D.E. Publicado em 21/11/2017 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conhecer parcialmente da apelação e, na parte conhecida, dar-lhe parcial provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Ação proposta por Bruna e irmão, representados pela mãe, contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), objetivando a concessão de auxílio-reclusão.
João Rodrigues de Matos, pai dos autores, foi recolhido à prisão em 29/06/2013. Era o mantenedor da família que, por isso, passou por dificuldades financeiras no período.
Com a inicial, junta documentos.
Deferida a gratuidade da justiça.
Citado, o INSS contestou o pedido.
Audiência de instrução e julgamento em 23/06/2015, onde ouvidas duas testemunhas.
O juízo a quo julgou procedente o pedido, concedendo o benefício desde a citação. Pagamento das parcelas em atraso com juros e correção monetária, nos termos das Leis 9.494/97 e 11.960/2009. Juros contados a partir da citação. Honorários advocatícios fixados em 10% do valor da condenação, consideradas as prestações devidas até a data da sentença. Antecipada a tutela, fixada multa de R$ 5.000,00, a contar do 15º dia seguinte à intimação da ordem, em caso de descumprimento.
Sentença não submetida ao reexame necessário, proferida em audiência.
Oficiada a agência da autarquia para o cumprimento da antecipação da tutela (ofício de fls. 77, datado de 29/07/2015), solicitou ao juízo o envio da declaração de entrada no sistema prisional do instituidor do benefício, atendida a providência na mesma data do pedido (26/08/2015, fls. 78).
Intimação pessoal do procurador do INSS em 09/09/2015 (fls. 78-verso).
O INSS apelou, alegando que não foram preenchidos os requisitos para a concessão do benefício. Insurge-se quanto à concessão da tutela antecipada e da fixação de multa diária anteriormente ao descumprimento da obrigação, presumido o descumprimento e o dolo. Requer, ao menos, sua redução ao limite de 1/30 do salário mínimo a fim de se evitar o enriquecimento sem causa, com ampliação do prazo para cumprimento. Alega, ainda, a ausência de prévio requerimento administrativo. Pleiteia que a verba honorária seja fixada em 10% do valor das parcelas vencidas, consideradas as prestações devidas até a data da sentença.
Em despacho datado de 18/11/2015 (publicação em 27/01/2016), o juízo de primeiro grau determinou novamente a implantação da tutela deferida, ao que o INSS solicitou o envio de cópia legível do CPF do instituidor e declaração de recolhimento prisional (fls. 103, Ofício 21.038.120/11144/2015/APSDJ/INSS-Gex Sorocaba, protocolo em 09/11/2015).
Os autores informaram o não cumprimento da determinação, em petições protocoladas em fevereiro de 2016. Na petição de 25/02/2016, o autor junta novamente cópias do CPF e certidão de recolhimento prisional, documentos que já constavam da inicial.
Com contrarrazões.
Novo requerimento dos autores para a implantação da tutela, protocolo em maio/2016, com nova juntada do CPF do recluso.
O juízo de primeiro grau encaminhou os documentos solicitados pela autarquia no Ofício 21.038.120/11144/2015/APSDJ/INSS-Gex Sorocaba em 05/05/2016 (fls. 123).
Os autos subiram a este Tribunal em 30/06/2016, distribuição em 20/07/2016.
O MPF opinou pela reforma da sentença.
Foi determinado o encaminhamento de ofício ao INSS para comprovar o cumprimento da tutela. Sem resposta, reiterada a determinação ao Procurador-Chefe do INSS.
Comunicada a implantação do benefício em 13/06/2016, conforme documento de fls. 137/139. Pagamento da parcela relativa a maio em julho/2016.
É o relatório.
VOTO
A ação foi ajuizada em fevereiro/2014.
Não se exige o prévio requerimento administrativo em ações ajuizadas anteriormente a 03/09/2014, se há insurgência quanto ao mérito, em contestação, nos termos do que foi decidido pelo STF, em repercussão geral (RE 631240/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 10/112014).
O STJ também passou a adotar o mesmo entendimento. Nesse sentido o julgamento do REsp 1.369.834/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 02.12.2014:
Tendo em vista que a sentença foi proferida na vigência do CPC/1973, não é caso de remessa oficial, uma vez que a condenação não ultrapassa 60 salários mínimos (conforme informação do sistema CNIS/Dataprev, o benefício deixou de ser pago em 01/06/2017).
Os dependentes do segurado têm direito ao auxílio-reclusão, na forma do art. 201, IV, da CF/88. Para a concessão do benefício, é necessário comprovar a qualidade de segurado do recluso, a dependência econômica do beneficiário e o não recebimento, pelo recluso, de remuneração, auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço, nos termos do art. 80 da Lei 8.213/91.
O auxílio-reclusão é benefício que independe do cumprimento de carência, à semelhança da pensão por morte, nos termos da legislação vigente à época da reclusão.
A reclusão em 29/06/2013 foi comprovada nos autos.
A dependência econômica dos filhos do recluso é presumida, por serem dependentes de primeira classe, nos termos do art. 16 da Lei nº 8.213/91.
O STF, em repercussão geral, decidiu que a renda do segurado preso é a que deve ser considerada para a concessão do auxílio-reclusão e não a de seus dependentes:
A questão principal dos autos é o reconhecimento de trabalho rural do recluso no período anterior à prisão.
A certidão de nascimento dos autores (Bruna, em 2007 e Bruno em 2000) trazem como profissão do pai lavrador. A CTPS do recluso traz vínculo de trabalhador rural de 02/03/2009 a 01/06/2009.
Tratando-se de trabalhador rural diarista/bóia-fria, a omissão da legislação dificulta seu correto enquadramento previdenciário.
Até a promulgação da CF de 1967, a atividade dos trabalhadores rurais não tinha disciplina jurídica.
A Lei Complementar n. 11, de 25/5/1971, criou o PRORURAL, regime de proteção social exclusivo para os trabalhadores rurais.
O art. 3º, § 1º, da LC 11/71 fornecia o conceito de trabalhador rural: "a pessoa física que presta serviço de natureza rural a empregador, mediante remuneração de qualquer espécie". O conceito legal, entretanto, dificultava o enquadramento dos empregados e dos chamados diaristas, tarefeiros e bóias-frias.
A LC 11/71 foi alterada pela Lei Complementar n. 16, de 30-10-1973, que deu nova redação ao art. 3º e remeteu o conceito de trabalhador rural para o art. 4º:
Com essa alteração, o bóia-fria continuou sem proteção social.
Com a vigência da Constituição Federal de 1988, que prestigiou os direitos sociais, o legislador infraconstitucional tentou enquadrar na Lei 8.213/91 as diferentes relações de trabalho vividas no meio rural. Foi a partir dessa nova ordem jurídica que a trabalhadora rural passou a ter direito ao salário-maternidade.
Entretanto, apesar da tentativa inicial e das constantes alterações da Lei 8.213/91, o diarista/bóia-fria ainda não tem enquadramento previdenciário expresso em lei.
A realidade da vida no campo não pode ser ignorada, sob pena de negar-se proteção a esses trabalhadores tão sofridos. As características da atividade exercida por esses trabalhadores, com subordinação e salário, comprovam que devem ser enquadrados como empregados, entendimento sufragado pela jurisprudência:
O enquadramento do bóia-fria/diarista como segurado empregado foi reconhecido pela Instrução Normativa INSS/DC n. 78, de 18/7/2002, entendimento mantido pelas normas administrativas posteriores.
Tal interpretação é corroborada pela lição de Carlos Maximiliano, in Hermenêutica e Aplicação do Direito, 14ª Ed., Rio de Janeiro, Revista Forense, 1999, fls. 165:
Também não cabe punir o trabalhador rural pela falta de recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias, obrigação que é dos empregadores rurais em relação àqueles que lhes prestam serviços, pois cabe ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS fiscalizar para impedir esse procedimento ilegal.
Para comprovar a continuidade da condição de segurado do recluso, é necessária a comprovação do trabalho como diarista/bóia-fria, por meio de início de prova material, que deve ser corroborado por prova testemunhal.
Documentos expedidos por órgãos públicos, nos quais consta a qualificação do recluso como lavrador, podem ser utilizados como início de prova material, como exige a Lei 8213/91 (art. 55, § 3º), para comprovar a condição de rurícola, desde que confirmada por prova testemunhal.
Existente início de prova material, configurado nos documentos públicos apresentados e na CTPS (vínculo também constante no CNIS/Dataprev).
A prova testemunhal corroborou o trabalho rural do pai dos autores, até a reclusão.
Em recurso repetitivo (Resp 1352791-SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgamento em 27/11/2013), o STJ firmou posicionamento de que os períodos em que o rurícola trabalhou com registro em CTPS na atividade rural devem ser computados para efeito de carência, para efeitos de outra modalidade de aposentadoria. Isto porque o responsável pelo recolhimento para o Funrural era o empregador, não o empregado.
A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, em 19 de agosto de 2015, firmou a tese de que o INSS deve computar, para efeito de carência, o período trabalhado como empregado rural, registrado por empresas agroindustriais ou comerciais, no caso da aposentadoria por tempo de serviço rural (Processo nº 0516170-28.2009.4.05.8300).
Anteriormente, entendi não ser o caso de se considerar que, inexistindo salário de contribuição no mês da reclusão, a renda do segurado seria zero.
Isso porque considerava necessária a existência de um parâmetro concreto, e não fictício, para a apuração da renda.
Porém, o STJ, em reiteradas decisões, tem se manifestado de maneira diversa, aceitando expressamente a ausência de registro em CTPS como prova da condição de baixa renda do recluso.
No caso do empregado rurícola, a ausência de registro é mais um fator de comprovação, especialmente pelas peculiaridades no trabalho no campo.
Modifico entendimento anterior, ressalvando entendimento pessoal, nos termos do julgado que segue:
A questão é tema de julgamento em repercussão geral, cuja análise ainda não foi concretizada, quanto ao mérito:
Conforme o entendimento dominante do STJ, ao qual passo a aderir com ressalva, quando o recluso mantém a qualidade de segurado e comprova o desemprego na data do encarceramento, fica assegurado o recebimento do benefício aos dependentes, pelo princípio in dubio pro misero.
No caso, comprovada a atividade rural sem registro de remuneração formal no período anterior à reclusão, suficiente para a manutenção da qualidade de segurado, pelo início de prova material e pela prova testemunhal. Não é caso de segurado desempregado.
Atendidos os requisitos legais, mantenho a concessão do benefício, nos termos da sentença.
A imposição de multa como meio coercitivo indireto no cumprimento de obrigação de fazer encontra amparo no § 4º do artigo 461 do CPC/1973, que inovou no ordenamento processual ao conferir ao magistrado tal faculdade, visando assegurar o cumprimento de ordem expedida e garantir a efetividade do provimento inibitório.
De outra parte, é cediço que as balizas orientadoras da dosimetria da multa cominatória são os critérios da proporcionalidade entre o seu valor e a restrição dela emergente como fator cogente no cumprimento da tutela inibitória, além de sua adequação e necessidade como meio executivo.
O § 6º do artigo 461 do CPC/1973, ao conferir poderes do Juiz de revisão da multa cominatória, instituiu a regra da manutenção da proporcionalidade entre o quantum da multa diária e o período da mora verificada, visando preservar a sua finalidade inibitória, e é inspirada na cláusula rebus sic stantibus, de maneira que a execução da multa somente é admitida como forma de superar a inércia no cumprimento da decisão judicial, sem almejar o enriquecimento da parte contrária.
Sua finalidade da multa é compelir o devedor ao efetivo cumprimento da obrigação de fazer.
Tenho determinado a fixação oportuna em caso de descumprimento da antecipação da tutela.
Contudo, ficou patente a insurgência da autarquia quanto ao cumprimento do que foi determinado em juízo. Somente após a reiteração do cumprimento da tutela neste Tribunal, por duas vezes à autoridade administrativa e por uma vez ao Procurador-Chefe da autarquia é que a providência foi cumprida, após mais de um ano da primeira determinação do juízo de origem.
Os documentos solicitados estavam à disposição da autarquia. O compulsar dos autos bastaria para a implantação do que foi determinado.
Porém, reduzo o valor fixado em primeiro grau, que considero exorbitante, para fixá-lo em R$ 1.000,00, valor que melhor se adequa a benefício que ora se fixa em um salário mínimo mensal, em analogia à concessão da aposentadoria por idade rural.
Segue jurisprudência adotando tal entendimento em execução de sentença:
A verba honorária foi fixada nos termos do inconformismo da autarquia.
NÃO CONHEÇO DE PARTE da apelação e, na parte conhecida, DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO para reduzir o valor da multa fixada, nos termos da fundamentação.
É o voto.
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