Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 18/09/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003852-53.2013.4.03.6112/SP
2013.61.12.003852-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : Ministerio Publico Federal
ADVOGADO : LUIS ROBERTO GOMES e outro(a)
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS
APELADO(A) : TEREZINHA FERREIRA DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP326091B ROBERTA BOICA BIAZINI (Int.Pessoal)
APELADO(A) : ROSANGELA GIL DE SOUZA BARSAGLIA
No. ORIG. : 00038525320134036112 5 Vr PRESIDENTE PRUDENTE/SP

EMENTA

AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERVENÇÃO ANTRÓPICA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. MARGEM DE RIO. AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. DANO AMBIENTAL "IN RE IPSA". RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA. OBRIGAÇÃO "PROPTER REM". ÁREA URBANA PASSÍVEL DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS.
1. Remessa oficial conhecida ex officio, uma vez que o artigo 19 da Lei nº 4.717/65 (Lei de Ação Popular) deve ser aplicado analogicamente às ações civis públicas, pois tanto estas quanto as ações populares visam tutelar o patrimônio público lato sensu, estando ambas regidas pelo microssistema processual da tutela coletiva.
2. Considerando que a ré Terezinha não mais residia no imóvel por ocasião de sua citação, deve ser mantida, tão somente em relação a ela, a extinção do processo sem resolução do mérito, por perda superveniente de interesse processual, no tocante às obrigações de não fazer e de fazer, consistente em demolir todas as construções existentes no imóvel, em providenciar a retirada de todo o entulho, em desligar as unidades consumidoras de energia elétrica instaladas no imóvel e em desocupar o imóvel.
3. Em face dos princípios tempus regit actum e da não regressão ou vedação ao retrocesso ecológico, a Lei n° 4.771/65, embora revogada, pode ser aplicada aos fatos ocorridos antes da vigência da Lei n° 12.651/12, ainda que a norma seja mais gravosa ao poluidor.
4. No caso em tela, a faixa de área de preservação permanente em questão é de 500m (quinhentos metros), uma vez que o imóvel está situado na margem do Rio Paraná, cuja margem possui largura superior a 600 (seiscentos) metros, nos termos do artigo 2°, "a", item 5, do antigo Código Florestal.
5. A responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva, ou seja, independe da caracterização da culpa, além de ser fundada na teoria do risco integral, razão pela qual é incabível a aplicação de excludentes de responsabilidade para afastar a obrigação de reparar ou indenizar.
6. A obrigação de reparar os danos ambientais é considerada propter rem, sendo irrelevante que o autor da degradação ambiental inicial não seja o atual o proprietário, possuidor ou ocupante, pois aquela adere ao título de domínio ou posse, sem prejuízo da solidariedade entre os vários causadores do dano, sendo inviável qualquer alegação de direito adquirido à degradação, nos termos do artigo 7° do novo Código Florestal.
7. Eventual preexistência de degradação ambiental não possui o condão de desconfigurar uma área de preservação permanente, vez que sua importância ecológica em proteger ecossistemas sensíveis ainda se perpetua, sendo a lei imperiosa no sentido de que constitui área protegida aquela coberta ou não por vegetação nativa (art. 1°, §2°, II, Lei n° 4.771/65 e art. 3, II, Lei n° 12.651/12), sendo necessária a recuperação ambiental, em respeito ao fim social da propriedade e a prevalência do direito supraindividual ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
8. O imóvel está situado em espaço territorial especialmente protegido pelo Poder Público, que está gravado por obrigação propter rem, de maneira que a alegação de preexistência de construções a posse não exime seu titular da obrigação de reparar e indenizar os danos ambientais, em face da inexistência de direito adquirido de poluir.
9. Considerando que as construções implicaram na supressão de vegetação nativa e suas manutenções impediram ou, ao menos, dificultaram a regeneração natural, não havendo autorização estatal, que poderia ser concedida apenas em caso de utilidade pública, interesse social ou de baixa impacto ambiental (art. 4°, caput, Lei n° 4.717/65 e art. 8°, caput, Lei n° 12.651/12), a mera manutenção de edificação em área de preservação permanente configura ilícito civil, passível de responsabilização por dano ecológico in re ipsa.
10. Tratando-se de área de preservação permanente situada ao longo de rio, denota-se irrelevante qualquer discussão sobre a natureza da área do local em tela, se rural ou urbana, tendo em vista que a legislação é categórica no sentido que o aludido espaço territorial possui faixa mínima de 500 (quinhentos) metros para cursos d´água com largura acima de 600 (seiscentos) metros.
11. Eventuais atos normativos municipais no sentido de reconhecer a área em questão como urbana ou consolidada não possui o condão de afastar a aplicação das leis ambientais, sobretudo pela previsão legal expressa de necessidade de consentimento do órgão ambiental competente para supressão da vegetação na área de preservação permanente, o que, aliás, não ocorreu no presente caso, vez que ocorreu a ocupação e construção irregular, sem qualquer anuência das autoridades públicas.
12. Os deveres de indenizar e recuperar possuem natureza de ressarcimento cível, os quais almejam de forma simultânea e complementar a restauração do status quo ante do bem ambiental lesado, finalidade maior a ser alcançada pelo Poder Público e pela sociedade.
13. O caso em tela apresenta particularidades que impossibilitam a imputação da obrigação de indenizar às requeridas, haja vista que a ré Rosangela jamais ocupou ou possuiu o imóvel inserido em área de preservação permanente, sendo proprietária tão somente porque lhe foi transmitido por herança.
14. Em relação à ré Terezinha, muito embora ela estivesse na posse do imóvel quando da lavratura do Boletim de Ocorrência e do Auto de Infração Ambiental, a mesma afirmou, perante a autoridade policial, que "mora naquele local de favor há cerca de um ano".
15. Remessa necessária, tida por interposta, e apelações parcialmente providas.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa necessária, tida por interposta, e às apelações, nos termos do voto do Desembargador Federal Relator, sendo que o Desembargador Federal Nery Junior acompanhava pela conclusão.


São Paulo, 06 de setembro de 2017.
ANTONIO CEDENHO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003852-53.2013.4.03.6112/SP
2013.61.12.003852-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : Ministerio Publico Federal
ADVOGADO : LUIS ROBERTO GOMES e outro(a)
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS
APELADO(A) : TEREZINHA FERREIRA DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP326091B ROBERTA BOICA BIAZINI (Int.Pessoal)
APELADO(A) : ROSANGELA GIL DE SOUZA BARSAGLIA
No. ORIG. : 00038525320134036112 5 Vr PRESIDENTE PRUDENTE/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelações interpostas pela União e pelo Ministério Público Federal em face da sentença que julgou parcialmente procedente a ação civil pública de responsabilidade por danos ambientais.


Segundo narrado na inicial pelo Ministério Público Federal, Rosangela Gil de Souza Barsaglia é possuidora, na condição de herdeira de Paulo Henrique Barsaglia, e Terezinha Ferreira de Oliveira é comodatária (moradora) do imóvel localizado na Rua São Cristóvão, n° 300, Colônia dos Pescadores, bairro Beira-Rio, Município de Rosana/SP, antiga "Sorveteria do Paulo". Referido lote possui uma área de 105m² (cento e cinco metros quadrados), onde foi edificada uma construção em alvenaria, com características comerciais, com 68m² (sessenta e oito metros quadrados), sendo que a degradação ambiental atinge a totalidade da área, pois existem ainda no local caixa d`água, fossa negra, além de áreas de solo exposto e impermeabilização da área remanescente. Assim, constatou-se que o lote se encontra totalmente em área de preservação permanente, a menos de 500m (quinhentos metros) da margem do Rio Paraná, não havendo autorização para construção no local.


Dessa forma, requereu a concessão liminar de tutela específica antecipada para o fim de: a) impor à parte ré o cumprimento de obrigação de não fazer, consistente em abster-se de realizar qualquer nova construção em áreas de várzeas e preservação permanente, devendo, inclusive, paralisar todas as atividades antrópicas ali empreendidas, mormente no que concerne a iniciar, dar continuidade ou concluir qualquer obra ou edificação, bem como o despejo, no solo ou nas águas do rio Paraná, de qualquer espécie de lixo doméstico ou de demais materiais ou substâncias poluidoras; b) impor à parte ré o cumprimento de obrigação de não fazer consistente em abster-se de promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal do referido imóvel, sem a necessária e indispensável autorização do órgão competente; c) impor à parte ré o cumprimento de obrigação de se abster de conceder o uso daquela área a qualquer interessado; e, d) fixar multa liminar diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), no caso de eventual descumprimento das medidas acima.


Após cognição exauriente, postula a condenação dos réus ao cumprimento de:


1) obrigação de não fazer, consistente em abster-se de utilizar ou explorar as áreas de várzea e preservação permanente do imóvel localizado no lote em tela, bem como em abster-se de promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal do referido imóvel, sem a necessária e indispensável autorização do órgão competente;

2) obrigação de fazer consistente em demolir todas as construções existentes nas áreas de várzea e preservação permanente inseridas no referido lote, e não previamente autorizadas pelos órgãos ambientais, providenciando, ainda, a retirada de todo o entulho para local aprovado pelo órgão ambiental, no prazo de 30 dias;

3) obrigação de fazer, consistente em recompor a cobertura florestal da área de preservação permanente do referido lote, no prazo de 6 (seis) meses, pelo plantio racional e tecnicamente orientado de espécies nativas e endêmicas da região, com acompanhamento e tratos culturais, pelo período mínimo de 3 (três) anos, em conformidade com projeto técnico a ser submetido e aprovado pela CNRN - Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais ou pelo IBAMA, marcando-se prazo para apresentação do projeto junto àqueles órgãos não superior a 30 dias;

4) recolhimento, em conta judicial, de quantia suficiente para a execução das referidas restaurações, a ser apurado em liquidação, caso não o façam nos prazos fixados em sentença;

5) pagamento de indenização a ser definida por arbitramento do Juízo, correspondente aos danos ambientais causados ao longo dos anos, em razão de se ter impedido a regeneração da vegetação no local da edificação, corrigida monetariamente, a ser recolhido ao Fundo Federal de Reparação de Interesses Difusos Lesados;

6) pagamento de multa diária equivalente a um salário mínimo, também a ser recolhida ao Fundo Federal de Reparação de Interesses Difusos Lesados, em caráter exclusivo cominatório, em caso de descumprimento total ou parcial de qualquer das obrigações de fazer e não fazer, acima discriminadas;

7) ao pagamento das custas, honorários periciais e despesas do processo

8) seja determinando o desligamento das unidades consumidoras de energia elétrica instaladas no imóvel da parte ré, mediante expedição de ofício à Elektro - Eletricidade e Serviços, concessionária de energia elétrica responsável pela instalação; e

9) seja determinada a desocupação do imóvel da parte ré.

(fls. 02/36)


A liminar foi deferida (fls. 40/41).


A União foi incluída no polo ativo na qualidade de assistente litisconsorcial do Ministério Público Federal (fl. 63).


Após serem devidamente citadas (fls. 56 e 80), apenas a ré Terezinha Ferreira de Oliveira apresentou contestação, em que alegou sua ilegitimidade passiva e, no mérito, sustenta que o imóvel está situado em área urbana consolidada (fls. 81/82)


Foi decretada a revelia da ré Rosangela Gil de Souza Barsaglia (fl. 63).


Em despacho, o MM Juízo a quo concedeu prazo para que as partes requeressem provas que pretendessem produzir (fl. 83), sendo que o Ministério Público Federal e a União manifestaram desinteresse na produção de provas (fls. 84/91 e 101).


O IBAMA informou que aguardava manifestação de seu setor técnico no sentido de participar ou não da lide no polo ativo (fl. 102).


Aos 22 de abril de 2015, o MM Juízo da 5ª Vara Federal de Presidente Prudente/SP, dispensado a produção de prova pericial, à luz do artigo 427 do Código de Processo Civil de 1973, prolatou sentença com o seguinte dispositivo:


"Ao fio do exposto, com fulcro no art. 267, VI, do CPC, JULGO EXTINTO O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO os pedidos formulados em face da Ré Terezinha Ferreira de Oliveira quanto à obrigação de não fazer e à obrigação de fazer, consistente em demolir todas as construções existentes no imóvel, em providenciar a retirada de todo o entulho, em desligar as unidades consumidoras de energia elétrica instaladas no imóvel e em desocupar o imóvel; e, no mais, com fulcro no art. 269, I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido vertido na inicial para o fim de CONDENAR a Ré Rosangela Gil de Souza Barsaglia à obrigação de não fazer, consistente em abster-se de utilizar ou explorar as áreas não edificantes e de preservação localizadas em 15 (quinze) metros desde a borda da calha do leito regular do Rio Paraná e abster-se de promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal do referido imóvel; sob pena de demolição das obras e recomposição da área degradada, bem como o pagamento de multa diária no importe de R$ 1.000,00 (um mil reais), a ser recolhida ao Fundo Federal de Reparação dos Interesses Difusos Lesados, em caráter exclusivo cominatório, em caso de descumprimento total e parcial de qualquer das obrigações acima discriminadas.
Considerando a sucumbência recíproca, que reputo no percentual de 50% (cinquenta por cento) para cada parte, os honorários se compensam em idêntica proporção.
Custas processuais na mesma proporção, observada a isenção que goza o MPF e a União Federal, bem como o deferimento da Justiça Gratuita à Ré.
Fixo os honorários da advogada dativa no máximo da tabela do CJF."
(fls. 149/172)

Em razões recursais, o Ministério Público Federal pugna pela manutenção da ré Terezinha no polo passivo da ação. No mérito, pugna pela adoção da área de preservação permanente de 500m (quinhentos metros), devendo ser o parâmetro para o fim de condenar ambas as rés, nos termos da inicial (fls. 174/206).


Por sua vez, a União requer a reforma da r. sentença para que a ação civil pública seja julgada totalmente procedente, pois a área de preservação permanente em tela corresponde a 500m (quinhentos metros) (fls. 208/213).


Os recursos de apelação foram recebidos no efeito devolutivo e suspensivo (fl. 221).


Embora devidamente intimada a defensora dativa da ré Terezinha (fl. 233), não foram apresentadas contrarrazões (fl. 234).


A Procuradoria Regional da República opina, em parecer, pelo parcial provimento das apelações, mantendo-se a extinção do feito sem resolução do mérito em relação à ré Terezinha, nos limites impostos pela r. sentença (fls. 236/243).


É o relatório.



ANTONIO CEDENHO
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003852-53.2013.4.03.6112/SP
2013.61.12.003852-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : Ministerio Publico Federal
ADVOGADO : LUIS ROBERTO GOMES e outro(a)
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS
APELADO(A) : TEREZINHA FERREIRA DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP326091B ROBERTA BOICA BIAZINI (Int.Pessoal)
APELADO(A) : ROSANGELA GIL DE SOUZA BARSAGLIA
No. ORIG. : 00038525320134036112 5 Vr PRESIDENTE PRUDENTE/SP

VOTO

Inicialmente, é de rigor conhecer ex officio da remessa oficial, uma vez que o artigo 19 da Lei nº 4.717/65 (Lei de Ação Popular), segundo o qual: "a sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição", deve ser aplicado analogicamente às ações civis públicas, pois tanto estas quanto as ações populares visam tutelar o patrimônio público lato sensu, estando ambas regidas pelo microssistema processual da tutela coletiva, conforme entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça:


ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES SEM PRÉVIO CONCURSO PÚBLICO. DANO AO ERÁRIO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA QUE NÃO CONTEMPLA A APLICAÇÃO DO REEXAME NECESSÁRIO. NÃO HÁ QUE SE FALAR EM APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI DA AÇÃO POPULAR. PARECER DO MPF PELO PROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DESPROVIDO.
1. Conheço e reverencio a orientação desta Corte de que o art. 19 da Lei 4.717/65 (Lei da Ação Popular), embora refira-se imediatamente a outra modalidade ou espécie acional, tem seu âmbito de aplicação estendido às ações civis públicas, diante das funções assemelhadas a que se destinam - proteção do patrimônio público em sentido lato - e do microssistema processual da tutela coletiva, de maneira que as sentenças de improcedência de tais iniciativas devem se sujeitar indistintamente à remessa necessária (REsp. 1.108.542/SC, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe 29.05.2009).
2. Todavia, a Ação de Improbidade Administrativa segue um rito próprio e tem objeto específico, disciplinado na Lei 8.429/92, e não contempla a aplicação do reexame necessário de sentenças de rejeição a sua inicial ou de sua improcedência, não cabendo, neste caso, analogia, paralelismo ou outra forma de interpretação, para importar instituto criado em lei diversa.
3. A ausência de previsão da remessa de ofício, nesse caso, não pode ser vista como uma lacuna da Lei de Improbidade que precisa ser preenchida, razão pela qual não há que se falar em aplicação subsidiária do art. 19 da Lei 4.717/65, mormente por ser o reexame necessário instrumento de exceção no sistema processual, devendo, portanto, ser interpretado restritivamente; deve-se assegurar ao Ministério Público, nas Ações de Improbidade Administrativa, a prerrogativa de recorrer ou não das decisões nelas proferidas, ajuizando ponderadamente as mutantes circunstâncias e conveniências da ação.
4. Parecer do MPF pelo conhecimento e provimento do Recurso.
5. Recurso Especial do MINISTÉRIO PÚBLICO desprovido.
(REsp 1220667/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/09/2014, DJe 20/10/2014)
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ART. 19 DA LEI 4.717/1965.
1. "Por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário" (REsp 1.108.542/SC, Rel. Ministro Castro Meira, j. 19.5.2009, Dje 29.5.2009).
2. Agravo Regimental não provido.
(AgRg no REsp 1219033/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe 25/04/2011)

No tocante à perda superveniente do interesse processual em relação à ré Terezinha, destaco que a obrigação de promover a recomposição da vegetação é propter rem, nos termos do §2°, do artigo 7°, do Código Florestal, razão pela qual transmite-se ao atual proprietário ou possuidor do imóvel.


Nesse sentido:


DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP). ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DOS ANTIGOS PROPRIETÁRIOS. ALIENAÇÃO COMPROVADA. REFORMA DA EDIFICAÇÃO. DEMOLIÇÃO. INDENIZAÇÃO.
1. A ação foi inicialmente proposta em face de Demivaldo dos Santos e Maria Aparecida Clarindo dos Santos sendo que, após a concessão da liminar em 03/04/2012, o MPF peticionou juntando documentação comprovando que Priscila Ribeiro dos Santos, atual ocupante do lote realizou nova construção no local, impedindo e dificultando a regeneração natural da vegetação nativa do imóvel.
2. Em face da notícia da alienação do lote à Priscila Ribeiro dos Santos e Luciano Olímpio da Silva, o MPF aditou à inicial para a inclusão destes no polo passivo da ação, o que foi deferido, sendo os novos réus devidamente citados em 25/06/2014, quedando-se inertes, com decreto de revelia.
3. Foi juntado o contrato de compra e venda do imóvel em questão firmado entre Maria Aparecida Clarindo dos Santos e Luciano Olímpio da Silva, em 08/08/2012 (f. 166), comprovando que à época da citação dos réus Demivaldo dos Santos e Maria Aparecida Clarindo dos Santos, em 2014, os mesmos já não residiam no imóvel não possuindo, portanto, legitimidade passiva ad causam, uma vez que a obrigação de reparar o dano ambiental é propter rem, transmitindo-se ao atual proprietário ou possuidor do imóvel, motivo pelo qual a presente ação em relação à Demivaldo dos Santos e Maria Aparecida Clarindo dos Santos, merecer ser extinta sem exame do mérito, nos termos do art. 485, VI, CPC/2015, sem condenação em honorários advocatícios.
(...)
(TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 2195415 - 0001988-14.2012.4.03.6112, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA, julgado em 19/04/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/05/2017)

Portanto, considerando que a ré Terezinha não mais residia no imóvel por ocasião de sua citação (fls. 61, 72, 74 e 80), deve ser mantida, tão somente em relação a ela, a extinção do processo sem resolução do mérito, por perda superveniente de interesse processual, no tocante às obrigações de não fazer e de fazer, consistente em demolir todas as construções existentes no imóvel, em providenciar a retirada de todo o entulho, em desligar as unidades consumidoras de energia elétrica instaladas no imóvel e em desocupar o imóvel.


Pertinente destacar que a ação civil pública é um dos instrumentos processuais adequados para tutelar direitos e interesses supraindividuais, os quais abrangem os difusos, coletivos e individuais homogêneos pertinentes ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, à ordem econômica e urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos, ao patrimônio público e social, e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.


A manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado consiste em direito fundamental de terceira geração, sendo dever do Poder Público e da coletividade defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, conforme determina o artigo 225 da Constituição Federal:


"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados."

Neste contexto, com a finalidade de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, bem como proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, foram estabelecidas, com fundamento no artigo 225, §1°, III, da Carta Magna, as áreas de preservação permanente entre os espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público, instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, VI, Lei nº 6.938/81), definidas tanto pelo antigo quanto pelo novo Código Florestal, sendo que aquelas localizadas nas margens dos cursos d`água possuem dimensões de acordo com as respectivas larguras destes, verbis:


"Lei n° 4.771/65: (...)
§ 2o Para os efeitos deste Código, entende-se por: (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001) (...)
II - área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2o e 3o desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)
(...)
Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
2 - de 50 (cinquenta) metros para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
3 - de 100 (cem) metros para os cursos d'água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; (Incluído pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais;
c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d'água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinquenta) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
d) no topo de morros, montes, montanhas e serras;
e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive;
f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação. (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, obervar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo. (Incluído pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)"
"Lei n° 12.651/12:
Art. 3o Para os efeitos desta Lei, entende-se por: (...)
II - Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;
(...)
Art. 4o Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
I - as faixas marginais de qualquer curso d'água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).
a) 30 (trinta) metros, para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura;
b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
c) 100 (cem) metros, para os cursos d'água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;
II - as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de:
a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d'água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros;
b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas;
III - as áreas no entorno dos reservatórios d'água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d'água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento; (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).
IV - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d'água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros; (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012).
V - as encostas ou partes destas com declividade superior a 45°, equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive;
VI - as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
VII - os manguezais, em toda a sua extensão;
VIII - as bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;
IX - no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25°, as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d'água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação;
X - as áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação;
XI - em veredas, a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura mínima de 50 (cinquenta) metros, a partir do espaço permanentemente brejoso e encharcado. (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012)."

Comparando as normas acima, conclui-se que as larguras mínimas das áreas de preservação permanente de faixas marginas de qualquer curso d`água não se alteraram em função da largura deste. Porém, houve alteração da linha inicial de demarcação, de forma que a nova legislação ambiental culminou em reduzir o tamanho da área de preservação permanente, uma vez que o antigo Código Florestal estabelecia sua fixação desde o nível mais alto em faixa marginal (nível alcançado por ocasião da cheia sazonal do curso d`água perene ou intermitente) e o novo Código Florestal desde a borda da calha do leito regular (calha por onde correm regularmente as águas do curso d`água durante o ano).


Saliente-se que, em face dos princípios tempus regit actum e da não regressão ou vedação ao retrocesso ecológico, a Lei n° 4.771/65, embora revogada, pode ser aplicada aos fatos ocorridos antes da vigência da Lei n° 12.651/12, ainda que a norma seja mais gravosa ao poluidor.


Nesse sentido:


ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. FORMAÇÃO DA ÁREA DE RESERVA LEGAL. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. SÚMULA 83/STJ. PREJUDICADA A ANÁLISE DA DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. SUPERVENIÊNCIA DA LEI 12.651/12. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO IMEDIATA. IRRETROATIVIDADE. PROTEÇÃO AOS ECOSSISTEMAS FRÁGEIS. INCUMBÊNCIA DO ESTADO. INDEFERIMENTO.
1. A jurisprudência desta Corte está firmada no sentido de que os deveres associados às APPs e à Reserva Legal têm natureza de obrigação propter rem, isto é, aderem ao título de domínio ou posse, independente do fato de ter sido ou não o proprietário o autor da degradação ambiental. Casos em que não há falar em culpa ou nexo causal como determinantes do dever de recuperar a área de preservação permanente.
2. Prejudicada a análise da divergência jurisprudencial apresentada, porquanto a negatória de seguimento do recurso pela alínea "a" do permissivo constitucional baseou-se em jurisprudência recente e consolidada desta Corte, aplicável ao caso dos autos.
3. Indefiro o pedido de aplicação imediata da Lei 12.651/12, notadamente o disposto no art. 15 do citado regramento.
Recentemente, esta Turma, por relatoria do Ministro Herman Benjamin, firmou o entendimento de que "o novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da 'incumbência' do Estado de garantir a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I)." Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp 327.687/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/08/2013, DJe 26/08/2013)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. NOVO CÓDIGO FLORESTAL (LEI 12.651/2012). REQUERIMENTO. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO CONTRA ACÓRDÃO. INVIABILIDADE. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. RECEBIMENTO COMO EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC NÃO APONTADA. AUTO DE INFRAÇÃO. IRRETROATIVIDADE DA LEI NOVA. ATO JURÍDICO PERFEITO. DIREITO ADQUIRIDO. ART. 6º, CAPUT, DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO.
(...)
3. Precedente do STJ que faz valer, no campo ambiental-urbanístico, a norma mais rigorosa vigente à época dos fatos, e não a contemporânea ao julgamento da causa, menos protetora da Natureza: O "direito material aplicável à espécie é o então vigente à época dos fatos. In casu, Lei n. 6.766/79, art. 4º, III, que determinava, em sua redação original, a 'faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de cada lado' do arroio" (REsp 980.709/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 2.12.2008).
(...)
(PET no REsp 1240122/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/10/2012, DJe 19/12/2012)
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - CONSTUÇÃO - RESERVATÓRIO DE ÁGUA VERMELHA - RECUO DE 30 METROS - OBSERVÂNCIA - RESOLUÇÃO/CONAMA 302/2002 - ZONA URBANA - ILEGALIDADE DA AUTUAÇÃO. 1. Afastada a alegação de prescrição da pretensão punitiva do IBAMA, dada a natureza permanente do ilícito narrado, o qual se protrai no tempo (art. 1º, Lei nº 9.873/1999). 2. Incidência, in casu, da regulamentação do Código Florestal da época (Lei nº 4.771/65, art. 2º, "b"), qual seja, a Resolução/CONAMA nº 302/2002, em atendimento ao princípio "tempus regit actum", postulado geral de direito com sede no Decreto-Lei 4.657/42 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro). 3. O conceito de área de preservação permanente extraído da Resolução/CONAMA nº 302/2002, em vigor à época da lavratura dos atos administrativos questionados, vem prescrito pelos artigos 2º e 3º. Nesse sentido, o limite espacial da área de preservação, em torno dos reservatórios artificiais, poderá ser 30 ou 100 metros, a depender de estar localizada em zona urbana (e expansão urbana) ou rural. 4. O loteamento "Condomínio Parque Paraíso" está situado no perímetro urbano, por contar com os seguintes equipamentos de infraestrutura: coleta de lixo, malha viária, vias com iluminação pública, caixa de coleta de água, rede de energia elétrica e de água encanada e tratada, linhas de telefonia, entre outros. Prova pré-constituída nos autos. 5. Incontroverso o fato de haver o impetrante obedecido o limite de 30 metros do reservatório da represa de Água Vermelha. 6. Sem condenação em honorários advocatícios, a teor do disposto no art. 25 da Lei nº 10.016/2009.(AMS 00020488720084036124, DESEMBARGADOR FEDERAL MAIRAN MAIA, TRF3 - SEXTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/09/2015 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

No caso em tela, os danos ambientais foram constatados antes de 2012 pelo Poder Público, conforme Relatório Técnico de Vistoria do CBRN (fls. 134/146 do Apenso), Boletim de Ocorrência Ambiental (fls. 65/66 do Apenso) e Auto de Infração Ambiental (fl. 67 do Apenso), aplicando-se dessa forma a legislação à época em vigor (Lei n° 4.771/65 com as alterações da Lei n° 7.803/89), de maneira que a faixa de área de preservação permanente em questão é de 500m (quinhentos metros), a partir do nível mais alto do Rio Paraná em faixa marginal, uma vez que o imóvel esse rio possui margem de largura superior a 600 (seiscentos) metros, nos termos do artigo 2°, "a", item 5, do antigo Código Florestal.


A fim de conferir uma maior proteção ao meio ambiente, a Lei nº 6.938/81, denominada Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, prevê que a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva, ou seja, independe da caracterização da culpa, além de ser fundada na teoria do risco integral, razão pela qual é incabível a aplicação de excludentes de responsabilidade para afastar a obrigação de reparar ou indenizar, verbis:


"Art 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:
(...)
§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente."

Nesse sentido é firme a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça, o qual já se manifestou inclusive sob o rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973:


AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MATERIAIS E MORAIS A PESCADORES CAUSADOS POR POLUIÇÃO AMBIENTAL POR VAZAMENTO DE NAFTA, EM DECORRÊNCIA DE COLISÃO DO NAVIO N-T NORMA NO PORTO DE PARANAGUÁ - 1) PROCESSOS DIVERSOS DECORRENTES DO MESMO FATO, POSSIBILIDADE DE TRATAMENTO COMO RECURSO REPETITIVO DE TEMAS DESTACADOS PELO PRESIDENTE DO TRIBUNAL, À CONVENIÊNCIA DE FORNECIMENTO DE ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL UNIFORME SOBRE CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FATO, QUANTO A MATÉRIAS REPETITIVAS; 2) TEMAS: a) CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE NO JULGAMENTO ANTECIPADO, ANTE OS ELEMENTOS DOCUMENTAIS SUFICIENTES; b) LEGITIMIDADE DE PARTE DA PROPRIETÁRIA DO NAVIO TRANSPORTADOR DE CARGA PERIGOSA, DEVIDO A RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR; c) INADMISSÍVEL A EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE POR FATO DE TERCEIRO; d) DANOS MORAL E MATERIAL CARACTERIZADOS; e) JUROS MORATÓRIOS: INCIDÊNCIA A PARTIR DA DATA DO EVENTO DANOSO - SÚMULA 54/STJ; f) SUCUMBÊNCIA. 3) IMPROVIMENTO DO RECURSO, COM OBSERVAÇÃO.
1.- É admissível, no sistema dos Recursos Repetitivos (CPC, art. 543-C e Resolução STJ 08/08) definir, para vítimas do mesmo fato, em condições idênticas, teses jurídicas uniformes para as mesmas consequências jurídicas.
2.- Teses firmadas: a) Não cerceamento de defesa ao julgamento antecipado da lide.- Não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide (CPC, art. 330, I e II) de processo de ação de indenização por danos materiais e morais, movida por pescador profissional artesanal contra a Petrobrás, decorrente de impossibilidade de exercício da profissão, em virtude de poluição ambiental causada por derramamento de nafta devido a avaria do Navio "N-T Norma", a 18.10.2001, no Porto de Paranaguá, pelo período em que suspensa a pesca pelo IBAMA (da data do fato até 14.11.2001); b) Legitimidade ativa ad causam.- É parte legítima para ação de indenização supra referida o pescador profissional artesanal, com início de atividade profissional registrada no Departamento de Pesca e Aquicultura do Ministério da Agricultura, e do Abastecimento anteriormente ao fato, ainda que a emissão da carteira de pescador profissional tenha ocorrido posteriormente, não havendo a ré alegado e provado falsidade dos dados constantes do registro e provado haver recebido atenção do poder público devido a consequências profissionais do acidente; c) Inviabilidade de alegação de culpa exclusiva de terceiro, ante a responsabilidade objetiva.- A alegação de culpa exclusiva de terceiro pelo acidente em causa, como excludente de responsabilidade, deve ser afastada, ante a incidência da teoria do risco integral e da responsabilidade objetiva ínsita ao dano ambiental (art. 225, § 3º, da CF e do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81), responsabilizando o degradador em decorrência do princípio do poluidor-pagador. d) Configuração de dano moral.- Patente o sofrimento intenso de pescador profissional artesanal, causado pela privação das condições de trabalho, em consequência do dano ambiental, é também devida a indenização por dano moral, fixada, por equidade, em valor equivalente a um salário-mínimo. e) termo inicial de incidência dos juros moratórios na data do evento danoso.- Nos termos da Súmula 54/STJ, os juros moratórios incidem a partir da data do fato, no tocante aos valores devidos a título de dano material e moral; f) Ônus da sucumbência.- Prevalecendo os termos da Súmula 326/STJ, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não afasta a sucumbência mínima, de modo que não se redistribuem os ônus da sucumbência.
3.- Recurso Especial improvido, com observação de que julgamento das teses ora firmadas visa a equalizar especificamente o julgamento das ações de indenização efetivamente movidas diante do acidente ocorrido com o Navio N-T Norma, no Porto de Paranaguá, no dia 18.10.2001, mas, naquilo que encerram teses gerais, aplicáveis a consequências de danos ambientais causados em outros acidentes semelhantes, serão, como natural, evidentemente considerados nos julgamentos a se realizarem.
(REsp 1114398/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/02/2012, DJe 16/02/2012)(grifos nossos)
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELA EMISSÃO DE FLÚOR NA ATMOSFERA. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. POSSIBILIDADE DE OCORRER DANOS INDIVIDUAIS E À COLETIVIDADE. NEXO DE CAUSALIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. DANO MORAL IN RE IPSA.
1. Inexiste violação do art. 535 do Código de Processo Civil se todas as questões jurídicas relevantes para a solução da controvérsia são apreciadas, de forma fundamentada, sobrevindo, porém, conclusão em sentido contrário ao almejado pela parte.
2. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que, nos danos ambientais, incide a teoria do risco integral, advindo daí o caráter objetivo da responsabilidade, com expressa previsão constitucional (art. 225, § 3º, da CF) e legal (art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/1981), sendo, por conseguinte, descabida a alegação de excludentes de responsabilidade, bastando, para tanto, a ocorrência de resultado prejudicial ao homem e ao ambiente advindo de uma ação ou omissão do responsável.
3. A premissa firmada pela Corte de origem, de existência de relação de causa e efeito entre a emissão do flúor na atmosfera e o resultado danoso na produção rural dos recorridos, é inafastável sem o reexame da matéria fática, procedimento vedado em recurso especial. Aplicação da Súmula 7/STJ.
4. É jurisprudência pacífica desta Corte o entendimento de que um mesmo dano ambiental pode atingir tanto a esfera moral individual como a esfera coletiva, acarretando a responsabilização do poluidor em ambas, até porque a reparação ambiental deve ser feita da forma mais completa possível.
5. Na hipótese, a leitura da exordial afasta qualquer dúvida no sentido de que os autores - em sua causa de pedir e pedido - pleiteiam, dentre outras, a indenização por danos extrapatrimonias no contexto de suas esferas individuais, decorrentes do dano ambiental ocasionado pela recorrente, não havendo falar em violação ao princípio da adstrição, não tendo a sentença deixado de apreciar parcela do pedido (citra petita) nem ultrapassado daquilo que fora pedido (ultra petita).
6. A admissibilidade do recurso especial, na hipótese da alínea "c" do permissivo constitucional, exige a indicação das circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, mediante o cotejo dos fundamentos da decisão recorrida com o acórdão paradigma, a fim de demonstrar a divergência jurisprudencial existente (arts. 541 do CPC e 255 do RISTJ).
7. Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp 1175907/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/08/2014, DJe 25/09/2014)

Assim, basta a demonstração do dano ambiental e o nexo causal entre o resultado lesivo e a situação de risco criada pelo agente no exercício de atividade, no seu interesse e sob seu controle, dispensando-se o elemento subjetivo, para resultar na responsabilidade por dano ambiental.


Outrossim, como já visto, a obrigação de reparar os danos ambientais é considerada propter rem, sendo irrelevante que o autor da degradação ambiental inicial não seja o atual o proprietário, possuidor ou ocupante, pois aquela adere ao título de domínio ou posse, sem prejuízo da solidariedade entre os vários causadores do dano, sendo inviável qualquer alegação de direito adquirido à degradação, nos termos do artigo 7° do novo Código Florestal:


"Art. 7o A vegetação situada em Área de Preservação Permanente deverá ser mantida pelo proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado.
§ 1o Tendo ocorrido supressão de vegetação situada em Área de Preservação Permanente, o proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título é obrigado a promover a recomposição da vegetação, ressalvados os usos autorizados previstos nesta Lei.
§ 2o A obrigação prevista no § 1o tem natureza real e é transmitida ao sucessor no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural."

Destaca-se que a novel legislação apenas veio positivar a jurisprudência já consolidada do C. Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a obrigação de reparação por dano ambiental possui natureza real, transmissível ao sucessor, a qualquer título, na hipótese de transferência de domínio ou posse do imóvel rural, razão pela qual incabível qualquer alegação visando eximir-se do dever de reparação do dano em razão de ter ocorrido antes da novatio legis:


AMBIENTAL. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. FUNÇÃO ECOLÓGICA DA PROPRIEDADE. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. MÍNIMO ECOLÓGICO. DEVER DE REFLORESTAMENTO. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. ART. 18, § 1º, DO CÓDIGO FLORESTAL de 1965. REGRA DE TRANSIÇÃO.
1. Inexiste direito ilimitado ou absoluto de utilização das potencialidades econômicas de imóvel, pois antes até "da promulgação da Constituição vigente, o legislador já cuidava de impor algumas restrições ao uso da propriedade com o escopo de preservar o meio ambiente" (EREsp 628.588/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Primeira Seção, DJe 9.2.2009), tarefa essa que, no regime constitucional de 1988, fundamenta-se na função ecológica do domínio e posse.
2. Pressupostos internos do direito de propriedade no Brasil, as Áreas de Preservação Permanente e a Reserva Legal visam a assegurar o mínimo ecológico do imóvel, sob o manto da inafastável garantia constitucional dos "processos ecológicos essenciais" e da "diversidade biológica". Componentes genéticos e inafastáveis, por se fundirem com o texto da Constituição, exteriorizam-se na forma de limitação administrativa, técnica jurídica de intervenção estatal, em favor do interesse público, nas atividades humanas, na propriedade e na ordem econômica, com o intuito de discipliná-las, organizá-las, circunscrevê-las, adequá-las, condicioná-las, controlá-las e fiscalizá-las. Sem configurar desapossamento ou desapropriação indireta, a limitação administrativa opera por meio da imposição de obrigações de não fazer (non facere), de fazer (facere) e de suportar (pati), e caracteriza-se, normalmente, pela generalidade da previsão primária, interesse público, imperatividade, unilateralidade e gratuidade. Precedentes do STJ.
3. "A obrigação de reparação dos danos ambientais é propter rem" (REsp 1.090.968/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 3.8.2010), sem prejuízo da solidariedade entre os vários causadores do dano, descabendo falar em direito adquirido à degradação. O "novo proprietário assume o ônus de manter a preservação, tornando-se responsável pela reposição, mesmo que não tenha contribuído para o desmatamento. Precedentes" (REsp 926.750/MG, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJ 4.10.2007; em igual sentido, entre outros, REsp 343.741/PR, Rel. Min. Franciulli Netto, Segunda Turma, DJ 7.10.2002; REsp 843.036/PR, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, DJ 9.11.2006; EDcl no Ag 1.224.056/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 6.8.2010; AgRg no REsp 1.206.484/SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 29.3.2011; AgRg nos EDcl no REsp 1.203.101/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, DJe 18.2.2011). Logo, a obrigação de reflorestamento com espécies nativas pode "ser imediatamente exigível do proprietário atual, independentemente de qualquer indagação a respeito de boa-fé do adquirente ou de outro nexo causal que não o que se estabelece pela titularidade do domínio" (REsp 1.179.316/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 29.6.2010).
4. "O § 1º do art. 18 do Código Florestal quando dispôs que, 'se tais áreas estiverem sendo utilizadas com culturas, de seu valor deverá ser indenizado o proprietário', apenas criou uma regra de transição para proprietários ou possuidores que, à época da criação da limitação administrativa, ainda possuíam culturas nessas áreas" (REsp 1237071/PR, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 11.5.2011).
5. Recurso Especial não provido.
(REsp 1240122/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 11/09/2012)

Por outro lado, eventual preexistência de degradação ambiental não possui o condão de desconfigurar uma área de preservação permanente, já que sua importância ecológica em proteger ecossistemas sensíveis ainda se perpetua, sendo a lei imperiosa no sentido de que constitui área protegida aquela coberta ou não por vegetação nativa (art. 1°, §2°, II, Lei n° 4.771/65 e art. 3, II, Lei n° 12.651/12), sendo necessária a recuperação ambiental, em respeito ao fim social da propriedade e a prevalência do direito supraindividual ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.


Há incidência ex legi nas áreas de preservação permanentes previstas no artigo 4° do novo Código Florestal, pois já existem independentemente da intermediação de um ato do Poder Público, diversamente daquelas prevista no artigo 6° desse Codex, em que há necessidade de serem declaradas como tais por ato do Poder Executivo para existirem.


In casu, segundo Laudo de Perícia Criminal Federal realizado pelo Departamento de Polícia Federal (fls. 72/88 do Apenso) e Relatório Técnico de Vistoria lavrado pelo CBRN (fls. 134/146 do Apenso), foi constatado que o imóvel dos réus integra o loteamento Beira Rio, localizado no município de Rosana/SP, ocupa uma área de 105m² (cento e cinco metros quadrados) com construções e impermeabilizações. Constatou-se, ainda, que tal bem encontra-se situado à margem do Rio Paraná, dentro da faixa de 500m considerada como área de preservação permanente (art. 2°, "a", item 4, Lei n° 4.771/65 e art. 4°, I, "e", Lei n° 12.651/12).


Insta frisar que o imóvel está situado em espaço territorial especialmente protegido pelo Poder Público, que está gravado por obrigação propter rem, de maneira que a alegação de preexistência de construções a posse não exime seu titular da obrigação de reparar e indenizar os danos ambientais, em face da inexistência de direito adquirido de poluir.


Deve ser afastado qualquer argumento no sentido de que o local é passível de regularização fundiária, com base no artigo 65 da Lei n° 12.651/12 ("Na regularização fundiária de interesse específico dos assentamentos inseridos em área urbana consolidada e que ocupam Áreas de Preservação Permanente não identificadas como áreas de risco, a regularização ambiental será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009."), pois para tanto deveria estar inserido em área urbana consolidada, a qual não é definida somente através de ato municipal, devendo preencher requisitos mínimos estabelecidos no artigo 47 da Lei n° 11.977/09, verbis:


"Art. 47.  Para efeitos da regularização fundiária de assentamentos urbanos, consideram-se: (...)
II - área urbana consolidada: parcela da área urbana com densidade demográfica superior a 50 (cinquenta) habitantes por hectare e malha viária implantada e que tenha, no mínimo, 2 (dois) dos seguintes equipamentos de infraestrutura urbana implantados:
a) drenagem de águas pluviais urbanas;
b) esgotamento sanitário;
c) abastecimento de água potável;
d) distribuição de energia elétrica; ou
e) limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos;"

Contudo, tais requisitos não foram preenchidos, pois o Município de Rosana/SP possui densidade demográfica bem inferior a 50 (cinquenta) habitantes por hectare, conforme informação constante no site do IBGE.


Por outro lado, inexiste malha viária implantada com o mínimo de equipamento de infraestrutura urbana, tampouco canalização de águas ou esgoto, nem tratamento de resíduos sólidos (fls. 72/88 do Apenso). Aliás, a Coordenadoria de Fiscalização Ambiental da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo constatou, recentemente, por meio do Relatório de Vistoria, que não há sistema de drenagem de águas pluviais e nem de esgotamento sanitário, de modo que os efluentes domésticos são lançados em fossas negras ou diretamente no corpo d'água e o despejo de lixo doméstico e outros resíduos sólidos ocorre à beira da estrada e até nas margens do rio (fls. 134/146 do Apenso).


Nesse diapasão, o artigo 8°, caput, da Lei n° 12.651/12 dispõe que: "A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei.", cujas hipóteses autorizadoras estão descritas nos incisos VIII, IX e X, do artigo 3°, da citada lei, as quais não foram demonstradas pelas requeridas.


Destarte, considerando que, no caso em tela, as construções implicaram na supressão de vegetação nativa e suas manutenções impediram ou, ao menos, dificultaram a regeneração natural, não havendo autorização estatal, a mera manutenção de edificação em área de preservação permanente configura ilícito civil, passível de responsabilização por dano ecológico in re ipsa, sendo medida de rigor condenar as rés em: obrigação de fazer consistente em abster-se de utilizar ou explorar as áreas de várzea e preservação permanente do imóvel localizado na Rua São Cristóvão, n° 300, Colônia dos Pescadores, Bairro Beira-Rio, Município de Rosana/SP, antiga "Sorveteria do Paulo", bem como em abster-se de promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal do referido imóvel, sem a autorização do CBRN ou IBAMA; obrigação de fazer consistente em demolir todas as construções existentes nas áreas de várzea e preservação permanente inseridas no referido lote, e não previamente autorizadas pelos órgãos ambientais, providenciando, ainda, a retirada de todo o entulho para local aprovado pelo órgão ambiental, no prazo de 30 dias, observada a faixa de 500 metros; obrigação de fazer consistente em recompor a cobertura florestal da área de preservação permanente do referido lote, no prazo de 6 meses, pelo plantio racional e tecnicamente orientado de espécies nativas e endêmicas da região, com acompanhamento e tratos culturais, pelo período de 3 anos, em conformidade com projeto técnico a ser submetido e aprovado pelo CBRN ou pelo IBAMA, marcando-se prazo para apresentação do projeto junto àqueles órgãos; e, no pagamento de multa diária, em caso de descumprimento total ou parcial das obrigações acima descritas, nos termos da r. sentença.


Assim, tratando-se de área de preservação permanente situada ao longo de rio, superada a discussão sobre a natureza da área do local em tela, se rural ou urbana, a legislação é categórica no sentido que o aludido espaço territorial possui faixa mínima de 500 (quinhentos) metros para cursos d´água com largura acima de 600 (seiscentos) metros.


A edição de leis municipais, no sentido de reconhecer a área em questão como urbana (LC n° 20/2007, LC n° 24/2008 e LC n° 41/2014, todas do Município de Rosana/SP), não possuem o condão de afastar a aplicação das leis ambientais, sobretudo pela previsão legal expressa de necessidade de consentimento do órgão ambiental competente para supressão da vegetação na área de preservação permanente, o que, aliás, não ocorreu no presente caso, vez que houve a ocupação e construção irregular, sem qualquer anuência das autoridades públicas.


Os municípios não podem editar leis que contrariem a legislação federal ambiental, de forma que não possuem discricionariedade para estabelecer limites diversos dos estabelecidos na lei federal para as áreas de preservação permanente. Pelo mesmo fundamento, a declaração de que certo território como área de expansão urbana, passível de regularização fundiária ou ambiental, não possui o condão de alterar a natureza jurídica dos imóveis.


Nesse sentido:


AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO IRREGULAR ÀS MARGENS DO RIO PARANÁ. BAIRRO BEIRA RIO NA CIDADE DE ROSANA/SP. RANCHO DE LAZER. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. ARTIGO 2º DO CÓDIGO FLORESTAL. FAIXA DE 500 METROS DO NÍVEL NORMAL DO RIO. NECESSIDADE DE DEMOLIÇÃO DE CONSTRUÇÃO IRREGULAR.
(...)
7. Irrelevância da discussão acerca da natureza de área urbana consolidada do local, posto ser clara a legislação no sentido da definição da área de preservação permanente relativa à faixa marginal de 500 (quinhentos) metros de largura. Eventual reconhecimento pelo Município do local como sendo área urbana ou consolidada não afasta a aplicação da legislação ambiental, até porque desta consta expressamente a necessidade de autorização do órgão ambiental competente, fundamentada em parecer técnico, para supressão da vegetação na área de preservação permanente, o que não ocorreu na hipótese em análise, pois houve a ocupação e construção clandestina, sem qualquer autorização do Poder Público. (...)
(AC 00048789120104036112, JUÍZA CONVOCADA ELIANA MARCELO, TRF3 - TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/11/2015 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXPLORAÇÃO IRREGULAR DE ÁREAS DE VÁRZEA E DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RANCHO DE LAZER EM LOTE À MARGEM DO RIO PARANÁ. DANOS DECORRENTES DE ATIVIDADE ANTRÓPICA. ABSTENÇÃO DE UTILIZAÇÃO OU EXPLORAÇÃO. DEMOLIÇÃO DAS CONSTRUÇÕES. REMOÇÃO DOS ENTULHOS. RECOMPOSIÇÃO DA COBERTURA VEGETAL. PENA DE MULTA DIÁRIA. CABIMENTO. CUMULAÇÃO COM INDENIZAÇÃO E DEPÓSITO JUDICIAL DE VALORES, NA HIPÓTESE DE DESCUMPRIMENTO. INVIABILIDADE, NO CASO.
(...) 2. Segundo relatório técnico de vistoria, da Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais - Centro Técnico Regional de Presidente Prudente, trata-se de área à margem esquerda do Rio Paraná, considerada de preservação permanente - APP, nos termos do inciso 5, da alínea "a", do artigo 2°, da Lei Federal nº 4.771/65 (Código Florestal) e alínea "e", inciso I, do artigo 3°, da Resolução CONAMA nº 303/2002, ou seja, dentro da faixa marginal de 500 metros, em curso d'água com largura superior a 600 metros. 3. A controvérsia sobre se tratar de área rural ou urbana, tendo em vista a alegação dos réus de que o imóvel (E-0.293.750m e N-7.507.149m coordenadas) teria sido integrado ao perímetro urbano do Município de Rosana/SP, pela Lei Complementar Municipal nº 024/2008, não é relevante para o deslinde da causa, pois, ainda que esteja realmente dentro dos parâmetros fixados pelo Município, os imóveis inseridos no limite de até 500m de rios que banham mais de um Estado da Federação não perdem a característica de área de preservação permanente da União e devem observar a legislação federal ambiental. (...).
(AC 00052893720104036112, JUIZ CONVOCADO ROBERTO JEUKEN, TRF3 - TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/05/2014 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

As obrigações de fazer ou não fazer destinadas à recomposição in natura do bem lesado e a indenização pecuniária são perfeitamente cumuláveis, por terem pressupostos diversos, priorizando os princípios do poluidor-pagador e da reparação integral do dano ambiental, nos termos dos artigos 225, §3°, da Constituição Federal e 4° da Lei n° 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente).


Os deveres de indenizar e recuperar possuem natureza de ressarcimento cível, os quais almejam de forma simultânea e complementar a restauração do status quo ante do bem ambiental lesado, finalidade maior a ser alcançada pelo Poder Público e pela sociedade.


A possibilidade de cumulação visa, em última análise, evitar o enriquecimento sem causa, já que a submissão do poluidor tão somente à reparação do ecossistema degradado fomentaria a prática de ilícitos contra o meio ambiente.


O artigo 4°, VII, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente prevê, de forma expressa, a viabilidade de cumulatividade das obrigações de recuperar e indenizar, verbis:


"Art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará: (...)
VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, e ao usuário, de contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos."

Todavia, o caso em tela apresenta particularidades que impossibilitam a imputação da obrigação de indenizar às requeridas, haja vista que a ré Rosangela jamais ocupou ou possuiu o imóvel inserido em área de preservação permanente, sendo proprietária tão somente porque lhe foi transmitido por herança (fl. 162 do Apenso).


Em relação à ré Terezinha, muito embora ela estivesse na posse do imóvel quando da lavratura do Boletim de Ocorrência (fls. 65/66 do Apenso) e do Auto de Infração Ambiental (fl. 67 do Apenso), a mesma afirmou, perante a autoridade policial, que "mora naquele local de favor há cerca de um ano" (fl. 147 do Apenso).


Destarte, considero desproporcional condená-las também ao pagamento de indenização, mormente em face da ausência, ou do breve lapso temporal, de ocupação da área por parte delas.


No tocante à condenação em honorários advocatícios em ações civis públicas, cumpre destacar que o artigo 18 da Lei n° 7.347/85 dispõe que: "Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais.".


Assim, considerando que a presente ação foi julgada procedente, aplica-se subsidiariamente a regra geral do artigo 85 do Código de Processo Civil de 2015, correspondente ao artigo 20 do Código de Processo Civil de 1973, nos termos do artigo 19 da Lei n° 7.347/85, já que aquela regra específica aplica-se apenas no caso de improcedência, prevalecendo sobre a regra geral do Código de Processo Civil.


Contudo, deve-se interpretar a regra especial à luz da Constituição Federal, de forma que apenas o Ministério Público Federal não deve ser beneficiado em honorários advocatícios, uma vez que o comando constitucional previsto no artigo 128, §5°, II, "a", da Lei Maior veda o recebimento de tal verba pelo Parquet.


No caso, contudo, o polo ativo foi composto tanto Ministério Público Federal quanto pela União, razão pela qual à parte ré deve ser imposta a condenação de honorários advocatícios em 10% (dez por cento) do valor da condenação, apenas em favor do ente federativo, observados os benefícios da gratuidade da justiça.


Diante do exposto, dou parcial provimento à remessa necessária, tida por interposta, e às apelações.


É o voto.


ANTONIO CEDENHO
Desembargador Federal


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