D.E. Publicado em 26/10/2017 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao agravo de instrumento e, dar pro prejudicado o agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto por REGINA HELENA DE SOUZA CAMPOS MARTINS contra a decisão de fls. 509/510 que, em sede de execução fiscal, determinou a indisponibilidade de bens e direitos dos executados.
Alega a agravante, em síntese, que a Ação Civil Pública n. 2000.0007434-9 foi anulada em razão do provimento do recurso especial interposto naqueles autos, de modo que não poderia ter sido utilizada como base pela decisão agravada. Aduz que não foi realizado procedimento fiscal anterior a interposição da execução, o que suprimiu direitos da agravante. Sustenta a impossibilidade de redirecionamento da execução tendo em vista que a agravante nunca foi sócia da executada. Por fim, alega a ocorrência de prescrição para o ajuizamento da ação de execução fiscal.
A fls. 675/678 foi indeferido o efeito suspensivo ao recurso.
Com contraminuta (fls. 692/697) e agravo interno (fls. 681/688), retornaram os autos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Inicialmente, importante destacar que a decisão agravada restou alterada em razão dos embargos de declaração opostos pela União Federal nos autos de origem. Ao acolher os embargos o Juiz Singular consignou que não havia incluído no polo passivo da execução nenhum dos sócios da pessoa jurídica executada, mas apenas determinado à indisponibilidade de bens com vistas a evitar a dissipação de patrimônio (fls. 716/720).
Então, ao analisar efetivamente o pedido de redirecionamento e de desconsideração da personalidade jurídica inversa, efetuados pela União Federal, (fls. 364/377), o MM. Juiz "a quo" entendeu pela possibilidade de acolher ambos, razão pela qual, a partir da decisão de fls. 716/720 passou a agravante a possuir o direito de defender-se na ação de execução através de todos os meios de defesa cabíveis. Apesar de bem fundamentada a decisão que desconsiderou a personalidade jurídica das sociedades, observo que a decisão restou obscura em relação aos termos e institutos jurídicos nela expostos, o que comprometeu a defesa da agravante na ação de execução, razão pela qual devolvo o referido prazo no tocante à decisão proferida em 27 de Janeiro de 2017.
Nesta seara, salienta-se que o agravo de instrumento não comporta a produção de provas, tratando-se de via estreita, hábil a impugnar apenas questões já apreciadas pela decisão agravada ou aquelas que mesmo não apreciadas tratam de matéria de ordem pública. Eventuais insurgências de cunho instrutório deverão ser apresentadas no processo originário e através das vias adequadas.
Noutro passo, resulta prejudicado o agravo interno de fls. 64/77 interposto contra a decisão singular que examinou o pedido de antecipação da tutela recursal, por força deste julgamento, vez que as questões apontadas pela agravante também são objeto deste voto, o qual é, nesta oportunidade, submetido ao colegiado, cumprindo o disposto no art. 1.021 do CPC.
I) Da desconsideração da personalidade jurídica da Auto Peças Chacha Ltda.
Dispõe o art. 135 do CTN:
Deflui de tal dispositivo legal que a prática de atos com excessos de poderes, infração a lei, contrato social ou estatutos enseja a desconsideração da personalidade jurídica. De forma complementar, o código civil define atos com excessos de poderes ao especificar o abuso da personalidade jurídica nos seguintes termos:
São duas as hipóteses postas no dispositivo a ensejar a desconsideração da personalidade jurídica, estendendo-se a responsabilidade tributária aos bens particulares dos administradores ou sócios: desvio de finalidade e confusão patrimonial. Transcrevo passagem da obra Novo Código Civil Comentado, coordenada por Ricardo Fiúza, que bem ilustra a assertiva acima:
Portanto, os sócios podem ser responsabilizados em razão da prática de atos de desvio de finalidade ou confusão patrimonial, incluindo-se no primeiro grupo a dissolução irregular da sociedade, vez que nesta as finalidades da atividade empresarial deixam de ser atendidas e o patrimônio social é incorporado sem a participação dos credores.
Acerca da matéria colaciono:
No mesmo sentido, conforme a jurisprudência sedimentada de nossos tribunais, diz-se que a dissolução irregular da sociedade caracteriza infração a lei para os fins do estatuído no dispositivo em comento, salvo prova em contrário produzida pelo executado. É dizer, há, na espécie, inversão do ônus da prova, o que somente será afastada após a integração da lide do sócio com poderes de gestão.
É também do entendimento jurisdicional pacificado no âmbito do E. Superior Tribunal de Justiça que com a alteração do endereço da empresa executada, quando atestada por certidão do Oficial de Justiça, sem a regular comunicação aos órgãos competentes há de se presumir a dissolução irregular.
Assim, mister se faz examinar caso a caso a intercorrência de poderes de gestão do sócio a quem se pretende redirecionar a execução sob pena de lhe impingir responsabilidade objetiva não autorizada por lei, pelo simples fato de integrar o quadro societário. Nesse sentido, é de se esposar a tese no sentido de que para os fins colimados deve-se perquirir se o sócio possuía poderes de gestão, tanto no momento do surgimento do fato gerador, quanto na data da dissolução irregular. Isso porque, se o fato que marca a responsabilidade por presunção é a dissolução irregular não se afigura correto imputá-la a quem não deu causa.
Por fim, faz-se referência, por oportuno, a impossibilidade do redirecionamento da execução pelo simples inadimplemento (Enunciado Sumular 430, do E. STJ: "O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente)".
Colaciono a síntese do entendimento jurisprudencial no que se refere à temática:
No caso em tela, houve a tentativa de citação da executada (AUTO PEÇAS CHACHA LTDA), mas esta restou frustrada (fls. 142), visto que o Oficial de Justiça não localizou a executada ou os bens da mesma para proceder à penhora no endereço cadastrado junto à junta comercial (fls. 315).
Desta feita, restou configurada a dissolução irregular da empresa, circunstância que enseja o redirecionamento da execução, nos termos adrede ressaltados.
Noutro passo, verifica-se do acervo probatório juntado aos autos que o sócio HENRIQUE MARTINS NETO passou a integrar a sociedade executada em 01/11/1983 (fls. 214/218) e nela se manteve até a dissolução irregular, vez que não há notícia, nas alterações contratuais (fls. 223/323) e na ficha cadastral, da retirada do sócio do quadro social. Ressalte-se que na ficha cadastral de fls. 314 o referido sócio consta como gerente da sociedade.
Portanto, o referido sócio fazia parte do quadro social da empresa tanto quando do advento do fato gerador (fls. 25/136) ocupando cargo de gerência, bem como quando da constatação da dissolução irregular da executada, o que enseja o redirecionamento da execução fiscal.
II) Da desconsideração inversa da personalidade jurídica da Instituto de Educação Harmonia
A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador.
Considerando-se que a finalidade da 'disregard doctrine' é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpretação teleológica do art. 50 do CC/02, ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma.
Neste sentido, foi proferido o Enunciado nº 283 na IV Jornada de Direito Civil do CJF: "É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada ' inversa ' para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros".
Neste sentido, os precedentes:
É certo que a agravante nunca foi sócia da executada. Entretanto, o sócio da auto peças executada, Henrique Martins Neto foi sócio da sociedade INSTITUTO DE EDUCAÇÃO HARMONIA LTDA, até 10/11/1998, consoante alteração contratual de fls. 598/610 e no mesmo período que integrava ambas as sociedades, integralizou no IE Harmonia um imóvel (matrícula 164.087) no valor de R$ 89.452,30 (oitenta e nove mil, quatrocentos e cinquenta e dois reais e trinta centavos). Além disso, tendo em vista que ele possuía cotas sociais da executada e era casado em separação parcial de bens, tais cotas também pertenciam à agravante.
A situação ora exposta induz à ocorrência de confusão entre os patrimônios das sociedades das quais Henrique Martins Neto era sócio e também à ocorrência de confusão entre o patrimônio pessoal do sócio e da executada.
Tal quadro fático se revela ainda mais obscuro considerando-se que após a separação consensual de fls. 478/480, os bens adquiridos pelo casal na constância do casamento e livres de qualquer ônus passaram a ser exclusivamente de propriedade da agravante, ficando em propriedade do ex-marido apenas as cotas do capital social da sociedade executada, a qual já apresentava estado de insolvência.
E, ainda, narra a exequente a fls. 368 que não só o sócio Henrique, como também o sócio Adriano separou-se judicialmente da esposa no ano de 2000, transferindo patrimônio e permanecendo apenas com cotas da sociedade devedora.
Assim é que, tendo por base apenas o acervo ora colacionado aos autos, denota-se que tanto o IE Harmonia como a separação judicial podem ter servido de meios de ocultação e dissipação de patrimônio.
Nesse sentido, ausentes provas capazes de infirmar a tese apresentada pela exequente, recomendável a adoção da indisponibilidade cautelar deferida pelo Juiz Singular.
Entretanto, à vista da dificuldade de mensurar nesta fase processual o proveito econômico que a agravante e o Instituto de Educação Harmonia supostamente teriam obtido a partir dos atos do sócio Henrique Martins Neto, não é razoável que todo o patrimônio deles seja mantido indisponível. Considerando-se que apenas se tem notícia da integralização de um imóvel ao capital do referido instituto à época em que o sócio compunha o quadro social da executada, limito a indisponibilidade dos bens do instituto ao imóvel de matrícula n. 164.087 do Cartório de Registro de Imóveis da 1ª Circunscrição imobiliária de Campo Grande/MS.
No tocante ao desbloqueio de valores bloqueados de contas da agravante, não há nos autos provas de tal bloqueio, nem há menção aos tipos de contas bloqueadas e origem dos recursos, entretanto, em obediência à impenhorabilidade prevista pelo art. 833, X do CPC, devem ser desbloqueados valores até o limite de quarenta salários mínimos que estejam nas contas da pessoa física.
Salienta-se nesse sentido que a jurisprudência atual do C. STJ tem sinalizado no sentido de que em se tratando de pessoas físicas, e quando comprovado o caráter alimentar da verba penhorada, as quantias até o limite de quarenta salários mínimos são impenhoráveis, ainda que estejam em contas correntes, contas - poupança simples e até em fundos de investimento, vez que em muitos casos tais valores representam reservas que o indivíduo acumula com vistas a prover a subsistência da família.
Acerca da matéria colaciono:
III) Da prescrição para o ajuizamento
Com efeito, na hipótese de tributo sujeito a lançamento por homologação, a constituição do crédito se dá com a entrega da declaração pelo sujeito passivo, independentemente de qualquer atuação por parte do Fisco, nos moldes do art. 150 do Código Tributário Nacional.
Tal entendimento está consolidado na Súmula 436 do E. Superior Tribunal de Justiça, que dispõe:
"A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco."
A propósito:
Por sua vez, na ausência de declaração do contribuinte ou se elaborada em desacordo com a legislação tributária, com omissões ou inexatidões, a constituição do crédito tributário deverá ocorrer de ofício, nos moldes do art. 149 do Código Tributário Nacional.
Nesse sentido colaciono:
O lançamento efetuado de ofício pela autoridade fiscal, em razão da lavratura de auto de infração, consubstancia a constituição do crédito tributário (art. 142, do CTN), de modo que a respectiva notificação abre oportunidade ao devedor para impugnar a exigência, impugnação essa deflagradora do processo administrativo correspondente, cuja decisão definitiva constitui o termo "a quo" de fluência do prazo prescricional (art. 145, I, do CTN).
Nesse sentido, o entendimento jurisprudencial:
No presente caso, o crédito tributário relativo as CDAs de fls. 25/136 foi constituído por termo de confissão espontânea e a notificação para o contribuinte deu-se em 28/04/2000. Não existindo nos autos notícia sobre a apresentação de impugnação administrativa, tem-se que a partir da data da notificação restou constituído o crédito, iniciando-se, portanto, a contagem do prazo prescricional, previsto no art. 174 do CTN. Como a interrupção da prescrição deu-se em 27/11/2007 com o ajuizamento da ação (vez que efetivada a citação da sociedade o marco interruptivo, nos termos do art. 240 §1º do CPC/73, retroage a data de propositura da ação), o feito, num primeiro momento, aparenta ter sido ajuizado após o transcurso do prazo prescricional.
Todavia, informa a agravada a fls. 694/697 a ocorrência de parcelamento dos débitos oriundos dos processos administrativos n. 10140.450512/2001-98 e 10140.450613/2001-32. Desse modo, somente a partir da exclusão da sociedade do parcelamento (em 01/05/2003) é que foi possível o ajuizamento da ação, vez que o parcelamento é causa suspensiva de exigibilidade e interruptiva do prazo prescricional, como demonstram os seguintes precedentes:
Portanto, ausente a prescrição no que tange a cobrança dos débitos oriundos dos processos administrativos n. 10140.450512/2001-98 e 10140.450613/2001-32, vez que reiniciada a fluência do prazo para ação em 01/05/2003.
Quanto aos débitos oriundos do processo administrativo n. 10140.200904/2006-96, também não há que falar em prescrição vez que os vencimentos ocorreram entre 28/01/2005 a 23/01/2006.
IV) Da prescrição intercorrente
A evolução jurisprudencial do instituto da prescrição intercorrente ocorrida nos Tribunais Superiores brasileiros ampliou os casos de incidência deste conceito, o qual passou a abarcar situações para além do previsto no art. 40 da Lei das Execuções Fiscais.
O marco interruptivo de tal prescrição dá-se com o despacho da citação (ou com a citação válida nos termos da legislação anterior a LC n. 118/05) da ação movida em face da empresa executada, que, regra geral, retroage à data da propositura da ação, sendo lídimo afirmar, com o respaldo na jurisprudência consolidada, que, em se tratando de responsabilidade tributária, em havendo interrupção da prescrição com relação a um dos devedores solidários alcança os demais, ex vi do art. 125, III, do CTN.
Diz-se prescrição intercorrente aquela operada no curso do processo em decorrência da inércia da exequente. Isso evita que se crie, por via oblíqua, o crédito imprescritível, o que malfere, em última análise, o princípio da segurança jurídica em seu vértice subjetivo, que visa proteger a confiança no tráfego jurídico.
Para que esteja configurada tal prescrição é necessário que entre a citação da pessoa jurídica executada (ou despacho citatório se posterior a 09/06/2005) e o pedido de redirecionamento da execução transcorra o período de 5 (cinco) anos, sem a ocorrência de causas interruptivas ou suspensivas do prazo prescricional.
Nesse sentido, o entendimento jurisprudencial:
Além disso, de acordo com o entendimento adrede mencionado o E. STJ, em recente julgado, reforçou a tese de que a prescrição intercorrente relativa ao redirecionamento da ação executiva em face do sócio não depende da análise de fatores subjetivos, mas do mero decurso do prazo quinquenal. Confira-se:
No caso dos autos, o despacho de citação deu-se em 18/01/2008 (fls. 140). Por sua vez o pedido de redirecionamento da execução ocorreu em 25/05/2011 (fl. 160). Desse modo, não foi extrapolado o lustro amplamente reconhecido pela jurisprudência, para a inclusão dos sócios no polo passivo.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao agravo de instrumento para reduzir a indisponibilidade dos bens da agravante e para devolver o prazo recursal no tocante à decisão proferida em 27 de Janeiro de 2017, nos termos da fundamentação. Prejudicado o agravo interno.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 05/10/2017 15:28:45 |