Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 02/10/2017
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0006045-54.2016.4.03.6106/SP
2016.61.06.006045-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : VANDER REIS FERREIRA
ADVOGADO : SP274461 THAIS BATISTA LEÃO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00060455420164036106 3 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. LEI 9.605/98, ART. 34, II. CRIME AMBIENTAL. INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. DENÚNCIA. IN DUBIO PRO SOCIETATE. APLICABILIDADE. RECEBIMENTO NO TRIBUNAL. ADMISSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. Os crimes ambientais são, em princípio, de natureza formal: tutelam o meio ambiente enquanto tal, ainda que uma conduta isoladamente não venha a prejudicá-lo. Busca-se a preservação da natureza, coibindo-se, na medida do possível, ações humanas que a degenerem. Por isso, o princípio da insignificância não é aplicável a esses crimes. Ao se considerar indiferente uma conduta isolada, proibida em si mesma por sua gravidade, encoraja-se a perpetração de outras em igual escala, como se daí não resultasse a degeneração ambiental, que muitas vezes não pode ser revertida pela ação humana. A jurisprudência tende a restringir a aplicação do princípio da insignificância quanto aos delitos contra o meio ambiente.
2. Ao apreciar a denúncia, o juiz deve analisar o seu aspecto formal e a presença das condições genéricas da ação (condições da ação) e as condições específicas (condições de procedibilidade) porventura cabíveis. Em casos duvidosos, a regra geral é de que se instaure a ação penal para, de um lado, não cercear a acusação no exercício de sua função e, de outro, ensejar ao acusado a oportunidade de se defender, mediante a aplicação do princípio in dubio pro societate.
3. Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela (STF, Súmula n. 709).
4. A denúncia descreve de forma clara a conduta do denunciado e estão presentes indícios suficientes de autoria e materialidade delitiva, conforme Boletim de Ocorrência, Auto de Infração Ambiental, Termo de Apreensão, Termo de Destinação de Animais e fotografias, que possibilitam o adequado exercício do contraditório e da ampla defesa, restando preenchidos os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal.
4. Recurso em sentido estrito do Ministério Público Federal provido para receber a denúncia e determinar o prosseguimento do feito.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso em sentido estrito do Ministério Público para receber a denúncia e determinar o prosseguimento do feito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 20 de setembro de 2017.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): ANDRE CUSTODIO NEKATSCHALOW:10050
Nº de Série do Certificado: 11A21704266A748F
Data e Hora: 21/09/2017 17:16:18



RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0006045-54.2016.4.03.6106/SP
2016.61.06.006045-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : VANDER REIS FERREIRA
ADVOGADO : SP274461 THAIS BATISTA LEÃO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00060455420164036106 3 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

RELATÓRIO



Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra a decisão de fls. 23/24v., que rejeitou a denúncia oferecida contra Vander Reis Ferreira (CPP, art. 395, III) pela prática do delito do art. 34, parágrafo único, II, da Lei n. 9.605/98, com fundamento na ausência de justa causa para a ação penal, mediante a aplicação do princípio da insignificância.
Alega o recorrente, em síntese, o seguinte:
a) o denunciado causou efetiva lesão ao meio ambiente, uma vez que usou petrecho cujo uso é vedado, independentemente da quantidade pescada, portanto, inaplicável o princípio da insignificância;
b) "a aplicação do princípio da insignificância deve ser reservado para hipóteses excepcionais, descobertas no decorrer da instrução processual, principalmente pelo fato de que as penas previstas na Lei n. 9.605/98 são leves e admitem transação ou suspensão condicional do processo" (cf. fl. 31v.) (fls. 28/31v.).
O denunciado não foi localizado e a defensora nomeada ofereceu as contrarrazões (fls. 83 e 87/90).
Em juízo de retratação, a decisão recorrida foi mantida (fl. 91).
A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Stella Fátima Scampini, manifestou-se pelo provimento do recurso em sentido estrito (fls. 98/102v.).
Dispensada a revisão, nos termos regimentais.
É o relatório.





VOTO

Ambiental. Insignificância. Inaplicabilidade. Os crimes ambientais são, em princípio, de natureza formal: tutelam o meio ambiente enquanto tal, ainda que uma conduta isoladamente não o venha a prejudicar. Busca-se a preservação da natureza, coibindo-se, na medida do possível, ações humanas que a degenerem. Por isso que o princípio da insignificância não é aplicável a esses crimes. Ao se considerar indiferente uma conduta isolada, proibida em si mesma por sua gravidade, encoraja-se a perpetração de outras em igual escala, como se daí não resultasse a degeneração ambiental, que muitas vezes não pode ser revertida pela ação humana. A jurisprudência tende a restringir a aplicação do princípio da insignificância quanto aos delitos contra o meio ambiente:
PENAL. HC. CRIME AMBIENTAL. PESCA DE CAMARÕES DURANTE PERÍODO DE REPRODUÇÃO DA ESPÉCIE. INSIGNIFICÂNCIA DA CONDUTA. INOCORRÊNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. (...) ORDEM DENEGADA.
I - A quantidade de pescado apreendido não desnatura o delito descrito no art. 34 da Lei 9.605/98, que pune a atividade durante o período em que a pesca seja proibida ou em locais interditados, exatamente a hipótese dos autos, em que a pesca do camarão se deu em época de reprodução da espécie.
II - Não pode ser considerada quantidade insignificante a pesca de noventa quilos de camarão.
(...) VI - Ordem denegada.
(STJ, HC n. 386.682-SP, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 03.02.05)
PROCESSUAL PENAL - CRIME AMBIENTAL - PARQUE NACIONAL DA SERRA DA BOCAINA - NÃO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - INAPLICABILIDADE - RECURSO MINISTERIAL PROVIDO
1.- Indícios de autoria e prova da materialidade demonstrados.
2.- Em se tratando de delitos ambientais, é inviável a aplicação do princípio da insignificância, com a exclusão da tipicidade, porquanto, ainda que determinada conduta, isoladamente, possa parecer inofensiva ao meio ambiente, é certo que, num contexto mais amplo, torna-se relevante, isto é, uma vez somada a todas as demais interferências humanas na natureza, o prejuízo global causado ao ecossistema por todas aquelas condutas isoladas, no conjunto, é evidente, devendo, assim, ser eficazmente prevenida e reprimida por normas administrativas, civis e, inclusive, penais.
3.- Ademais, a Lei nº 9.605/98 prevê em seu bojo penas geralmente mais leves que, por isso, possibilitam a aplicação de institutos despenalizadores, tais como a transação penal e a suspensão condicional do processo, a indicar que o princípio da insignificância somente pode ser aplicado em casos excepcionais, isto é, quando nem mesmo a aplicação daqueles institutos seja suficiente para prevenir e reprimir a conduta ilícita causadora da lesão ambiental.
4.- Recurso ministerial provido. Denúncia recebida.
(TRF da 3ª Região, RSE n. 200561240008053-SP, Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini, j. 17.06.08)
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME AMBIENTAL. PESCA EM LOCAL PROIBIDO. MATERIALIDADE. AUTORIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. RECURSO PROVIDO.
1. A materialidade restou comprovada pela localização em que se encontrava a embarcação: local conhecido como Morcegão, situada a menos de cinqüenta metros da saída da água do vertedouro de fundo da barragem da UHE de Ilha Solteira. Local proibido para pesca, segundo Laudo Pericial de fls. 21/28 e artigo 4º, da Portaria SUDEPE nº 466/72.
2. Os indícios de autoria também estão presentes, tendo em vista a localização de grande quantidade de redes de pesca em poder dos Recorridos e a tentativa de fuga empreendida.
3. Impossibilidade da aplicação do princípio da insignificância, tendo em vista o bem jurídico tutelado e os princípios da prevenção e precaução que regem o direito ambiental.
3. O fato de não ter sido apreendido nenhum peixe em poder dos réus não exclui a ilicitude do ato praticado. Os denunciados estavam atracados em local proibido para pesca, durante a noite, portando 12 (doze) redes de pesca e prestes a arremessá-las ao rio, amoldando-se tais condutas ao tipo penal em comento, tendo em vista o disposto no artigo 36, da Lei 9.605/98.
4. Considerando que o bem jurídico tutelado deve levar em conta a especial importância das espécies aquáticas existentes nos lugares onde a pesca é vedada pela autoridade competente, mesmo sem a apreensão do produto da pesca, e as condições em que os Recorridos foram surpreendidos, estando na iminência de jogarem as redes ao rio; ao menos no grau de certeza que o momento processual exige, estão configurados a materialidade delitiva e os indícios de autoria, restando a denúncia apta para ser recebida.
5. Recurso provido.
(TRF da 3ª Região, RSE n. 200461240010018-SP, Rel. Des. Fed. Cotrim Guimarães, j. 18.03.08)
PENAL. PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. APRECIAÇÃO. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. CRIME AMBIENTAL. ART. 34, CAPUT, PARÁGRAFO ÚNICO, II, DA LEI N. 9.605/98. CRIME FORMAL. PROTEÇÃO À FAUNA ICTIOLÓGICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. SANÇÕES PENAIS E ADMINISTRATIVAS. RECEBIMENTO DE DENÚNCIA NO JUÍZO AD QUEM. POSSIBILIDADE. STF, SÚMULA N. 709.
(...) 3. O delito previsto no art. 34, caput, parágrafo único, II, da Lei n. 9.605/98 caracteriza crime formal, em virtude da definição legal da conduta 'pescar' como 'todo ato tendente' a retirar, extrair, coletar, apanhar, apreender ou capturar espécies dos grupos de peixes, crustáceos etc. Não se exige, portanto, a produção do resultado para a sua consumação, bastando apenas a realização da conduta descrita no tipo do art. 36 da Lei n. 9.605/98.
4. Não cabe ao Poder Judiciário deixar de aplicar a lei diante do alegado insignificante potencial ofensivo do dano causado, uma vez que é função do Poder Legislativo a seleção dos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal.
5. Não procede o argumento de que a aplicação de sanção administrativa às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente exclui a necessidade da aplicação da sanção penal, pois há previsão constitucional (CR, art. 225, § 3º) e legal (Lei n. 9.605/98) para tanto
(...) 7. Recurso em sentido estrito provido.
(TRF da 3ª Região, RSE n. 200561240003882-SP, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 19.11.07)
Denúncia. Recebimento. In dubio pro societate. Aplicabilidade. O juiz, ao apreciar a denúncia, deve analisar o seu aspecto formal e a presença das condições genéricas da ação (condições da ação) e as condições específicas (condições de procedibilidade) porventura cabíveis (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Processo penal, 25a ed., São Paulo, Saraiva, 2003, v. 1, p. 530). Em casos duvidosos, a regra geral é de que se instaure a ação penal para, de um lado, não cercear a acusação no exercício de sua função e, de outro, ensejar ao acusado a oportunidade de se defender, mediante a aplicação do princípio in dubio pro societate (TRF da 3a Região, 5ª Turma, RcCr n. 2002.61.81.003874-0-SP, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, unânime, j. 20.10.03, DJ 18.11.03, p. 374).
Denúncia. Recebimento. Tribunal. Admissibilidade. De acordo com a Súmula n. 709 do Supremo Tribunal Federal, o provimento de recurso em sentido estrito interposto contra a decisão que rejeita a denúncia importa no seu recebimento:
Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela.
Do caso dos autos. Vander Reis Ferreira foi denunciado pela prática do crime previsto no art. 34, II, da Lei n. 9.605/98, porque no dia 18.04.16, por volta das 19h, foi surpreendido praticando atos de pesca, em local conhecido como "Bico da Ilha", a 300 metros à jusante das turbinas da UHE Marimbondo, no Rio Grande, no município de Icém (SP), utilizando-se 1 (uma) tarrafa de nylon duro, com malhas de 40 (quarenta) mm, medindo 3 (três) metros de altura, petrechos vedados pela legislação ambiental. Narra a denúncia que em poder do denunciado foram encontrados 6 (seis) quilos de pescado das espécies conhecidas como "mandi", "corvina" e "piau" (fls. 21/22).
O Juízo a quo rejeitou a denúncia por ausência de justa causa, com fundamento no art. 395, III, do Código de Processo Penal, dado que a conduta praticada, embora prevista no art. 34, II, da Lei n. 9.605/98, "é penalmente irrelevante, pois dela decorreu dano insignificante ao meio ambiente e sua reprovabilidade no meio social é praticamente nula, de modo que deve ser considerada atípica face aos princípios da insignificância e do processo penal como ultima ratio" (cf. fl. 23v.).
Assiste razão à acusação.
É inaplicável o princípio da insignificância aos crimes ambientais, que são, em princípio, de natureza formal, ou seja, tutelam o meio ambiente enquanto tal, ainda que uma conduta isoladamente não o venha a prejudicar.
Ademais, a denúncia descreve de forma clara a conduta do denunciado e estão presentes indícios suficientes de autoria e materialidade delitiva, conforme Boletim de Ocorrência, Auto de Infração Ambiental, Termo de Apreensão, Termo de Destinação de Animais e fotografias (cf. fls. 4/9), que possibilitam o adequado exercício do contraditório e da ampla defesa, restando preenchidos os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal.
Impõe-se o recebimento da denúncia, visto incidir, neste momento processual, o princípio in dubio pro societate, sendo necessária a instrução do feito, conduzido sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, para aprofundado esclarecimento do fato típico descrito na exordial acusatória.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso em sentido estrito do Ministério Público Federal para receber a denúncia e determinar o prosseguimento da ação penal.
É o voto.

Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): ANDRE CUSTODIO NEKATSCHALOW:10050
Nº de Série do Certificado: 11A21704266A748F
Data e Hora: 07/08/2017 13:33:05