Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 18/10/2017
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0020772-17.2008.4.03.6100/SP
2008.61.00.020772-0/SP
RELATORA : Desembargadora Federal CONSUELO YOSHIDA
APELANTE : AFAVITAM ASSOCIACAO DE FAMILIARES E AMIGOS DAS VITIMAS DO VOO TAM JJ 3054
ADVOGADO : SP061405 CELSO FERNANDES CAMPILONGO e outro(a)
APELANTE : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : SP137851 ADRIANA DA SILVA FERNANDES e outro(a)
APELANTE : Agencia Nacional de Aviacao Civil ANAC
ADVOGADO : SP204646 MELISSA AOYAMA
APELADO(A) : OS MESMOS
APELADO(A) : VRG LINHAS AEREAS S/A
ADVOGADO : RJ061994 RICARDO MACHADO CALDARA
APELADO(A) : TAM LINHAS AEREAS S/A
ADVOGADO : SP163004 ELIANE CRISTINA CARVALHO TEIXEIRA e outro(a)
APELADO(A) : SUL AMERICA CIA NACIONAL DE SEGUROS
ADVOGADO : SP153790A WALTER WIGDEROWITZ NETO e outro(a)
REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 14 VARA SAO PAULO Sec Jud SP
EXCLUIDO(A) : GOL LINHAS AEREAS INTELIGENTES S/A
No. ORIG. : 00207721720084036100 14 Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SEGURO OBRIGATÓRIO RETA. ACIDENTE AÉREO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR. ARTIGO 281 DO CÓDIGO BRASILEIRO DE AERONÁTICA. ATUALIZAÇÃO DO VALOR FIXADO PELO LEGISLADOR. COMUNICADO DECAT 001/95. QUESTÕES PRELIMINARES: IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO, LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO, ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA, LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. APLICAÇÃO DA TABELA DE CORREÇÃO MONETÁRIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RESOLUÇÃO Nº 561/2007 DO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL.
1.Afastada a alegação de impossibilidade jurídica do pedido arguida pela ANAC. Ainda que se atribua originariamente à agência reguladora ou a outro órgão administrativo a competência para fixar os índices de correção do seguro obrigatório, é certo que qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito pode ser discutida judicialmente, vez que o Poder Judiciário é o guardião do ordenamento jurídico, na forma do artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal.
2.Também afastadas as alegações de inépcia da inicial e de ilegitimidade do Ministério Público, formuladas pela TAM. A ação civil pública é o instrumento adequado para veicular pedidos envolvendo interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos e o Ministério Público tem competência para o seu ajuizamento, com amparo no artigo 129, III da Constituição Federal e nos artigos 5º, III, "e", e V, "b", da Lei Complementar nº 75/93.
3. Legitimidade da TAM para figurar no polo passivo, na medida em que a responsabilidade legal pelo pagamento do seguro obrigatório é do transportador aéreo, ainda que ele contrate empresa seguradora para arcar com a despesa.
4. Não se vislumbra a hipótese, no caso concreto, a existência de litisconsórcio passivo necessário, na medida em que a pretensão do Ministério Público volta-se, de um lado, contra a ANAC (em relação aos critérios de reajuste fixados para o seguro obrigatório), e de outro lado contra as empresas TAM e GOL (em razão dos dois acidentes aéreos ocorridos). Se o pedido for julgado procedente em relação à ANAC, todas as empresas aéreas, em consequência, sofrerão os impactos da decisão, o que não as legitima, contudo, a figurarem no polo passivo vez que a responsabilidade pelo ato aqui apontado como ilegal é da ANAC. Se o pedido for julgado procedente em relação a TAM e a GOL, em decorrência dos acidentes ocorridos com suas aeronaves, é incontroverso que apenas elas (e eventualmente as empresas seguradoras por ela contratadas) devem arcar com o pagamento das indenizações, não havendo amparo para imputar responsabilidade às demais empresas aéreas não envolvidas nos sinistros.
5. O objeto central da discussão aqui proposta é identificar se o valor da indenização do seguro obrigatório (RETA), devido pelo transportador aos tripulantes e passageiros, está sendo pago conforme determina a legislação.
6. O Código Brasileiro da Aeronáutica - Lei nº 7.565/86 - estabelece a responsabilidade civil do transportador aéreo por danos ocorridos durante a execução do contrato de transporte (artigo 281), observado o limite fixado no artigo 257, qual seja, de 3.500 OTNs.
7. O Código Brasileiro de Aeronáutica - Lei nº 7.565/86 - foi regulamentado pelo Regulamento Brasileiro de Homologação Aeronáutica 47 - RBHA - 47, que estabelece e disciplina o "Funcionamento e Atividades do Sistema de Registro Aeronáutico Brasileiro (SISRAB)", bem como fixa o procedimento para a perfeita validade dos atos para os registros de aeronave, os atos conexos e subseqüentes.
8. O Departamento de Aviação Civil (DAC) é denominado o órgão central do Sistema de Registro Aeronáutico Brasileiro (SISRAB). O DAC foi substituído pela ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), criada pela Lei nº 11.182/2005, a quem foi incumbida a responsabilidade para a aplicação do critério de correção monetária do seguro obrigatório RETA, nos termos do artigo 8º.
9. No uso das atribuições que lhe foram conferidas, a ANAC editou a Resolução nº 37, de 07 de agosto de 2008, dispondo sobre o valor do seguro obrigatório RETA. Tal Resolução foi editada após a recomendação nº 12, feita pelo Ministério Público Federal, em de 05 de março de 2008. Ou seja, após 08 de agosto de 2008, o órgão competente para determinar os critérios de atualização estabeleceu a aplicação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, nos moldes da Tabela de Correção Monetária para Condenações em Geral - Item 2.1 do Capítulo IV do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 561, de 02 de julho de 2007, do Conselho da Justiça Federal.
10. Insurge-se o Parquet em relação às indenizações devidas no período de janeiro/95 a agosto/2008, já que a ANAC considerou adequados os critérios de atualização definidos pelo Instituto de Resseguros Brasil, no Comunicado DECAT 001, de 23/01/1995. Pelo Comunicado, o valor da indenização, de 3.500 OTNS, foi fixado em R$ 14.223,64 (quatorze mil, duzentos e vinte três reais e sessenta e quatro centavos) e permaneceu vigente no período de 23/01/95 a 07/08/2008.
11. O Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), no uso das atribuições que lhe foram conferidas pelo artigo 32, III do Decreto-lei 73/66 ("III - Estipular índices e demais condições técnicas sobre tarifas, investimentos e outras relações patrimoniais a serem observadas pelas Sociedades Seguradoras"), editou as Resoluções ns. 09/87 e 12/89, que regulamentaram a contratação do seguro obrigatório RETA e previram a possibilidade de a SUSEP e o IRB expedirem normas complementares necessárias à utilização do seguro referido.
12. O Instituto de Resseguros do Brasil não tinha competência para fixar o índice de correção a ser aplicado ou até mesmo um valor fixo de indenização. Na forma do artigo 5º da Resolução nº 9/87, sua atribuição era apenas de editar normas complementares, necessárias ao cumprimento do disposto naquela Resolução.
13. A fim de subsidiar o procedimento administrativo previamente instaurado e a presente ação judicial, foi feito um cálculo pelo setor técnico do Ministério Público Federal, juntado às fls. 177/181, atestando que o valor de indenização adotado pelo Comunicado DECAT 001/95 "aparentemente está corrigido somente até 30/11/94, e assim mesmo, ao que tudo indica, sem incluir os expurgos desse período" (fl. 177). A utilização da Tabela de Correção Monetária para Condenações em Geral - Item 2.1 do Capítulo IV do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 561, de 02 de julho de 2007, do Conselho da Justiça Federal, demonstra a enorme disparidade entre os valores adotados pelo IRB no Comunicado DECAT 001/95 e aqueles decorrentes da aplicação da Resolução CJF nº 561/2007.
14. Os beneficiários do seguro obrigatório RETA receberam, por força do Comunicado DECAT 001/95, o valor de R$ 14.223,64, a título de indenização. Se fossem aplicados os critérios de correção inscritos na Tabela de Correção Monetária da Justiça Federal a indenização seria aproximadamente dez vezes maior. Não se trata de uma diferença "aceitável", mas absolutamente gritante. Embora os valores pagos aos beneficiários fossem aqueles determinados pelos atos normativos então vigentes, todos de natureza infralegal, está devidamente demonstrado que eles não refletiam o verdadeiro montante fixado pelo legislador, qual seja, 3.500 OTNs.
15. Não se cuida, aqui, de afirmar que o Poder Judiciário pode fazer as vezes de legislador positivo e substituir-se aos órgãos originariamente competentes, fixando critérios de correção monetária ao seu bel prazer. Em primeiro lugar, para que se legitime a atuação judicial é preciso que fique demonstrada a existência de lesão ou ameaça a direito, como determina o inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal. Em segundo lugar, a decisão judicial deve buscar soluções dentro do ordenamento jurídico, devidamente fundamentadas.
16. A tabela de correção monetária editada pelo Conselho da Justiça Federal adota os índices já consolidados pela jurisprudência pátria, não apresentando qualquer inovação na ordem jurídica.
17. Matéria preliminar rejeitada. Remessa oficial e Apelações do Ministério Público e da AFAVITAM providas e Apelação da ANAC desprovida.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar, dar provimento às apelações do MPF e da AFAVITAM e à remessa oficial e negar provimento à apelação da ANAC, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 05 de outubro de 2017.
LEILA PAIVA
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0020772-17.2008.4.03.6100/SP
2008.61.00.020772-0/SP
RELATORA : Desembargadora Federal CONSUELO YOSHIDA
APELANTE : AFAVITAM ASSOCIACAO DE FAMILIARES E AMIGOS DAS VITIMAS DO VOO TAM JJ 3054
ADVOGADO : SP061405 CELSO FERNANDES CAMPILONGO e outro(a)
APELANTE : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : SP137851 ADRIANA DA SILVA FERNANDES e outro(a)
APELANTE : Agencia Nacional de Aviacao Civil ANAC
ADVOGADO : SP204646 MELISSA AOYAMA
APELADO(A) : OS MESMOS
APELADO(A) : VRG LINHAS AEREAS S/A
ADVOGADO : RJ061994 RICARDO MACHADO CALDARA
APELADO(A) : TAM LINHAS AEREAS S/A
ADVOGADO : SP163004 ELIANE CRISTINA CARVALHO TEIXEIRA e outro(a)
APELADO(A) : SUL AMERICA CIA NACIONAL DE SEGUROS
ADVOGADO : SP153790A WALTER WIGDEROWITZ NETO e outro(a)
REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 14 VARA SAO PAULO Sec Jud SP
EXCLUIDO(A) : GOL LINHAS AEREAS INTELIGENTES S/A
No. ORIG. : 00207721720084036100 14 Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA FEDERAL CONVOCADA LEILA PAIVA (RELATORA):


Trata-se de remessa oficial e recursos de apelação interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pela AFAVITAM - ASSOCIAÇÃO DOS FAMILIARES E AMIGOS DAS VÍTIMAS DO VÔO TAM JJ 3054 e pela ANAC - AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL, contra a sentença de fls. 1167/1186 que julgou parcialmente procedente o pedido para condenar a ANAC no cumprimento de obrigação de fazer consistente na adoção, como critério para atualização de valores do RETA, dos índices determinados pelo Manual da Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal aprovado pela Resolução nº 561/2007 do Conselho da Justiça Federal (e alterações supervenientes), aplicáveis ao valor de 3.500 OTN's, em dezembro de 1986, previsto na Lei nº 7.565/1986, para relações futuras, supervenientes ao advento deste provimento jurisdicional. O pedido foi julgado improcedente com relação às empresas aéreas TAM e GOL e à seguradora litisdenunciada SUL AMÉRICA SEGUROS. Não houve condenação em honorários advocatícios.

Em seu recurso de apelação, a AFAVITAM alega que a r. sentença recorrida viola, frontalmente, o disposto no artigo 257 da Lei nº 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica), fixando indenização em valor aquém ao fixado em lei. Também desconsidera a existência do prejuízo material sofrido pelas vítimas (fls. 1.190/1.196).

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL também interpôs apelação alegando que se o juízo a quo reconheceu que a correção monetária do seguro obrigatório vinculado ao transporte aéreo (RETA) é de incidência obrigatória e que devem ser aplicados os critérios de correção previstos na Resolução CJF nº 561/2007, não há como afastar a aplicação dessa regra às indenizações do seguro de vida RETA das empresas aéreas GOL e TAM, nos pagamentos aos beneficiários, em razão da morte dos passageiros e tripulantes dos voos 1907 e 3054. Afirma que o procedimento da ANAC, ratificado pela sentença, afronta o valor de indenização previsto no artigo 257 da Lei nº 7.565/86 e fere o princípio da segurança. Requer a reforma da sentença para que sejam acolhidos todos os pedidos formulados na petição inicial (fls. 1.200/1.214).

Em suas razões de apelação, a ANAC - AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL aponta a impossibilidade jurídica do pedido, na medida em que não há possibilidade de aplicar outro critério de correção monetária que não aquele previsto na legislação especial. No uso das atribuições que lhe foram constitucional e legalmente conferidas, a ANAC editou a Resolução nº 37/2008, segundo a qual o índice de correção a ser utilizado é o IPCA. No mérito, alega que a Resolução CJF 561 tem âmbito restrito de aplicação, não sendo de observância obrigatória pelo Poder Executivo Federal e pela Administração Federal Indireta. Esclareceu as razões para opção pelo IPCA como índice de correção e afirma que foram pagos todos os valores devidos aos beneficiários, conforme determina a legislação. Informa, por fim, que prevalece no Superior Tribunal de Justiça o entendimento segundo o qual deve ser prestigiada a competência específica das agências reguladoras (fls. 1271/1304).

Subiram os autos com contrarrazões da VRG LINHAS AÉREAS S/A (fls. 1216/1223), SUL AMÉRICA COMPANHIA NACIONAL DE SEGUROS (fls. 1225/1240 e 1306)), TAM LINHAS AÉREAS S/A (fls. 1241/1255), ANAC - AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL (fls. 1257/1270) e do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls. 1308/1320).

Manifestação da Procuradoria Regional da República às fls. 1322/1329, opinando pelo provimento das apelações interpostas pelo Ministério Público Federal e pela AFAVITAM e pelo improvimento da apelação da ANAC.

É o relatório.


LEILA PAIVA
Juíza Federal Convocada


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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0020772-17.2008.4.03.6100/SP
2008.61.00.020772-0/SP
RELATORA : Desembargadora Federal CONSUELO YOSHIDA
APELANTE : AFAVITAM ASSOCIACAO DE FAMILIARES E AMIGOS DAS VITIMAS DO VOO TAM JJ 3054
ADVOGADO : SP061405 CELSO FERNANDES CAMPILONGO e outro(a)
APELANTE : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : SP137851 ADRIANA DA SILVA FERNANDES e outro(a)
APELANTE : Agencia Nacional de Aviacao Civil ANAC
ADVOGADO : SP204646 MELISSA AOYAMA
APELADO(A) : OS MESMOS
APELADO(A) : VRG LINHAS AEREAS S/A
ADVOGADO : RJ061994 RICARDO MACHADO CALDARA
APELADO(A) : TAM LINHAS AEREAS S/A
ADVOGADO : SP163004 ELIANE CRISTINA CARVALHO TEIXEIRA e outro(a)
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ADVOGADO : SP153790A WALTER WIGDEROWITZ NETO e outro(a)
REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 14 VARA SAO PAULO Sec Jud SP
EXCLUIDO(A) : GOL LINHAS AEREAS INTELIGENTES S/A
No. ORIG. : 00207721720084036100 14 Vr SAO PAULO/SP

VOTO


A EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA FEDERAL CONVOCADA LEILA PAIVA (RELATORA):

O Ministério Público Federal ajuizou a presente ação civil pública requerendo:

Seja declarado que o valor do seguro obrigatório RETA é aquele dado pela aplicação do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal/Tabela de Correção Monetária - aprovado pela Resolução 561/2007 do Conselho da Justiça Federal - ao valor de 3.500 OTNs em dezembro de 1986, conforme a Lei nº 7.565/1986 (Código Brasileiro de Aeronáutica), devidamente corrigido e atualizado;

Seja condenada a Agência Nacional de Aviação Civil na obrigação de fazer, qual seja, de adotar como critério para atualização de valores do RETA os índices dados pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal/Tabela de Correção Monetária - aprovado pela Resolução 561/2007 do Conselho da Justiça Federal - ao valor de 3.500 OTNs em dezembro de 1986, conforme a Lei nº 7.565/1986 (Código Brasileiro de Aeronáutica), devidamente corrigido e atualizado, exigindo-se o seguro RETA das empresas aéreas conforme esse valor;

Seja condenada a empresa TAM Linhas Aéreas ao pagamento, a título de indenização correspondente ao seguro RETA pela morte de cada um dos tripulantes e passageiros do voo 3054, quantia correspondente ao valor dado, à data do acidente, pelos critérios indicados pelos pedidos de número 2, 3, 6 e 7, ou seja, pela aplicação da Tabela de Correção Monetária da Justiça Federal na correção do valor de 3500 OTNs do art. 281 do CBA ou a diferença entre esse valor e o pago antes do ajuizamento da presente ação a esse mesmo título;

Seja condenada a empresa Gol Linhas Aéreas Inteligentes ao pagamento, a título de indenização correspondente ao seguro RETA pela morte de cada um dos tripulantes e passageiros do voo 1907, quantia correspondente ao valor dado, à data do acidente, pelos critérios indicados pelos pedidos de número 2, 3, 6 e 7, ou seja, pela aplicação da Tabela de Correção Monetária da Justiça Federal na correção do valor de 3500 OTNs do art. 281 do CBA ou a diferença entre esse valor e o pago antes do ajuizamento da presente ação a esse mesmo título.


Alega o Parquet que a legislação vigente - Decreto-lei nº 73 e Lei nº 7.565 (Código Brasileiro de Aeronáutica) - estabelece, para o transporte aéreo, a obrigatoriedade de seguro de vida em favor de tripulantes e passageiros.

Não obstante o artigo 281 do CBA tenha fixado o valor da indenização em 3.500 OTNs, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) quantificou a indenização do seguro obrigatório RETA em R$ 14.223,64 (quatorze mil, duzentos e vinte e três reais e sessenta e quatro centavos), por ato administrativo, em violação ao princípio da legalidade e às normas que asseguram os direitos do consumidor, na medida em que o valor fixado não assegura a efetiva recomposição da moeda.

Afirma na petição inicial, ainda, que fez uma recomendação à ANAC, na esfera administrativa, para correção do procedimento, mas as medidas adotadas - consolidadas na Resolução nº 37/2008 - são insuficientes, pois não recompõem as perdas inflacionárias ocorridas no período de 1986 a 1995.

A r. sentença recorrida julgou parcialmente procedente o pedido para condenar a ANAC no cumprimento de obrigação de fazer consistente na adoção, como critério para atualização de valores do RETA, dos índices determinados pelo Manual da Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal aprovado pela Resolução nº 561/2007 do Conselho da Justiça Federal (e alterações supervenientes), aplicáveis ao valor de 3.500 OTN's, em dezembro de 1986, previsto na Lei nº 7.565/1986, para relações futuras, supervenientes ao advento deste provimento jurisdicional. O pedido foi julgado improcedente com relação às empresas aéreas TAM e GOL e à seguradora litisdenunciada SUL AMÉRICA SEGUROS.

De início, devem ser analisadas as questões preliminares.

A alegação de impossibilidade jurídica do pedido arguida pela ANAC deve ser rejeitada.

Ainda que se atribua originariamente à agência reguladora ou a outro órgão administrativo a competência para fixar os índices de correção do seguro obrigatório, é certo que qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito pode ser discutida judicialmente, vez que o Poder Judiciário é o guardião do ordenamento jurídico, na forma do artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal.

Também devem ser afastadas as alegações de inépcia da inicial e de ilegitimidade do Ministério Público, formuladas pela TAM.

A ação civil pública é o instrumento adequado para veicular pedidos envolvendo interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos e o Ministério Público tem competência para o seu ajuizamento, com amparo no artigo 129, III da Constituição Federal e nos artigos 5º, III, "e", e V, "b", da Lei Complementar nº 75/93.

Neste sentido tem se pronunciado a jurisprudência:


CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA SUSEP. SEGURO OBRIGATÓRIO - DPVAT. UNIÃO HOMOAFETIVA. PAGAMENTO A COMPANHEIRO(A). PRINCÍPIO DA ISONOMIA. ENTENDIMENTO SUFRAGADO PELO C. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. A legitimação ativa do Ministério Público enfeixe quer os interesses difusos, quer os coletivos, ambos transindividuais. Deveras, sendo difuso o direito perseguido, há de se reafirmar a indivisibilidade, eis que não poderá ser apreendido por alguém especificamente. Assim, a isonomia, o asseguramento da ausência de preconceito em quaisquer de suas formas, de modo que ao fixar e balizar esse regramento toda a sociedade se sente protegida e garantida. No que se refere aos direito coletivos é certo afirmar que são determináveis seus titulares: os excluídos da percepção do seguro decorrente do DPVAT. 2. Há evidente relevância social na postulação trazida com a inicial, de modo a provocar legalmente a atuação do MP, com fundamento inclusive no inciso II do art. 129, CF. 3. À SUSEP compete, na forma da lei, o exame e aprovação das condições de coberturas especiais, fixar condições de apólices etc. (DL 73/66) e ainda é certo que a recorrente editou a Resolução nº 56/2001, através da qual disciplinou a regras do seguro DPVAT. 4. A pretensão do autor da ação, ora apelado, é ver atendido o princípio constitucional da isonomia no que pertine ao eventual direito do companheiro homoafetivo poder receber a indenização de seguroDPVAT. Portanto, não se trata de buscar a declaração de inconstitucionalidade da norma de regência senão de compatibilizá-la com os princípios constitucionais. 5. O pedido trazido com a inicial volta-se à interpretação do artigo 4º da Lei nº 6.194/74, com redação dada pela Lei nº 8.441/92, no sentido de lhe elastecer o conceito de forma tal que o companheiro ou companheira poderão ser beneficiados, quer sejam hétero quer sejam homossexuais. 6. O reconhecimento da união entre homossexuais é decorrência do princípio da igualdade constitucionalmente previsto, quer se considere esse relacionamento homoafetivo como união estável, quer se reconheça como sociedade de fato. A todos os envolvidos nesses relacionamentos a Constituição Federal, antropocêntrica, empresta dignidade como pessoa humana e igualdade perante a lei. 7. Preliminares rejeitadas e apelação desprovida.
(TRF 3ª Região, AC 00265305020034036100AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1200097, Relatora Desembargadora Federal Marli Ferreira, e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/05/2016)
 RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL NA DEFESA DE INTERESSES DE BENEFICIÁRIOS DO SEGURO DPVAT - SUPERVENIENTE JULGAMENTO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO SOB O RITO DO ARTIGO 543-B DO CPC - JUÍZO DE RETRATAÇÃO DO ACÓRDÃO DA SEGUNDA SEÇÃO DISSONANTE DA NOVA ORIENTAÇÃO DO STF. Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual em defesa de beneficiários do seguro DPVAT. Alegado pagamento a menor das indenizações devidas pela seguradora. Acórdão estadual que, reformando a sentença extintiva do feito, reconheceu a legitimidade ativa ad causam do Ministério Público. Recurso especial da seguradora anteriormente provido pela Segunda Seção, considerada a ilegitimidade do parquet para, em substituição às vítimas de acidentes de trânsito, pleitear o pagamento de diferenças atinentes à indenização securitária obrigatória (DPVAT). Interposto recurso extraordinário pelo Ministério Público, cujo processamento foi sobrestado em razão da pendência de reclamo submetido ao rito do artigo 543-B do CPC. Julgado o mérito, pelo STF, do RE 631.111/GO, os autos retornaram à apreciação da Segunda Seção para exercício do juízo de retratação. 1. O Plenário do STF, quando do julgamento de recurso extraordinário representativo da controvérsia (RE 631.111/GO, Rel. Ministro Teori Zavascki, julgado em 07.08.2014, publicado em 30.10.2014), decidiu que o Ministério Público detém legitimidade para ajuizar ação coletiva em defesa dos direitos individuais homogêneos dos beneficiários do seguro DPVAT (seguro obrigatório, por força da Lei 6.194/74, voltado à proteção das vítimas de acidentes de trânsito), dado o interesse social qualificado presente na tutela dos referidos direitos subjetivos. 2. Súmula 470/STJ ("O Ministério Público não tem legitimidade para pleitear, em ação civil pública, a indenização decorrente do DPVAT em benefício do segurado."). Exegese superada em razão da superveniente jurisprudência do STF firmada sob o rito do artigo 543-B do CPC. 3. Juízo de retratação (artigo 543-B, § 3º, do CPC). 3.1. Recurso especial da seguradora desprovido, mantido o acórdão estadual que reconhecera a legitimidade ativaad causam do Ministério Público Estadual e determinara o retorno dos autos ao magistrado de primeira instância para apreciação da demanda. 3.2. Cancelamento da Súmula 470/STJ (artigos 12, parágrafo único, inciso III, e 125, §§ 1º e 3º, do Regimento Interno desta Corte). 
(STJ, RESP 200601208260RESP - RECURSO ESPECIAL - 858056, Relator Ministro Marco Buzzi, DJE DATA:05/06/2015)

Por fim, constato a legitimidade da TAM para figurar no polo passivo, na medida em que a responsabilidade legal pelo pagamento do seguro obrigatório é do transportador aéreo, ainda que ele contrate empresa seguradora para arcar com a despesa.

Não se vislumbra a hipótese, no caso concreto, a existência de litisconsórcio passivo necessário, na medida em que a pretensão do Ministério Público volta-se, de um lado, contra a ANAC (em relação aos critérios de reajuste fixados para o seguro obrigatório), e de outro lado contra as empresas TAM e GOL (em razão dos dois acidentes aéreos ocorridos).

Se o pedido for julgado procedente em relação à ANAC, todas as empresas aéreas, em consequência, sofrerão os impactos da decisão, o que não as legitima, contudo, a figurarem no polo passivo vez que a responsabilidade pelo ato aqui apontado como ilegal é da ANAC.

Se o pedido for julgado procedente em relação a TAM e a GOL, em decorrência dos acidentes ocorridos com suas aeronaves, é incontroverso que apenas elas (e eventualmente as empresas seguradoras por ela contratadas) devem arcar com o pagamento das indenizações, não havendo amparo para imputar responsabilidade às demais empresas aéreas não envolvidas nos sinistros.

Passo então à análise do mérito.

O objeto central da discussão aqui proposta é identificar se o valor da indenização do seguro obrigatório (RETA), devido pelo transportador aos tripulantes e passageiros, está sendo pago conforme determina a legislação.

O Código Brasileiro da Aeronáutica - Lei nº 7.565/86 - estabelece a responsabilidade civil do transportador aéreo por danos ocorridos durante a execução do contrato de transporte (artigo 281), observado o limite fixado no artigo 257, qual seja, de 3.500 OTNs.

Confira-se:


Art. 281. Todo explorador é obrigado a contratar o seguro para garantir eventual indenização de riscos futuros em relação:
I - aos danos previstos neste Título, com os limites de responsabilidade civil nele estabelecidos (artigos 257, 260, 262, 269 e 277) ou contratados (§ 1° do artigo 257 e parágrafo único do artigo 262);
II - aos tripulantes e viajantes gratuitos equiparados, para este efeito, aos passageiros (artigo 256, § 2°);
III - ao pessoal técnico a bordo e às pessoas e bens na superfície, nos serviços aéreos privados (artigo 178, § 2°, e artigo 267, I);
IV - ao valor da aeronave.
Parágrafo único. O recebimento do seguro exime o transportador da responsabilidade (artigo 250).
Art. 257. A responsabilidade do transportador, em relação a cada passageiro e tripulante, limita-se, no caso de morte ou lesão, ao valor correspondente, na data do pagamento, a 3.500 (três mil e quinhentas) Obrigações do Tesouro Nacional - OTN, e, no caso de atraso do transporte, a 150 (cento e cinqüenta) Obrigações do Tesouro Nacional - OTN.
§ 1° Poderá ser fixado limite maior mediante pacto acessório entre o transportador e o passageiro.
§ 2° Na indenização que for fixada em forma de renda, o capital par a sua constituição não poderá exceder o maior valor previsto neste artigo.

O Código Brasileiro de Aeronáutica - Lei nº 7.565/86 - foi regulamentado pelo Regulamento Brasileiro de Homologação Aeronáutica 47 - RBHA - 47, que estabelece e disciplina o "Funcionamento e Atividades do Sistema de Registro Aeronáutico Brasileiro (SISRAB)", bem como fixa o procedimento para a perfeita validade dos atos para os registros de aeronave, os atos conexos e subsequentes.

O Departamento de Aviação Civil (DAC) é denominado o órgão central do Sistema de Registro Aeronáutico Brasileiro (SISRAB).

O DAC foi substituído pela ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), criada pela Lei nº 11.182/2005, a quem foi incumbida a responsabilidade para a aplicação do critério de correção monetária do seguro obrigatório RETA, nos termos do artigo 8º, verbis:


Art. 8º -
(...)
XIII - regular e fiscalizar a outorga de serviços aéreos;
...
XLIV - deliberar, na esfera administrativa, quanto à interpretação da legislação, sobre serviços aéreos e de infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária, inclusive casos omissos, quando não houver orientação normativa da Advocacia-Geral da União;
XLV - deliberar, na esfera técnica, quanto à interpretação das normas e recomendações internacionais relativas ao sistema de segurança de vôo da aviação civil, inclusive os casos omissos;
XLVI - editar e dar publicidade às instruções e aos regulamentos necessários à aplicação desta Lei;

No uso das atribuições que lhe foram conferidas, a ANAC editou a Resolução nº 37, de 07 de agosto de 2008, dispondo sobre o valor do seguro obrigatório RETA, nos seguintes termos:


Art. 1º Estabelecer, para efeitos de conversão dos limites de indenização fixados no Título VIII do Código Brasileiro de Aeronáutica - CBAer em valores expressos em moeda corrente, o valor unitário da OTN em R$ 11,70 (onze reais e setenta centavos), considerado na fixação do quadro de responsabilidades previsto no Comunicado DECAT-001/95, atualizado pela Tabela de Correção Monetária para Condenações em Geral - Item 2.1 do Capítulo IV do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 561, de 02 de julho de 2007, do Conselho da Justiça Federal -, que aplica o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E a partir de 01/2001.
Art. 2º Adotar o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA como critério de atualização monetária do valor unitário da OTN definido nesta Resolução. Art. 3º Determinar às empresas aéreas que, no prazo de até 180 (cento e oitenta) dias, procedam à adequação dos contratos de seguro de que trata o art. 281 do CBAer, aos termos da presente Resolução. Parágrafo único. Aplica-se aos eventos ocorridos durante o prazo a que se refere o caput e que ensejem a responsabilização civil do explorador do transporte aéreo a atualização de que trata o artigo 2º, independentemente da adequação dos contratos de seguro.

Tal Resolução foi editada após a recomendação nº 12, feita pelo Ministério Público Federal, em de 05 de março de 2008.

Ou seja, após 08 de agosto de 2008, o órgão competente para determinar os critérios de atualização estabeleceu a aplicação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, nos moldes da Tabela de Correção Monetária para Condenações em Geral - Item 2.1 do Capítulo IV do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 561, de 02 de julho de 2007, do Conselho da Justiça Federal.

Afirma o Ministério Público Federal que a Resolução ANAC 37/2008 colocou uma pé de cal quanto às indenizações devidas a partir de 08 de agosto de 2008, eis que a atualização a ser aplicada ao montante de 3.500OTNs, qual seja, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-e), atende aos critérios que recompõem o valor da moeda, previstos na Resolução nº 561/2007, do Conselho da Justiça Federal.

Contudo, insurge-se o Parquet em relação às indenizações devidas no período de janeiro/95 a agosto/2008, já que a ANAC considerou adequados os critérios de atualização definidos pelo Instituto de Resseguros Brasil, no Comunicado DECAT 001, de 23/01/1995.

Pelo Comunicado, o valor da indenização, de 3.500 OTNS, foi fixado em R$ 14.223,64 (quatorze mil, duzentos e vinte três reais e sessenta e quatro centavos) e permaneceu vigente no período de 23/01/95 a 07/08/2008.

Veja como era o procedimento até então utilizado.

O Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), no uso das atribuições que lhe foram conferidas pelo artigo 32, III do Decreto-lei 73/66 ("III - Estipular índices e demais condições técnicas sobre tarifas, investimentos e outras relações patrimoniais a serem observadas pelas Sociedades Seguradoras"), editou as Resoluções ns. 09/87 e 12/89, que regulamentaram a contratação do seguro obrigatório RETA e previram a possibilidade de a SUSEP e o IRB expedirem normas complementares necessárias à utilização do seguro referido.

Consta do artigo 5º da Resolução nº 9/87 que:


Art. 5º - A Superintendência de Seguros Privados e o Instituto de Resseguros do Brasil, no âmbito de suas atribuições, poderão baixar as normas complementares que forem necessárias ao cumprimento do disposto nesta Resolução.

A Resolução CNSP nº 09/87 determinou a aplicação da OTN para correção dos valores do seguro (fls. 174/175).

Foi revogada pela Resolução CNSP nº 12/89 que estipulou que a correção fosse feita com base na BTN fiscal (fls. 164/165).

Neste contexto, o IRB lançou o Comunicado DECAT 003/89, que previu que o reajuste das apólices do seguro de responsabilidade do transportador seria realizado com base na BTN fiscal.

Tal Comunicado foi revogado pelo de nº 004/93, que determinou a aplicação da Taxa Referencial - TR para atualização das obrigações securitárias.

Os Comunicados ns. 004/94 e 001/95 adequaram os valores do seguro à moeda REAL e determinaram a desindexação das operações a partir de dezembro de 1994.

O Comunicado DECAT 001/95, expedido pelo IRB, fixou o valor da indenização, de 3.500 OTNS, em R$ 14.223,64 (quatorze mil, duzentos e vinte três reais e sessenta e quatro centavos). Teve aplicação no período de 23/01/95 a 07/08/2008.

Desde logo, parece claro que o Instituto de Resseguros do Brasil não tinha competência para fixar o índice de correção a ser aplicado ou até mesmo um valor fixo de indenização. Na forma do artigo 5º da Resolução nº 9/87, sua atribuição era apenas de editar normas complementares, necessárias ao cumprimento do disposto naquela Resolução.

A fim de subsidiar o procedimento administrativo previamente instaurado e a presente ação judicial, foi feito um cálculo pelo setor técnico do Ministério Público Federal, juntado às fls. 177/181, atestando que o valor de indenização adotado pelo Comunicado DECAT 001/95 "aparentemente está corrigido somente até 30/11/94, e assim mesmo, ao que tudo indica, sem incluir os expurgos desse período" (fl. 177).

A utilização da Tabela de Correção Monetária para Condenações em Geral - Item 2.1 do Capítulo IV do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 561, de 02 de julho de 2007, do Conselho da Justiça Federal, demonstra a enorme disparidade entre os valores adotados pelo IRB no Comunicado DECAT 001/95 e aqueles decorrentes da aplicação da Resolução CJF nº 561/2007.

Veja o conteúdo da informação do setor técnico:


Atendendo consulta de Vossa Excelência referente à identificação do "valor correspondente a 3500 OTN's" a que se refere o artigo 257 do Código Brasileiro de Aeronáutica, vigente desde dezembro de 1986, para as datas de setembro de 2006 (acidente com o voo 1907 da GOL), julho de 2007 (acidente com o voo 3054 da TAM), e para o mês atual, tenho a informar o que segue.
O valor mínimo de Responsabilidade Civil do Explorador ou Transportadora Aéreo - Garantia R.E.T.A., R$ 14.223,64, apresentado pelo IRB, aparentemente está corrigido somente até 30/11/1994, e assim mesmo, ao que tudo indica, sem incluir os expurgos desse período.
Embora os cálculos de atualização sejam relativamente simples, a questão comporta discussão em razão das mudanças de índices determinada pelos diversos planos econômicos adotados no período.
Para se ter uma ideia, à época da edição da Lei nº 7.565 (Código Brasileiro de Aeronáutica), em dezembro de 1986, o valor da OTN estava congelado em Cz$ 106,40, valor determinado para março/86. Posteriormente, reconheceu-se, em razão do novo valor de R$ 181,61, fixado para março/87, que o valor teórico da OTN em dezembro/86 (pro rata temporis) seria de Cz$ 121,17.
Daí, temos que as 3500 OTN's, considerando-se o valor congelado, equivalem a Cz$ 372.400,00; a considerar-se o valor teórico, tem-se Cz$ 424.095,00, ambos valores nas condições econômicas de dezembro/86, data de edição da lei.
A Tabela de Correção Monetária editada pelo Conselho da Justiça Federal, para aplicação às Ações Condenatórias em Geral, traz duas alternativas de correção: uma com a aplicação do IPCA-e, a partir de 01/2001 até os dias de hoje; outra com indicação do IPCA-e de 01/2001 a 12/2002, e SELIC a partir de 01/2003.
Dessa forma, anexo tabela com os valores mínimos para a Responsabilidade Civil do Explorador ou Transportador Aéreo - Garantia R.E.T.A., corrigidos até as datas dos acidentes mencionados, bem como para o mês de março/2008, considerando-se a aplicação do IPCA-e a partir de janeiro de 2.001. (fls. 177/178)

De acordo com a tabela elaborada pelo Perito Contábil do Ministério Público Federal, se for considerado o valor da OTN em Cz$ 106,40, pelos critérios de correção inscritos na Resolução CJF 561, a indenização de 3.500 OTNs equivale a:

Em setembro/2006 (data do acidente da GOL): R$ 112.805,03;

Em julho/2007 (data do acidente da TAM): R$ 116.489,52.

Se for considerado o valor da OTN em Cz$ 121,17, pelos critérios de correção inscritos na Resolução CJF 561, a indenização de 3.500 OTNs equivale a:

a) Em setembro/2006 (data do acidente da GOL): R$ 128.464,16;

b) Em julho/2007 (data do acidente da TAM): R$ 132.660,11.


Veja bem os números.

Os beneficiários do seguro obrigatório RETA receberam, por força do Comunicado DECAT 001/95, o valor de R$ 14.223,64, a título de indenização.

Se fossem aplicados os critérios de correção inscritos na Tabela de Correção Monetária da Justiça Federal a indenização seria aproximadamente dez vezes maior.

Não se trata de uma diferença "aceitável", mas absolutamente gritante.

Embora os valores pagos aos beneficiários fossem aqueles determinados pelos atos normativos então vigentes, todos de natureza infralegal, está devidamente demonstrado que eles não refletiam o verdadeiro montante fixado pelo legislador, qual seja, 3.500 OTNs.

Não se cuida, aqui, de afirmar que o Poder Judiciário pode fazer as vezes de legislador positivo e substituir-se aos órgãos originariamente competentes, fixando critérios de correção monetária ao seu bel prazer.

Em primeiro lugar, para que se legitime a atuação judicial é preciso que fique demonstrada a existência de lesão ou ameaça a direito, como determina o inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal.

Em segundo lugar, a decisão judicial deve buscar soluções dentro do ordenamento jurídico, devidamente fundamentadas.

Pois bem.

Do simples cálculo aritmético feito pelo Perito Judicial do Ministério Público, constata-se que não houve a correta atualização do montante de 3.500 OTNs e que o valor pago aos beneficiários do seguro obrigatório RETA está aquém do devido.

Portanto, é legítima a intervenção judicial.

Neste sentido:


RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. LAUDO PERICIAL. HOMOLOGAÇÃO. IMPUGNAÇÃO POR AMBAS AS PARTES. ART. 475-J DO CPC. MULTA. NÃO CABIMENTO. VALORES HISTÓRICOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. INCIDÊNCIA. TERMO INICIAL. 1. A multa de 10% (dez por cento) sobre o montante da condenação, prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil, na liquidação de sentença, é aplicável quando a decisão que a resolve não se encontra mais sujeita à impugnação. 2. O Superior Tribunal de Justiça firmou a compreensão de que a correção monetária não constitui um acréscimo indevido à dívida, porquanto apenas recompõe o valor real da moeda, corroído pela inflação ao longo do tempo. Sua observância prescinde, inclusive, de prévio ajuste entre as partes contratantes ou de pedido expresso nesse sentido. 3. A decisão que, na fase de cumprimento de sentença, deixa de assegurar ao credor a indispensável atualização monetária dos valores devidos não cumpre seu papel preponderante de restabelecer o status quo ante, impondo-lhe, não obstante o reconhecimento judicial do seu direito, uma tutela jurisdicional imperfeita, que não contempla a efetiva recomposição do poder aquisitivo da moeda. 4. A liquidação de sentença tem a finalidade de encontrar o valor de uma dívida preexistente e reconhecida por decisão judicial transitada em julgado. A decisão a ser proferida nessa fase deve expressar a importância atualizada a ser paga. Caso o laudo pericial aponte valores históricos, impõe-se que seja determinada a correção monetáriacorrespondente. 5. Recurso especial parcialmente provido.
(STJ, RESP 201400761916RESP - RECURSO ESPECIAL - 1446712, Relator Ministro Ricardo Villas Boas Cuevas, DJE DATA:03/11/2015)

De outro lado, a tabela de correção monetária editada pelo Conselho da Justiça Federal adota os índices já consolidados pela jurisprudência pátria, não apresentando qualquer inovação na ordem jurídica.

Neste sentido, cito precedentes desta 6ª Turma:


TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. DÉBITOS FISCAIS APURADOS PELA TRD. ART. 80 DA LEI 8.383/91. CORREÇÃO MONETÁRIA. APLICABILIDADE. PRELIMINARES. 1. As preliminares argüídas, em sede de contestação, pela União Federal (Fazenda Nacional), não merecem prevalecer. O provimento jurisdicional requerido é adequado à veiculação da pretensão das contribuintes. O pedido declaratório é juridicamente possível, encontra-se previsto na Lei Processual Civil e preenche a petição inicial os requisitos legalmente exigidos. Ainda, não é o pedido genérico, a clamar por sentença de índole normativa. Os valores cuja compensação pretendem, referem-se a período balizado por lei e são perfeitamente aferíveis, assim, afastada a imputação de guardarem natureza genérica e de índole normativa. Por derradeiro, a sua alegação de ser parte ilegítima para figurar no pólo passivo da demanda, em razão de abranger o pedido contribuições previdenciárias, foi superada pela integração à lide do INSS, o qual, regularmente citado, apresentou a sua defesa. Preliminares rejeitadas. 2. A Lei 8.383/91, que instituiu a Unidade Fiscal de Referência - UFIR, previu expressamente, em seu art. 80, o direito à compensação dos valores pagos a título de encargo à TRD sobre tributos recolhidos, a partir de 04/02/91. 3. Sendo a correção monetária simples recomposição do valor de troca da moeda, sem nada acrescentar, deve ser levada em conta na apuração do crédito do contribuinte perante a Fazenda Pública, como sói ocorrer quanto aos tributos devidos a esta por aquele. Do contrário, restaria diminuída a expressão econômica do direito, importando em enriquecimento sem causa do Fisco. 4. Assente que a TRD para a correção dos débitos fiscais, enquanto perdurou, revelou ilícita majoração dos encargos, do que surgiu crédito para quem a suportou, apto a ser compensado na forma legal, fica evidente a validade da atualização monetária, desde o pagamento indevido até a data da efetiva compensação (Súmula nº 162, STJ). 5. Assim, o montante, cuja compensação pretendem as contribuintes e se fará observados os critérios postos pela Lei nº 8.383/91, deverá ser corrigido, desde os recolhimentos indevidos, segundo o enunciado na Súmula nº 162 do C. Superior Tribunal de Justiça, utilizando-se os critérios e índices amplamente aceitos pela jurisprudência e consolidados na Resolução nº 561/07. Entretanto, conforme previsto na própria Resolução 561/07, por força do disposto no art. 39, § 4º, da Lei nº 9.250/95, a partir de 01 de janeiro de 1.996, aplicar-se-á a SELIC, de forma exclusiva sobre o valor do crédito tributário expresso em reais, ou seja, sem a utilização concomitante de outro índice, seja a título de juros ou correção monetária. 6. Precedentes desta Corte.
(TRF 3ª Região, APELREEX 00540498319924036100APELREEX - APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO - 846913Relator Desembargador Federal Mairan Maia, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/01/2011 PÁGINA: 354)
AGRAVO LEGAL. ADICIONAL AO FRETE PARA RENOVAÇÃO DA MARINHA MERCANTE - AFRMM. REPETIÇÃO DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. CORREÇÃO MONETÁRIA. CABIMENTO. 1. A própria ré reconheceu, em sua contestação (fls. 108/112), que a autora recolheu valores indevidos a título de AFRMM, no montante de Cr$1.095.253,45 (hum milhão, noventa e cinco mil, duzentos e cinquenta e três cruzeiros e quarenta e cinco centavos), tendo sido autorizada oficial e administrativamente a restituição daquele valor, sem a incidência de juros e correção monetária, inexistindo controvérsias quanto a estes fatos. 2. No tocante a necessidade de aplicação da correção monetária, pacífico é o entendimento segundo o qual esta se constitui mera atualização do capital, e visa restabelecer o poder aquisitivo da moeda, corroída pelos efeitos nocivos da inflação. 3. A recomposição dos valores deve refletir, o quanto possível, as perdas monetárias ocorridas no período reclamado para consolidar a justa reparação de direito não satisfeito à época, pois em caso contrário estaria havendo locupletamento por parte do Fisco. 4. Os créditos do contribuinte, restituídos administrativamente, devem ser atualizados monetariamente desde a data do recolhimento indevido (Súmula STJ 162) até a data da restituição, com aplicação dos critérios de correção monetária previstos na Resolução nº 561, de 02/07/2007, do E. Conselho da Justiça Federal. 5. São cabíveis juros mora pela taxa SELIC, a partir de 1º de janeiro de 1996, com fulcro no art. 39, § 4º da Lei nº 9.250/95, afastada a aplicação de qualquer outro índice a título de juros e de correção monetária a partir da sua incidência. 6. Não há elementos novos capazes de alterar o entendimento externado na decisão monocrática. 7. Agravo legal improvido.
(TRF 3ª Região, AC 05062370319834036100, AC 740911, Relatora Desembargadora Federal Consuelo Yoshida, e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/08/2012)

A r. sentença recorrida, apesar de reconhecer a adequação dos critérios de correção monetária previstos na Resolução CJF nº 561/2007, apenas determinou sua aplicação aos eventos futuros, em respeito ao princípio da segurança jurídica e da confiança legítima.

Ora, é justamente por força de tais princípios que deve ser aplicada a justa indenização aos beneficiários do seguro obrigatório RETA, que têm direito a receber o valor atualizado correspondente a 3.500 OTNs. Nem mais, nem menos.

Pelo exposto, rejeito a matéria preliminar, dou provimento à remessa oficial e às apelações do MPF e da AFAVITAM - Associação de Familiares e Amigos das Vítimas do Voo TAM JJ 3054, para julgar procedente a pretensão formulada e nego provimento à apelação da ANAC.

É o voto.



LEILA PAIVA
Juíza Federal Convocada


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