Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 16/11/2017
AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0044994-79.2009.4.03.0000/SP
2009.03.00.044994-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal CARLOS DELGADO
AUTOR(A) : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO : PR043349 PATRICIA SANCHES GARCIA
: SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
RÉU/RÉ : APARECIDO LUIZ DOS SANTOS
ADVOGADO : SP064259 IRACEMA DE JESUS DAURIA ODIOCHE
No. ORIG. : 08.00.00078-3 1 Vr SANTO ANASTACIO/SP

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RESCISÓRIA. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AUSÊNCIA DE DOCUMENTO NOVO. DOLO PROCESSUAL. CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA. OBSTÁCULO AO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. INDUÇÃO DO JUÍZO EM ERRO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. VIOLAÇÃO LITERAL À DISPOSITIVO DE LEI (ARTS. 11, VII E § 1º, 48, §2º, 55, § 3º, 143, L. 8.213/91). LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. RAZOABILIDADE. SOLUÇÃO JURÍDICA ADMISSÍVEL. PARÂMETROS LEGAIS E JURISPRUDENCIAIS DE ÉPOCA. INCABÍVEL REANÁLISE DE PROVAS. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CONTEMPORANEIDADE DA ATIVIDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE CAMPESINA NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR À IMPLEMENTAÇÃO DO REQUISITO ETÁRIO. OCUPAÇÃO URBANA DO REQUERENTE. PERÍODO DESCONTÍNUO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. IUDICIUM RESCINDENS. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. VERBA HONORÁRIA. CONDENAÇÃO.
1. O interesse processual se encontra consubstanciado no binômio necessidade-utilidade. Ou seja, é preciso demonstrar tanto a necessidade da tutela jurisdicional, como a utilidade do provimento pretendido para solução da lide, inclusive por meio da adequação da via eleita para sua satisfação.
2. No caso concreto, o autor fundamentou a ação rescisória no artigo 485, VII, do CPC/1973, sob a alegação de que possuiria documentos novos, contudo, somente fez juntar aos autos documentos que já constavam dos autos da demanda subjacente.
3. Para o reconhecimento de dolo processual da parte vencedora, em detrimento da parte vencida, a fim de obter benefício em descompasso com o regramento legal, há que se demonstrar a conduta enganosa da parte, que ferindo a boa-fé objetiva, implique obstáculo efetivo ao exercício do contraditório e da ampla defesa, influenciando ou induzindo o julgador em erro para o reconhecimento de falso direito.
4. Em que pese o autor da demanda subjacente não tenha informado na inicial o exercício de atividade de natureza urbana no período de 1983 a 1994, não houve qualquer prejuízo para que a autarquia, no exercício do contraditório e da ampla defesa, apresentasse prova do labor urbano, tal como, de fato, fez. Ressalta-se que, em réplica, o autor confirmou ter laborado na zona urbana no período mencionado O julgador originário teve à sua disposição os fatos arguidos nesta demanda rescisória, os quais foram confirmados pelo autor na própria demanda subjacente, não se caracterizando qualquer ofensa à boa-fé objetiva processual.
5. Não se verificou qualquer conduta ardilosa da parte autora, visando induzir em erro o juízo, a fim de obter benefício que saberia indevido.
6. A viabilidade da ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei pressupõe violação frontal e direta da literalidade da norma jurídica, não se admitindo a mera ofensa reflexa ou indireta. Ressalta-se que, em 13.12.1963, o e. Supremo Tribunal Federal fixou entendimento, objeto do enunciado de Súmula n.º 343, no sentido de que "não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais".
7. Para que seja possível a rescisão do julgado por violação literal de lei decorrente de valoração da prova, esta deve ter sido de tal modo desconexa que resulte em pungente ofensa à norma vigente ou em absoluto descompasso com os princípios do contraditório ou da ampla defesa.
8. Verifica-se que os documentos e a prova testemunhal constantes dos autos da demanda subjacente foram apreciados e valorados pelo Juízo originário, que entendeu restar comprovado o exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, pelo período equivalente à carência, imediatamente anterior ao implemento do requisito etário.
9. O Juízo originário apreciou as provas segundo seu livre convencimento, de forma motivada e razoável, tendo adotado uma solução jurídica, dentre outras, admissível, não se afastando dos parâmetros legais e jurisprudenciais que existiam à época.
10. Ressalta-se que o entendimento adotado no julgado rescindendo se alinha com a tese posteriormente firmada pela 1ª Seção do c. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial autuado sob n.º 1.348.633/SP, sob a sistemática dos recursos repetitivos representativos de controvérsia.
11. Verba honorária fixada em R$ 1.000,00 (mil reais), devidamente atualizado e acrescido de juros de mora, conforme estabelecido do Manual de Cálculos e Procedimentos para as dívidas civis, até sua efetiva requisição (juros) e pagamento (correção), conforme prescrevem os §§ 2º, 4º, III, e 8º, do artigo 85 do CPC.
12. Julgado extinto o processo, sem resolução de mérito, nos termos dos artigos 267, VI, do CPC/1973 e 485, VI, do CPC/2015, em relação à hipótese de rescisão do julgado prevista no inciso VII, do artigo 485 do CPC/1973. Quanto às demais hipóteses, em juízo rescindendo, julgada improcedente a ação rescisória. Revogada a tutela anteriormente deferida.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar extinto o processo, sem resolução de mérito, em relação à hipótese de rescisão do julgado prevista no inciso VII, do artigo 485 do CPC/1973; e, quanto às demais hipóteses, em juízo rescindendo, julgar improcedente a presente ação rescisória, restando revogada a tutela anteriormente deferida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 26 de outubro de 2017.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal


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Data e Hora: 30/10/2017 11:00:50



AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0044994-79.2009.4.03.0000/SP
2009.03.00.044994-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal CARLOS DELGADO
AUTOR(A) : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO : PR043349 PATRICIA SANCHES GARCIA
: SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
RÉU/RÉ : APARECIDO LUIZ DOS SANTOS
ADVOGADO : SP064259 IRACEMA DE JESUS DAURIA ODIOCHE
No. ORIG. : 08.00.00078-3 1 Vr SANTO ANASTACIO/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):


Trata-se de ação rescisória proposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS em face de APARECIDO LUIZ DOS SANTOS, com fundamento no artigo 485, III, V e VII, do CPC/1973, objetivando rescindir sentença de mérito, a fim de que lhe seja julgado improcedente o pleito para concessão de aposentadoria por idade rural.


Aduziu que a ocorrência de dolo processual, supostamente resultante da ocultação da informação relativa ao labor urbano, bem como que o julgado rescindendo violou disposição literal dos artigos 11, VII e § 1º, 48, §2º, 55, § 3º, e 143 da Lei n.º 8.213/91, uma vez que, no seu entender, não foi comprovado por prova material o exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, no período equivalente à carência.


Ainda, juntou documentos novos a fim de reiterar e complementar o conjunto probatório da ação subjacente para comprovação de suas alegações.


Recebido o feito m plantão judiciário, não foi reconhecida hipótese de perecimento de direito, tendo sido encaminhados os autos ao respectivo Relator (fl. 91).


Às fls. 93-94, consta decisão de lavra da Desembargadora Federal Eva Regina, que reconheceu a observância do prazo decadencial para ajuizamento da ação rescisória; dispensou a autarquia do depósito prévio; e, deferiu em parte a antecipação dos efeitos da tutela, para suspender o pagamento das possíveis diferenças oriundas da sucumbência, sob o seguinte fundamento:


"[...] considerando-se que a parte ré recebia benefício assistencial por deficiência (NB 87/5604054123), concedido administrativamente em janeiro de 2007, e que foi suspenso em 24.04.2009, por força da decisão judicial rescindenda que mandou implantar o benefício de aposentadoria rural por idade, no mesmo valor de um salário mínimo (fl. 20), não deve ser suspenso, por ora, o pagamento mensal dos proventos na via administrativa.
Todavia, o mesmo raciocínio não se aplica às parcelas em atraso, objeto da liquidação do julgado, pois ela, além de não configurar verba regular de manutenção do segurado, jamais será restituída aos cofres públicos no caso de procedência desta ação em razão da situação sócio-econômica da parte ré.
A esse argumento acrescente-se, também, o fato da Lei nº 8.742/93, no seu artigo 4º, prever a impossibilidade de cumulação do benefício assistencial com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica. Assim, tendo sido concedido o benefício assistencial em 18.01.2007 (fl. 20), ou seja, em data anterior ao termo inicial do benefício de aposentadoria rural por idade fixado na sentença, em 18.07.2008 (fls. 19, 47 e 69), entendo, "prima facie", que não haveria diferenças de parcelas atrasadas a serem executadas no Juízo da execução.
Logo, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação está configurado no andamento da fase de execução da decisão rescindenda. [...]"

Citado (fls. 103-105), o réu apresentou contestação e documentos, às fls. 111-119, alegando que, embora tenho exercido as atividades de natureza urbana, laborou no meio rural antes e depois desse período e, no seu entendimento, era trabalhador rural. Requereu, em caso de procedência do pedido, que seja restabelecido o amparo assistencial ao deficiente que recebia até a implantação da aposentadoria por idade rural.


O autor ofereceu réplica (fls. 124-130).


Instadas à especificação de provas (fl. 132), o autor informou não ter provas a produzir (fl. 135) e o réu se quedou silente (fl. 136).


O Ministério Público Federal opinou pela improcedência da ação rescisória (fls. 137-142).


É o relatório.


VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):


Reconheço, de ofício, a ausência de interesse processual em relação à hipótese de rescisão do julgado prevista no inciso VII, do artigo 485, do CPC/1973.


O interesse processual se encontra consubstanciado no binômio necessidade-utilidade. Ou seja, é preciso demonstrar tanto a necessidade da tutela jurisdicional, como a utilidade do provimento pretendido para solução da lide, inclusive por meio da adequação da via eleita para sua satisfação.


Como supostos documentos novos, o autor juntou aos autos extratos do CNIS (fl. 18), com os vínculos empregatícios em nome do réu, e do Sistema Único de Benefícios (fls. 19-20), com dados básicos do amparo assistencial ao deficiente que recebia e do benefício de aposentadoria por idade implantando por força do julgado rescindendo.


Uma vez que o extrato do CNIS e os dados básicos do amparo assistencial já constavam dos autos da demanda subjacente, carreados junto com a contestação (fls. 56-57), verifica-se a ausência de qualquer documento novo a instruir a presente demanda rescisória e, portanto, a patente inadequação da via eleita para o fim pretendido.


O INSS, portanto, fundamenta a ação rescisória no artigo 485, III e V, do CPC/1973, alegando a ocorrência de dolo processual, supostamente resultante da ocultação da informação relativa ao labor urbano, bem como que violação disposição literal dos artigos 11, VII e § 1º, 48, §2º, 55, § 3º, e 143 da Lei n.º 8.213/91, uma vez que, no seu entender, não foi comprovado por prova material o exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, no período equivalente à carência.


Nascido em 21.03.1948 (fl. 31), o autor da ação subjacente, ajuizada em 27.05.2008 (fl. 21), postulou a concessão de aposentadoria por idade rural, mediante o reconhecimento de sua condição de trabalhador rural, por vezes como diarista e por outras como mensalista (fls. 22-23).


Por ter completado a idade mínima necessária em 2008, deveria comprovar o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao implemento do requisito anterior ou ao requerimento do benefício, equivalente à carência, no caso, de 162 (cento e sessenta e dois) meses, ou seja, entre 1994 e 2008.


Juntou àqueles autos como prova material:


1) certidão de seu casamento, ocorrido em 23.05.1992, em que consta qualificado como "lavrador";


2) Certificado de Dispensa de Incorporação, emitido em 29.12.1969, em que não consta informação de profissão (fls. 32-33);


3) título eleitoral, emitido em 1970, em que consta qualificado como lavrador (fls. 32-33);


4) cópia de sua CTPS, emitida em 08.08.2005, apenas da página relativa à sua qualificação (fls. 34-35);


5) ficha, apócrifa, de cadastro de afiliado da Associação Terra e Pão, para fins de assentamentos municipais, em que declarou trabalhar na agricultura há "40 anos" (fl. 36) e pedido de averbação da referida associação no respectivo cartório de registro (fls. 38-39);


6) Comprovante de Cadastro para Seleção de Beneficiários em Assentamentos Estaduais, da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo "José Gomes da Silva", inscrição n.º 1669, de 22.11.2004, com validade até 22.11.2006 (fl. 37); e protocolos de pedido de cadastramento datados de 12.02.1998, 08.01.2001 e 23.04.2002 (fl. 40).


Com sua contestação, a autarquia juntou extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, em que constam registros de vínculos de natureza urbana nos períodos de 02.05.1983 a 13.07.1983, 21.11.1983 a 08/1984, 20.08.1984 a 18.07.1985, 29.07.1986 a 19.06.1987, 01.12.1987 a 26.01.1988, 01/1993 e 19.10.1994 a 30.11.1994 (fl. 56). Também juntou dados básicos, extraídos do Sistema Único de Benefício, relativos ao amparo assistencial ao deficiente recebido pelo autor desde 18.01.2007 (fl. 57)


Foram ouvidas testemunhas, em 19.03.2009 (fls. 71-72):


Testemunha Daniel Pereira dos Santos: "Conheço o autor há mais de vinte anos e desde então sempre trabalhou na atividade rural como diarista. Trabalhamos juntos para Facholi, Ió, Paulo Mariano e outros. Há dois anos o autor deixou de trabalhar na atividade rural por problema de saúde (derrame)."

Testemunha Isaulino José Vieira: "Tenho conhecimento de que o autor trabalha na atividade rural desde a década de 60 e sempre trabalhou na atividade rural como diarista. Trabalhou para Zé Nilton, Yo, Nelito, José segundo e outros. Desde 2006 o autor deixou de trabalhar na atividade rural por ter sofrido derrame."

O pedido foi julgado procedente, conforme sentença de fls. 67-69, da qual destaco o seguinte:


"[...] São condições, portanto, para a concessão da aposentadoria por idade ao trabalhador rural: 1. Ter completado a idade mínima necessária (60 ou 55 anos de idade conforme o sexo); e 2. Ter completado o período de carência do art. 25, II, da Lei n. 8.213/91 exercendo a atividade rural nos últimos 15 anos (180 meses) contínuos ou descontínuos. A parte completou a idade mínima para a aposentadoria. Quanto ao período trabalhado, ficou satisfatoriamente demonstrado que ele(a) vem se ocupando das lides rurais, na forma apontada pelas testemunhas ouvidas em audiência que forneceram elementos suficientes para alicerçar a procedência do pedido. As provas testemunhais foram corroboradas pelos documentos existentes nos autos, que se harmonizam para sustentar a procedência do pedido posto que a atividade rural é pressuposto e geradora da aposentadoria por idade. [...]"

Sem interposição de recurso pelas partes, foi certificado o trânsito em julgado ocorrido em 22.04.2009 (fl. 81).


Para o reconhecimento de dolo processual da parte vencedora, em detrimento da parte vencida, a fim de obter benefício em descompasso com o regramento legal, há que se demonstrar a conduta enganosa da parte, que ferindo a boa-fé objetiva, implique obstáculo efetivo ao exercício do contraditório e da ampla defesa, influenciando ou induzindo o julgador em erro para o reconhecimento de falso direito. Nesse sentido:


"AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. INCISOS III E V DO ART. 485 DO CPC. TEMPO ESPECIAL E COMUM. CONVERSÃO. FATOR. LEI APLICÁVEL. MUDANÇA NO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 343/STF. IMPROCEDÊNCIA. 1. Acerca do art. 485, inciso III, do CPC, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que a configuração do dolo processual depende da violação voluntária, pela parte vencedora, do dever de veracidade previsto no art. 17, II, CPC, que induza o julgador a proferir decisão reconhecendo-lhe um falso direito (AR 3.785/RJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/02/2014, DJe 10/03/2014), ou seja, deveria o Autor comprovar a utilização de expedientes e artifícios maliciosos capazes de influenciar o juízo dos magistrados, o que não ocorreu na hipótese. Ademais, a decisão rescindenda beseou-se na legislação vigente e nos dados e provas trazidos pelo próprio autor, o que afasta o dolo, uma vez que não houve impedimento ou dificuldade concreta para atuação da parte. [...]" (STJ, 3ª Seção, AR 4560, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 29.09.2015)

"AÇÃO RESCISÓRIA. DECADÊNCIA. SÚMULA N. 106-STJ. FALÊNCIA. ADJUDICAÇÃO DE IMÓVEL. PERÍODO SUSPEITO. FRAUDE. VIOLAÇÃO À LITERALIDADE DA LEI. DOLO DO VENCEDOR. ARTIGOS 485, III E V, DO CPC. IMPROCEDÊNCIA. [...] 4. O dolo a que alude o artigo 485, III, do CPC pressupõe a atuação processual ardilosa e maliciosa do vencedor em detrimento do vencido, o que não ocorreu no processo de execução, no qual o credor se limitou a dar-lhe andamento. 5. Ação rescisória julgada improcedente." (STJ, 2ª Seção, AR 4099, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe 08.04.2014)

"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO DA LITERALIDADE DA NORMA. NECESSIDADE. ERRO DE FATO. INEXISTÊNCIA. DOLO E FALSIDADE DA PROVA. DOCUMENTO NOVO. PRESSUPOSTOS PARA CONFIGURAÇÃO. [...] 3. Afasta-se o dolo ou a falsidade da prova se não houve impedimento ou dificuldade concreta para atuação da parte, sobretudo quando os elementos dos autos, em seu conjunto, denotam o acerto do julgado rescindendo. [...]" (STJ, 3ª Seção, AR 1370, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe 19.12.2013)

"RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO DE IMÓVEIS. AÇÃO INDENIZATÓRIA. AÇÃO RESCISÓRIA. DOLO PROCESSUAL. ERRO DE FATO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO SUCINTA. NULIDADE. AUSÊNCIA. REAPRECIAÇÃO DE PROVAS. INVIABILIDADE. FORMAS DE LIQUIDAÇÃO. FUNGIBILIDADE. JULGAMENTO EXTRA OU ULTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO. DIREITO PESSOAL. REGRA GERAL. [...] 3. A hipótese de cabimento da ação rescisória insculpida no inciso III, primeira parte, do artigo 485 do Código de Processo Civil/1973 (dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida) deve estar estampada em atos intencionais graves, que configurem deslealdade processual, de modo a influenciar negativamente a decisão judicial. [...]" (STJ, 3ª Turma, REsp 1590902, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 12.05.2016)

Em que pese o autor da demanda subjacente não tenha informado na inicial o exercício de atividade de natureza urbana no período de 1983 a 1994, não houve qualquer prejuízo para que a autarquia, no exercício do contraditório e da ampla defesa, apresentasse prova do labor urbano, tal como, de fato, fez.


Ressalto que, em réplica, o autor confirmou ter laborado na zona urbana no período mencionado, pontuando, contudo, que desde 1994 se dedicou exclusivamente à lida campesina (fl. 61).


Não se verificou, assim, qualquer conduta ardilosa da parte autora, visando induzir em erro o juízo, a fim de obter benefício que saberia indevido. Aliás, tal como afirmado na contestação desta rescisória, ao sentir do autor o fato de ter laborado por alguns períodos na zona urbana não lhe retiraria a condição de trabalhador rural.


O julgador originário teve à sua disposição os fatos arguidos nesta demanda rescisória, os quais foram confirmados pelo autor na própria demanda subjacente, não se caracterizando qualquer ofensa à boa-fé objetiva processual.


A viabilidade da ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei pressupõe violação frontal e direta da literalidade da norma jurídica, não se admitindo a mera ofensa reflexa ou indireta (confira-se: STJ, S1, AR 4264, relator Ministro Humberto Martins, DJe 02.05.2016).


Ressalto que, em 13.12.1963, o e. Supremo Tribunal Federal fixou entendimento, objeto do enunciado de Súmula n.º 343, no sentido de que "não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais".


Verifica-se que os documentos e a prova testemunhal constantes dos autos da demanda subjacente foram apreciados e valorados pelo Juízo originário, que entendeu restar comprovado o exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, pelo período equivalente à carência, imediatamente anterior ao implemento do requisito etário.


Para que seja possível a rescisão do julgado por violação literal de lei decorrente de valoração da prova, esta deve ter sido de tal modo desconexa que resulte em pungente ofensa à norma vigente ou em absoluto descompasso com os princípios do contraditório ou da ampla defesa.


Além do título eleitoral emitido em 1970, também constou a qualificação do autor como lavrador em 1992, por ocasião de seu casamento.


Não se olvida que o autor exerceu atividade de natureza urbana entre 1983 e 1994, contudo, esta não se deu de forma ininterrupta. Registro que em 1994, o autor manteve emprego por apenas dois meses. Verifica-se um lapso de atividade urbana entre 1988 a 1994, período em que o autor, ao se casar, declarou-se lavrador, corroborando o entendimento de que, ainda que de forma descontínua, houve exercício da atividade rural no período.


Repiso que, tendo implementado o requisito etário em 2008, deveria comprovar o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior, equivalente à carência, no caso, de 162 (cento e sessenta e dois) meses, ou seja, entre 1994 e 2008, de sorte que o período de exercício de atividade urbana, à exceção de dois meses em 1994, sequer compõem o lapso temporal exigido por lei para a concessão do benefício.


Ainda, os comprovantes de seu cadastramento, desde 1998, visando a assentamento em programas de reforma agrária, embora não constituam prova inequívoca do exercício da atividade rural no período, são elementos fortemente indiciários de que o autor se dedicava à lida campesina.


Por seu turno, a prova testemunhal, embora não seja rica em detalhes, apontou o exercício da atividade rural como diarista, por longos anos, inclusive com indicação de alguns empregadores, mostrando-se idônea e robusta o suficiente para, aos olhos do juízo originário, estender a validade da prova material para todo o período correspondente à carência.


Assim, o julgado rescindendo não se afastou dos parâmetros legais e jurisprudenciais que existiam à época.


Ressalto, inclusive, que o entendimento adotado no julgado rescindendo se alinha com a tese posteriormente firmada pela 1ª Seção do c. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial autuado sob n.º 1.348.633/SP, sob a sistemática dos recursos repetitivos representativos de controvérsia, no sentido de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior ou posterior àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material, desde que tal período venha delineado em prova testemunhal idônea e robusta.


Tem-se que o Juízo originário apreciou as provas segundo seu livre convencimento, de forma motivada e razoável, tendo adotado uma solução jurídica, dentre outras, admissível.


A excepcional via rescisória não é cabível para mera reanálise das provas. Nesse sentido, confira-se precedentes desta 3ª Seção:


"PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V e IX DO CPC/73. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL ACERCA DO LABOR RURAL DA AUTORA. VIOLAÇÃO AO ART. 55, § 3º DA LEI DE BENEFÍCIOS AFASTADA. ERRO DE FATO NÃO CONFIGURADO. APLICAÇÃO DA SISTEMÁTICA PROCESSUAL VIGENTE À ÉPOCA DA PROPOSITURA. INTELIGÊNCIA DO ART. 14 DO NOVO CPC, C/C O ART. 5º, XXXVI DA C.F. AÇÃO RESCISÓRIA IMPROCEDENTE. [...] 2 - A viabilidade da ação rescisória fundada no artigo 485, V do Código de Processo Civil/73 ( atual art 966, V do CPC) decorre da não aplicação de uma determinada lei ou do seu emprego de tal modo aberrante que viole o dispositivo legal em sua literalidade, dispensando-se o reexame dos fatos da causa originária. 3 - O julgado rescindendo reconheceu como não comprovado o labor rural durante todo o período afirmado na ação originária, negando aos documentos juntados pelo requerente para sua comprovação a qualidade de início de prova material conforme previsto no art. 55, § 3º da Lei nº 8.213/91. Pleito rescisório que reside precipuamente na rediscussão dos requisitos para o reconhecimento do tempo de serviço como trabalhadorA rural invocado pela parte autora, com o questionamento do critério de valoração da prova produzida na ação originária adotado pelo julgado rescindendo, fundamentado no livre convencimento motivado, com sua revaloração segundo os critérios que o autor entende corretos. 4 - Hipótese de rescindibilidade prevista no inciso V do artigo 485 do CPC/73 não configurada, pois das razões aduzidas na petição inicial não se pode reconhecer tenha o julgado rescindendo incorrido em interpretação absolutamente errônea da norma regente da matéria, não configurando a violação a literal disposição de lei a mera injustiça ou má apreciação das provas. [...]" (TRF3, 3ª Seção, AR 00333455420084030000, relator Desembargador Federal Paulo Domingues, DJe 03.02.2017)

"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AGRAVO LEGAL. AÇÃO RESCISÓRIA. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. APLICABILIDADE DO ART. 557 DO CPC. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. PROVA ORAL INCONSISTENTE. DOCUMENTO NOVO. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI AFASTADA. MERO REEXAME DA PROVA PRODUZIDA NA AÇÃO ORIGINÁRIA. DESCABIMENTO. AÇÃO RESCISÓRIA IMPROCEDENTE. PRELIMINAR REJEITADA. AGRAVO IMPROVIDO. [...] 2 - Mantida a decisão agravada que resolveu de maneira fundamentada a questão, afastando a pretensão rescisória direcionada exclusivamente ao questionamento do critério de valoração da prova produzida na ação originária e adotada Na r. decisão rescindenda, fundamentado no livre convencimento do julgador. 3 - Prova testemunhal inconsistente. 4 - Não se pode reconhecer tenha o julgado rescindendo incorrido na hipótese de rescindibilidade prevista no inciso V, do artigo 485 do CPC, pois a autora não comprovou sua atividade rural e, se assim foi, não há que se falar em violação à disposição de lei a mera injustiça ou má apreciação das provas. [...]" (TRF3, 3ª Seção, Ag/AR 00193564420094030000, relator Desembargador Federal Gilberto Jordan, DJe 30.03.2016)

"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. CARÊNCIA DA AÇÃO. PRELIMINAR CONFUNDE-SE COM O MÉRITO. PENSÃO POR MORTE. ALEGAÇÃO DE DIREITO ADQUIRIDO DO FALECIDO À APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ERRO DE FATO NÃO CARACTERIZADO. DOCUMENTOS NOVOS INSERVÍVEIS. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. [...] 18. Entendo não terem sido violados os dispositivos apontados. Com base no princípio do livre convencimento motivado, a prestação jurisdicional foi entregue de acordo com uma das soluções possíveis para a situação fática apresentada, à luz da legislação de regência. [...]" (TRF3, 3ª Seção, AR 00007730620124030000, relatora Desembargadora Federal Daldice Santana, DJe 26.11.2014)

Impende frisar, em relação à tutela anteriormente deferida, que, conforme já constava expresso daquela decisão de fls. 93-94, o autor da ação subjacente recebia benefício de amparo assistencial ao deficiente (NB 87/560.405.412-3), desde 18.01.2007 (fl. 57), no valor de um salário mínimo, o qual foi cessado em 31.03.2009 (fl. 20), em razão da implantação, em 24.04.2009 (fl. 19), do benefício de aposentadoria por idade concedido no julgado rescindendo, com renda mensal no valor de um salário mínimo e data de início em 18.07.2008, data da citação da autarquia naquela demanda (fl. 47). Considerando que a renda mensal de ambos os benefícios equivale a um salário mínimo e que o benefício assistencial fora concedido anteriormente à data fixada como termo inicial do benefício previdenciário, ante a necessária compensação dos valores já pagos na via administrativa a partir de 18.07.2008, não houve diferenças relativas à execução do julgado, de sorte que a suspensão deferida se deu apenas quanto à execução das verbas sucumbenciais, nos exatos termos constantes do dispositivo da referida decisão.


Ante o exposto, a teor dos artigos 267, VI, do CPC/1973 e 485, VI, do CPC/2015, julgo extinto o processo, sem resolução de mérito, em relação à hipótese de rescisão do julgado prevista no inciso VII, do artigo 485 do CPC/1973; e, quanto às demais hipóteses, em iudicium rescindens, julgo improcedente a presente ação rescisória, nos termos dos artigos 269, I, do CPC/1973 e 487, I, do CPC/2015, restando revogada a tutela anteriormente deferida.


Comunique-se o Juízo da execução.


Custas na forma da lei.


Condeno o autor no pagamento de honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), devidamente atualizado e acrescido de juros de mora, conforme estabelecido do Manual de Cálculos e Procedimentos para as dívidas civis, até sua efetiva requisição (juros) e pagamento (correção), conforme prescrevem os §§ 2º, 4º, III, e 8º, do artigo 85 do CPC.


É como voto.



CARLOS DELGADO
Desembargador Federal


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