D.E. Publicado em 18/09/2017 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa necessária, tida por interposta, e às apelações, nos termos do voto do Desembargador Federal Relator, sendo que o Desembargador Federal Nery Junior acompanhava pela conclusão.
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RELATÓRIO
Trata-se de apelações interpostas pela União e pelo Ministério Público Federal em face da sentença que julgou parcialmente procedente a ação civil pública de responsabilidade por danos ambientais.
Segundo narrado na inicial pelo Ministério Público Federal, Rosangela Gil de Souza Barsaglia é possuidora, na condição de herdeira de Paulo Henrique Barsaglia, e Terezinha Ferreira de Oliveira é comodatária (moradora) do imóvel localizado na Rua São Cristóvão, n° 300, Colônia dos Pescadores, bairro Beira-Rio, Município de Rosana/SP, antiga "Sorveteria do Paulo". Referido lote possui uma área de 105m² (cento e cinco metros quadrados), onde foi edificada uma construção em alvenaria, com características comerciais, com 68m² (sessenta e oito metros quadrados), sendo que a degradação ambiental atinge a totalidade da área, pois existem ainda no local caixa d`água, fossa negra, além de áreas de solo exposto e impermeabilização da área remanescente. Assim, constatou-se que o lote se encontra totalmente em área de preservação permanente, a menos de 500m (quinhentos metros) da margem do Rio Paraná, não havendo autorização para construção no local.
Dessa forma, requereu a concessão liminar de tutela específica antecipada para o fim de: a) impor à parte ré o cumprimento de obrigação de não fazer, consistente em abster-se de realizar qualquer nova construção em áreas de várzeas e preservação permanente, devendo, inclusive, paralisar todas as atividades antrópicas ali empreendidas, mormente no que concerne a iniciar, dar continuidade ou concluir qualquer obra ou edificação, bem como o despejo, no solo ou nas águas do rio Paraná, de qualquer espécie de lixo doméstico ou de demais materiais ou substâncias poluidoras; b) impor à parte ré o cumprimento de obrigação de não fazer consistente em abster-se de promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal do referido imóvel, sem a necessária e indispensável autorização do órgão competente; c) impor à parte ré o cumprimento de obrigação de se abster de conceder o uso daquela área a qualquer interessado; e, d) fixar multa liminar diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), no caso de eventual descumprimento das medidas acima.
Após cognição exauriente, postula a condenação dos réus ao cumprimento de:
1) obrigação de não fazer, consistente em abster-se de utilizar ou explorar as áreas de várzea e preservação permanente do imóvel localizado no lote em tela, bem como em abster-se de promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal do referido imóvel, sem a necessária e indispensável autorização do órgão competente;
2) obrigação de fazer consistente em demolir todas as construções existentes nas áreas de várzea e preservação permanente inseridas no referido lote, e não previamente autorizadas pelos órgãos ambientais, providenciando, ainda, a retirada de todo o entulho para local aprovado pelo órgão ambiental, no prazo de 30 dias;
3) obrigação de fazer, consistente em recompor a cobertura florestal da área de preservação permanente do referido lote, no prazo de 6 (seis) meses, pelo plantio racional e tecnicamente orientado de espécies nativas e endêmicas da região, com acompanhamento e tratos culturais, pelo período mínimo de 3 (três) anos, em conformidade com projeto técnico a ser submetido e aprovado pela CNRN - Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais ou pelo IBAMA, marcando-se prazo para apresentação do projeto junto àqueles órgãos não superior a 30 dias;
4) recolhimento, em conta judicial, de quantia suficiente para a execução das referidas restaurações, a ser apurado em liquidação, caso não o façam nos prazos fixados em sentença;
5) pagamento de indenização a ser definida por arbitramento do Juízo, correspondente aos danos ambientais causados ao longo dos anos, em razão de se ter impedido a regeneração da vegetação no local da edificação, corrigida monetariamente, a ser recolhido ao Fundo Federal de Reparação de Interesses Difusos Lesados;
6) pagamento de multa diária equivalente a um salário mínimo, também a ser recolhida ao Fundo Federal de Reparação de Interesses Difusos Lesados, em caráter exclusivo cominatório, em caso de descumprimento total ou parcial de qualquer das obrigações de fazer e não fazer, acima discriminadas;
7) ao pagamento das custas, honorários periciais e despesas do processo
8) seja determinando o desligamento das unidades consumidoras de energia elétrica instaladas no imóvel da parte ré, mediante expedição de ofício à Elektro - Eletricidade e Serviços, concessionária de energia elétrica responsável pela instalação; e
9) seja determinada a desocupação do imóvel da parte ré.
(fls. 02/36)
A liminar foi deferida (fls. 40/41).
A União foi incluída no polo ativo na qualidade de assistente litisconsorcial do Ministério Público Federal (fl. 63).
Após serem devidamente citadas (fls. 56 e 80), apenas a ré Terezinha Ferreira de Oliveira apresentou contestação, em que alegou sua ilegitimidade passiva e, no mérito, sustenta que o imóvel está situado em área urbana consolidada (fls. 81/82)
Foi decretada a revelia da ré Rosangela Gil de Souza Barsaglia (fl. 63).
Em despacho, o MM Juízo a quo concedeu prazo para que as partes requeressem provas que pretendessem produzir (fl. 83), sendo que o Ministério Público Federal e a União manifestaram desinteresse na produção de provas (fls. 84/91 e 101).
O IBAMA informou que aguardava manifestação de seu setor técnico no sentido de participar ou não da lide no polo ativo (fl. 102).
Aos 22 de abril de 2015, o MM Juízo da 5ª Vara Federal de Presidente Prudente/SP, dispensado a produção de prova pericial, à luz do artigo 427 do Código de Processo Civil de 1973, prolatou sentença com o seguinte dispositivo:
Em razões recursais, o Ministério Público Federal pugna pela manutenção da ré Terezinha no polo passivo da ação. No mérito, pugna pela adoção da área de preservação permanente de 500m (quinhentos metros), devendo ser o parâmetro para o fim de condenar ambas as rés, nos termos da inicial (fls. 174/206).
Por sua vez, a União requer a reforma da r. sentença para que a ação civil pública seja julgada totalmente procedente, pois a área de preservação permanente em tela corresponde a 500m (quinhentos metros) (fls. 208/213).
Os recursos de apelação foram recebidos no efeito devolutivo e suspensivo (fl. 221).
Embora devidamente intimada a defensora dativa da ré Terezinha (fl. 233), não foram apresentadas contrarrazões (fl. 234).
A Procuradoria Regional da República opina, em parecer, pelo parcial provimento das apelações, mantendo-se a extinção do feito sem resolução do mérito em relação à ré Terezinha, nos limites impostos pela r. sentença (fls. 236/243).
É o relatório.
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VOTO
Inicialmente, é de rigor conhecer ex officio da remessa oficial, uma vez que o artigo 19 da Lei nº 4.717/65 (Lei de Ação Popular), segundo o qual: "a sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição", deve ser aplicado analogicamente às ações civis públicas, pois tanto estas quanto as ações populares visam tutelar o patrimônio público lato sensu, estando ambas regidas pelo microssistema processual da tutela coletiva, conforme entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça:
No tocante à perda superveniente do interesse processual em relação à ré Terezinha, destaco que a obrigação de promover a recomposição da vegetação é propter rem, nos termos do §2°, do artigo 7°, do Código Florestal, razão pela qual transmite-se ao atual proprietário ou possuidor do imóvel.
Nesse sentido:
Portanto, considerando que a ré Terezinha não mais residia no imóvel por ocasião de sua citação (fls. 61, 72, 74 e 80), deve ser mantida, tão somente em relação a ela, a extinção do processo sem resolução do mérito, por perda superveniente de interesse processual, no tocante às obrigações de não fazer e de fazer, consistente em demolir todas as construções existentes no imóvel, em providenciar a retirada de todo o entulho, em desligar as unidades consumidoras de energia elétrica instaladas no imóvel e em desocupar o imóvel.
Pertinente destacar que a ação civil pública é um dos instrumentos processuais adequados para tutelar direitos e interesses supraindividuais, os quais abrangem os difusos, coletivos e individuais homogêneos pertinentes ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, à ordem econômica e urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos, ao patrimônio público e social, e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
A manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado consiste em direito fundamental de terceira geração, sendo dever do Poder Público e da coletividade defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, conforme determina o artigo 225 da Constituição Federal:
Neste contexto, com a finalidade de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, bem como proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, foram estabelecidas, com fundamento no artigo 225, §1°, III, da Carta Magna, as áreas de preservação permanente entre os espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público, instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, VI, Lei nº 6.938/81), definidas tanto pelo antigo quanto pelo novo Código Florestal, sendo que aquelas localizadas nas margens dos cursos d`água possuem dimensões de acordo com as respectivas larguras destes, verbis:
Comparando as normas acima, conclui-se que as larguras mínimas das áreas de preservação permanente de faixas marginas de qualquer curso d`água não se alteraram em função da largura deste. Porém, houve alteração da linha inicial de demarcação, de forma que a nova legislação ambiental culminou em reduzir o tamanho da área de preservação permanente, uma vez que o antigo Código Florestal estabelecia sua fixação desde o nível mais alto em faixa marginal (nível alcançado por ocasião da cheia sazonal do curso d`água perene ou intermitente) e o novo Código Florestal desde a borda da calha do leito regular (calha por onde correm regularmente as águas do curso d`água durante o ano).
Saliente-se que, em face dos princípios tempus regit actum e da não regressão ou vedação ao retrocesso ecológico, a Lei n° 4.771/65, embora revogada, pode ser aplicada aos fatos ocorridos antes da vigência da Lei n° 12.651/12, ainda que a norma seja mais gravosa ao poluidor.
Nesse sentido:
No caso em tela, os danos ambientais foram constatados antes de 2012 pelo Poder Público, conforme Relatório Técnico de Vistoria do CBRN (fls. 134/146 do Apenso), Boletim de Ocorrência Ambiental (fls. 65/66 do Apenso) e Auto de Infração Ambiental (fl. 67 do Apenso), aplicando-se dessa forma a legislação à época em vigor (Lei n° 4.771/65 com as alterações da Lei n° 7.803/89), de maneira que a faixa de área de preservação permanente em questão é de 500m (quinhentos metros), a partir do nível mais alto do Rio Paraná em faixa marginal, uma vez que o imóvel esse rio possui margem de largura superior a 600 (seiscentos) metros, nos termos do artigo 2°, "a", item 5, do antigo Código Florestal.
A fim de conferir uma maior proteção ao meio ambiente, a Lei nº 6.938/81, denominada Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, prevê que a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva, ou seja, independe da caracterização da culpa, além de ser fundada na teoria do risco integral, razão pela qual é incabível a aplicação de excludentes de responsabilidade para afastar a obrigação de reparar ou indenizar, verbis:
Nesse sentido é firme a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça, o qual já se manifestou inclusive sob o rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973:
Assim, basta a demonstração do dano ambiental e o nexo causal entre o resultado lesivo e a situação de risco criada pelo agente no exercício de atividade, no seu interesse e sob seu controle, dispensando-se o elemento subjetivo, para resultar na responsabilidade por dano ambiental.
Outrossim, como já visto, a obrigação de reparar os danos ambientais é considerada propter rem, sendo irrelevante que o autor da degradação ambiental inicial não seja o atual o proprietário, possuidor ou ocupante, pois aquela adere ao título de domínio ou posse, sem prejuízo da solidariedade entre os vários causadores do dano, sendo inviável qualquer alegação de direito adquirido à degradação, nos termos do artigo 7° do novo Código Florestal:
Destaca-se que a novel legislação apenas veio positivar a jurisprudência já consolidada do C. Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a obrigação de reparação por dano ambiental possui natureza real, transmissível ao sucessor, a qualquer título, na hipótese de transferência de domínio ou posse do imóvel rural, razão pela qual incabível qualquer alegação visando eximir-se do dever de reparação do dano em razão de ter ocorrido antes da novatio legis:
Por outro lado, eventual preexistência de degradação ambiental não possui o condão de desconfigurar uma área de preservação permanente, já que sua importância ecológica em proteger ecossistemas sensíveis ainda se perpetua, sendo a lei imperiosa no sentido de que constitui área protegida aquela coberta ou não por vegetação nativa (art. 1°, §2°, II, Lei n° 4.771/65 e art. 3, II, Lei n° 12.651/12), sendo necessária a recuperação ambiental, em respeito ao fim social da propriedade e a prevalência do direito supraindividual ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Há incidência ex legi nas áreas de preservação permanentes previstas no artigo 4° do novo Código Florestal, pois já existem independentemente da intermediação de um ato do Poder Público, diversamente daquelas prevista no artigo 6° desse Codex, em que há necessidade de serem declaradas como tais por ato do Poder Executivo para existirem.
In casu, segundo Laudo de Perícia Criminal Federal realizado pelo Departamento de Polícia Federal (fls. 72/88 do Apenso) e Relatório Técnico de Vistoria lavrado pelo CBRN (fls. 134/146 do Apenso), foi constatado que o imóvel dos réus integra o loteamento Beira Rio, localizado no município de Rosana/SP, ocupa uma área de 105m² (cento e cinco metros quadrados) com construções e impermeabilizações. Constatou-se, ainda, que tal bem encontra-se situado à margem do Rio Paraná, dentro da faixa de 500m considerada como área de preservação permanente (art. 2°, "a", item 4, Lei n° 4.771/65 e art. 4°, I, "e", Lei n° 12.651/12).
Insta frisar que o imóvel está situado em espaço territorial especialmente protegido pelo Poder Público, que está gravado por obrigação propter rem, de maneira que a alegação de preexistência de construções a posse não exime seu titular da obrigação de reparar e indenizar os danos ambientais, em face da inexistência de direito adquirido de poluir.
Deve ser afastado qualquer argumento no sentido de que o local é passível de regularização fundiária, com base no artigo 65 da Lei n° 12.651/12 ("Na regularização fundiária de interesse específico dos assentamentos inseridos em área urbana consolidada e que ocupam Áreas de Preservação Permanente não identificadas como áreas de risco, a regularização ambiental será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009."), pois para tanto deveria estar inserido em área urbana consolidada, a qual não é definida somente através de ato municipal, devendo preencher requisitos mínimos estabelecidos no artigo 47 da Lei n° 11.977/09, verbis:
Contudo, tais requisitos não foram preenchidos, pois o Município de Rosana/SP possui densidade demográfica bem inferior a 50 (cinquenta) habitantes por hectare, conforme informação constante no site do IBGE.
Por outro lado, inexiste malha viária implantada com o mínimo de equipamento de infraestrutura urbana, tampouco canalização de águas ou esgoto, nem tratamento de resíduos sólidos (fls. 72/88 do Apenso). Aliás, a Coordenadoria de Fiscalização Ambiental da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo constatou, recentemente, por meio do Relatório de Vistoria, que não há sistema de drenagem de águas pluviais e nem de esgotamento sanitário, de modo que os efluentes domésticos são lançados em fossas negras ou diretamente no corpo d'água e o despejo de lixo doméstico e outros resíduos sólidos ocorre à beira da estrada e até nas margens do rio (fls. 134/146 do Apenso).
Nesse diapasão, o artigo 8°, caput, da Lei n° 12.651/12 dispõe que: "A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei.", cujas hipóteses autorizadoras estão descritas nos incisos VIII, IX e X, do artigo 3°, da citada lei, as quais não foram demonstradas pelas requeridas.
Destarte, considerando que, no caso em tela, as construções implicaram na supressão de vegetação nativa e suas manutenções impediram ou, ao menos, dificultaram a regeneração natural, não havendo autorização estatal, a mera manutenção de edificação em área de preservação permanente configura ilícito civil, passível de responsabilização por dano ecológico in re ipsa, sendo medida de rigor condenar as rés em: obrigação de fazer consistente em abster-se de utilizar ou explorar as áreas de várzea e preservação permanente do imóvel localizado na Rua São Cristóvão, n° 300, Colônia dos Pescadores, Bairro Beira-Rio, Município de Rosana/SP, antiga "Sorveteria do Paulo", bem como em abster-se de promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal do referido imóvel, sem a autorização do CBRN ou IBAMA; obrigação de fazer consistente em demolir todas as construções existentes nas áreas de várzea e preservação permanente inseridas no referido lote, e não previamente autorizadas pelos órgãos ambientais, providenciando, ainda, a retirada de todo o entulho para local aprovado pelo órgão ambiental, no prazo de 30 dias, observada a faixa de 500 metros; obrigação de fazer consistente em recompor a cobertura florestal da área de preservação permanente do referido lote, no prazo de 6 meses, pelo plantio racional e tecnicamente orientado de espécies nativas e endêmicas da região, com acompanhamento e tratos culturais, pelo período de 3 anos, em conformidade com projeto técnico a ser submetido e aprovado pelo CBRN ou pelo IBAMA, marcando-se prazo para apresentação do projeto junto àqueles órgãos; e, no pagamento de multa diária, em caso de descumprimento total ou parcial das obrigações acima descritas, nos termos da r. sentença.
Assim, tratando-se de área de preservação permanente situada ao longo de rio, superada a discussão sobre a natureza da área do local em tela, se rural ou urbana, a legislação é categórica no sentido que o aludido espaço territorial possui faixa mínima de 500 (quinhentos) metros para cursos d´água com largura acima de 600 (seiscentos) metros.
A edição de leis municipais, no sentido de reconhecer a área em questão como urbana (LC n° 20/2007, LC n° 24/2008 e LC n° 41/2014, todas do Município de Rosana/SP), não possuem o condão de afastar a aplicação das leis ambientais, sobretudo pela previsão legal expressa de necessidade de consentimento do órgão ambiental competente para supressão da vegetação na área de preservação permanente, o que, aliás, não ocorreu no presente caso, vez que houve a ocupação e construção irregular, sem qualquer anuência das autoridades públicas.
Os municípios não podem editar leis que contrariem a legislação federal ambiental, de forma que não possuem discricionariedade para estabelecer limites diversos dos estabelecidos na lei federal para as áreas de preservação permanente. Pelo mesmo fundamento, a declaração de que certo território como área de expansão urbana, passível de regularização fundiária ou ambiental, não possui o condão de alterar a natureza jurídica dos imóveis.
Nesse sentido:
As obrigações de fazer ou não fazer destinadas à recomposição in natura do bem lesado e a indenização pecuniária são perfeitamente cumuláveis, por terem pressupostos diversos, priorizando os princípios do poluidor-pagador e da reparação integral do dano ambiental, nos termos dos artigos 225, §3°, da Constituição Federal e 4° da Lei n° 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente).
Os deveres de indenizar e recuperar possuem natureza de ressarcimento cível, os quais almejam de forma simultânea e complementar a restauração do status quo ante do bem ambiental lesado, finalidade maior a ser alcançada pelo Poder Público e pela sociedade.
A possibilidade de cumulação visa, em última análise, evitar o enriquecimento sem causa, já que a submissão do poluidor tão somente à reparação do ecossistema degradado fomentaria a prática de ilícitos contra o meio ambiente.
O artigo 4°, VII, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente prevê, de forma expressa, a viabilidade de cumulatividade das obrigações de recuperar e indenizar, verbis:
Todavia, o caso em tela apresenta particularidades que impossibilitam a imputação da obrigação de indenizar às requeridas, haja vista que a ré Rosangela jamais ocupou ou possuiu o imóvel inserido em área de preservação permanente, sendo proprietária tão somente porque lhe foi transmitido por herança (fl. 162 do Apenso).
Em relação à ré Terezinha, muito embora ela estivesse na posse do imóvel quando da lavratura do Boletim de Ocorrência (fls. 65/66 do Apenso) e do Auto de Infração Ambiental (fl. 67 do Apenso), a mesma afirmou, perante a autoridade policial, que "mora naquele local de favor há cerca de um ano" (fl. 147 do Apenso).
Destarte, considero desproporcional condená-las também ao pagamento de indenização, mormente em face da ausência, ou do breve lapso temporal, de ocupação da área por parte delas.
No tocante à condenação em honorários advocatícios em ações civis públicas, cumpre destacar que o artigo 18 da Lei n° 7.347/85 dispõe que: "Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais.".
Assim, considerando que a presente ação foi julgada procedente, aplica-se subsidiariamente a regra geral do artigo 85 do Código de Processo Civil de 2015, correspondente ao artigo 20 do Código de Processo Civil de 1973, nos termos do artigo 19 da Lei n° 7.347/85, já que aquela regra específica aplica-se apenas no caso de improcedência, prevalecendo sobre a regra geral do Código de Processo Civil.
Contudo, deve-se interpretar a regra especial à luz da Constituição Federal, de forma que apenas o Ministério Público Federal não deve ser beneficiado em honorários advocatícios, uma vez que o comando constitucional previsto no artigo 128, §5°, II, "a", da Lei Maior veda o recebimento de tal verba pelo Parquet.
No caso, contudo, o polo ativo foi composto tanto Ministério Público Federal quanto pela União, razão pela qual à parte ré deve ser imposta a condenação de honorários advocatícios em 10% (dez por cento) do valor da condenação, apenas em favor do ente federativo, observados os benefícios da gratuidade da justiça.
Diante do exposto, dou parcial provimento à remessa necessária, tida por interposta, e às apelações.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 07/09/2017 08:47:46 |