D.E. Publicado em 05/10/2017 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à remessa oficial, havida como submetida, e à apelação do réu e dar por prejudicado o recurso adesivo da autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Cuida-se de remessa oficial, havida como submetida, de apelação e recurso adesivo em ação de conhecimento, com pedido de tutela antecipada, ajuizada em 11/05/2015, que tem por objeto condenar a Autarquia Previdenciária a conceder o benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente.
O MM. Juízo a quo julgou procedente o pedido, condenando o réu a conceder o benefício assistencial à parte autora, desde a data da citação, pagar os valores atrasados acrescidos de correção monetária e juros de mora, e honorários advocatícios de 15% sobre o valor da condenação, observado o disposto na Súmula 111 do STJ. Tutela antecipada deferida para determinar a imediata implantação do benefício.
Apela o réu, pleiteando a reforma da r. sentença, sustentando que a parte autora não preenche os requisitos legais para a concessão do benefício assistencial. Prequestiona a matéria debatida para fins recursais.
A seu turno, a parte autora interpôs recurso adesivo, pleiteando a reforma parcial da sentença para fixar o termo inicial do benefício na data do requerimento administrativo e majorar a verba honorária.
Subiram os autos, com contrarrazões da autoria.
O Ministério Público Federal ofertou seu parecer, opinando pelo provimento do apelo autárquico, eis que ausente o requisito subjetivo, restando prejudicada a análise do recurso adesivo.
É o relatório.
VOTO
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do e. Supremo Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a Terceira Seção do c. Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto minoritário do e. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo", consoante a ementa que ora colaciono:
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag 1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag 1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag 1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag 1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp 1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011; AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe 16/11/2010.
Observa-se que, não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no e. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista recentemente, em 18.04.2013, no julgamento do RE 567985/MT, pelo sistema da repercussão geral, bem como na apreciação da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também submetido ao regime da repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º, do Art. 20, da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o Relator, Ministro Gilmar Mendes, que "era insuficiente para cumprir integralmente o comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente físico.
Com relação ao Art. 34, Parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão decorre da violação ao princípio da isonomia, por se afastar do cálculo da renda per capita familiar apenas o benefício assistencial já concedido a outro membro da família, excluindo-se do mesmo tratamento o deficiente também titular de benefício assistencial, bem como o idoso titular de benefício previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação da Corte Suprema, forçoso concluir que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/99, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. Assim, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
No mesmo sentido, é a jurisprudência uniformizada pela Primeira Seção do e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso representativo de controvérsia, sob o Tema nº 640, in verbis:
Estabelecidas essas premissas, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais para a concessão do benefício pleiteado.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência.
No que concerne ao primeiro requisito, o laudo médico pericial atesta que Mariana de Oliveira Silva, nascida aos 03/02/1994, é portadora de duas síndromes raras, congênitas, consistentes na Síndrome de Sturge-Weber, que acarreta má-formação artério-venosa e acomete um dos hemisférios do cérebro e pode causar ataques apopléticos, convulsão e retardo mental, e Síndrome de Klippel - Trenaunay (SKT), que causa manchas pelo corpo da cor de vinho do porto, varizes e hipertrofia óssea, no caso, com hemangioma plano por todo o corpo. Apresenta, também, Hipertrofia óssea de membro inferior direito, com diferença de 2,3cm entre os membros inferiores e Glaucoma bilateral com perda moderada da visão, concluindo o experto que em virtude dessas comorbidades, a pericianda encontra-se incapacitada de forma parcial e permanente "para realizar tarefas que exijam perfeita visão, trabalho em altura, com máquinas que possa se acidentar, ou que tenha exposição a sol", consignando que é "Capaz de cursar faculdade de pedagogia e laborar na área para a qual está estudando" (fls. 120/127).
Ainda que assim não fosse, o conjunto probatório denota que não está caracterizada a situação de vulnerabilidade e risco social a ensejar a concessão do benefício assistencial.
Com efeito, na visita domiciliar realizada no dia 09/10/2015, constatou-se que o núcleo familiar era composto pela autora Mariana de Oliveira Silva, nascida aos 03/02/1994, solteira, a genitora Suzana Machado de Oliveira Silva, nascida aos 02/06/1971, o genitor Gilberto Silva, nascido aos 01/05/1969, e a irmã Letícia de Oliveira Silva, nascida aos 03/06/1998, conforme documentos que instruíram a inicial.
Relatou a Assistente Social que a família residia em moradia construída em alvenaria, composta por dois dormitórios, sala, copa e cozinha, um banheiro e um quartinho de despejo, guarnecidos com mobiliário básico, tendo a genitora referido que a maior parte dos eletrodomésticos foi doada por seu pai, que eventualmente também a ajudava financeiramente.
Foi declarado que a renda familiar era proveniente do trabalho do genitor, que possuía um caminhão ano 1975 em sociedade com irmãos e fazia fretes pela região, auferindo R$850,00 mensais (fls. 136).
O estudo social foi complementado na data de 04/03/2016, para que fossem respondidos os quesitos formulados pela parte autora e pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, restando esclarecido que o imóvel em que residia a família havia sido doado pelo avô da autora; que a autora estava cursando o último ano de Pedagogia, sem nenhum custo de mensalidade ou com transporte, pois era bolsista e a prefeitura fornecia o transporte; que família possuía despesas no montante de R$850,00, com alimentação (R$450,00), água (R$50,00), energia elétrica (R$100,00) e medicamentos (R$250,00, quando não eram fornecidos pela rede pública); que a renda da família totalizava R$1.200,00, advinda do trabalho do genitor com seu caminhão ano 75 placas DWP 2531 (fls. 153).
Foi juntada aos autos pelo réu a ficha cadastral simplificada da JUCESP, comprovando que o genitor da autora, Gilberto Silva, constituiu uma microempresa em 31/10/2012, ainda ativa, em que figura como empresário, localizada em outro município, tendo como objeto social o transporte rodoviário de carga (fls. 142/143), bem como a planilha de pesquisa de veículos da Rede INFOSEG, comprovando a propriedade do veículo em questão (fls. 144).
Cabe salientar que a Assistente Social informou na petição datada em 08/09/2015, que havia realizado duas tentativas de visita na residência da autora, e que em uma delas a requerente estava em São José do Rio Preto e na outra em um rancho para passar o final de semana, e que sua mãe, por telefone, "não demonstrou boa vontade em ficar em casa e aguardar minha visita, pois é vendedora de cosméticos e fica fora de casa em boa parte do tempo." (fls. 115).
Assim, analisando o conjunto probatório, é de se reconhecer que não está configurada a situação de miserabilidade a autorizar a concessão do benefício assistencial, porquanto além da renda advinda da microempresa do genitor, em valores não comprovados, a genitora também contribui para o orçamento doméstico com a venda de cosméticos. Ademais, o estudo social não aponta que nenhuma situação de vulnerabilidade e risco social.
Nessa esteira, traz-se a lume jurisprudência desta Corte Regional:
Desse modo, ausente um dos requisitos indispensáveis à concessão da benesse, a autoria não faz jus ao benefício assistencial de prestação continuada do Art. 20, da Lei nº 8.742/93.
Cabe relembrar que o escopo da assistência social é prover as necessidades básicas das pessoas, sem as quais não sobreviveriam e que o benefício não se destina à complementação de renda.
Consigno que, com a eventual alteração das condições descritas, a parte autora poderá formular novamente seu pedido.
Quanto aos valores recebidos pela autora por força da tutela, cabe salientar que restou pacificado pelo e. Supremo Tribunal Federal ser desnecessária a restituição dos valores recebidos de boa fé, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
Confira-se:
Ainda, no julgamento do RE 587.371, o Pleno do STF ressaltou, conforme excerto do voto do Ministro Relator: "... 2) preservados, no entanto, os valores da incorporação já percebidos pelo recorrido, em respeito ao princípio da boa - fé, (...)" (STF , RE 587371, Relator: Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 14/11/2013, acórdão eletrônico Repercussão Geral - Mérito, DJe-122 divulg 23/06/2014, public 24.06.2014).
E, mais recentemente, o Pleno do STF, ao julgar o RE 638115, novamente decidiu pela irrepetibilidade dos valores recebidos de boa fé, conforme a ata de julgamento de 23/03/2015, abaixo transcrita:
Destarte, é de se reformar a r. sentença, havendo pela improcedência do pedido, revogando expressamente a tutela concedida, arcando a autoria com honorários advocatícios de 10% sobre o valor atualizado dado à causa, observando-se o disposto no § 3º, do Art. 98, do CPC, por ser beneficiária da justiça gratuita, ficando a cargo do Juízo de execução verificar se restou ou não inexequível a condenação em honorários.
Oficie-se ao INSS.
Ante o exposto, dou provimento à remessa oficial, havida como submetida, e à apelação do réu, restando prejudicado o recurso adesivo da autora.
É o voto.
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