D.E. Publicado em 23/08/2017 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora e parcial provimento à da União Federal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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RELATÓRIO
Trata-se de apelações interpostas pela União Federal e pela parte autora, contra a sentença que julgou parcialmente procedente o pedido de militar temporária, para condenar a União ao pagamento de indenização por danos morais.
Na r. sentença, foi julgado extinto o processo, sem resolução do mérito, por falta de interesse processual, em relação ao pedido de recondução da autora à escala de Oficial de Dia, com fundamento no artigo 267, VI, do CPC de 1973; e parcialmente procedente o pedido de indenização por danos morais, sendo condenada a União ao pagamento de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) à autora. Condenou, ainda, a ré, ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais).
Em suas razões recursais, a União sustenta que a conduta do General Comandante, que rebaixou a autora de função, se deu nos limites da legalidade e do exercício do poder hierárquico. Caso mantida a condenação, pleiteia a redução do valor da indenização. Requer, ainda, a fixação do critério de incidência dos juros de mora nos termos do disposto na Lei n. 11.960/09.
Com contrarrazões, de ambas as partes, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Inicialmente, consigno que as situações jurídicas consolidadas e os atos processuais impugnados serão apreciados em conformidade com as normas do Código de Processo Civil de 1973, consoante determina o artigo 14 da Lei n. 13.105/2015.
Consta dos autos que a autora, Noemi Gonçalves Xavier, militar temporária, ingressou nas Forças Armadas em 28/02/2007, após aprovação em processo seletivo, passando a servir no Comando da 2ª Região Militar (2ª RM), situada no mesmo endereço do Comando Militar do Sudeste (CMSE), em São Paulo/SP.
A autora, técnica em Ciências Contábeis, ingressou como 2º Tenente Técnico Temporário (fls. 15 e 17/18), e passou a concorrer à escala de "Oficial de Dia" no aquartelamento do CMSE, cuja função é representar o Comandante da Unidade fora do expediente, nos termos do artigo 197 do Regulamento Interno e dos Serviços Gerais-RISG (fl. 23 - Portaria n. 816, de 19/12/2003).
O serviço de Oficial de Dia é constituído por 02 (dois) Tenentes, um, mais antigo, denominado "Oficial de Dia" e o outro, "Auxiliar do Oficial de Dia".
No ano de 2010 a autora já concorria à escala de "Oficial de Dia", conforme atestam os documentos juntados aos autos (fls. 40/86), uma vez que se encontrava entre os mais antigos no rol de Tenentes da referida unidade. No entanto, em 18/08/2010, foi rebaixada para a função de Auxiliar do Oficial de Dia (fl. 56), conforme se infere do publicado no Boletim Interno (BI) n. 147, de 17/08/2010 (fl. 24), situação que perdurava até a propositura desta ação (16/10/2012).
Afirma que foi informada do rebaixamento por telefone, em 10/08/2010 e, ao questionar verbalmente o motivo da alteração, foi informada que se tratava apenas do cumprimento de ordem recebida do General Comandante da Unidade, Chefe do Estado Maior do CMSE.
Em respeito à hierarquia, expôs os fatos ao seu superior imediato, verbalmente, e solicitou providências, uma vez que, dentre os Tenentes, somente ela passou a concorrer à escala de Auxiliar, sem que lhe tivessem sido expostos os motivos para tanto.
Como nenhuma providência foi tomada pela sua chefia imediata, quando a autora foi novamente escalada, a escalação já ocorreu na condição rebaixada.
Em novembro de 2010 foi mais uma vez surpreendida, sem qualquer explicação, passando a concorrer ao serviço quinzenalmente, contrariando o artigo 188 do Regulamento Interno e dos Serviços Gerais - RISG (fl. 22), que determina que a designação para determinado serviço deve recair em quem, no mesmo serviço, tiver a maior folga. Somente a autora passou a ser escalada desse modo, sem ser a Oficial mais folgada quando executava o serviço, o que lhe acarretou sobrecarga de trabalho em relação aos demais Tenentes. Tal situação perdurou até abril de 2011.
Observe-se que a autora foi promovida a 1º Tenente, por antiguidade, a partir de 31/08/2010 (fl. 156).
Ressalte-se, ainda, que a autora não mais compõe os quadros do serviço ativo do Exército Brasileiro, tendo passado à Reserva, como ela mesma afirmou em seu depoimento pessoal, colhido em 05/06/2013, gravado em mídia encartada na fl. 212.
Com relação ao pedido de recondução da autora à escala de Oficial de Dia, como bem decidiu a MM. Juíza a quo, houve perda superveniente do interesse processual, uma vez que na contestação foi informado que tal recondução já havia ocorrido, fato confirmado pela autora em seu depoimento pessoal (mídia na fl. 212).
Desse modo, subsistem nos autos apenas as questões referentes ao cabimento da condenação da União ao pagamento de indenização por danos morais à autora e, caso mantida a condenação, ao valor da indenização e ao critério de incidência dos juros de mora.
Ressalte-se que, para a apreciação do cabimento da indenização por danos morais, no presente caso, faz-se imprescindível a análise da conduta do Comandante Militar Chefe do Estado Maior do CMSE, consistente no rebaixamento da autora, à luz dos princípios que regem o Direito Administrativo brasileiro.
De início, é de se considerar que os atos da Administração Pública, sujeitos que estão a controle interno e externo, devem ser praticados em obediência aos princípios constitucionais, dentre os quais o da legalidade (arts. 5º, inciso LV, e 37, CF).
A expressa submissão aos parâmetros estabelecidos em lei e, ainda, a garantia, aos administrados, do devido processo legal, em que lhes sejam assegurados os direitos ao contraditório e à ampla defesa, implicam a nulidade do ato, caso a atuação administrativa distancie-se desses limites constitucionais, imprescindíveis para a estabilidade jurídica das relações entre o poder público e o particular.
Nesse contexto, o cerne da questão suscitada, concernente à ausência de fundamentação da decisão que rebaixou a autora, impõe observar que o processo administrativo, no âmbito da Administração Pública Federal, tem sua disciplina normativa na Lei n. 9.784, de 20 de Janeiro de 1999, de modo que não subsistem dúvidas acerca das formalidades e das regras a que tal procedimento deve respeitar.
A propósito, dispõe a Lei n. 9.784/99, o seguinte:
No caso em tela, verifica-se que a autora foi rebaixada de função por decisão que carece de motivação, não tendo sido sequer reduzida a escrito, não constando nela, portanto, a indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, conforme expressamente determina o art. 50, incisos III e V, da Lei n. 9.784/99.
É o que se extrai dos documentos existentes nos autos, já referidos, bem como do teor dos depoimentos testemunhais, colhidos sob o crivo do contraditório, gravados em mídia encartada na fl. 212.
O reconhecimento da nulidade do ato administrativo exarado sem a observância dos princípios que regem a Administração Pública é medida que se impõe. Nesses termos, os precedentes no âmbito do Egrégio Superior Tribunal de Justiça e a da Egrégia 5ª Turma desta Corte Regional, nos julgados que seguem:
Anote-se, ainda, que o princípio da inafastabilidade da jurisdição, consolidado no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal como direito fundamental, impõe que nenhuma lesão ou ameaça a direito será excluída da apreciação pelo Poder Judiciário.
Apesar de os poderes hierárquico e disciplinar terem como característica a discricionariedade, esta está limitada pela legalidade administrativa, isto é, apenas pode ser exercido dentro dos limites estabelecidos pelo princípio da juridicidade administrativa, respeitando, pois, o bloco de legalidade, o qual é composto pelas leis e também pelos princípios jurídicos.
Nesse diapasão, conquanto seja pacífico que ao Judiciário não é dado interferir no mérito administrativo, decorrente do poder discricionário, tem-se que os princípios da legalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade exsurgem como limitações à discricionariedade administrativa, ampliando os aspectos de controle do ato administrativo pelo Poder Judiciário.
Assim, na hipótese em análise, como se discute a necessidade de observância dos princípios constitucionais da legalidade e do devido processo legal, tem-se por plenamente possível o controle judicial, sem que implique em violação ao princípio da separação dos poderes.
Ao contrário, o que se privilegia é o sistema de freios e contrapesos (checks and balances), que permite a convivência harmônica entre os Poderes, nos termos do artigo 2º da Constituição Federal, pilar do Estado Democrático de Direito.
É nesse sentido a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça, abaixo transcrita:
Ressalte-se que, caso a autora tivesse incidido em Transgressão disciplinar, tal fato deveria ter sido apurado por intermédio de sindicância, ou do Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar (FATD), previsto no Regulamento Disciplinar do Exército (RDE) - Decreto n. 4.346/2002, com observância do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. Desse modo, agiu o General Comandante com abuso de poder, na espécie desvio de poder.
Acerca dos danos morais pleiteados pela autora, o artigo 5º, X, da Constituição Federal assegurou, expressamente, a todos que sofram violação do direito à imagem, à intimidade, à vida privada e à honra a indenização por danos morais. Além disso, a Carta Magna, em seu artigo 37, §6º, estabeleceu a responsabilidade civil objetiva do Estado pelos danos causados por seus agentes a terceiros.
Assim, para a configuração da responsabilidade civil do Estado é necessária a demonstração dos seguintes pressupostos: conduta lesiva do agente, o dano e o nexo de causalidade.
Em se tratando de dano moral, é necessária ainda a demonstração da ocorrência de sofrimento desproporcional e incomum, cuja compensação pecuniária possa amenizar, mas nunca satisfazer integralmente o prejuízo causado.
Não bastasse a inobservância dos princípios que regem a Administração Pública em sua conduta, o Comandante cometeu contra a autora ato que configura assédio moral, conforme se depreende dos depoimentos testemunhais gravados na mídia encartada na fl. 212.
Com efeito, as testemunhas, advertidas, e ouvidas sob o crivo do contraditório, afirmaram que, na segunda-feira posterior ao último dia em que a autora fora escalada como "Oficial de Dia" (08/08/2010 - fl. 53), anteriormente ao seu rebaixamento, o General Comandante da Unidade, alterando a voz, disse à autora que o seu serviço era "um lixo", o que pôde ser ouvido por muitos dos seus subordinados que se encontravam presentes na unidade (mídia encartada na fl. 212).
Verifica-se que a autora sofreu forte abalo emocional com o seu rebaixamento desmotivado e com a atitude do Comandante ao depreciá-la perante os seus comandados. Com efeito, durante seu depoimento pessoal, colhido cerca de 03 (três) anos após o fato, ela chorou copiosamente ao lembrar da sequência dos fatos (mídia encartada na fl. 212), demonstrando intenso sofrimento, mesmo após decorrido extenso lapso temporal.
Ademais, afirmaram ainda as testemunhas, corroborando o teor do depoimento pessoal, que após a admoestação verbal pública, em altos brados, e o rebaixamento da autora a "Auxiliar de Oficial de Dia", boa parte dos seus subordinados passou a questionar a sua autoridade, tendo ela passado a ser "motivo de chacota" em seu ambiente de trabalho, sentindo-se humilhada e desvalorizada profissionalmente (mídia encartada na fl. 212).
Assim, vieram aos autos evidências de que a decisão administrativa provocou sofrimento desproporcional e incomum aos direitos de personalidade da autora. A atuação da Administração Pública militar não se pautou pelo respeito aos princípios administrativos, ou na aplicação do texto legal, vislumbrando-se, portanto, ilicitude e arbitrariedade na conduta do Ente Público.
Restou comprovado que o Comandante extrapolou os limites do poder hierárquico e disciplinar no exercício de suas funções, passando a agir de forma arbitrária, ele humilhou a autora, provocou nela vergonha, dor e angústia, em violação ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, I, da Constituição Federal de 1988.
Nesse sentido, bem decidiu a MM. Juíza a quo: "No mais, se a hierarquia é base institucional das Forças Armadas, a desmoralização de um militar diante de seus subordinados consiste numa violação à própria hierarquia. Diante disso, quando o tratamento dispensado pelo superior militar aos seus subordinados extrapola a disciplina e a hierarquia militar, deixando de se fundamentar nas normas castrenses e provocando na vítima sentimentos de dor e humilhação, o dano moral resta caracterizado, ensejando a respectiva indenização.".
Desse modo, como restaram comprovados os pressupostos ensejadores da indenização por danos morais, deve ser acolhido o pedido formulado pela autora nesse sentido.
Com relação ao quantum indenizatório, entendo que o valor fixado na r. sentença se mostra insuficiente à reparação do dano sofrido pela autora, em toda a sua extensão. Assim, fixo o montante da indenização em R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), nos termos do pedido efetuado pela autora em sede de apelação, por entender que esse valor se aproxima mais do que se poderia entender por uma justa reparação. Nesse sentido, o seguinte precedente desta Corte Regional Federal da Terceira Região: TRF3, Processo APELREEX 00000531419994036105, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO - 1277609, Relator Desembargador Federal José Lunardelli, Primeira Turma, e-DJF3 Judicial 1 data: 05/12/2012
A correção monetária do valor da indenização por danos morais, nos termos da Súmula 362 do STJ, deve incidir desde a data da prolação deste acórdão.
Os juros de mora sobre a indenização por dano moral, a teor da Súmula 54 do STJ, devem incidir a partir da data do evento danoso.
A correção monetária dos valores em atraso deverá observar os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267/2013 do Conselho da Justiça Federal.
Tendo em vista a repercussão geral reconhecida no AI n. 842063, bem como o julgamento, nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil, do REsp n. 1.205.946, a incidência de juros moratórios nas condenações impostas à Fazenda Pública, para pagamento de verbas remuneratórias a servidores e empregados públicos, deverão incidir da seguinte forma: a) até a vigência da Medida Provisória n. 2.180-35, de 24.08.01, que acrescentou o art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, percentual de 12% a. a.; b) de 27.08.01, data da vigência da Medida Provisória n. 2.180-35/01, a 29.06.09, data da Lei n. 11.960/09, percentual de 6% a. a.; c) a partir de 30.06.09, data da vigência da Lei n. 11.960/09, a remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. (STF, AI n. 842063, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 16.06.11; STJ, REsp n. 1.205.946, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 19.10.11, TRF da 3ª Região, 1ª Seção, AR n. 97.03.026538-3, Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho, j. 16.08.12).
No tocante aos honorários advocatícios, convém salientar que o artigo 20, §4º, do Código de Processo Civil de 1973 estabelece a apreciação equitativa do juiz, com obediência aos critérios estabelecidos no §3º do mesmo artigo citado, concernentes ao grau de zelo profissional, o lugar da prestação de serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo representante processual da parte e o tempo exigido para o seu serviço.
Assim, há que ser mantida a verba honorária, tal como fixada na sentença, pois não se discutiu tese jurídica de elevada complexidade nem foi praticada grande quantidade de atos processuais, sob pena, ainda, de ofensa ao princípio que veda a reformatio in pejus, em sede de reexame necessário e a teor do enunciado da Súmula 45/STJ.
Ante o exposto, dou provimento à apelação da parte autora, para majorar o valor da indenização, e dou parcial provimento à apelação da União federal, para fixar os juros de mora sobre os valores em atraso nos termos especificados nesta decisão.
É como voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 09/08/2017 19:40:10 |