Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 09/11/2017
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0015650-27.2015.4.03.6181/SP
2015.61.81.015650-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : JAMILDO SILVA RAMOS
ADVOGADO : SP285649 FLAVIO TOFFOLI e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00156502720154036181 9P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DO ARTIGO 32 DA LEI 9.605/98. ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS DA MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS, BEM COMO DE SEU ELEMENTO SUBJETIVO ESPECÍFICO. PRINCÍPIO JURÍDICO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. ARTIGO 386, VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. APREENSÃO DE DEZ PÁSSAROS SILVESTRES IRREGULARMENTE MANTIDOS EM CATIVEIRO DOMICILIAR PELO ACUSADO, EM CLARO DESACORDO COM O ARTIGO 32, II E III, DA INSTRUÇÃO NORMATIVA IBAMA N. 10/2011. USO DE ANILHAS, SABIDAMENTE, FALSIFICADAS OU ADULTERADAS, EM TESE, CADASTRADAS NO IBAMA, ILICITAMENTE MANTIDAS APOSTAS PELO RÉU NOS TARSOS DE PARTE DE SEUS PASSERIFORMES. CRIMES DO ARTIGO 29, § 1º, III, DA LEI 9.605/98, E DO ARTIGO 296, §1, I, DO CÓDIGO PENAL, PERPETRADOS EM CONCURSO MATERIAL. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO INAPLICÁVEL NO CASO EM APREÇO. CONFLITO APARENTE DE NORMAS INEXISTENTE. BENS JURÍDICOS DIVERSOS. CONDUTAS AUTÔNOMAS. MATERIALIDADE E AUTORIA SUFICIENTEMENTE COMPROVADAS. DOLO INEQUÍVOCO. INOCORRÊNCIA DE EVENTUAL ERRO SOBRE A ILICITUDE DOS FATOS OU MESMO SOBRE OS ELEMENTOS DO TIPO. PERDÃO JUDICIAL PREVISTO NO ARTIGO 29, § 2º, DA LEI 9.605/98, INAPLICÁVEL NA HIPÓTESE, ANTE AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO, A EXTRAPOLAREM O DELITO AMBIENTAL. DOSIMETRIA E SUBSTITUIÇÃO DA NOVA SOMA DAS PENAS CORPORAIS REMANESCENTES IMPOSTAS AO RÉU, EM CONCURSO MATERIAL, PRESERVANDO-SE O REGIME INICIAL ABERTO, POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITOS, CONSISTENTES EM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE E EM PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA ORA REDUZIDA PARA UM SALÁRIO MÍNIMO EM FAVOR DA UNIÃO FEDERAL, EM CONSONÂNCIA COM A SITUAÇÃO SOCIOECONÔMICA DESFAVORÁVEL DO ACUSADO. CONCESSÃO DA JUSTIÇA GRATUITA. EXCLUSÃO, AINDA QUE EX OFFICIO, DO VALOR MÍNIMO REPARATÓRIO INDEVIDAMENTE FIXADO PELO JUÍZO FEDERAL DE ORIGEM, EM DETRIMENTO DA GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. APELO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO.
1. O apelante foi condenado, em concurso material, pela prática dos delitos previstos nos artigos 29, § 1º, III, e 32, ambos da Lei 9.605/98, e no artigo 296, § 1º, I, do Código Penal.
2. Em suas razões recursais (138/156), a defesa de JAMILDO SILVA RAMOS pleiteia a reforma da r. sentença, para que seja absolvido das imputações delitivas descritas no artigo 296, § 1º, I, do Código Penal, e nos artigos 29, § 1º, III, e 32, ambos da Lei 9.605/98, em concurso material, com fundamento no artigo 386, IV, V e VII, do Código de Processo Penal, ou ainda, seja aplicado o princípio da consunção em relação ao crime-meio previsto no artigo 296, § 1º, I, do Código Penal, alegando, em síntese: (i) desconhecer que os passarinhos estavam com anilhas inadequadas ou falsificadas; (ii) falta de provas de que tenha falsificado ou adulterado as anilhas; (iii) que agiu pensando estar de acordo com a lei, pois havia efetuado o cadastro no IBAMA; (iv) que teria apenas passado a cuidar bem de um pássaro já anilhado o qual simplesmente aparecera em sua casa com fome; (v) ausência de dolo e erro inevitável sobre a ilicitude do fato; (vi) que mantinha as gaiolas sempre limpas, com comida e água; (vii) inexistência de perícia para constatação dos maus-tratos; (viii) que faria jus ao perdão judicial previsto no artigo 29, § 2º, da Lei 9.605/98. Subsidiariamente, requer ainda seja reduzida sua pena cumulativa de multa para abaixo de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos, bem como seja reduzida sua pena de prestação pecuniária para apenas um salário mínimo vigente à época dos fatos, devendo, ademais, ser sua pena de prestação de serviços à comunidade harmonizada à sua jornada normal de trabalho. Por fim, pugna pela concessão da gratuidade da justiça, isentando-o de custas nos termos do artigo 804 do Código de Processo Penal e do artigo 98 da Lei 13.105/2015.
3. De início, não há se falar em conflito aparente de normas entre os tipos penais descritos no artigo 296, § 1º, I, do Código Penal (uso de anilhas do IBAMA falsas ou adulteradas) e no artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98 (guarda irregular de pássaros silvestres, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente), a resultar em equivocada absorção do primeiro (suposto delito-meio) pelo segundo (pretenso delito-fim), a despeito do pugnado, subsidiariamente, pela defesa à fl. 155 de suas razões recursais.
4. Cumpre observar que os tipos penais em epígrafe tutelam bens jurídicos distintos (o primeiro, a fé pública; o segundo, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, destacadamente, a fauna silvestre), além de decorrerem de condutas diversas e autônomas, razão pela qual não se vislumbra, na presente hipótese, a incidência do princípio da consunção.
5. Diversamente do sustentado pela defesa, os elementos de cognição demonstram que o criador amador JAMILDO SILVA RAMOS (CTF n. 5693977), de forma livre e consciente, mantinha, irregularmente, em cativeiro domiciliar, 10 (dez) pássaros silvestres, consistentes em 02 (dois) papa-capim-escuro (Sporophila ardesiaca), 04 (quatro) picharro ou trinca-ferro (Saltator similis), 03 (três) galo-da-campina (Paroaria dominicana) e 01 (um) sabiá-laranjeira (Turdus rufiventris), sem estarem devidamente anilhados (parte deles sem qualquer anilha, com anilha falsa ou adulterada ou mesmo não constante na respectiva relação de passeriformes do IBAMA em nome do acusado), todos em desacordo com eventual licença, permissão ou autorização obtida de órgão ambiental competente, nos termos do artigo 32, II e III, da Instrução Normativa IBAMA n. 10/2011, os quais vieram a ser apreendidos por policiais militares ambientais, em 10/06/2015, na própria residência do réu, no Município de São Paulo/SP, notadamente, sem portar relação de passeriformes atualizada no endereço de seu plantel físico, além de incorrer, também de maneira livre e consciente, no uso de, pelo menos, 02 (duas) anilhas do IBAMA falsificadas ou adulteradas mecanicamente (diâmetros acima do normativamente permitido para cada espécie), constantes nos tarsos dos respectivos passeriformes objeto da mesma vistoria ambiental [anilhas IBAMA "OA 3,5 512901" (picharro) e "OA 3,5 285490" (galo-de-campina)].
6. De fato, restaram incontestes a materialidade e autoria delitivas, assim como o dolo do réu, em relação à prática dos delitos previstos no artigo 296, § 1º, I, do Código Penal, e no artigo 29, § 1º, III, em concurso material, não se olvidando da natureza diversa dos bens jurídicos penalmente tutelados em cada um dos tipos penais em comento, respectivamente, a fé pública e a proteção ao meio ambiente (destacadamente, a fauna silvestre), nem havendo de cogitar, na hipótese, eventual erro sobre a ilicitude do fato ou mesmo sobre os elementos do tipo, ou tampouco o perdão judicial previsto no artigo 29, § 2º, da Lei 9.605/98, ante as circunstâncias do caso concreto a extrapolarem o delito ambiental (uso de anilhas identificadoras, comprovadamente, falsificadas ou adulteradas, em tese, cadastradas no IBAMA), sendo mantido, de rigor, o decreto condenatório nesse ponto, independentemente da não realização de exame pericial formal quanto à autenticidade das anilhas.
7. Por outro lado, a despeito da posição adotada pelo magistrado sentenciante (fls. 122/131), inexistem elementos suficientes nos autos a comprovarem que "JAMILDO" tenha, de fato, realizado quaisquer dos núcleos do tipo incriminador descrito no artigo 32 da Lei 9.605/98, tampouco restando caracterizada no caso concreto a necessária presença do elemento subjetivo específico do delito em comento, consistente na inequívoca vontade de maltratar os animais silvestres em tela, não obstante a grande quantidade sujeira, efetivamente, constatada pelos policiais militares ambientais nas gaiolas de seus passeriformes no momento específico da ação fiscalizatória, em consonância com o Laudo Técnico do CRAS-PET (fl. 42), impondo-se de rigor a reforma da r. sentença condenatória, para absolvê-lo do delito de maus-tratos, em observância ao princípio jurídico da presunção de inocência (in dubio pro reo), nos termos do artigo 386, VII, do Código de Processo Penal, comportando provimento, nessa parte, o apelo defensivo.
8. Dosimetria e substituição da soma das sanções corporais remanescentes impostas ao réu na r. sentença, já no mínimo patamar legal (adstrito aos limites da Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça), pela prática delitiva descrita no artigo 296, § 1º, I, do Código Penal, e no artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98, em concurso material, por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, pelo mesmo tempo da nova soma das penas privativas de liberdade substituídas, e em prestação pecuniária ora reduzida para um salário mínimo em favor da União Federal, em consonância com a situação socioeconômica desfavorável do acusado (fls. 157/166).
9. In casu, inexistindo pedido expresso para fixação do valor mínimo de reparação dos danos, restou excluído da condenação o mínimo valor reparatório indevidamente fixado pelo magistrado sentenciante (artigo 387, IV, do Código de Processo Penal), em detrimento da garantia da ampla defesa e do contraditório ao acusado.
10. Na oportunidade, concedeu-se o pedido de gratuidade de justiça, na forma do artigo 98 da Lei 13.105/2015, atendendo, nesse ponto, ao pleito defensivo formulado à fl. 156.
11. Recurso defensivo parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao apelo da defesa, apenas para (i) reformar a r. sentença, absolvendo o acusado JAMILDO SILVA RAMOS do delito do artigo 32 da Lei 9.605/98, em observância ao princípio jurídico da presunção de inocência (in dubio pro reo), com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal; (ii) recalcular, por conseguinte, a soma das sanções corporais remanescentes a ele aplicadas na r. sentença, pelo cometimento da prática delitiva descrita no artigo 296, § 1º, I, do Código Penal, e no artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98, em concurso material entre si, em apenas 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de pena privativa de liberdade (a saber, dois anos de reclusão pelo crime contra a fé pública e seis meses de detenção pelo delito de guarda ilícita de espécimes da fauna silvestre), preservando-se o regime inicial aberto, na forma dos artigos 69 e 33, § 2º, "c", e § 3º, ambos do Código Penal; (iii) substituir a nova soma das penas corporais remanescentes impostas a "JAMILDO" por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (preferencialmente em entidade de proteção a animais), pelo mesmo prazo da soma das sanções corporais substituídas, e em prestação pecuniária reduzida para o valor de 01 (um) salário-mínimo, em favor da União Federal, em consonância com a situação socioeconômica desfavorável do réu (fls. 157/166), nos moldes do artigo 45, § 1º, do Código Penal, e do artigo 12 da Lei 9.605/98; (iv) conceder ao réu a gratuidade da justiça, nos termos do artigo 98 da Lei 13.105/2015; e (v) ex officio, extirpar da condenação o valor mínimo reparatório indevidamente fixado pelo magistrado sentenciante (artigo 387, IV, do Código de Processo Penal), em detrimento da garantia da ampla defesa e do contraditório ao acusado, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 24 de outubro de 2017.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0015650-27.2015.4.03.6181/SP
2015.61.81.015650-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : JAMILDO SILVA RAMOS
ADVOGADO : SP285649 FLAVIO TOFFOLI e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00156502720154036181 9P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de apelação criminal interposta por JAMILDO SILVA RAMOS em face da sentença proferida pelo Juízo Federal da 9ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP, que condenou o réu pela prática delitiva capitulada no artigo 296, § 1º, I, do Código Penal, e nos artigos 29, § 1º, III, e 32, ambos da Lei 9.605/98, tudo em concurso material.

Narra a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (fls. 57/61):

Aos 10 de junho de 2015, na Rua Árvore do Papel n.º 319 da cidade de São Paulo/SP, Jamildo da Silva Ramos mantinha em cativeiro 10 (dez) pássaros da fauna silvestre, cuja criação depende de autorização do Ibama.
Entretanto, das aves apreendidas, apenas três possuíam anilhas, sendo que quando da entrega dos animais no CRAS-PET - Centro de Recuperação de Animais Silvestres, constatou-se a irregularidade das mesmas.
No dia e local dos fatos, os policiais militares compareceram ao endereço supracitado com fins de verificar denúncia de aves mantidas em cativeiro de maneira ilegal. Os agentes foram recebidos por Jamildo Silva Santos que lhes franqueou a entrada e mostrou as aves.
Constatou-se que o acusado mantinha 02 (dois) exemplares de Papa-capim-Escuro, 04 (quatro) Picharros, 03 (três) Galos da Campina e 01 (um) Sabiá Laranjeira. Todos os pássaros encontravam-se em gaiolas localizadas no quintal do domicílio do denunciado.
Na ocasião, Jamildo Silva Ramos, foi interrogado às fls. 07/08, e perante a autoridade policial declarou que os pássaros que estavam em seu poder sem anilhas teriam aparecido "com fome em sua casa e o interrogado resolveu cuidar deles".
Três deles possuíam anilhas, das quais apenas duas estavam em seu nome. No que concerne à ave com a anilha que não consta de sua relação, o interrogado alega tê-la comprado de uma pessoa de quem não sabe informar nem nome, nem telefone, tampouco endereço.
Conforme o parecer técnico do centro de recuperação de animais silvestres do parque ecológico do tietê, acostado à fl. 42, evidenciaram-se múltiplas irregularidades na identificação e manutenção das aves na posse de Jamildo Silva Ramos.
Primeiramente cumpre ressaltar que sete dos dez espécimes silvestres nativos apreendidos foram flagrados sem as devidas anilhas de identificação em clara desconformidade com a lei. Com efeito, a materialidade delitiva do crime previsto no artigo 29, § 1º, III da Lei nº. 9.605/98 restou devidamente comprovada pelos documentos juntados aos autos às fls. 13/33, especialmente pelo Auto de Infração Ambiental (fl. 13 e fl. 20) e pelo parecer técnico de fl. 42.
Outros três exemplares possuíam anilhas de identificação irregulares, sendo que todas estavam com diâmetro acima do permitido. Tal desconformidade sugere que tais anilhas teriam sido ou falsificadas, ou adulteradas mecanicamente, conforme esclarece o parecer técnico de fl. 42 e documentos de fls. 27/29.
Ademais, da análise de uma das aves anilhadas, feita pelos profissionais do CRAAS, observou-se que possuía uma calcificação no dedo indicando que a anilha em questão teria sido colocada no animal já adulto, conforme o depoimento dos Policiais Militares acostado aos autos às fls. 03/06. Resta, portanto, comprovada a materialidade delitiva do crime previsto no artigo 296, § 1º, III do Código Penal.
Por fim, os animais foram encontrados em flagrante maus tratos sendo verificada a falta de higiene das gaiolas em que estavam. Além disso, constatou-se em parecer técnico que os animais apresentavam comportamentos que indicavam terem sido recém capturados da natureza, demonstrando intolerância ao cativeiro e lesões causadas pelas tentativas constantes de fuga. Pelo tudo quanto o exposto, resta caracterizada a materialidade delitiva do crime previsto no artigo 32 da lei 9605/98.
O laudo técnico de fl. 42 foi categórico em apontar que a totalidade dos animais eram próprios da fauna brasileira. O laudo em questão também atestou as irregularidades na identificação dos animais apontadas pelo Auto de Infração Ambiental e pelo depoimento dos policiais, reafirmando a possibilidade de incidência de delito de falsificação nas anilhas de identificação dos pássaros apreendidos, bem como os maus tratos às aves.
Ademais, o laudo técnico de fl. 42 atestou a materialidade da conduta típica do crime de falsificação de selo ou sinal público, Artigo 296, § 1º, III do Código Penal, ao concluir pela falsidade das três anilhas de identificação utilizadas pelo IBAMA para o devido controle da circulação de espécimes aviários, as quais restaram adulteradas e falsificadas de modo a ocultar a conduta criminosa de manutenção em cativeiro não autorizado de animais. As anilhas declaradas inidôneas continham os seguintes números de registro: BSCO 4655 26 2001-N6, IBAMA OA 3,5 512901, IBAMA OA 3,5 285490.
Assim, a materialidade delitiva resta devidamente comprovada nos autos, demonstrando a existência dos crimes previstos nos artigos citados, seja pela manutenção em cativeiro de espécies nativas sem a autorização do IBAMA, seja pelo uso de selo de identificação do órgão da Administração Pública falso ou adulterado, ambas condutas típicas totalmente atestadas pelos documentos acostados aos autos.
Quanto à autoria delitiva, também não há dúvidas, restando esta cabalmente provada, seja pelo auto de infração ambiental - o qual discrimina os animais e as condições em que foram encontrados na posse do denunciado, seja por seu interrogatório acostado aos autos às fls. 07/08. Resta, portanto, claro que as aves em situação irregular encontravam-se na posse do denunciado e em sua residência sem a devida autorização do IBAMA para tal.
Diante do exposto, o Ministério Público Federal denuncia JAMILDO SILVA RAMOS como incurso nas penas do artigo 29, § 1º, inciso III c/c § 4º, inciso I, da Lei n.º 9.605/98 e artigo 296, § 1º, inciso III, do Código Penal [...].

A denúncia foi recebida em 07/01/2016 (fls. 62/63).

Resposta à acusação (fls. 65/73 e 80).

Instado a se manifestar (fl. 82), o Parquet Federal veio aditar a denúncia (fl. 83), recapitulando as condutas ora imputadas ao acusado para os tipos penais descritos nos artigos 29, § 1º, III, e 32, ambos da Lei 9.605/98, e no artigo 296, § 1º, I, do Código Penal, "e não no artigo 296, § 1º, III do Código Penal, conforme prescrito na denúncia" (mero erro material).

Manifestação ministerial acerca da resposta à acusação (fls. 84/87).

Decisão recebendo o aditamento da denúncia de fl. 83 ("observando que apenas houve a alteração da capitulação jurídica empregada pelo Ministério Público Federal na inicial, mantendo-se a mesma, sem qualquer modificação, a descrição dos fatos imputados na denúncia", razão pela qual se deixou de determinar nova citação do acusado), bem como afastando as hipóteses de absolvição sumária previstas no artigo 397 do Código de Processo Penal e determinando o prosseguimento do feito (fls. 88/89).

Autos de Infração Ambiental n. 320496 (fl. 13) e n. 320497 (fl. 20); ficha-controle de entrada de animais (fl. 14); Boletim de Ocorrência Ambiental (fls. 15 e 17); Termo de Destinação (fl. 16); Termo de Apreensão (fl. 19); registro fotográfico (fls. 21/32); comprovantes de registro de criador amador de passeriformes (fls. 34 e 77); Parecer Técnico com análise da presença de maus-tratos (fl. 42); Informação n. 337/2015/NUCRIM (fl. 49); relatório policial (fls. 51/52); alteração de inscrição de pessoa física no CTF/APP (fl. 78); relação de passeriformes cadastrados em nome do réu (fl. 79); depoimentos das testemunhas em sede policial (fls. 03/06) e em juízo (fls. 104/107 e 109-mídia); interrogatório do acusado em sede policial (fls. 07/08) e em juízo (fls. 108/109-mídia).

Alegações finais da acusação (fls. 112/114) e da defesa (fls. 115/120).

Após regular instrução, sobreveio a sentença de fls. 122/131, que julgou procedente a denúncia para condenar JAMILDO SILVA RAMOS a 02 (dois) anos e 09 (nove) meses de pena privativa de liberdade, em regime inicial aberto, e 30 (trinta) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos, sendo 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, pela prática delitiva descrita no artigo 296, § 1º, I, do Código Penal, 06 (seis) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa, pela imputação do crime previsto no artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98, e 03 (três) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa, pelo cometimento do delito do artigo 32 da Lei 9.605/98, tudo em concurso material, ficando substituída a soma das penas corporais por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade preferencialmente em entidade de proteção a animais e em "multa" (sic, prestação pecuniária) correspondente a 10 (dez) salários mínimos em favor de entidade beneficente a ser designada pelo Juízo de Execução. No mais, restou arbitrado o valor mínimo de reparação de danos causados pela infração ao meio ambiente e ao IBAMA em 15 (quinze) salários mínimos em favor do IBAMA.

Publicada a sentença em 21/09/2016 (fl. 132).

Apela JAMILDO SILVA RAMOS (fls. 137/156), pleiteando a reforma da r. sentença, para que seja absolvido das imputações delitivas descritas no artigo 296, § 1º, I, do Código Penal, e nos artigos 29, § 1º, III, e 32, ambos da Lei 9.605/98, em concurso material, com fundamento no artigo 386, IV, V e VII, do Código de Processo Penal, ou ainda, seja aplicado o princípio da consunção em relação ao crime-meio previsto no artigo 296, § 1º, I, do Código Penal, alegando, em síntese: (i) desconhecer que os passarinhos estavam com anilhas inadequadas ou falsificadas; (ii) falta de provas de que tenha falsificado ou adulterado as anilhas; (iii) que agiu pensando estar de acordo com a lei, pois havia efetuado o cadastro no IBAMA; (iv) que teria apenas passado a cuidar bem de um pássaro já anilhado o qual simplesmente aparecera em sua casa com fome; (v) ausência de dolo e erro inevitável sobre a ilicitude do fato; (vi) que mantinha as gaiolas sempre limpas, com comida e água; (vii) inexistência de perícia para constatação dos maus-tratos; (viii) que faria jus ao perdão judicial previsto no artigo 29, § 2º, da Lei 9.605/98. Subsidiariamente, requer ainda seja reduzida sua pena cumulativa de multa para abaixo de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos, bem como seja reduzida sua pena de prestação pecuniária para apenas um salário mínimo vigente à época dos fatos, devendo, ademais, ser sua pena de prestação de serviços à comunidade harmonizada à sua jornada normal de trabalho. Por fim, pugna pela concessão da gratuidade da justiça, isentando-o de custas nos termos do artigo 804 do Código de Processo Penal e do artigo 98 da Lei 13.105/2015.

Contrarrazões ministeriais (fls. 172/175), pelo não provimento do apelo da defesa.

Parecer da Procuradoria Regional da República (fls. 177/181), pelo desprovimento do recurso defensivo.

É o relatório.

À revisão.

JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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Data e Hora: 20/09/2017 15:50:21



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0015650-27.2015.4.03.6181/SP
2015.61.81.015650-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : JAMILDO SILVA RAMOS
ADVOGADO : SP285649 FLAVIO TOFFOLI e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00156502720154036181 9P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

O apelante foi condenado, em concurso material, pela prática dos delitos previstos nos artigos 29, § 1º, III, e 32, ambos da Lei 9.605/98, e no artigo 296, § 1º, I, do Código Penal.

Em suas razões recursais (138/156), a defesa de JAMILDO SILVA RAMOS pleiteia a reforma da r. sentença, para que seja absolvido das imputações delitivas descritas no artigo 296, § 1º, I, do Código Penal, e nos artigos 29, § 1º, III, e 32, ambos da Lei 9.605/98, em concurso material, com fundamento no artigo 386, IV, V e VII, do Código de Processo Penal, ou ainda, seja aplicado o princípio da consunção em relação ao crime-meio previsto no artigo 296, § 1º, I, do Código Penal, alegando, em síntese: (i) desconhecer que os passarinhos estavam com anilhas inadequadas ou falsificadas; (ii) falta de provas de que tenha falsificado ou adulterado as anilhas; (iii) que agiu pensando estar de acordo com a lei, pois havia efetuado o cadastro no IBAMA; (iv) que teria apenas passado a cuidar bem de um pássaro já anilhado o qual simplesmente aparecera em sua casa com fome; (v) ausência de dolo e erro inevitável sobre a ilicitude do fato; (vi) que mantinha as gaiolas sempre limpas, com comida e água; (vii) inexistência de perícia para constatação dos maus-tratos; (viii) que faria jus ao perdão judicial previsto no artigo 29, § 2º, da Lei 9.605/98. Subsidiariamente, requer ainda seja reduzida sua pena cumulativa de multa para abaixo de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos, bem como seja reduzida sua pena de prestação pecuniária para apenas um salário mínimo vigente à época dos fatos, devendo, ademais, ser sua pena de prestação de serviços à comunidade harmonizada à sua jornada normal de trabalho. Por fim, pugna pela concessão da gratuidade da justiça, isentando-o de custas nos termos do artigo 804 do Código de Processo Penal e do artigo 98 da Lei 13.105/2015.

O apelo da defesa comporta parcial provimento. Senão, vejamos:

Diversamente do sustentado pela defesa, os elementos de cognição demonstram que o criador amador JAMILDO SILVA RAMOS (CTF n. 5693977), de forma livre e consciente, mantinha, irregularmente, em cativeiro domiciliar, 10 (dez) pássaros silvestres, consistentes em 02 (dois) papa-capim-escuro (Sporophila ardesiaca), 04 (quatro) picharro ou trinca-ferro (Saltator similis), 03 (três) galo-da-campina (Paroaria dominicana) e 01 (um) sabiá-laranjeira (Turdus rufiventris), sem estarem devidamente anilhados (parte deles sem qualquer anilha, com anilha falsa ou adulterada ou mesmo não constante na respectiva relação de passeriformes do IBAMA em nome do acusado), todos em desacordo com eventual licença, permissão ou autorização obtida de órgão ambiental competente, nos termos do artigo 32, II e III, da Instrução Normativa IBAMA n. 10/2011, os quais vieram a ser apreendidos por policiais militares ambientais, em 10/06/2015, na própria residência do réu, no Município de São Paulo/SP, notadamente, sem portar relação de passeriformes atualizada no endereço de seu plantel físico, além de incorrer, também de maneira livre e consciente, no uso de, pelo menos, 02 (duas) anilhas do IBAMA falsificadas ou adulteradas mecanicamente (diâmetros acima do normativamente permitido para cada espécie), constantes nos tarsos dos respectivos passeriformes objeto da mesma vistoria ambiental [anilhas IBAMA "OA 3,5 512901" (picharro) e "OA 3,5 285490" (galo-de-campina)]: Autos de Infração Ambiental n. 320496 (fl. 13); ficha-controle de entrada de animais (fl. 14); Boletim de Ocorrência Ambiental (fls. 15/17); Termo de Destinação (fl. 16); Termo de Apreensão (fl. 19); registro fotográfico (fls. 21/32); comprovantes de registro de criador amador de passeriformes (fls. 34 e 77); Parecer Técnico do CRAS-PET (fl. 42); relação de passeriformes cadastrados em nome do réu (fl. 79); depoimentos das testemunhas em sede policial (fls. 03/06) e em juízo (fls. 104/107 e 109-mídia); interrogatórios do acusado em sede policial (fls. 07/08) e em juízo (fls. 108/109-mídia).

Por outro lado, a despeito da posição adotada pelo magistrado sentenciante (fls. 122/131), inexistem elementos suficientes nos autos a comprovarem que "JAMILDO" tenha, de fato, realizado quaisquer dos núcleos do tipo incriminador descrito no artigo 32 da Lei 9.605/98, tampouco restando caracterizada no caso concreto a necessária presença do elemento subjetivo específico do delito em comento, consistente na inequívoca vontade de maltratar os animais silvestres em tela, em sintonia, nesse ponto, com as razões recursais defensivas.


DO CONFLITO APARENTE DE NORMAS

De início, não há se falar em conflito aparente de normas entre os tipos penais descritos no artigo 296, § 1º, I, do Código Penal (uso de anilhas do IBAMA falsas ou adulteradas) e no artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98 (guarda irregular de pássaros silvestres, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente), a resultar em equivocada absorção do primeiro (suposto delito-meio) pelo segundo (pretenso delito-fim), a despeito do pugnado, subsidiariamente, pela defesa à fl. 155 de suas razões recursais.

Cumpre observar que os tipos penais em epígrafe tutelam bens jurídicos distintos (o primeiro, a fé pública; o segundo, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, destacadamente, a fauna silvestre), além de decorrerem de condutas diversas e autônomas, razão pela qual não se vislumbra, na presente hipótese, a incidência do princípio da consunção (g.n.):

Artigo 296, § 1º, I, do Código Penal
Falsificação do selo ou sinal público
Art. 296 - Falsificar, fabricando-os ou alterando-os:
I - selo público destinado a autenticar atos oficiais da União, de Estado ou de Município;
II - selo ou sinal atribuído por lei a entidade de direito público, ou a autoridade, ou sinal público de tabelião:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.
§ 1º - Incorre nas mesmas penas:
I - quem faz uso do selo ou sinal falsificado;
II - quem utiliza indevidamente o selo ou sinal verdadeiro em prejuízo de outrem ou em proveito próprio ou alheio.
III - quem altera, falsifica ou faz uso indevido de marcas, logotipos, siglas ou quaisquer outros símbolos utilizados ou identificadores de órgãos ou entidades da Administração Pública.
Artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98
Dos crimes contra a fauna
Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas:
I - quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida;
II - quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural;
III - quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.

A respeito da inaplicabilidade do princípio da consunção em face de condutas delitivas análogas àquelas ora imputadas, em concurso material, na presente ação penal, colaciono emblemático aresto deste E-TRF3 (g.n.):

PENAL. CRIMES AMBIENTAIS. FALSIDADE DE SELO OU SINAL PÚBLICO. CRIMES CONTRA A FAUNA. PASSÁROS SILVESTRES EM CATIVEIRO SEM A NECESSÁRIA LICENÇA E COM ANILHAS ADULTERADAS. PROVA DA MATERIALIDADE E AUTORIA. NULIDADE DA PERÍCIA TÉCNICA. INEXISTENTE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. DESCABIMENTO. DOLO CONFIGURADO. APELAÇÃO DO RÉU DESPROVIDA.
1. Policiais federais e agentes do IBAMA estiveram na residência do apelante e deram cumprimento a mandado de busca e apreensão, ali encontrando 12 pássaros da fauna silvestre nacional de diversas espécies com anilhas, em doze gaiolas, cinco das quais incompatíveis com as características dos pássaros que ali se encontravam. Além disso, encontraram um papagaio sem qualquer identificação.
2. No tocante a alegação de imprestabilidade da prova pericial, como bem ressalvado pelo eminente juízo de primeiro grau por ocasião da sentença, a acusação não é de falsificação das anilhas para identificação de aves, mas sim, do uso de anilhas falsificadas, e ainda, não obstante constar a ausência de lacre quando do recebimento do material a ser periciado, o fato é que não há divergência em relação às anilhas apreendidas na residência do réu.
3. De qualquer forma, a prova técnica se baseou na elaboração de laudo documentoscópico e foi objeto de impugnação posterior pela defesa do apelante no curso da ação penal, sendo que durante o exercício regular do contraditório nenhuma prova foi capaz de elidi-la, sendo descabida a pretensão recursal neste tópico.
4. O apelante detinha licença da autoridade competente para a guarda de aves, porém, tal licença expirou em 31 de julho de 2008, ou seja, mais de um ano antes da data dos fatos. Todas as aves, portanto, estavam em situação irregular. A autoria é inconteste, sendo certo que os pássaros foram encontrados na residência do réu, configurando situação de flagrante delito, e o apelante não logrou êxito em provar que os pássaros apreendidos já foram adquiridos com as respectivas anilhas. Observo que o ora apelante é criador de pássaros e possuía familiaridade com os trâmites e procedimentos para a regularização da guarda das aves perante o IBAMA, não restando dúvida quanto à sua responsabilização, restando devidamente demonstrado o elemento subjetivo do tipo (dolo).
5. O apelante invoca em seu favor a aplicação do princípio da consunção, sob o argumento de que o delito previsto no artigo 296, § 1º, inciso III, do CP, constitui meio para a consecução do crime previsto no artigo 29, § 1º, inciso III, da Lei nº 9.605/98. Contudo, não há que se falar em absorção de um delito por outro. Os crimes pelos quais o apelante foi condenado tutelam bens jurídicos diversos e decorrem de ações diversas. A adulteração de anilhas não é crime de passagem para a consumação do delito de guarda ilegal de pássaros. As condutas são autônomas, sendo, portanto, inaplicável o princípio da consunção ao caso concreto em exame.
6. Apelação do réu desprovida.
(ACR 0009303-19.2009.4.03.6106, 2ª Turma - TRF3, Rel. Juiz Convocado Fernão Pompêo, e-DJF3 Judicial 1 18/12/2013, g.n.)

DO DELITO CONTRA A FÉ PÚBLICA

Em relação ao crime do artigo 296, §1º, I, do Código Penal, a materialidade e autoria delitivas restaram suficientemente comprovadas, mormente, pelo Boletim de Ocorrência Ambiental (fls. 15/17), pelo Auto de Infração Ambiental n. 320496 (fl. 13), pelo registro fotográfico (fls. 21/32), pelo Parecer Técnico do CRAS-PET (fl. 42), pela relação de passeriformes cadastrados no IBAMA em nome do acusado - CTF n. 5693977 (fl. 79), assim como pelos depoimentos das testemunhas (ouvidas em sede policial às fls. 03/06 e em juízo às fls. 104/106 e 109-mídia) e pelos interrogatórios do réu (ouvido em sede policial às fls. 07/08 e em juízo às fls. 108/109-mídia).

Conforme apontado no Boletim de Ocorrência Ambiental (fls. 15/17), na ficha controle de entrada de animais (fl. 14) e também no Parecer Técnico do CRAS-PET (fl. 42), das 10 (dez) aves silvestres apreendidas em poder do acusado, apenas 03 (três) delas possuíam anilhas (sendo que uma delas datava de 2001 e sequer constava em sua relação de passeriformes - "BCSO 4655 26 2001 N-6"), todas falsificadas ou mecanicamente adulteradas, inclusive, 02 (duas), supostamente, cadastradas no IBAMA "OA 3,5 512901" (picharro) e "OA 3,5 285490" (galo-de-campina), cujos diâmetros internos, ao serem oportunamente aferidos mediante o uso de paquímetro, revelaram-se bem acima do normativamente permitido (fl. 31), de tal sorte que "saíram com facilidade" na própria mão da servidora Valéria, em sintonia com os depoimentos das testemunhas de acusação colhidos às fls. 03/06, 104/106 e 109-mídia.

Interrogado em sede policial (fls. 07/08), "JAMILDO" admite que, de fato, "comprou o passarinho com a anilha que não constou de sua relação de uma pessoa que estava vendendo, de quem não sabe nem telefone, nem nome e nem endereço" e que há três anos o acusado criava passarinhos, negando, todavia, ter feito "qualquer alteração física em suas anilhas".

Já em seu interrogatório judicial (fls. 108/109-mídia), o réu passa a sustentar, de maneira contraditória, inverossímil e isolada nos autos, que a ave silvestre anilhada apreendida em seu poder, mas não constante de sua relação de passeriformes, em verdade, teria simplesmente aparecido em sua casa, do mesmo modo que os outros sete passeriformes desprovidos de quaisquer anilhas objeto da mesma apreensão, possivelmente atraídos por comida após lograrem escapar de seus antigos criadores, em contraste com sua versão inicialmente aduzida em sede policial (fl. 07/08). Ademais, afirma que os outros dois pássaros silvestres também anilhados, porém constantes em sua relação de passeriformes cadastrados no IBAMA, em tese, teriam sido por ele comprados de um rapaz que passara na rua perto da casa de seu irmão na região de São Miguel vendendo passarinhos. De resto, informa que jamais mexera em qualquer das três anilhas e que tampouco detinha conhecimento acerca de sua alegada falsificação ou adulteração, uma vez que não possuía paquímetro para aferir o tamanho de seus diâmetros internos no momento da transferência, nem desconfiara das informações então disponíveis no sistema do IBAMA na internet.

Além disso, ao contrário do asseverado em sede policial ("cria passarinhos há três anos" - fl. 08), o acusado passa a declarar em juízo que teria "apenas" dois anos de experiência como criador amador de passeriformes cadastrado no IBAMA, período este, de qualquer sorte, longe de ser inexpressivo, caindo por terra a frágil tese defensiva de erro sobre a ilicitude do fato (seja inevitável, seja evitável) ou mesmo sobre os elementos do tipo, incompatível com o presente contexto delitivo.

Destarte, restam incontestes a materialidade e autoria delitivas, assim como o dolo do réu, em relação à prática delitiva descrita no artigo 296, § 1º, I, do Código Penal, sob a forma consumada (reunidos todos os elementos típicos de sua definição legal), sendo mantido, de rigor, o decreto condenatório nesse ponto, independentemente da não realização de exame pericial formal quanto à autenticidade das anilhas.


DO DELITO DE GUARDA ILÍCITA DE ESPÉCIMES DA FAUNA SILVESTRE

Quanto ao crime do artigo 29, §1º, III, da Lei 9.605/98, a materialidade e autoria delitivas restaram suficientemente comprovadas, mormente, pelo Auto de Infração Ambiental n. 320496 (fl. 13), pela ficha-controle de entrada de animais (fl. 14), pelo Boletim de Ocorrência Ambiental (fl. 15), pelo Termo de Apreensão de passeriformes (fl. 19), pelo registro fotográfico (fls. 21/32), pelo Parecer Técnico do CRAS-PET (fl. 42), pela relação de passeriformes cadastrados no IBAMA em nome do acusado - CTF n. 5693977 (fl. 79), assim como pelos depoimentos das testemunhas (ouvidas em sede policial às fls. 03/06 e em juízo às fls. 104/106 e 109-mídia) e pelos interrogatórios do réu (ouvido em sede policial às fls. 07/08 e em juízo às fls. 108/109-mídia).

Segundo o Boletim de Ocorrência Ambiental n. 150731 (fls. 15 e 17), foram apreendidas, pelos policiais militares ambientais participantes da diligência realizada em 10/06/2015, na própria residência de "JAMILDO", 10 (dez) aves silvestres, todas irregularmente mantidas em cativeiro, sem portar relação de passeriformes atualizada no endereço de seu plantel físico, sendo que sete desses espécimes encontravam-se desprovidos de quaisquer anilhas identificadoras, ao passo que os outros três possuíam anilhas falsificadas ou mecanicamente adulteradas, na medida em que dois picharro e um galo-da-campina "estavam com anilhas irregulares, maior que o diâmetro indicado para as espécies", nos termos da ficha controle de entrada de animais no CRAS-PET (fl. 14), portanto, em nítido desacordo com o artigo 32, II e III, da Instrução Normativa IBAMA n. 10, de 20/09/2011:

Art. 32 - Todos os Criadores Amadores e Comerciais de Passeriformes deverão: [...]
II - Manter todos os pássaros do seu plantel devidamente anilhados com anilhas invioláveis, não adulteradas, fornecidas pelo IBAMA ou fábricas credenciadas ou, ainda, por federações, clubes ou associações até o ano de 2001 ou por criadores comerciais autorizados.
III - Portar relação de passeriformes atualizada no endereço do plantel, conforme modelo do Anexo III.

Irrelevante para a configuração dos elementos do tipo penal em comento se as aves silvestres objeto da presente apreensão encontravam-se ou não bem-cuidadas (comida, água e limpeza), em detrimento do sustentado pela defesa do réu, mesmo considerando o depoimento judicial de sua testemunha e faxineira Renata da Silva Cavalcante ("sempre foram bem cuidadas, todas" - fls. 107 e 109-mídia).

Interrogado em sede policial (fls. 07/08), "JAMILDO" declara, de modo frágil e inverossímil, que "os passarinhos que estavam na sua casa sem anilhas apareceram com fome em sua casa" e então "resolveu cuidar deles", bem como que "comprou o passarinho sem anilha que não constou de sua relação de uma pessoa que estava vendendo, de quem não sabe nem telefone, nem nome e nem endereço", negando, de resto, ter feito qualquer alteração física nas anilhas então mantidas apostas irregularmente em parte dos passeriformes apreendidos sob seu poder em seu próprio domicílio.

Em seu interrogatório judicial (fls. 108/109-mídia), o réu assume que realmente mantinha em cativeiro as 10 (dez) aves silvestres encontradas pelos policiais militares ambientais em sua casa no dia 10/06/2015, das quais apenas duas ou três possuíam anilhas. Na sequência, passa a sustentar, de maneira contraditória, inverossímil e isolada nos autos, que a ave silvestre anilhada apreendida em seu poder, mas não constante de sua relação de passeriformes, em verdade, teria simplesmente aparecido em sua casa, do mesmo modo que os outros sete passeriformes desprovidos de quaisquer anilhas objeto da mesma apreensão, possivelmente atraídos por comida após lograrem escapar de seus antigos criadores (os dois papa-capim, por serem pequenos, teriam entrado na brecha da gaiola do picharro que é maior, por estarem com fome), em contraste com sua versão inicialmente aduzida em sede policial (fl. 07/08). Ademais, afirma que os outros dois pássaros silvestres também anilhados, porém constantes em sua relação de passeriformes cadastrados no IBAMA, em tese, teriam sido por ele comprados de um rapaz que passara na rua perto da casa de seu irmão na região de São Miguel vendendo passarinhos (estava precisando de um casal para criar).

De resto, informa que jamais mexera em qualquer das três anilhas e que tampouco detinha conhecimento acerca de sua alegada falsificação ou adulteração, uma vez que não possuía paquímetro para aferir o tamanho de seus diâmetros internos no momento da transferência, nem desconfiara das informações então disponíveis no sistema do IBAMA na internet.

Além disso, ao contrário do asseverado em sede policial ("cria passarinhos há três anos" - fl. 08), o acusado passa a declarar em juízo que teria "apenas" dois anos de experiência como criador amador de passeriformes cadastrado no IBAMA, período este, de qualquer sorte, longe de ser inexpressivo, caindo por terra a frágil tese defensiva de erro sobre a ilicitude do fato (seja inevitável, seja evitável) ou mesmo sobre os elementos do tipo, incompatível com o presente contexto delitivo, cujas circunstâncias, a extrapolarem o delito ambiental (uso de anilhas identificadoras falsificadas ou adulteradas, em tese, cadastradas no IBAMA), não autorizam a concessão do perdão judicial previsto no artigo 29, § 2º, da Lei 9.605/98, inclusive, pelas péssimas condições de higidez das aves (fl. 42 do Laudo Técnico do CRAS-PET).

Destarte, restam incontestes a materialidade e autoria delitivas, assim como o dolo do réu, em relação à prática delitiva descrita no artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98, sob a forma consumada (reunidos todos os elementos típicos de sua definição legal), sendo mantido, de rigor, o decreto condenatório nesse ponto.


DO DELITO DE MAUS-TRATOS

A despeito da posição adotada pelo magistrado sentenciante (fls. 122/131), verifico inexistirem elementos suficientes nos autos a comprovarem a efetiva participação e dolo do acusado JAMILDO SILVA RAMOS na prática delitiva descrita no artigo 32 da Lei 9.605/98, não obstante a grande quantidade sujeira, efetivamente, constatada pelos policiais militares ambientais nas gaiolas de seus passeriformes no momento específico da ação fiscalizatória, em consonância com o Laudo Técnico do CRAS-PET (fl. 42).

O crime de maus-tratos a animais silvestres encontra-se tipificado no artigo 32 da Lei 9.605/98 (grifos nossos):

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

No tocante à imputação delitiva descrita no artigo 32 da Lei 9.605/98, não ficou suficientemente demonstrado nos autos que "JAMILDO" tenha, de fato, realizado quaisquer dos núcleos do tipo incriminador, razão pela qual de rigor a reforma da r. sentença condenatória, para absolvê-lo do delito de maus-tratos, em observância ao princípio jurídico da presunção de inocência (in dubio pro reo), nos termos do artigo 386, VII, do Código de Processo Penal, comportando provimento, nessa parte, o apelo defensivo.

Interrogado em sede policial (fls. 207/208), o réu limitou-se a negar que as gaiolas estivessem muito sujas ou que houvesse maltratado qualquer das aves.

Ao ser interrogado em juízo (fls. 108/109-mídia), esclareceu que fornecia alimentação diferenciada para cada uma das espécies de pássaros silvestres mantidas em cativeiro, sendo ele mesmo o responsável por realizar a limpeza de suas dez gaiolas (cada uma delas era habitada por um único passarinho). Além disso, recordou-se que, no dia da diligência, os próprios policiais teriam pedido para colocar as gaiolas todas no chão, quando então puderam pegar na mão todos os pássaros nelas contidos e assim verificar suas anilhas.

De resto, afirmou desconhecer a calcificação óssea existente no dedo de uma de suas aves ("aparentemente não tinha"), a qual veio a ser detectada pela servidora Valéria, apenas posteriormente, no CRAS-PET, em sintonia com os depoimentos das testemunhas de acusação e policiais militares Gleycon Alexandre Rosário (fls. 03/04) e Renato Geremias da Silva (fls. 05/06), "indicando que a anilha foi colocada no animal já adulto, quebrando o osso", cuja autoria e responsabilidade, no entanto, não restou comprovada nos autos.

Tampouco restou caracterizada no caso concreto a necessária presença do elemento subjetivo específico do delito em comento, "consistente na vontade de maltratar o animal, agindo com crueldade, por qualquer motivo, inclusive puro sadismo" (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, v. 2, p. 523).

Na mesma direção, aponta o depoimento judicial da testemunha de defesa e então faxineira Renata da Silva Cavalcante, ao asseverar que nunca vira o acusado maltratando seus passarinhos e que nenhuma vez em sua casa notara que ele houvesse deixado de colocar água e comida para as referidas aves ("sempre foram bem cuidadas, todas" - fls. 107 e 109-mídia), assim como o depoimento judicial da própria testemunha de acusação e policial militar Renato Geremias da Silva (fls. 105 e 109-mídia), ao reconhecer que, no dia da fiscalização, quando adentraram a casa do acusado, as gaiolas estavam, inicialmente, penduradas na parede, havendo, notadamente, água e comida.


DA DOSIMETRIA E SUBSTITUIÇÃO

JAMILDO SILVA RAMOS foi, originalmente, condenado a 02 (dois) anos e 09 (nove) meses de pena privativa de liberdade, em regime inicial aberto, e 30 (trinta) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos, sendo 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, pela prática delitiva descrita no artigo 296, § 1º, I, do Código Penal, 06 (seis) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa, pela imputação do crime previsto no artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98, e 03 (três) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa, pelo cometimento do delito do artigo 32 da Lei 9.605/98, tudo em concurso material, ficando substituída a soma das penas corporais por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade preferencialmente em entidade de proteção a animais e em "multa" (sic, prestação pecuniária) correspondente a 10 (dez) salários mínimos em favor de entidade beneficente a ser designada pelo Juízo de Execução. No mais, restou arbitrado o valor mínimo de reparação de danos causados pela infração ao meio ambiente e ao IBAMA em 15 (quinze) salários mínimos em favor do IBAMA.

Tendo em conta a oportuna absolvição do delito do artigo 32 da Lei 9.605/98 (maus-tratos), passo a análise da dosimetria das imputações delitivas remanescentes descritas no artigo 296, § 1º, do Código Penal, e no artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98, em concurso material entre si, não se olvidando da natureza diversa dos bens jurídicos penalmente tutelados em cada um dos tipos penais em comento, respectivamente, a fé pública e a proteção ao meio ambiente (destacadamente, a fauna silvestre).

Em relação ao delito do artigo 296, § 1º, do Código Penal, mantenho as penas-base já fixadas pelo Juízo Federal de origem no mínimo patamar legal, a saber, 02 (dois) anos de reclusão, e 10 (dez) dias-multa, na forma do artigo 59 do Código Penal, adstrito ao princípio da "non reformatio in pejus".

Na segunda fase da dosimetria, não vislumbro nos autos quaisquer agravantes ou atenuantes, razão pela qual mantenho, provisoriamente, as mesmas penas-base. De qualquer sorte, a Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça adverte que "a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal".

Na terceira fase da dosimetria, na ausência de eventuais causas de aumento ou diminuição, mantenho definitivamente a pena privativa de liberdade de "JAMILDO" em 02 (dois) anos de reclusão, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos (adstrito ao princípio da vedação da "reformatio in pejus"), pelo crime do artigo 296, § 1º, do Código Penal, nos termos da sentença, ficando rechaçada a tese defensiva de erro de proibição evitável, na forma do artigo 21, caput e parágrafo único, do Código Penal, em atenção aos elementos coligidos aos autos.

Já em relação ao delito do artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98, mantenho as penas-base já fixadas pelo Juízo Federal de origem no mínimo patamar legal, a saber, 06 (seis) meses de detenção, e 10 (dez) dias-multa, na forma do artigo 59 do Código Penal e do artigo 6º da Lei 9.605/98, adstrito ao princípio da "non reformatio in pejus".

Ainda que se reconheça, inclusive de ofício, as atenuantes previstas no artigo 65, inciso III, "d", do Código Penal (confissão espontânea do réu perante a autoridade policial às fls. 07/08 e também em juízo às fls. 108/109-mídia) e no artigo 14, I e IV, da Lei 9.605/98 (baixo grau de escolaridade do réu e sua possível colaboração com os agentes encarregados da vigilância e controle ambiental franqueando-lhes a entrada em sua residência - fls. 03/07 e 11), a Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça adverte que "a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal", a despeito do pugnado pela defesa, razão pela qual preservo as sanções intermediárias em 06 (seis) meses de detenção, e 10 (dez) dias-multa, relativamente ao delito em comento, à míngua de quaisquer agravantes.

Na terceira fase da dosimetria, na ausência de eventuais causas de aumento ou diminuição, mantenho definitivamente a pena privativa de liberdade de "JAMILDO" em 06 (seis) meses de detenção, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos (adstrito ao princípio da vedação da "reformatio in pejus"), pelo crime do artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98, nos termos da sentença, ficando rechaçada a tese defensiva de erro de proibição evitável, na forma do artigo 21, caput e parágrafo único, do Código Penal, em atenção aos elementos coligidos aos autos.

Nada obstante o pleito subsidiário da defesa aventado à fl. 155, esclareço que, em conformidade com o artigo 49, caput e § 1º, do Código Penal, a pena de multa "será no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa, ao passo que o "valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário" (g.n.).

Por conseguinte, as penas corporais definitivas dos delitos remanescentes em comento devem ser somadas, em concurso material, à vista do artigo 69 do Código Penal, perfazendo o total de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão/detenção (executando-se primeiro a pena de reclusão).

Nos termos do artigo 33, §2º, "c", e §3º, do Código Penal, mantenho o regime prisional inicial aberto.

A propósito, observo que, no concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente, na forma do artigo 72 do Código Penal.

Ademais, na forma do artigo 44, § 2º, segunda parte, do Código Penal, e do artigo 8º da Lei 9.605/98, substituo a soma das penas privativas de liberdade remanescentes já impostas a "JAMILDO", no mínimo patamar legal, por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (preferencialmente em entidade de proteção a animais), pelo mesmo prazo da soma das penas corporais substituídas, e prestação pecuniária reduzida para o valor de 01 (um) salário-mínimo, em favor da União Federal, em consonância com a situação socioeconômica desfavorável do réu (fls. 157/166), conforme, acertadamente, pugnado pela defesa a esse respeito à fl. 156 de suas razões de apelação, nos moldes do artigo 45, § 1º, do Código Penal, e do artigo 12 da Lei 9.605/98.

Como é cediço, saliento que, nos termos do artigo 149 da Lei de Execução Penal, o trabalho decorrente da prestação de serviços à comunidade "terá a duração de 8 (oito) horas semanais e será realizado aos sábados, domingos e feriados, ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho, nos horários" a serem estabelecidos pelo Juízo da Execução, ao qual caberá, se necessário, até mesmo, "alterar a forma de execução, a fim de ajustá-la às modificações ocorridas na jornada de trabalho".

Quanto à fixação de um mínimo para reparação dos danos causados à vítima (art. 387, IV, CPP) pelo magistrado a quo (fl. 130-v), a sentença também merece ser reformada, ainda que de ofício.

Isso porque, nos termos da jurisprudência consolidada do C. STJ, a permissão legal de cumulação de pretensão acusatória com a indenizatória não dispensa a existência de expresso pedido formulado ou pela defesa do ofendido ou ainda pelo Ministério Público, inclusive como forma de garantia do contraditório e da ampla defesa ao acusado.

Sobre o tema: STJ, 6ª Turma, AGResp 1206643, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe 25/02/2015; 6ª Turma, AGRESP 1383261, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJE 14/11/2013; 5ª Turma RESP 1246709, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, DJE 09/10/2012).

Na mesma linha, leciona Guilherme de Souza Nucci (Código de Processo Penal Comentado. 13. ed. Rio de Janeiro: Gen, Forense, 2014, p. 716):

[...] admitindo-se que o magistrado possa fixar o valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração penal, é fundamental haver, durante a instrução criminal, um pedido formal para que se apure o montante civilmente devido. Esse pedido deve partir do ofendido, por seu advogado (assistente de acusação), ou do Ministério Público. A parte que o fizer precisa indicar valores e provas suficientes a sustentá-los. A partir daí, deve-se proporcionar ao réu a possibilidade de se defender e produzir contraprova, de modo a indicar valor diverso ou mesmo a apontar que inexistiu prejuízo material ou moral a ser reparado. Se não houver formal pedido e instrução específica para apurar o valor mínimo para o dano, é defeso ao julgador optar por qualquer cifra, pois seria nítida infringência ao princípio da ampla defesa.

In casu, inexistindo pedido expresso para fixação do valor mínimo de reparação dos danos (fls. 57/61), extirpo, ex officio, da condenação o mínimo valor reparatório indevidamente fixado pelo magistrado sentenciante.


DA CONCESSÃO DE GRATUIDADE DA JUSTIÇA E DA CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS

À fl. 156 suas razões recursais, o apelante pugnou pela concessão da gratuidade da justiça, isentando-o de custas nos termos do artigo 804 do Código de Processo Penal e do artigo 98 da Lei 13.105/2015.

Na oportunidade, concedo o pedido de gratuidade de justiça, na forma do artigo 98 do novo Código de Processo Civil.

Nada obstante, esclareço que a mera concessão de gratuidade da justiça não exclui a condenação do réu nas custas do processo nos termos do artigo 804 do Código de Processo Penal, ficando, contudo, seu pagamento sobrestado, enquanto perdurar seu estado de pobreza, pelo prazo de cinco anos, quando então a obrigação estará prescrita, conforme determina o artigo 98, § 3º, da Lei 13.105/2015.

Além disso, a concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência, ou tampouco afasta o seu eventual dever de pagar, ao final, as multas processuais que lhe sejam impostas, nos moldes do artigo 98, §§ 2º e 4º, também da Lei 13.105/2015.

Em sintonia com o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no AREsp 23.804/DF, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJe 01/08/2012; AgRg no Ag 1377544/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 14/06/2011), o pertinente exame acerca da miserabilidade do apelante deverá ser realizado, com efeito, em sede do Juízo de Execução, fase adequada para aferir a real situação financeira do condenado, restando, por conseguinte, mantida sua condenação ao pagamento das custas processuais nos termos da r. sentença.


DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA

Em sessão de julgamento de 05 de outubro de 2016, o Plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu que o artigo 283 do Código de Processo Penal não veda o início do cumprimento da pena após esgotadas as instâncias ordinárias, e indeferiu liminares pleiteadas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44.

Desse modo, curvo-me ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, que reinterpretou o princípio da presunção de inocência no julgamento do HC 126.292-SP, reconhecendo que "A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal".

Diante desse cenário, independentemente da pena cominada, deve ser determinada a execução provisória da pena decorrente de acórdão penal condenatório, proferido em grau de apelação.

Destarte, exauridos os recursos nesta Corte e interpostos recursos dirigidos às Cortes Superiores (Recurso Extraordinário e Recurso Especial), expeça-se Carta de Sentença, bem como comunique-se ao Juízo de Origem para o início da execução da pena imposta ao réu, sendo dispensadas tais providências em caso de trânsito em julgado, hipótese em que terá início a execução definitiva da pena.

Ante o exposto, dou parcial provimento ao apelo da defesa, apenas para (i) reformar a r. sentença, absolvendo o acusado JAMILDO SILVA RAMOS do delito do artigo 32 da Lei 9.605/98, em observância ao princípio jurídico da presunção de inocência (in dubio pro reo), com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal; (ii) recalcular, por conseguinte, a soma das sanções corporais remanescentes a ele aplicadas na r. sentença, pelo cometimento da prática delitiva descrita no artigo 296, § 1º, I, do Código Penal, e no artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98, em concurso material entre si, em apenas 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de pena privativa de liberdade (a saber, dois anos de reclusão pelo crime contra a fé pública e seis meses de detenção pelo delito de guarda ilícita de espécimes da fauna silvestre), preservando-se o regime inicial aberto, na forma dos artigos 69 e 33, § 2º, "c", e § 3º, ambos do Código Penal; (iii) substituir a nova soma das penas corporais remanescentes impostas a "JAMILDO" por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (preferencialmente em entidade de proteção a animais), pelo mesmo prazo da soma das sanções corporais substituídas, e em prestação pecuniária reduzida para o valor de 01 (um) salário-mínimo, em favor da União Federal, em consonância com a situação socioeconômica desfavorável do réu (fls. 157/166), nos moldes do artigo 45, § 1º, do Código Penal, e do artigo 12 da Lei 9.605/98; (iv) conceder ao réu a gratuidade da justiça, nos termos do artigo 98 da Lei 13.105/2015; e (v) ex officio, extirpar da condenação o valor mínimo reparatório indevidamente fixado pelo magistrado sentenciante (artigo 387, IV, do Código de Processo Penal), em detrimento da garantia da ampla defesa e do contraditório ao acusado.

É o voto.

Comunique-se ao Juízo de Execução Criminal.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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