Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 18/09/2017
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0009394-86.2007.4.03.6104/SP
2007.61.04.009394-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : OSVALDO GRACILIANO VALENTE
ADVOGADO : SP135754 CRISNADAIO BARBOSA DIAS e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
ABSOLVIDO(A) : DORACY DOS SANTOS
No. ORIG. : 00093948620074036104 5 Vr SANTOS/SP

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. PRESCINDIBILIDADE DE INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOLO GENÉRICO. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA NÃO CONFIGURADA. PENA-BASE MANTIDA. CONFISSÃO RECONHECIDA DE OFÍCIO. RECURSO DESPROVIDO.
1. Apelação do réu contra a sentença que o condenou como incurso no artigo 168 -A c.c artigo 71, ambos do Código Penal.
2. Prescidibilidade de instauração de inquérito policial para apuração da prática do delito em questão. O inquérito policial, como peça informativa, é dispensável na formação da opinio delict que, in casu, baseou-se no procedimento administrativo fiscal conduzido pelo Instituto Nacional de Seguro Social.
3. Materialidade demonstrada. Autoria suficientemente comprovada pelo conjunto probatório coligido.
4. O dolo no crime de apropriação indébita previdenciária, conforme pacificado pelo E. Superior Tribunal de Justiça, resta caracterizado com a vontade de não repassar ao INSS as contribuições recolhidas dentro do prazo e forma legais, não se exigindo o animus rem sibi habendi. Prescindível é a demonstração do dolo específico como elemento essencial do tipo inscrito no artigo 168 - A do Código Penal. Precedentes dos Tribunais Superiores.
5. Não caracterizada a inexigibilidade de conduta diversa. A Defesa não trouxe aos autos, sendo possível fazê-lo, documentação que comprovasse a absoluta precariedade econômica da empresa no período em questão, a inviabilizar por completo o cumprimento das obrigações tributárias, o que somente se evidenciaria concretamente se tivessem sido encartados documentos que espelhassem, de maneira contundente, a situação econômica do estabelecimento ao longo do período em questão. Dificuldades financeiras não comprovadas.
6. Decreto condenatório mantido.
7. Dosimetria. Pena-base mantida acima do mínimo legal em decorrência da gravidade do delito representada pelo valor principal do crédito apurado (R$ 105. 374,15 (cento e cinco mil, trezentos e setenta e quatro reais e quinze centavos). Reconhecida, de ofício, a atenuante da confissão espontânea. Mantida a fração de aumento referente à continuidade delitiva, conforme precedentes desta Primeira Turma. Pena total reduzida para 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa.
8. Mantidos o valor unitário do dia-multa, o regime inicial de cumprimento de pena no aberto e a substituição do artigo 44 do Código Penal.
9. Recurso da Defesa desprovido.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso e, de ofício, reconhecer a circunstância do artigo 65, III, "d", do Código Penal, o que resulta na pena definitiva de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 05 de setembro de 2017.
HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0009394-86.2007.4.03.6104/SP
2007.61.04.009394-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : OSVALDO GRACILIANO VALENTE
ADVOGADO : SP135754 CRISNADAIO BARBOSA DIAS e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
ABSOLVIDO(A) : DORACY DOS SANTOS
No. ORIG. : 00093948620074036104 5 Vr SANTOS/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DR. HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

Trata-se de Apelação Criminal interposta por OSVALDO GRACILIANO VALENTE, contra a sentença de fls. 357/365-v, proferida pelo Juízo da 5ª Vara Criminal Federal de Santos/SP, que o condenou à pena de 03 (três) anos e 10 (dez) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial aberto e pagamento de 18 (dezoito) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, pela prática do delito previsto no artigo 168-A , §1º, I, c.c artigo 71, ambos do Código Penal e absolveu DORACY DOS SANTOS com fulcro no artigo 386, V, do Código de Processo Penal.

A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas pelo tempo equivalente à pena privativa de liberdade e prestação pecuniária de 15 (quinze) salários-mínimos a ser pago em favor do INSS, em condições a serem especificadas pelo Juízo da Execução.

Narra a denúncia que (fls. 02/03):

(...) Os acusados, atuando na qualidade de sócios administradores de BAR E RESTAURANTE JOCA DE GUARUJÁ LTDA., deixaram de repassar aos cofre públicos, no prazo devido, consciente e voluntariamente e de forma continuada, contribuições previdenciárias recolhidas de seus empregados, referentes ás competências de 10/2000 a 01/2007.
Diante destes fatos, a delegacia da receita previdenciária em Santos lavrou a Notificação Fiscal de Lançamento de Débito (NFLD) abaixo descriminada:
NFLD: 37.073.384-3
COMPETÊNCIAS: 10/2000 a 01/2007
VALOR: R$ 172.378,83
Na qualidade de sócios gerentes responsáveis pelas decisões acerca dos pagamentos e ciência da falta de recolhimento das contribuições descontadas dos segurados empregados, os denunciados se omitiram em seu dever de repassar à previdência aquilo que, anteriormente, retiveram apropriando-se de valores indevidamente. (...)

A denúncia foi recebida em 15/08/2007 (fls. 162/163) e a sentença condenatória, publicada em 09/03/2011 (fl. 366).

Nas razões de fls. 376/386, a defesa de OSVALDO GRACILIANO VALENTE sustenta:

a) ausência de instauração de inquérito para apuração da prática do delito;

b) insuficiência do conjunto probatório;

c) atipicidade material da conduta por ser indispensável à caracterização do delito a retenção de valores, o que não se deu no caso concreto;

d) excludente de ilicitude por inexigibilidade de conduta diversa decorrente de dificuldades financeiras;

e) não demonstração do animus rem sib habendi;

f) ser injustificada a fixação da pena-base acima do mínimo legal, devendo ser fixada no seu respectivo piso;

Contrarrazões pelo Ministério Público Federal às fls. 383/390.

Em parecer de fls. 396/404-v, a Procuradoria Regional da República, por sua ilustre representante Dra. Elaine Cristina de Sá Proença, opinou pelo não provimento do recurso do réu.

É o relatório.

À revisão.

HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0009394-86.2007.4.03.6104/SP
2007.61.04.009394-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : OSVALDO GRACILIANO VALENTE
ADVOGADO : SP135754 CRISNADAIO BARBOSA DIAS e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
ABSOLVIDO(A) : DORACY DOS SANTOS
No. ORIG. : 00093948620074036104 5 Vr SANTOS/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DR. HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

OSVALDO GRACILIANO VALENTE foi denunciado, juntamente com DORACY DOS SANTOS, como incurso nas sanções do artigo 168-A , § 1º, I c.c artigo 71, pois, na qualidade de sócio e responsável legal da pessoa jurídica "BAR E RESTAURANTE JOCA DE GUARUJÁ LTDA.", deixou de repassar à Previdência Social as contribuições descontadas dos salários dos empregados, no prazo e forma legais nos períodos de 10/2000 a 01/2007, causando prejuízo no valor total (incluído juros e multa) de, respectivamente, R$ 172.378,83 (cento e setenta e dois mil e trezentos e setenta e oito reais e oitenta e três centavos), apurado em março de 2007, conforme NFLD n. 37.073.384-3.

Após regular instrução, sobreveio sentença, publicada em 09/03/2011 (fl. 366), o que ensejou a interposição do presente recurso defensivo.

Passo à matéria devolvida.

Inicialmente, afasto a aventada necessidade de instauração de inquérito policial para apuração da prática do delito em questão.

Como consabido, o inquérito policial, como peça informativa, é dispensável na formação da opinio delicti, que no caso em comento, baseou-se no procedimento administrativo fiscal conduzido pelo Instituto Nacional de Seguro Social.

Nesse sentido:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. TORTURA.DISPENSABILIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO PENAL PELO SEU TITULAR. EVENTUAIS VÍCIOS NO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO. NÃO CONTAMINAÇÃO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME APROFUNDADO DO CENÁRIO FÁTICO-PROBATÓRIO EM SEDE MANDAMENTAL. INOCORRÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. NÃO CONHECIMENTO.
1. "O órgão acusatório pode oferecer denúncia com base em quaisquer elementos de prova de que tiver conhecimento, não dependendo da prévia instauração ou mesmo da conclusão de procedimento investigatório para que dê início à ação penal". (RHC 39.683/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe 02/10/2013).
2. Eventual vício no procedimento investigatório não tem o condão de contaminar a ação penal, dada a natureza meramente informativa de suas peças, bem como a sua dispensabilidade na formação da opinio delicti.
3. Para se concluir pela inexistência de prova da participação do paciente nos fatos delituosos, a obstar o recebimento da denúncia quanto a ele, seria necessária uma análise acurada dos fatos, provas e elementos de convicção em que se arrimou o juízo originário, o que se afigura inviável em sede de habeas corpus, pois importaria em transformar o writ em recurso dotado de ampla devolutividade.
4. Habeas corpus não conhecido.
(HC 291.817/SC, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 05/02/2015, DJe 20/02/2015)

Portanto, não há qualquer vício a ser reconhecido.

Prossigo.

A materialidade delitiva restou demonstrada na Representação Fiscal para Fins Penais n. 35432.000441/2007-91 (fls. 08/157), da qual consta a NFLD n. 37.073.384-3 (fl. 14), referente ao não repasse das contribuições descontadas dos empregados contribuintes, correspondente às competências de 10/2000 a 01/2007, cujo valor principal do crédito tributário, constituído definitivamente em 16/07/2007 (fl. 411), excluídos juros e multa, somou o valor de R$ 105.374,15 (cento e cinco mil, trezentos e setenta e quatro reais e quinze centavos).

Nesta seara, anoto que o procedimento fiscal, além de revelar o ilícito administrativo, possui, também, ao contrário do quanto alegado pela defesa, aptidão para demonstrar a materialidade do tipo penal em questão.

Cumpre consignar, ainda, conforme acertadamente pontuou o magistrado de primeira instância, ser infundada a tese defensiva acerca da atipicidade material da conduta pela inexistência de descontos nos salários dos empregados, visto que a fiscalização constatou o efetivo não repasse "dos valores constantes dos documentos contábeis da sociedade como originários das contribuições descontadas dos empregados", o que, aliás, constou expressamente do relatório de fls. 09/10 ("Descrição dos Fatos") da Delegacia da Previdência Social.

Ademais, os recibos acostados às fls. 206/222 e 237/243, juntados pela defesa na tentativa de demonstrar que não houve o desconto nos salários dos funcionários não se referem ao período descrito na denúncia (10/2000 a 01/2007), mas ao ano de 2008.

Portanto, irrefutável a materialidade delitiva.

A autoria do delito, ao que se depreende do conjunto probatório, restou devidamente comprovada, conforme se extrai dos Instrumentos de Alterações do Contrato Social (fls. 145/153), da prova oral coligida e do interrogatório do próprio réu OSVALDO GRACILIANO VALENTE (fls. 171/172), ao qual, à época dos fatos, cabia exclusivamente a administração do restaurante e, assim, a responsabilidade pelo recolhimento dos tributos. Confira-se:

(...) que não retinha valores do INSS porque procurava dar uma maior remuneração a seus empregados (...) que efetuou alguns pagamentos de contribuições no período da denúncia; que recolhia as contribuições quando os empregados rescindiam o contrato de trabalho para regularizar a situação de cada um, bem como para aqueles em auxílio doença ou aposentados; que Doracy ingressou na empresa porque se tratava de uma sociedade limitada, o que exigia no mínimo dois sócios; que Doracy não atuava na administração do restaurante; quem administrava a empresa era o interrogando; que Doracy apenas o ajudava nas ausências do interrogando; que ela não participava das decisões a respeito de contratações de empregados e pagamentos de tributos; (...) que passou muitas dificuldades financeira no período da denúncia; (...)

Quanto ao dolo, registro que o E. Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento que, para o delito de apropriação indébita previdenciária, prescindível é a demonstração do dolo específico.

Para o delito previsto no artigo 168-A do Código Penal, o dolo exigido, portanto, é a vontade livre e consciente de deixar de recolher, no prazo legal, contribuição descontada de pagamentos efetuados a segurados, dispensada a intenção de apropriar-se das importâncias descontadas, ou seja, não se exige o animus rem sibi habendi.

Neste sentido, cito precedente do Superior Tribunal de Justiça, v.g.:

RECURSO ESPECIAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. SENTENÇA CONFIRMADA EM GRAU DE APELAÇÃO.
ESPECIAL FIM DE AGIR. PRESCINDIBILIDADE. PERDÃO JUDICIAL E EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. SÚMULA N. 282 DO STF. FATOS IMPEDITIVOS, MODIFICATIVOS OU EXTINTIVOS DA PRETENSÃO ACUSATÓRIA. REGRA DO ONUS PROBANDI. ART. 156 DO CPP. PROVA SUFICIENTE DE QUE O IMPUTADO COMETEU O FATO A ELE ATRIBUÍDO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO.
1. Se já houve pronunciamento sobre o mérito da persecução penal, denotando, ipso facto, a plena aptidão da inicial acusatória, fica prejudicado o exame da violação do art. 41 do CPP, principalmente quando evidenciado que o recorrente exerceu, com plenitude, o contraditório e a ampla defesa.
2. Para a configuração do crime previsto no art. 168-A do CP basta a vontade livre e consciente de não repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, pois o tipo penal não exige especial fim de agir.
(...)
8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta extensão, não provido.
(REsp 1359446/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 19/04/2016, DJe 28/04/2016)

Portanto, não há que se perquirir sobre a ocorrência de apropriação dos valores pelo réu, nem de responsabilidade objetiva do agente. O acusado confessou não ter recolhido as contribuições previdenciárias e atribuiu tal fato às dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa.

Nesta esteira, verifico que a alegada inexigibilidade de conduta diversa não restou demonstrada.

As dificuldades financeiras acarretadoras de estado de necessidade (excludente de antijuridicidade) ou de inexigibilidade de conduta diversa (excludente de culpabilidade) devem ser de tal monta que ponham em risco a própria sobrevivência da empresa e cabe ao acusado, segundo o disposto no art. 156 do Código de Processo Penal, a cabal demonstração de tal circunstância, trazendo aos autos elementos concretos de que a existência da empresa/sociedade estava comprometida, caso recolhesse as contribuições devidas, o que não se evidenciou in casu.

Assim, já decidiu esta E. Corte:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. 168-A DO CP. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. INEXISTÊNCIA DE CAUSA DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE. DOSIMETRIA CORRETA. APELOS NÃO PROVIDOS.
1. Apelações interpostas pela defesa e pela acusação contra sentença que condenou a ré à pena de dois anos e quatro meses de reclusão, como incursa no artigo 168-A do Código Penal.
2. A materialidade delitiva está comprovada pela Representação Fiscal acostada aos autos, bem como pelos demais documentos que a instruem.
3. A autoria do delito restou cristalina. A acusada admitiu, tanto na fase inquisitiva quanto em juízo, que deixou de recolher aos cofres da Previdência Social, na época própria, as contribuições previdenciárias descontadas da folha de pagamento de seus empregados. Cópias do contrato social da empresa e alterações respectivas, bem como a prova testemunhal, atestam que ela administrava a empresa ao tempo dos fatos.
4. O tipo penal da apropriação indébita exige apenas o dolo genérico consistente na conduta omissiva de deixar de recolher, no prazo legal, as contribuições destinadas à Previdência Social, que tenham sido descontadas de pagamentos efetuados, não exigindo do agente o animus rem sibi habendi dos valores descontados e não repassados, uma vez que a consumação do delito se dá com a mera ausência de recolhimento dessas contribuições.
5. No tocante à inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da punibilidade em razão de dificuldades financeiras, para que caracterizem a excludente, essas aperturas devem ser de tal ordem que coloquem em risco a própria existência do negócio, uma vez que apenas a impossibilidade financeira devidamente comprovada nos autos poderia justificar a omissão nos recolhimentos. No caso, a defesa não conseguiu comprovar que as dificuldades financeiras vivenciadas pela empresa tenham sido diferentes daquelas comuns a qualquer atividade de risco, de modo a caracterizar a inexigibilidade de conduta diversa como excludente de culpabilidade, como por exemplo, o desfazimento de patrimônio pessoal para quitar as dívidas.
6. Pena-base mantida no patamar mínimo por serem favoráveis as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal.
7. Apelações desprovidas. (g.n.)
(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, ACR 0009195-02.2009.4.03.6102, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 04/02/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/02/2014)
PROCESSO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. SONEGAÇÃO FISCAL PREVIDENCIÁRIA. AUTORIA. NÃO COMPROVAÇÃO. DIFICULDADES FINANCEIRAS. IMPROCEDÊNCIA.
1. A materialidade dos delitos está demonstrada.
2. Está demonstrada a autoria delitiva em relação do delito do art. 168-A do Código Penal.
3. Entretanto, não há qualquer elemento que evidencie a participação dos acusados no delito de sonegação fiscal previdenciária, razão pela qual a autoria delitiva dos réus em relação a tal crime não está suficientemente demonstrada.
4. A mera existência de dificuldades financeiras, as quais, por vezes, perpassam todo o corpo social, não configura ipso facto causa supralegal de exclusão de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa quanto ao delito de não repasse de contribuições previdenciárias. O acusado tem o ônus de provar que, concretamente, não havia alternativa ao não repasse das contribuições.
5. Apelação parcialmente provida.
(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 66769 - 0009257-76.2008.4.03.6102, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW, julgado em 22/08/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/08/2016 )

Na hipótese presente, as provas coligidas não são irrefragáveis, nem amplamente comprobatórias de graves e contundentes dificuldades financeiras supostamente experimentadas pela empresa, no período indicado na denúncia, não sendo admissível a tentativa de demonstrá-la apenas com as declarações de informante, irmã da corré (fls. 199/200).

A Defesa não trouxe aos autos, sendo possível fazê-lo, documentação que comprovasse a absoluta precariedade econômica da empresa no período em questão, a inviabilizar por completo o cumprimento das obrigações tributárias, o que somente se evidenciaria concretamente se tivessem sido encartados documentos que espelhassem, de maneira contundente, a situação econômica do estabelecimento ao longo do período em questão.

Remarque-se que meros percalços econômicos, a que todas as pessoas jurídicas estão comumente sujeitas, são contingências normais na vida empresarial e, se não forem gravíssimas, não podem servir como justificativa.

Impende destacar, também, que não houve involução patrimonial do réu no período, conforme demonstram as cópias das declarações de imposto de renda pessoa física acostadas às fls. 257/277, obtidas conforme quebra de sigilo fiscal deferida às fls. 245/247.

Logo, comprovadas autoria e materialidade delitivas e afastada a excludente de culpabilidade, é de rigor a manutenção do decreto condenatório.

Passo à dosimetria da pena.

Pretende a defesa a diminuição da pena base ao mínimo legal, sob o argumento de que não há justificativa para a fixação acima do piso, tendo em vista ser o réu meramente um devedor civil.

Vejamos.

Na primeira fase de fixação da pena, o magistrado fixou a pena-base acima do mínimo legal, em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, considerando as graves consequências do delito representadas pelo valor do crédito tributário.

Entendo que o valor principal do débito em questão, R$ 105.374,15 (cento e cinco mil, trezentos e setenta e quatro reais e quinze centavos), atualizado em dezembro de 2008 para R$ 193.863,97 (cento e noventa e três mil, oitocentos e sessenta e três reais e noventa e sete centavos) perfaz montante suficiente para ensejar o recrudescimento da pena-base. Assim, mantenho-a tal qual fixada na r. sentença. Nesta senda:

"PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. CONTINUIDADE DELITIVA. INCONSTITUCIONALIDADE DA CONDENAÇÃO. INOCORRÊNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PRESENÇA DE DOLO. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA POR DIFICULDADES FINANCEIRAS NÃO DEMONSTRADA. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA.
1. O delito de apropriação indébita previdenciária tem por escopo a punição, na esfera criminal, daqueles que deixam de recolher as contribuições de seus empregados aos cofres do INSS, não se confundindo, portanto, com os casos prisão por dívida civil (artigo 5º, LXVII, da CF/88).
2. A possibilidade de extinção da punibilidade pelo pagamento das contribuições, antes do início da ação fiscal, nos termos do §2º do artigo 168-A do Código Penal, não viola o princípio da isonomia. Isso porque a ausência de pagamento das contribuições nem sempre está atrelada à indisponibilidade financeira do réu, assim como não são necessariamente mais afortunados aqueles que efetuam pagamento antes do início da ação fiscal, de modo que o dispositivo se aplica igualmente a todos os réus, dando-lhes a mesma oportunidade.
3. Materialidade delitiva comprovada por meio da Notificação Fiscal de Lançamento de Débito - NFLD nº 35.717.924-2 e demais documentos que instruíram o procedimento fiscalizatório, bem como pelo depoimento do próprio réu, que admitiu a ausência de recolhimentos das contribuições por parte de sua empresa, no período em questão.
4. O crédito tributário relativo à referida NFLD foi definitivamente constituído, mediante inscrição em Dívida Ativa, em 24/02/2006, antes, portanto, do início da ação penal, que se deu com o recebimento da denúncia, em 19/06/2008.
5. Os documentos relativos à empresa Salles Consultoria em Comércio Exterior Ltda. demonstram que o acusado Nelson era o único sócio responsável pela administração da empresa, nos períodos em que não houve o recolhimento das contribuições previdenciárias. Ademais, em seu depoimento ao Juízo, o réu admitiu a autoria do delito, de modo que tal questão é incontroversa nos autos.
6. Dolo configurado na vontade livre e consciente de deixar de repassar as contribuições. O tipo penal da apropriação indébita exige apenas o dolo genérico, e não o animus rem sibi habendi dos valores descontados e não repassados. A consumação do delito se dá com a mera ausência de recolhimento dessas contribuições.
7. Não comprovada a causa supralegal de exclusão de ilicitude caracterizadora da inexigibilidade de conduta diversa em razão de dificuldades financeiras, as quais, além de não serem contemporâneas aos fatos, não foram tão graves a ponto de colocar em risco a própria existência da empresa e não divergem daquelas que são comuns a qualquer atividade de risco.
8. Condenação mantida.
9. A pena-base do acusado foi fixada acima do mínimo legal, por entender o MM. Juiz a quo que a culpabilidade do réu é exacerbada, bem como que as consequências do delito são graves. À míngua de agravantes e atenuantes, a pena foi majorada no patamar de 1/3 (um terço), em decorrência da continuidade delitiva (artigo 71 do Código Penal), resultando definitiva em 03 (três) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e pagamento de 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do maior salário mínimo vigente à época do último fato delitivo, devidamente atualizada.
10. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, nos termos do artigo 44 do Código Penal, sendo uma delas consistente na prestação de serviço à comunidade ou a entidades filantrópicas ou assistenciais, a critério do Juízo das Execuções Penais, e outra na limitação de fim de semana, ambas pelo prazo da condenação.
12. De acordo com o artigo 68 do Código Penal, a pena base será fixada levando-se em conta a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e consequências do crime, bem como o comportamento da vítima (artigo 59 do CP).
13. As circunstâncias judiciais de caráter residual são aquelas que, envolvendo aspectos objetivos e subjetivos encontrados no processo, podem ser livremente apreciadas pelo magistrado, respeitando-se os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da finalidade da pena.
14. No caso dos autos, não há razão para se considerar como exacerbada a culpabilidade do réu. Todavia, tratando-se de apropriação indébita previdenciária, a consequência da conduta do agente é o dano expressivo causado à Previdência Social e, em última análise, à própria coletividade.
15. Nessa medida, tendo o acusado deixado de recolher à Previdência Social o montante total de R$ 231.258,70 (duzentos e trinta e um mil, duzentos e cinquenta e oito reais e setenta centavos), atualizados para 01/2010, resta evidente que as consequências do delito atingiram a coletividade e contribuíram para frustrar o integral cumprimento dos preceitos contidos nos artigos 3º e 194 da Constituição Federal.
16. Pena-base mantida acima do mínimo legal, em 02 (dois) anos e 03 (três) meses de reclusão e pagamento de 11 (onze) dias-multa, que, à míngua de atenuantes e agravantes, deve ser majorada no patamar de 1/3 (um terço), em decorrência da continuidade delitiva, prevista no artigo 71 do Código Penal, resultando definitiva em 03 (três) anos de reclusão e pagamento de 14 (catorze) dias-multa.
17. O valor unitário da pena pecuniária deve ser fixado em um salário mínimo vigente à época do último fato delitivo, devidamente corrigido, uma vez que restou demonstrado nos autos que o réu possui patrimônio no valor aproximado de um milhão de reais.
18. O regime inicial para o cumprimento da pena deverá ser o aberto, nos termos do artigo 33, §2º, "c", do Código Penal, conforme estabelecido na r. sentença. Isso porque, embora exista circunstância judicial desfavorável ao réu, esta não configura razão suficiente para ensejar um regime mais gravoso da pena, até mesmo porque o acusado é pessoa idosa (65 anos), com endereço fixo e sem antecedentes criminais.
19. A circunstância judicial desfavorável obsta a substituição da reprimenda privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos termos do artigo 44, III, do Código Penal, restando prejudicado o pleito do Parquet de substituição da pena de limitação de fim de semana pela pena de prestação pecuniária.
20. Apelação do réu a que se dá parcial provimento. Apelação do Ministério Público Federal a que se dá provimento.
(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 54917 - 0007431-74.2005.4.03.6181, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS, julgado em 24/01/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/02/2017 ) (g.n.)

Na segunda fase, reconheço, de ofício, a presença da circunstância atenuante da confissão (art. 65, III, "d" do Código Penal - Súmula 545 do Superior Tribunal de Justiça), uma vez que o acusado, em Juízo, admitiu a prática do delito, a par de suscitar versão exculpante, razão pela qual torno a pena ao piso legal, 02 (dois) anos de reclusão.

Na terceira fase, o MM Juiz a quo aumentou, "ex vi" do art. 71 do CP, a pena em 2/3 (dois terços), em razão do não repasse ter se estendido por mais de cinco anos (2000 a 2007), o que fica mantido, pois em consonância com os precedentes desta 1ª Turma, resultando na pena definitiva de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão.

Com relação à pena de multa no crime continuado, assinalo que a sua fixação deve seguir o mesmo critério utilizado para o cálculo da pena privativa de liberdade, aplicando-se, também, o artigo 71 do Código Penal e não a norma do art. 72 do mesmo diploma legal (STJ - 6a Turma - AgRg no REsp 607929-PR - DJ 25.06.2007 p. 309)

Portanto, redimensiono a pena de multa para 16 (dezesseis) dias-multa.

Assim, a pena definitiva totaliza em 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa.

Do mesmo modo, irreparáveis o valor unitário do dia-multa, bem como a fixação do regime inicial de cumprimento de pena no aberto, pois em estrita observância ao artigo 33, §2º, "c", do Código Penal.

Mantenho, por fim, a substituição da pena corporal por penas restritivas de direito, nos termos do artigo 44 do Código Penal, tal qual determinada pelo magistrado de primeira instância e os demais termos da sentença.

Por estes fundamentos, nego provimento ao recurso e, de ofício, reconheço a circunstância do artigo 65, III, "d", do Código Penal, o que resulta na pena definitiva de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa.

Eventual ocorrência da prescrição da pretensão punitiva será declarada após o trânsito em julgado.

É o voto.

HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


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