 do documento digital):
Desse modo, não procede a alegação da defesa de que SUAÉLIO apenas locava um quarto no imóvel da Rua Emílio Zapile, em Mogi das Cruzes/SP.
Acrescente-se que, de acordo com informações da equipe policial, SUAÉLIO também foi reconhecido por funcionários da propriedade chamada de "rancho ou mato", na Estrada Mogi-Bertioga, Km 74,4, como sendo o "dono do imóvel" (fls. 1087 - CD, arquivo: COPIA INTEGRAL DIGITALIZADA 2800-46, volume 27, fls. 7.075):
Do mesmo modo, o argumento de que o Delegado de Polícia Federal Rodrigo Paschoal Fernandes assim como os demais policiais da equipe que atuou na busca e apreensão na residência de SUAÉLIO teriam tentado incriminá-lo não procede. O réu não apresentou sequer um elemento de prova que pudesse demonstrar sua versão, a qual se revela nada crível diante dos fatos constantes do presente feito.
Quanto à alegação da defesa, em sede de apelação, de que a alcunha "Ricardo" refere-se a outro investigado, restando comprometidas as investigações, cumpre salientar que o fato de constar a fls. 7.479 dos autos nº 0002800-46.2013.403.6104 informação da Polícia Federal para desconsiderar a identificação provisória de SUAÉLIO como sendo "Ricardo Habbis" em nada altera a autoria delitiva do réu. Como sublinhado, trata-se de uma identificação provisória. Ademais, conforme declarado pela testemunha de acusação, SUAÉLIO, de fato, identificava-se, nas mensagens BBM, como "Ricardo", além de outros nicknames declinados nos autos como "Canam, Alfredo, Eu, Huy, Mio, Tuba Rico, Tubarão". Nesse sentido, também consta informação a fls. 7.481. A desconsideração, in casu, é apenas do qualificativo "Habbis".
Em juízo, a testemunha de defesa José Augusto da Conceição Moreira nada soube esclarecer a respeito da apreensão de cocaína ocorrida em 17.12.2013 (fls. 958/960).
Ao contrário das alegações de SUAÉLIO, as provas dos autos evidenciam, no caso concreto, a prática do crime de tráfico transnacional de drogas pelo acusado. A identificação do réu, de acordo com o relatório policial do inquérito nº 0788/2013, deu-se da seguinte forma (fls. 463 - CD, arquivo: volume 3 nº 5-788.2013 a fls. 136/170 do documento digital):
De fato, restou comprovado o uso de documento falso por SUAÉLIO, conforme acórdão de minha relatoria, julgado, à unanimidade, por esta Décima Primeira Turma, para negar provimento à apelação da defesa de SUAÉLIO MARTINS LEDA e dar parcial provimento à apelação do MPF, bem como, de ofício, reduzir o quantum relativo à reincidência, em 08.08.2017, nos autos do processo nº 0000850-75.2014.4.03.6133/SP:
É evidente, portanto, que SUAÉLIO fez uso de documento falso com o intuito de ocultar-se das consequências da legislação penal, bem como a fim de manter acobertadas suas atividades relacionadas à narcotraficância transnacional.
Registre-se que, em 2009, SUAÉLIO foi processado no âmbito da Operação Capitão Jack (na qual foi considerado fugitivo), em razão da apreensão de um carregamento de cocaína no interior de um contêiner de açúcar que seria exportado para a Europa. Portanto, o réu utilizou-se do mesmo modus operandi retratado nos fatos delitivos em comento nestes autos (cfr. informação a fls. 7.075 dos autos nº 0002800-46.2013.403.6104, fls. 1.087 - CD).
No cumprimento do mandado de busca e apreensão no "rancho", um dos locais utilizados como residência por SUAÉLIO, foram constatados, dentre outros objetos, dez celulares Blackberry, um cofre marca Starker, um veículo em nome da empresa OKLONA CORPORATIONS S.A. e armamento. As informações referentes aos bens apreendidos foram detalhadas no relatório de análise documental nº STS19 (fls. 1.087 - CD, arquivo: IPL, sts 19, img20140618_15184543 e arquivo: COPIA INTEGRAL DIGITALIZADA 2800-46, volume 28, fls. 7.382/7.518). Em relação aos aparelhos de telefonia, foram encontrados, dentre outros, os contatos de CARLOS BODRA, ANDRÉ DO RAP e JEFFERSON, todos corréus na Operação Oversea.
Já no endereço da "casa roxa", Rua Emílio Zapile, 582, Vila Oliveira, Mogi das Cruzes/SP, onde SUAÉLIO foi preso em flagrante delito, foram constatados, dentre outros objetos, cinco aparelhos celulares, inclusive aquele que tem o nickname "Canam", um cofre BIOTEC, a anotação da qual constam informações relativas ao navio MAERSK LAGUNA, que transportou carregamento de vidro da empresa "CELTA" em meio do qual foram apreendidos 373 kg (trezentos e setenta e três quilogramas) de cocaína no Porto de Algeciras, na Espanha, um veículo em nome da empresa "CRYSTALGLASS", o montante de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) e US$ 48,400.00 (quarenta e oito mil e quatrocentos dólares americanos) (Fls. 1087 - CD, arquivo: IPL, sts 20, img20140618_16250903).
Na fase inquisitorial, o corréu CARLOS BODRA KARPAVICIUS afirmou que SUAÉLIO se identificava falsamente como "Hélio Alves Leda", que utilizava a "casa roxa" como residência, e tinha contato com diversos estrangeiros, inclusive, nacionais da Colômbia, onde já havia residido. O interrogado disse, ainda, que era advogado de SUAÉLIO e procurador das empresas "OKLONA CORPORATION", proprietária do "rancho" e da "casa branca", assim como da empresa CELTA INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE VIDROS LTDA (responsável pelo carregamento que continha cocaína apreendido a bordo do navio MAERSK LAGUNA). Por fim, confirmou o encontro entre SUAÉLIO e os corréus JEFFERSON e RICARDO na "casa de milho" (fls. 1.087 - CD, arquivo: IPL, prisão bodra santos, img20140623_10272948 a fls. 01/05 do documento digital):
Em juízo, CARLOS ratificou integralmente o seu depoimento em sede policial (fls. 671 - CD).
Por sua vez, o corréu RICARDO, em sede extrajudicial, afirmou, que costumava parar em um local onde se vende milho verde na estrada Mogi-Bertioga (fls. 1.087 - CD, arquivo: IPL, bs 07, auto de qualificação e interrogatório 04):
Dessa forma, tendo em vista os interrogatórios extrajudiciais de CARLOS e de RICARDO, é evidente que SUAÉLIO, CARLOS, JEFFERSON e RICARDO tiveram, ao menos, um encontro na "casa de milho" na estrada Mogi Bertioga, nas cercanias do "rancho", para negociar a remessa de cocaína para a Espanha através do Porto de Santos. Ainda que não tenham sido captadas fotografias ou filmagens dos acusados, as aludidas declarações dos corréus comprovam à saciedade a ocorrência do encontro com a participação de SUAÉLIO.
Registre-se que, de acordo com relato da equipe policial, que tem presunção juris tantum de autenticidade, SUAÉLIO manteve outros encontros para negociações relativas à narcotraficância transnacional, especialmente em sua propriedade rural ("rancho ou mato"), como descrito no relatório de vigilância nº 21-B de 2014. Esclareço, contudo, que o aludido relatório deu-se posteriormente aos fatos tratados no presente feito, confirmando apenas que as negociações relativas à traficância continuaram a ocorrer, mesmo após o delito cometido em dezembro de 2013, fato confirmado pela testemunha de acusação, na fase judicial.
Em juízo, o depoimento da testemunha de acusação, o Delegado de Polícia Federal Rodrigo Paschoal Fernandes, assim como as mensagens interceptadas, nos autos do pedido de quebra de sigilo de comunicação telefônica/telemática, comprovam plenamente a ação de SUAÉLIO no crime de tráfico internacional de cocaína, apreendida em 17.12.2013, em contêiner do navio MSC ATHOS, com destino às Ilhas Canárias, na Espanha, conforme descrito no "Evento nº 13".
No diálogo abaixo, verifica-se a negociação entre SUAÉLIO (Huy, Mio, Alfredo, Tubarão) e JEFFERSON (Ruan, Kamilly, Isabelly Vitória) a respeito do envio da droga para as Ilhas Canárias pelo navio MSC ATHOS:
Posteriormente, SUAÉLIO questiona ANDRÉ (André do Rap) a respeito da carga do navio MSC ATHOS, cujo itinerário lhe atende, no qual pretende depositar a droga, ao que ANDRÉ responde tratar-se do carregamento de um Frigorífico exportador:
Na próxima mensagem, JEFFERSON volta a falar com SUAÉLIO a respeito da preparação da remessa da droga no navio MSC ATHOS:
No dia 12.12.2013, SUAÉLIO acerta com ANDRÉ a moeda em que serão pagos os funcionários da Santos Brasil, não identificado, e da "JBS Friboi", o réu GILCIMAR, envolvidos no envio da droga:
Na sequência, em 14.12.2013, SUAÉLIO conversa com JEFFERSON para saber se a cocaína já foi depositada no contêiner, que será embarcado no navio MSC ATHOS, sendo a resposta de JEFFERSON afirmativa (os canários), referindo-se ao itinerário da embarcação:
No mesmo dia, SUAÉLIO comunica o depósito dos 137 tabletes de cocaína (137 reais) no contêiner (caixa), que será embarcado no dia 16.12.2013, a seu comparsa Ricardo (R), após receber essas informações dos envolvidos que atuam na Baixada Santista:
No dia 17.12.2013, SUAÉLIO conversa com CARLOS (Docto) a respeito do pagamento dos envolvidos na Baixada Santista, que irão subir para entregar-lhe os papéis referentes ao contêiner estufado com a cocaína, questionando "o do espanhol", ou seja, o dinheiro dos traficantes que atuam na Europa, destinatários da droga enviada, enquanto CARLOS celebra a remessa do entorpecente, devido ao longo período de negociação para o seu envio:
Do mesmo modo, SUAÉLIO conversa com RICARDO (R) a esse respeito:
Por fim, SUAÉLIO é avisado por ANDRÉ sobre a apreensão do entorpecente, oportunidade em que ambos questionam a atuação do funcionário da Santos Brasil, que trabalha no equipamento de scanner. Então, ANDRÉ diz a SUAÉLIO que, se for necessário, RICARDO o levará para explicar-se pessoalmente:
Assim, a negação dos fatos imputados a SUAÉLIO não procede. A ação do réu de guardar, transportar e remeter cocaína ao exterior amolda-se ao tipo penal. No caso analisado, a materialidade e a autoria delitiva foram plenamente evidenciadas. SUAÉLIO, de forma consciente e em comunhão de vontades, praticou o crime de tráfico internacional de drogas, previsto no art. 33, caput, c.c. o art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006, de modo que a condenação do réu deve ser mantida.
CARLOS BODRA KARPAVICIUS
Em juízo (fls. 671 - CD), CARLOS declarou exercer a profissão de advogado, tendo anteriormente sido empresário. Afirmou que o seu rendimento mensal líquido era cerca de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) a R$ 40.000,00 (quarenta mil reais). Disse ser graduado em Direito e pós-graduado em administração de empresas e política estratégica. Disse que nunca foi preso, porém já foi processado perante a Segunda Vara Federal de Guarulhos/SP pelo crime previsto no art. 168-A do Código Penal, à época em que ainda atuava como empresário, tendo sido absolvido por um dos crimes e condenado por outro ao cumprimento da pena de três anos de serviço comunitário, sendo que há, ainda, outro processo que não transitou em julgado, pois encontra-se no Superior Tribunal de Justiça com recurso especial.
Alegou que a acusação não é verdadeira, acrescentando que houve uma operação da Polícia Federal, em que o Delegado de Polícia, Dr. Rodrigo, diante da grandiosidade das investigações, acabou confundindo alguns fatos. Aduziu acreditar que foi usado para identificar o corréu "Hélio", que não havia sido identificado, tanto que as ordens de busca e apreensão, inclusive o local onde foi preso, saíram em seu nome, como se fossem endereços seus, por ser uma pessoa facilmente identificável, pois atuava como advogado, militante na advocacia, com quinhentos processos ativos, e possuía um envolvimento profissional com o corréu, porque trabalhava em favor dele como advogado. Como havia um grande envolvimento e a necessidade de identificar SUAÉLIO, então, concluiu-se que também estava envolvido com o tráfico de drogas.
Indagado onde se encontrava no dia 17.12.2013, disse que, provavelmente, estava em seu próprio escritório. Quanto às provas apuradas, afirmou ter ciência em relação à presente denúncia de apenas uma suposta conversa que lhe foi atribuída, na qual disse "até que enfim". Informou conhecer o Delegado Rodrigo de sua oitiva extrajudicial, a qual ratificou integralmente.
Referiu não ter contato com LEANDRO, RICARDO, WELLINGTON, GILCIMAR ou ANDRÉ e, que passou a saber quem era, de fato, SUAÉLIO, uma vez que o conhecia com o nome de "Hélio Alves Leda". Argumentou que, desde que começou a advogar para a empresa na qual SUAÉLIO trabalhava, sempre o conheceu por "Hélio" em todas as ocasiões e que somente veio a saber que ele se chamava SUAÉLIO, como consta em sua oitiva extrajudicial, na oportunidade em que ele assinou o mandado de prisão, quando já estava preso na Polícia Federal.
Declarou que SUAÉLIO era seu cliente. Asseverou que atuava na área tributária empresarial e que SUAÉLIO estava montando uma empresa. Da mesma forma que fez para o senhor Ahmad, que também é seu cliente, tratava-se de uma holding não patrimonial, com o objetivo de explorar patrimônio com uma tributação menor de imposto sobre a renda. Afirmou que não tinha conhecimento do envolvimento de SUAÉLIO com drogas, tampouco de sua condenação anterior e cumprimento de pena. Apontou que, inclusive, costumava tomar o cuidado de tirar a certidão de antecedentes criminais dos seus clientes para dar o correto andamento aos trabalhos, todavia, SUAÉLIO apresentou-lhe, na ocasião, um documento em nome de "Hélio Alves Leda", que tinha certidão de antecedentes negativa, e possuía CPF, título de eleitor, imposto de renda, isto é, a documentação completa, somente vindo a saber tratar-se de documentos ideologicamente falsos na sede da Polícia Federal.
Declarou que jamais participou da compra ou da venda de drogas nem de importação ou exportação e que somente auxiliava a empresa na qual SUAÉLIO trabalhava, a "ELETEM", na área jurídica tributária. Descreveu que se trata de uma empresa em recuperação judicial, na qual SUAÉLIO fazia o trabalho de gerente comercial. Acrescentou que possuía um contato muito estreito com SUAÉLIO, em razão do trabalho na empresa, bem como por ser advogado dele.
Ressaltou que não podia compreender como era possível extrair da expressão "até que enfim", no diálogo interceptado, segundo consta da denúncia, que teria comemorado a estufagem da droga, em vista da demora das negociações, ao passo que SUAÉLIO estaria preocupado com o pagamento do pessoal da baixada santista, que iria subir para Mogi das Cruzes, onde ele mantinha um sítio, e encontrá-lo para entregar os papéis pertinentes ao contêiner com cocaína que seguiria para a Espanha, tendo-lhe questionado a respeito do dinheiro que deveria ser entregue pelo comprador da droga. Afirmou que não sabe dizer nem mesmo se foi ele próprio quem escreveu "até que enfim".
Enfatizou que, assim como explicou ao Dr. Rodrigo, se essa conversa era sua e referia-se "ao espanhol", isso significava que ela era relativa a uma exportação de vidros feita para a Espanha, na qual estava aguardando um swift de pagamento para fechar o câmbio, pois, além de sua atividade advocatícia, como consta de sua declaração extrajudicial, também prestava assessoria na parte documental e jurídica das exportações dos clientes para os quais trabalhava, tanto da "ELETEM", quanto da "CELTA", bem como de outras empresas, uma vez que fala cinco línguas e tem conhecimento de comércio internacional. Por essa razão, acabava assessorando comercialmente essas empresas, mediante uma comissão de três ou quatro porcento sobre o valor das vendas que eram efetivamente realizadas e recebidas.
Descreveu que "cresceu dentro de uma fábrica de vidros", porque o seu pai abriu uma fábrica de vidros em Ferraz de Vasconcelos em 1969, quando nem mesmo era nascido. Disse que toda a sua infância e adolescência foi visitando a fábrica, conhecendo tudo isso. Desse modo, paralelamente aos seus estudos, acabou entrando no mercado de vidros junto com o seu pai, adquirindo uma parte da empresa dele. Em virtude disso, o seu networking sempre foi fábrica de vidros, fábrica de iluminação, distribuidor de utilidades domésticas. Com o falecimento de seu pai em 2006 e uma discussão familiar com a sua irmã, a empresa acabou indo à falência e, por essa razão, começou a advogar.
Apontou que Jair foi o seu primeiro cliente na advocacia, oportunidade em que começou a advogar para a empresa "CELTA". Disse que, atualmente, possuía cerca de quinhentos processos ativos. Complementou que nunca foi administrador da "CELTA" nem da "CRYSTALGLASS", possuindo apenas procuração para representá-las em juízo. Informou que a "CRYSTALGLASS" e a "CELTA" já importaram e/ou exportaram cerca de cinquenta contêineres, ao passo que a "THERMEX" aproximadamente quatrocentos a quinhentos contêineres, enquanto atuava como empresário.
Como se observa, as declarações de CARLOS, além de dissonantes daquelas prestadas por SUAÉLIO, seu suposto cliente, não são críveis. Enquanto este disse que trabalhava apenas como vendedor de chicotes e painéis de elevadores, prestando serviços para a "ELETEM", aquele disse que SUAÉLIO estava montando uma empresa holding não patrimonial, por meio de sua assessoria jurídico-empresarial. As supostas atividades lícitas, nas áreas advocatícia e comercial, descritas por CARLOS, não foram demonstradas nos autos. Ao contrário, restou demonstrado que o réu utilizava o seu conhecimento para a prática de atividades ilícitas com a finalidade de acobertar, ocultar, dissimular e estruturar o tráfico transnacional de drogas.
Em que pesem as alegações de CARLOS, as provas carreadas aos autos evidenciam a sua participação no crime de tráfico internacional de drogas sob exame. A identificação do réu, de acordo com o relatório policial do inquérito nº 0788/2013, deu-se da seguinte forma (fls. 463 - CD, arquivo: volume 3 nº 5-788.2013 a fls. 170/189 do documento digital):
Na fase inquisitorial, CARLOS narrou que foi procurador das empresas OKLONA CORPORATION, proprietária do "rancho" e da "casa branca", e da empresa CELTA INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE VIDROS LTDA (responsável pelo carregamento que continha cocaína apreendido a bordo do navio MAERSK LAGUNA). Disse que conhece Ahmad Ali Ali, com quem costumava fazer o câmbio de moedas estrangeiras, bem como Sebastião Tarcísio Resende, que é seu empregado. Asseverou que conhece o colombiano Cristóbal e o holandês Albertus, para quem costumava emprestar os seus veículos. Declarou que o diálogo do dia 17.12.2013 referia-se a um swift da empresa espanhola "NIMON TRADING" para a empresa "CELTA". Por fim, confirmou o encontro entre SUAÉLIO e os corréus JEFFERSON e RICARDO na "casa de milho" (fls. 1.087 - CD, arquivo: IPL, arquivo: prisão bodra santos, pdf img20140623_10272948: fls. 01/05 do documento digital):
Com efeito, as declarações extrajudiciais de CARLOS confirmam o seu envolvimento com SUAÉLIO, JEFFERSON e RICARDO, bem como com Ahmad Ali Ali e os estrangeiros Cristóbal Morales Velasquez e Albertus Johannes Steffens. Dessa relação, infere-se que CARLOS, juntamente com SUAÉLIO, fazia a intermediação entre a ponta colombiana e a europeia do tráfico transnacional de drogas, utilizando-se do Porto de Santos e dos serviços financeiros prestados por Ahmad.
Ademais, depreende-se que CARLOS atuava como procurador das empresas offshore "OKLONA CORPORATION" e "VIAMARKET", esta última por interposta pessoa, isto é, seu empregado Sebastião Tarcísio Resende. As referidas empresas eram proprietárias dos imóveis utilizados por SUAÉLIO, quais sejam, "o rancho", a "casa branca" e a "casa roxa". Registre-se que, no cumprimento do mandado de busca e apreensão, foi constatada na posse de CARLOS uma conta de energia da empresa Bandeirantes S.A. em nome de OKLONA CORPORATION S.A., com endereço na Estrada Mogi Bertioga, 900, Km 74,4, Biritiba Ussu, Mogi das Cruzes/SP, no valor total de R$ 1.564,03 (um mil, quinhentos e sessenta e quatro reais e três centavos), sendo este endereço identificado como o do "rancho" utilizado por SUAÉLIO (fls. 1.087 - CD, arquivo: IPL, sts 17, img20140618_15023635 a fls. 02 do documento digital).
Acrescente-se, ainda, que CARLOS figurava como procurador da empresa "CELTA" utilizada para a remessa de droga para a Espanha. A ligação entre a empresa "CELTA", da qual CARLOS era procurador, e as atividades ilícitas de SUAÉLIO também ficaram evidentes por meio do bilhete, encontrado no cofre da "casa roxa", que continha os dados do navio MAERSK LAGUNA que transportou 373 kg (trezentos e setenta e três quilogramas) de cocaína em meio ao carregamento de vidro enviado pela "CELTA" para a Espanha (cfr. Ofício RFB/Nupei Santos nº ST20140001 - fls. 1.087 - CD, arquivo: IPL, sts 18, pdf: img20140618_15060818 a fls. 05 do documento digital).
Na fase policial, a testemunha de defesa Jair Ferreira Junior, possivelmente um "laranja" de CARLOS no esquema criminoso, já que não soube declinar os clientes da empresa nem os preços das mercadorias, tampouco conhece os despachantes citados pelo acusado no interrogatório extrajudicial, confirmou que CARLOS era o procurador da "CRYSTALGLASS", da "CELTA" e da "JAFEX", sendo ele, exclusivamente, o responsável pelas exportações da "CELTA". Além disso, declarou que conheceu SUAÉLIO, com o nome de "Hélio", acompanhado de CARLOS, e não soube declinar por que razão CARLOS passou a Ahmad Ali Ali a conta da empresa "JAFEX" para depósito:
Em juízo, Jair disse que não tinha ciência do envolvimento de CARLOS com tráfico de drogas e confirmou que SUAÉLIO foi visitar a fábrica, oportunidade em que o conheceu, com o nome de "Hélio". No mais, relatou que era amigo de CARLOS, o qual lhe prestava serviços jurídicos na área trabalhista (fls. 980/982 - CD).
As demais testemunhas de defesa, Maurício Sgarbi Marks (fls. 879), Ricardo Alcala Delgado (fls. 880) e Luciana Aparecida Lopes Maciel (fls. 993/995 - CD), na fase judicial, afirmaram que o réu atuava como advogado, todavia, nada souberam relatar a respeito dos fatos narrados na denúncia.
Em juízo, o depoimento da testemunha de acusação, o Delegado de Polícia Federal Rodrigo Paschoal Fernandes, assim como as mensagens interceptadas, nos autos do pedido de quebra de sigilo de comunicação telefônica/telemática, comprovam plenamente a participação de CARLOS no crime de tráfico transnacional de drogas, cuja apreensão deu-se em 17.12.2013, no contêiner que seria embarcado no navio MSC ATHOS, que seguiria para a Espanha, conforme descrito no "Evento nº 13".
O diálogo entre SUAÉLIO (Ricardo, Eu, Canam, Huy, Alfredo) e CARLOS (Docto), no dia 17.12.2013, expressa a preocupação de SUAÉLIO quanto ao pagamento dos envolvidos na Baixada Santista, que irão subir para entregar-lhe os papéis referentes ao contêiner estufado com a cocaína, questionando "o do espanhol", ou seja, o dinheiro dos traficantes que atuam na Europa, destinatários da droga enviada, ao passo que CARLOS comemora a remessa do entorpecente, devido ao longo período de negociação para o seu envio:
Observa-se do diálogo, de forma clara, que não se trata de um swift da empresa "CELTA", como declarado por CARLOS, nas fases judicial e extrajudicial. A data coincide exatamente com a do envio da droga, assunto que SUAÉLIO vem tratando com os corréus atuantes no Porto de Santos. O entorpecente seria enviado para a Espanha, daí por que SUAÉLIO questiona CARLOS a respeito da contrapartida "do espanhol", o que está na seara de atribuições de CARLOS, responsável por prestar suporte jurídico, administrativo e financeiro à atuação de SUAÉLIO, como supramencionado. Assim, é evidente que CARLOS tem plena ciência de que o objeto da conversa é a remessa da droga ao exterior e o pagamento dos envolvidos na Baixada Santista, quando comemora a realização da operação ilícita de exportação do entorpecente. Desse modo, a versão do réu, ao negar os fatos que lhe são imputados na denúncia, não prospera.
Anote-se, ainda, que a alegação da defesa de que, na data do fato, não havia autorização judicial para a interceptação do PIN 286b9fb9, utilizado por CARLOS, não merece acolhida. Verifica-se dos autos que a conversa foi originada do PIN 281ea5c0, usado por SUAÉLIO, cuja interceptação telefônica/telemática foi devidamente autorizada por decisão judicial a fls. 4.029/4.042 no volume 15 dos autos nº 0002800-46.2013.403.6104. A partir de então, o PIN 286b9fb9 passou a ser interceptado em virtude de decisão judicial autorizadora (cfr. fls. 4.821/4.829 - volume 18). Não há, portanto, qualquer ilegalidade. A materialidade e a autoria do crime restam amplamente comprovadas pelo acervo probatório amealhado.
CARLOS, de forma consciente e em comunhão de vontades, perpetrou o crime de tráfico internacional de drogas, tipificado no art. 33, caput, c.c. o art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006, merecendo ser mantida a sentença condenatória.
Portanto, mantenho a condenação de LEANDRO TEIXEIRA DE ANDRADE, RICARDO MENEZES LACERDA, SUAÉLIO MARTINS LEDA, CARLOS BODRA KARPAVICIUS, bem como reformo a sentença para condenar WELLINGTON ARAÚJO DE JESUS, todos pela prática do crime previsto no art. 33, caput, c.c. o art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006, c.c. o art. 29 do Código Penal, nos termos dos fundamentos jurídicos lançados.
DOSIMETRIA DA PENA
LEANDRO TEIXEIRA DE ANDRADE, RICARDO MENEZES LACERDA, CARLOS BODRA KARPAVICIUS, SUAÉLIO MARTINS LEDA
Primeira fase
O juízo de origem fixou a pena-base dos réus LEANDRO, RICARDO, CARLOS e SUAÉLIO em 8 (oito) anos de reclusão e 650 (seiscentos e cinquenta) dias-multa, nos termos seguintes (fls. 1.431/1.432):
Por oportuno, observo, conforme supramencionado, que o pedido do MPF de majoração da pena-base não merece ser conhecido por tratar de crime estranho à lide.
Assim, passo a dosar a sanção de cada um dos réus dentro do limite imposto pela sentença, a fim de não incorrer na reformatio in pejus. Esclareço que o faço conforme os seguintes fundamentos:
Por primeiro, considero que a pena-base deve ser exasperada com supedâneo no disposto no art. 42 da Lei nº 11.343/2006, haja vista a natureza do entorpecente - cocaína - e a elevada quantidade apreendida - 136 porções com massa (substância e embalagens) de 145,67 kg (cento e quarenta e cinco quilos e sessenta e sete gramas) (cfr. fls. 56/66).
Ademais, verifico que LEANDRO possui apontamento criminal que configura, em tese, reincidência (autos nº 505087/0000, em que foi extinta a punibilidade pelo cumprimento de pena aos 06.02.2012 - cfr. fls. 104 e 201 do apenso Folhas Antecedentes Criminais). Contudo, tendo o magistrado a quo considerado como maus antecedentes, e ausente recurso ministerial no tocante a esse ponto, mantenho o agravamento da pena, nesta primeira fase, em razão do referido apontamento.
RICARDO é triplamente reincidente (autos nº 656220/0000, que demonstram a extinção da punibilidade pelo cumprimento de pena em 20.08.2012 relativamente aos processos originários 0226/1998 e 0171/1999 e a extinção da punibilidade pelo cumprimento de pena em 22.11.2013 quanto ao processo originário nº 0101/2010 - fls. 88 e 182 do apenso Folhas Antecedentes Criminais). Todavia, do mesmo modo, tendo o magistrado de primeiro grau considerado apenas os maus antecedentes, e ausente recurso ministerial neste ponto, mantenho o agravamento da pena-base pelos aludidos registros criminais.
SUAÉLIO também é reincidente (autos nº 000550954/0000, referente ao processo originário nº 0128/2001 - fls. 71 e 73, 161 e 163 do apenso Folhas Antecedentes Criminais). Entretanto, considero o citado apontamento como maus antecedentes para a exasperação da pena-base, da forma já mencionada.
Em relação a CARLOS, não consta dos autos anotação criminal que se possa considerar maus antecedentes, nos termos do enunciado da Súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça. Porém, conforme esposado na sentença, a culpabilidade do réu extrapola os limites da normalidade já que é advogado experiente e atuante, possuindo nível de instrução muito acima da média nacional, dele se aguardando, neste contexto, conduta consentânea com o Direito e com a nobreza da profissão. Nesse sentido, observo os precedentes desta Corte (ACR nº 0005359-96.2011.4.03.6119/SP, Rel. Des. Federal Cecilia Mello, j. 23.08.2016, DJe 02.09.2016; ACR nº 0008998-45.2003.4.03.6106/SP, Rel. Des. Federal Hélio Nogueira, j. 01.12.2015, DJe 10.12.2015).
A propósito, acrescento que a culpabilidade dos réus LEANDRO, RICARDO, SUAÉLIO e CARLOS mostra-se elevada diante do modus operandi adotado na prática da conduta delitiva, que exprime ousadia na burla da legislação penal e da fiscalização estatal, com a estufagem de grande quantidade de entorpecente em contêiner com carga alimentícia da empresa "JBS Friboi". Entretanto, deixo de elevar a pena por este fundamento, em observância ao princípio ne reformatio in pejus.
Também deixo de calcular o agravamento da pena por motivo de obtenção de lucro fácil, advindo do tráfico de drogas, em detrimento da saúde pública nacional e internacional, conforme exposto na sentença, pois a motivação é inerente ao tipo penal, o qual visa exatamente a tutelar a saúde pública.
Desse modo, considerando a natureza e quantidade do entorpecente apreendido, os maus antecedentes ostentados por LEANDRO, RICARDO e SUAÉLIO e a elevada culpabilidade de CARLOS, aumento a pena-base de cada um dos réus em 1/2 (metade) para 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 750 (setecentos e cinquenta) dias-multa.
Segunda fase
O magistrado de primeiro grau manteve a pena no patamar fixado na primeira fase. Ausentes circunstâncias agravantes e atenuantes, da mesma forma, mantenho a pena ora imposta em 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 750 (setecentos e cinquenta) dias-multa.
Terceira fase
O juízo de primeiro grau aplicou a causa de aumento de pena prevista no inciso I do art. 40 da Lei nº 11.343/2006 à razão de 1/2 (metade). De fato, incide a causa de aumento de pena referente à transnacionalidade (Lei nº 11.343/2006, art. 40, I), pois, como já fundamentado, a droga estava prestes a ser enviada para comercialização na Espanha pelo navio MSC ATHOS.
Todavia, o aumento em 1/6 (um sexto) referente ao art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006 é razoável e condizente com a orientação firmada nesta Corte Federal, conforme se verifica, a título exemplificativo, pela leitura das seguintes ementas:
O MPF, na apelação, requer ainda a aplicação das causas de aumento previstas no art. 40 da Lei Antidrogas, inciso III, em razão da traficância ter-se dado em local de trabalho coletivo, qual seja, o Porto de Santos, e inciso VII, este aplicável aos réus SUAÉLIO e CARLOS, haja vista as funções exercidas por ambos os réus para a efetivação do tráfico internacional.
O inciso III do art. 40 da Lei nº 11.343/2006 dispõe:
Ocorre que, embora o tráfico de drogas tenha sido realizado por meio do Porto de Santos, não houve mercancia do entorpecente em local de trabalho coletivo. O embarque do entorpecente tinha por objetivo sua comercialização na Europa. Assim, inaplicável, na hipótese dos autos, a mencionada causa de aumento de pena.
Nesse sentido, trago à colação precedente do Superior Tribunal de Justiça:
Por sua vez, o inciso VII do aludido artigo de lei, que trata do financiamento ou custeio da prática do crime, incide, in casu, no que se refere aos acusados SUAÉLIO e CARLOS. Isso porque, dos diálogos interceptados, infere-se que eles eram os possuidores do entorpecente e custearam o pagamento dos envolvidos situados no Porto de Santos para o embarque do entorpecente no navio MSC ATHOS.
Nesse sentido, SUAÉLIO conversa com ANDRÉ a respeito do pagamento dos funcionários da empresa Santos Brasil e da JBS Friboi (GILCIMAR), acertando que o primeiro será remunerado em reais e o segundo em dólares:
Novamente, SUAÉLIO está preocupado com o pagamento dos envolvidos na Baixada Santista, os quais fizeram a estufagem da droga, e conversa com CARLOS a respeito do dinheiro a ser recebido "do espanhol" para essa finalidade, por ser CARLOS o responsável pela contabilidade e pelo câmbio das operações de narcotraficância, conforme já demonstrado:
Assim, não há dúvidas da aplicação, no caso concreto, quanto aos réus CARLOS e SUAÉLIO da causa de aumento de pena do inciso VII do art. 40 da Lei nº 11.343/2006 que trata do agente que financia ou custeia a prática do crime, especialmente considerando o poderio econômico-financeiro que requer a efetivação de operação de narcotraficância transnacional por via marítima como foi descortinada nos autos.
Nesse passo, cito jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, bem como desta Décima Primeira Turma:
Assim, na terceira fase da dosimetria, quanto aos réus LEANDRO e RICARDO, aplico tão somente a causa de aumento da transnacionalidade, no patamar de 1/6 (um sexto).
No que se refere aos réus SUAÉLIO e CARLOS, aplico as causas de aumento da transnacionalidade e do financiamento ou custeio da prática delitiva, o que faço à razão de 1/3 (um terço), por reputar necessário e adequado à reprimenda no caso concreto.
Portanto, majoro as penas dos réus LEANDRO e RICARDO em 1/6 (um sexto), pela incidência do inciso I do art. 40 da Lei nº 11.343/2006, resultando em 8 (oito) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 875 (oitocentos e setenta e cinco) dias-multa, bem como, majoro as penas dos réus CARLOS e SUAÉLIO em 1/3 (um terço), em razão da incidência dos incisos I e VII do art. 40 da Lei nº 11.343/2006, totalizando 10 (dez) anos de reclusão e 1.000 (um mil) dias-multa.
A causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 não foi reconhecida pelo juízo a quo. CARLOS, em seu apelo, postula a sua incidência em grau máximo.
De acordo com a norma citada, as penas do tráfico de drogas poderão ser reduzidas de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa. Saliente-se que esses quatro requisitos devem concorrer cumulativamente para que a minorante seja aplicada.
No caso, o juízo, acertadamente, não aplicou essa causa de diminuição de pena a nenhum dos réus, pois o modus operandi adotado por eles na perpetração do delito denota dedicação a atividades ilícitas, bem como integração a organização criminosa. Além disso, os réus LEANDRO, RICARDO e SUAÉLIO ostentam maus antecedentes.
Com efeito, inaplicável aos acusados a causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006.
Assim, torno definitiva a pena privativa de liberdade fixada em 8 (oito) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 875 (oitocentos e setenta e cinco) dias-multa para os réus LEANDRO TEIXEIRA DE ANDRADE e RICARDO MENEZES LACERDA, bem como, em 10 (dez) anos de reclusão e 1.000 (um mil) dias-multa para os réus CARLOS BODRA KARPAVICIUS e SUAÉLIO MARTINS LEDA.
Valor do dia-multa
O juízo a quo fixou o valor do dia-multa em 1/2 (metade) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos.
O MPF pleiteia o aumento da pena de multa, em razão do enorme poder financeiro dos acusados, nos termos do art. 60, § 1º, do Código Penal.
Observo, de fato, que a prova dos autos demonstra o significativo poderio econômico-financeiro que possuem os réus CARLOS e SUAÉLIO, de modo que em relação a ambos o valor do dia-multa merece ser majorado para 1 (um) salário mínimo vigente na data dos fatos. Em relação aos corréus RICARDO e LEANDRO, fica mantido o valor do dia-multa fixado na sentença, tendo em vista a situação econômica declarada por cada um dos réus (CP, art. 60).
Regime de cumprimento da pena privativa de liberdade
Diante do quantum de pena aplicada a cada um dos réus, mantenho o regime fechado para o início de seu cumprimento, com base no art. 33, § 2º, a e § 3º, do Código Penal.
Substituição da pena
Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, pois não preenchidos os requisitos - objetivo e subjetivo - previstos no art. 44 do Código Penal.
Detração
Por fim, verifico que a sentença que ora se examina é posterior à vigência da Lei nº 12.736, de 30.11.2012, que inseriu o § 2º ao art. 387 do Código de Processo Penal, segundo o qual o juiz, ao proferir a sentença condenatória, deve proceder à detração, ou seja, deve descontar da pena aplicada o período de prisão provisória cumprida pelo condenado, para fins de determinação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, não se confundindo tal instituto com a progressão de regime. O juízo de origem deixou de efetuá-la, de modo que passo a fazê-la neste momento.
LEANDRO foi preso em 27.03.2014 (prisão em flagrante - fls. 1.087 - CD, arquivo: CÓPIA INTEGRAL DIGITALIZADA 2800-46, volume 27, fls. 7.136/7.144) e a sentença condenatória foi publicada no dia 31.07.2015 (fls. 1.439), de modo que o tempo de prisão descontada alteraria o regime inicial de cumprimento da pena para o semiaberto. Entretanto, nos termos do art. 33, § 3º c.c. o art. 59, ambos do Código Penal, bem como do art. 42 da Lei nº 11.343/2006, deve ser mantido o regime inicial fechado.
RICARDO foi preso em 31.03.2014 (fls. 463 - CD, arquivo: CÓPIA INTEGRAL DIGITALIZADA 3040, volume 3, fls. 570) e a sentença condenatória foi publicada no dia 31.07.2015 (fls. 1.439), de modo que o tempo de prisão descontada alteraria o regime inicial de cumprimento da pena para o semiaberto. Entretanto, nos termos do art. 33, § 3º c.c. o art. 59, ambos do Código Penal, bem como do art. 42 da Lei nº 11.343/2006, deve ser mantido o regime inicial fechado.
SUAÉLIO foi preso em 31.03.2014 (data do flagrante - fls. 1.087 - CD, arquivo: IPL, prisão - suaélio martins leda, img201400623_10593048) e a sentença condenatória foi publicada no dia 31.07.2015 (fls. 1.439), de modo que o tempo de prisão descontada não altera o regime inicial de cumprimento da pena fixado. Além disso, com base no art. 33, § 3º c.c. o art. 59, ambos do Código Penal, bem como no art. 42 da Lei nº 11.343/2006, deve ser mantido o regime inicial fechado.
CARLOS, igualmente, foi preso em 31.03.2014 (data do recolhimento - fls. 1.087 - CD, arquivo: IPL, prisão bodra santos, guia de recolhimento de preso) e a sentença condenatória foi publicada no dia 31.07.2015 (fls. 1.439), de modo que o tempo de prisão descontada não altera o regime inicial de cumprimento da pena fixado. Ademais, com base no art. 33, § 3º c.c. o art. 59, ambos do Código Penal, bem como no art. 42 da Lei nº 11.343/2006, deve ser mantido o regime inicial fechado.
WELLINGTON ARAÚJO DE JESUS
Primeira fase
Por primeiro, considero que a pena-base deve ser exasperada com supedâneo no disposto no art. 42 da Lei nº 11.343/2006, haja vista a natureza do entorpecente - cocaína - e a elevada quantidade apreendida - 136 porções com massa (substância e embalagens) de 145,67 kg (cento e quarenta e cinco quilos e sessenta e sete gramas) (cfr. fls. 56/66).
Nos termos do disposto no art. 59 do Código Penal, verifico que o réu não ostenta maus antecedentes, segundo o enunciado da Súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça.
Todavia, a sua culpabilidade extrapola a normalidade. Com efeito, levo em consideração o modus operandi adotado na prática da conduta delitiva, que exprime ousadia na burla da legislação penal e da fiscalização estatal, com a estufagem de grande quantidade de entorpecente em contêiner com carga alimentícia da empresa "JBS Friboi".
Por esses fundamentos, aumento a pena-base do acusado em 1/2 (metade) para 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 750 (setecentos e cinquenta) dias-multa.
Segunda fase
Não há circunstâncias agravantes nem atenuantes a serem reconhecidas. Portanto, mantenho a pena no patamar fixado na primeira fase da dosimetria.
Terceira fase
Aplicável, in casu, a causa de aumento prevista no art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006, pois exaustivamente provada a transnacionalidade do delito, o que faço à razão de 1/6 (um sexto), por reputar razoável e condizente com a orientação firmada nesta Corte.
Como não incidem outras causas de aumento ou de diminuição, torno definitiva a pena de WELLINGTON ARAÚJO DE JESUS em 8 (oito) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 875 (oitocentos e setenta e cinco) dias-multa.
Valor do dia-multa
Fixo o valor do dia-multa em 1/2 (metade) do salário mínimo, por afigurar-se adequado à situação financeira do réu (CP, art. 60).
Regime de cumprimento da pena privativa de liberdade
Diante do quantum de pena aplicada, fixo o regime fechado para o início de seu cumprimento, com base no art. 33, § 2º, a e § 3º, do Código Penal.
Substituição da pena
Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, pois não preenchidos os requisitos - objetivo e subjetivo - previstos no art. 44 do Código Penal.
Detração
Por fim, passo ao exame da detração nos termos do § 2º ao art. 387 do Código de Processo Penal, segundo o qual o juiz, ao proferir a sentença condenatória, deve descontar da pena aplicada o período de prisão provisória cumprida pelo condenado, para fins de determinação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, não se confundindo tal instituto com a progressão de regime.
WELLINGTON foi preso em 31.03.2014 (fls. 1.087 - CD, arquivo: IPL, bs 15, img20140616_16294695 a fls. 15 do documento digital) e a sentença absolutória foi publicada no dia 31.07.2015 (fls. 1.439), de modo que o tempo de prisão descontada alteraria o regime inicial de cumprimento da pena para o semiaberto. Entretanto, nos termos do art. 33, § 3º c.c. o art. 59, ambos do Código Penal, bem como do art. 42 da Lei nº 11.343/2006, deve ser mantido o regime inicial fechado.
Pena de perdimento de bens
Mantenho o decreto de perdimento dos bens apreendidos em poder dos ora condenados, conforme constou na sentença, com fundamento no art. 91, II, b, do Código Penal c.c. o art. 63 da lei nº 11.343/2006.
Com fundamento no art. 144-A do Código de Processo Penal, bem como na Recomendação nº 30/2010 do Conselho Nacional de Justiça e na Resolução nº 379/2014 deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região, e com o fim de preservar o valor dos bens apreendidos em face de eventual obsolescência ou depreciação, em benefício tanto dos réus quanto da acusação, determino a alienação antecipada dos bens arrecadados no curso deste processo, como imóveis, veículos, embarcações, celulares, computadores, etc., obedecidos os trâmites processuais.
Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
Posto isso:
(i) NÃO CONHEÇO do pedido da defesa de LEANDRO a fls. 1.947/1.950;
(ii) NÃO CONHEÇO de parte da apelação do Ministério Público Federal e, na parte conhecida, DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, para condenar o corréu WELLINGTON ARAÚJO DE JESUS pela prática do crime tipificado no art. 33, caput, c.c. o art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006, fixando a pena, definitivamente, em 8 (oito) anos e 9 (nove) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 875 (oitocentos e setenta e cinco) dias-multa, no valor unitário de 1/2 (metade) do salário mínimo na data do fato, bem como, para majorar as penas de CARLOS e de SUAÉLIO, nos termos do inciso VII do art. 40 da Lei nº 11.343/2006 e, por fim, elevar o valor do dia-multa imposto a estes dois corréus para 1 (um) salário mínimo vigente na data do fato;
(iii) DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação de LEANDRO TEIXEIRA DE ANDRADE, para reduzir a sanção penal na primeira e na terceira fases da dosimetria da pena, fixando-a, definitivamente, em 8 (oito) anos e 9 (nove) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 875 (oitocentos e setenta e cinco) dias-multa, no valor unitário de 1/2 (metade) do salário mínimo vigente na data do fato;
(iv) DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação de RICARDO MENEZES LACERDA, para reduzir a sanção penal na primeira e na terceira fases da dosimetria da pena, fixando-a, definitivamente, em 8 (oito) anos e 9 (nove) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 875 (oitocentos e setenta e cinco) dias-multa, no valor unitário de 1/2 (metade) do salário mínimo vigente na data do fato;
(v) ACOLHO a preliminar de afastamento da pena de multa prevista no art. 265 do Código de Processo Penal, REJEITO as demais alegações preliminares e, no mérito, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação de SUAÉLIO MARTINS LEDA, para reduzir a sanção penal na primeira e na terceira fases da dosimetria da pena, mesmo que reconhecida a causa de aumento do inciso VII do art. 40 da Lei nº 11.343/2006, fixando-a, definitivamente, em 10 (dez) anos de reclusão, em regime inicial fechado, e 1.000 (um mil) dias-multa, no valor unitário de 1 (um) salário mínimo vigente na data do fato;
(vi) REJEITO a matéria preliminar e, no mérito, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação de CARLOS BODRA KARPAVICIUS, para reduzir a sanção penal na primeira e na terceira fases da dosimetria da pena, mesmo que reconhecida a causa de aumento do inciso VII do art. 40 da Lei nº 11.343/2006, fixando-a, definitivamente, em 10 (dez) anos de reclusão, em regime inicial fechado, e 1.000 (um mil) dias-multa, no valor unitário de 1 (um) salário mínimo vigente na data do fato;
(vii) CONCEDO, DE OFÍCIO, ordem de habeas corpus para o trancamento da ação penal tão somente no que tange ao crime de associação para o tráfico internacional de drogas (art. 35 da Lei nº 11.343/2006), com fundamento no art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, ante a ocorrência de flagrante ilegalidade consistente no bis in idem.
Esgotados os recursos interpostos por WELLINGTON ARAÚJO DE JESUS no âmbito desta Corte e não ocorrendo trânsito em julgado, expeça-se carta de sentença ao juízo a quo para as providências necessárias ao início da execução penal (STF, HC nº 126.292, ADC nºs 43 e 44, ARE 964.246 RG, ARE 964.246 RG).
Comunique-se o teor deste julgamento ao(s) Juízo(s) da Execução responsável(eis) pela fiscalização do cumprimento da(s) pena(s) imposta(s) ao(s) apelante(s) que se encontram presos, para as providências cabíveis
A fim de evitar o perecimento dos bens supracitados, determino sua alienação antecipada, com a estrita observância das disposições do art. 144-A do Código de Processo Penal. Expeça-se carta de ordem ao juízo de origem, para que adote as providências necessárias ao efetivo cumprimento dessa determinação.
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