D.E. Publicado em 04/04/2018 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação, interposto pelo Ministério Público Federal, contra r. sentença proferida pelo MM. Juízo da 3° Vara Federal Cível de São Paulo/SP, que julgou improcedente a ação civil pública proposta em face da União Federal, por meio da qual o Parquet objetivava a retirada de todos os símbolos religiosos (crucifixos, imagens, etc.) ostentados nos locais proeminentes, de ampla visibilidade e de atendimento ao público nos prédios públicos da União Federal, no Estado de São Paulo.
Na inicial, de fls. 02/06, o Ministério Público Federal informou que o cidadão Daniel Sottomaior Pereira protocolizou representação junto à Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, na qual noticiou a ostentação de símbolo religioso, afixado em local de ampla visibilidade, dentro do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, o que teria gerado ofensa à sua liberdade de crença.
Por essa razão, o órgão do Parquet instaurou o procedimento administrativo n° 1.00.000.001411/2007-41, com vistas a apurar o fato noticiado, e, posteriormente, com fundamento nos princípios da laicidade do Estado, da liberdade de crença, da isonomia, da impessoalidade da Administração Pública e da imparcialidade do Poder Judiciário, ajuizou a presente Ação Civil Pública, cujo pedido imediato dirige-se contra a União Federal, para que seja obrigada a retirar "todos os símbolos religiosos (crucifixos, imagens, etc.) ostentados nos locais proeminentes, de ampla visibilidade e de atendimento ao público nos prédios públicos da União no Estado de São Paulo" (fl.06).
Intimada, a União Federal manifestou-se nos termos do artigo 2° da Lei 8.437/92, requerendo o indeferimento do pedido de tutela antecipada, às fls. 70/107.
Às fls. 108/113v, consta decisão que indeferiu a antecipação da tutela.
Às fls. 123/124, a Associação Brasileira de Liberdade Religiosa e Cidadania - ABLIRC requereu sua admissão no feito, na qualidade de assistente do Ministério Público Federal, o que foi deferido à fl. 249.
Às fls. 148/178, a União Federal apresentou contestação, alegando que, nos termos do entendimento já manifestado pelo Conselho Nacional de Justiça, no tocante ao tema da presença de crucifixos nos Tribunais, "os objetos seriam símbolos da cultura brasileira e que não interferiam na imparcialidade e universalidade do Poder Judiciário" (fl.151). Nesse contexto, sustentou que referido entendimento deveria ser, da mesma forma, aplicado em relação a outros prédios públicos.
Aduziu, outrossim, que, "embora a intenção desta ação seja a de tentar proteger a liberdade de religião, a aceitação do pedido veiculado nesta demanda produziria o efeito oposto, qual seja, a de termos um comando aniquilando a liberdade de religião, criando-se não um Estado laico, mas sim um Estado em oposição à religião, em clara afronta à nossa Carta Magna e aos tratados e convenções internacionais sobre a liberdade de crença e religião" (fl.164).
Afirmou, também, que "a nossa Carta Magna não impõe ao Estado o dever de se opor às religiões, nem obriga que o Poder Público proíba qualquer manifestação (ainda que cultural) ligada a símbolos de natureza religiosa" (fl. 165), bem como que "o comando do art. 19, I, da CF não implica em vedação para a exposição de símbolo religioso em ambiente de órgão público, ou que sua exposição torne o Estado clerical" (fl.166).
Às fls. 277/277v, o Ministério Público Federal requereu a produção de prova testemunhal, oportunidade em que arrolou testemunhas, requerendo a designação de audiência, o que foi deferido à fl. 278.
Por não se conformar com a decisão que deferiu a realização de prova testemunhal, a União Federal interpôs agravo de instrumento, conforme cópia juntada às fls. 281/289. O pedido que visava à concessão de efeito suspensivo à decisão recorrida foi indeferido, nos termos da decisão de fls. 293/295.
Às fls. 362/364, consta o depoimento prestado por Daniel Sottomaior Pereira, que, dentre outras afirmações, alegou que "a mensagem recebida por ateus e agnósticos com a ostentação de símbolos religiosos é similar à da propaganda comercial. Que tal demonstra uma identidade ou adesão ao que o símbolo representa, demais disso uma promoção que enaltece valores e qualidades de dada instituição religiosa. Que aponta que a ostentação dos símbolos, em última análise, gera custos aos cofres públicos, na medida em que o espaço poderia ser mensurado, inclusive, a título de valor publicitário" (fl. 363).
Também a testemunha Jamil Rachid, que é Sacerdote Babalorixá da Umbanda e do Candomblé, foi ouvido, às fls. 365/366, oportunidade em que se posicionou contrariamente à retirada dos símbolos religiosos de repartições públicas, embora tenha reconhecido que, pela tradição brasileira, a ostentação de outros símbolos religiosos, como os hinduístas, poderia causar incômodo ao público, pelo desconhecimento de seus significados.
Às fls. 367/368, consta o depoimento prestado por Daniel Checcio, pastor da Comunidade Evangélica do Bixiga, que declarou "que prega a tolerância e o respeito a todas as crenças, sendo indiferente para a sua fé e para as suas concepções religiosas a existência de símbolos de outras religiões, seja em que locais forem" (fl.368).
Também o Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer, arcebispo de São Paulo, foi ouvido na condição de testemunha, às fls. 417/420, tendo declarado que o Brasil é uma país de tradição católica e que "essa tradição explica a convivência hodierna entre os símbolos católicos e o princípio atual da laicidade do Estado" (fl. 417). Ademais, afirmou "que a presença de símbolos de qualquer religião certamente teria o condão de remeter positivamente aqueles que professam a fé representada ou algum valor ou preceito religioso. Que para os que não professam determinada fé o símbolo pode não dizer nada, porém uma vez reconhecido como tal independentemente da religião teria o condão de remeter a valores que edificam a convivência humana. Que pode exemplificar com a presença do crucifixo, que num Tribunal, por exemplo, representaria um exemplo de uma condenação injusta sem que tal exemplo necessariamente tivesse um viés religioso" (fl. 418).
Às fls. 421/424, Rubens Sternschein, rabino da Congregação Israelita Paulista, declarou "que obviamente proibir a colocação de uma imagem limita a liberdade, porém a opção de uma apenas remete as demais ao sentimento de falta de pertencimento" (fl. 422), "que já havia mencionado que a presença de crucifixo nos Tribunais remete à uma certa forma de sectarismo. Que o sentimento diante de um símbolo de outra religião advém ainda da inexistência de símbolo da própria religião" (fl. 422) e , ainda, que "existe a possibilidade de determinadas pessoas possam se sentir agredidas ou que tais fatos possam demonstrar certa predileção do Estado por uma dada religião" (fl.423).
Por fim, às fls. 431/435, consta o depoimento de Alcionei Miranda Feliciano, pastor da Igreja Evangélica Assembleia de Deus, que se manifestou contrariamente a presença de símbolos religiosos nos órgãos públicos, tendo afirmado que "vê a utilização de crucifixo em prédios públicos como um resquício do período imperial" (fl. 432), e que "o crucifixo é o símbolo da paz, sob a ótica da igreja católica e não sob a ótica das demais religiões" (fl. 432).
O Ministério Público Federal e a União Federal apresentaram memoriais finais, respectivamente, às fls. 437/439 e 446/460.
Às fls. 462/488, a Associação Brasileira de Liberdade Religiosa e Cidadania - ABLIRC ofereceu memoriais, nos quais requereu a procedência da ação.
Sobreveio a sentença, às fls. 494/500 v, que julgou improcedente o pedido, ao fundamento de que a laicidade do Estado brasileiro não se traduz em oposição ao fenômeno religioso, mas sim, que este é garantido como direito fundamental de liberdade de consciência, de liturgia e de culto e que, consequentemente, há "a possibilidade de convivência do Estado laico com símbolos religiosos - crucifixos, imagens, monumentos, nomes de logradouros ou de cidades etc. - ainda que em locais públicos, pois refletem a história e a identidade nacional e regional" (fl. 499).
Irresignado, o Ministério Público Federal interpôs recurso de apelação, às fls. 502/510, alegando, em síntese, que a manutenção de símbolos religiosos em prédios do serviço público federal, no Estado de São Paulo, implica violação aos princípios da laicidade do Estado, da liberdade de crença, da isonomia, da impessoalidade da Administração Pública e da imparcialidade do Poder Judiciário.
A União Federal apresentou contrarrazões, às fls. 533/563.
A D. Procuradoria Regional da República ofertou parecer, às fls. 567/572, opinando pelo desprovimento do recurso de apelação, mantendo-se, na íntegra, a r. sentença recorrida.
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VOTO
O Estado brasileiro é laico, ou seja, há separação entre Estado e Igreja, inexistindo, portanto, religião oficial na República Federativa do Brasil.
A fim de concretizar esse primado, o art. 19, I, da Constituição Federal de 1988, estabelece, in verbis:
Estabelece, ainda, o Texto Constitucional, no rol dos direitos fundamentais, a liberdade de crença e de culto, bem como veda a privação de direitos por motivo de crença religiosa, nos termos do seu art. 5º, incisos VI, VII e VIII, ad litteram:
No caso dos autos, o Ministério Público Federal busca a reforma da sentença a fim de que os símbolos religiosos ostentados nos locais proeminentes, de ampla visibilidade e de atendimento ao público nos prédios públicos da União Federal, no Estado de São Paulo, sejam retirados.
No entanto, como observado pelo Parquet Federal ao ofertar parecer nesta instância, o recurso não merece provimento.
Analisando o contexto sociocultural do Brasil, verifica-se que as referências religiosas na esfera pública são se limitam à afixação de símbolos religiosos em prédios públicos, havendo numerosos logradouros, cidades e escolas públicas que ostentam nomes de figuras religiosas, bem como diversos feriados de cunho religioso.
Outrossim, a Constituição Federal de 1988, acompanhando a maioria das Constituições pátrias pretéritas, ostenta em seu preâmbulo uma expressão religiosa ("sob a proteção de Deus"). Conforme entendimento do C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2076, a referida expressão não possui força normativa, sendo juridicamente irrelevante.
Como é bem de ver, tais referências não colidem com a laicidade do Estado, revelando-se, na verdade, como expressões da liberdade religiosa e, principalmente, como elementos culturais e históricos da sociedade brasileira, as quais não impõem qualquer tipo de restrição ou de dever aos que professam outras crenças ou que não professam crença alguma.
Nesse contexto, cumpre, ainda, destacar a previsão constitucional de ensino religioso nas escolas públicas de ensino fundamental, de matrícula facultativa, mais um exemplo de concretização do primado da liberdade religiosa. Assim dispõe o art. 210, § 1º, da Constituição Federal:
Dessarte, como Estado laico, espera-se do Estado brasileiro uma postura de respeito ao pluralismo existente na sociedade, e não um comportamento laicista, de intolerância e hostilidade em relação às religiões.
Nessa toada, a Constituição Federal de 1988 impõe ao Poder Público o dever de proteção e promoção do patrimônio cultural, como se observa no seu art. 216, in verbis:
Assim, como bem observou o MM. Juízo a quo:
No mais, diante da realidade sociocultural do Brasil e da frequente convivência tolerante do Estado com referências religiosas, não se mostra plausível a conclusão de que, ao se deparar com um símbolo religioso (geralmente cristão, de vertente católica), uma pessoa que professe crença diversa, ou que não adote nenhuma crença, se sinta ofendida ou constrangida.
Sob a ótica do autor da ação, essa suposta ofensa suportada por minorias religiosas ou não confessionais também se daria diante do fechamento de um órgão público em um feriado de cunho religioso, ou do seu funcionamento em regime de plantão (comumente adotado pelo Poder Judiciário), o que não se mostra razoável.
É certo que, diante do conflito entre direitos fundamentais, impõe-se a adoção de um juízo de ponderação, buscando-se identificar em qual dimensão deve um direito fundamental preponderar quando contraposto a outro direito também fundamental.
À luz da regra da proporcionalidade, deve-se sopesar a intensidade da restrição de um direito fundamental e a importância da realização do direito fundamental diante do qual o primeiro se opõe.
Assim, no caso dos autos, o direito invocado pelo autor, de liberdade de crença dos demais integrantes da sociedade brasileira, não deve prevalecer de modo a implicar a retirada de quaisquer símbolos religiosos existentes em locais de atendimento ao público no âmbito da administração federal, no Estado de São Paulo.
Diante dessa conclusão, não se está a eliminar o direito de minorias religiosas, mas sim conciliar os bens jurídicos em conflito.
A tolerância com símbolos religiosos é a solução que mais se aproxima do primado constitucional de liberdade religiosa e da proteção de aspectos culturais da sociedade, afastando-se, dessa forma, o Estado Brasileiro de uma indesejável posição laicista, de conflito com a fé.
Somado a isso, não restou demonstrado no caso dos autos violação a princípios da administração pública, a exemplo da moralidade e da impessoalidade, sendo certo que o desempenho da função pública é calcado na igualdade de tratamento, não sendo relevante a opção religiosa do indivíduo, o que também afasta a alegação de inobservância do princípio da isonomia.
No âmbito do Poder Judiciário - a presente demanda originou-se de representação contra a presença de crucifixo em sala de julgamento do Tribunal Regional Eleitoral-, como bem salientou o D. Juízo de origem, em regra, não consta dos processos judiciais nenhum dado relativo à opção religiosa das partes; sendo oportuno destacar, ainda, relevantes julgados proferidos pelo C. Supremo Tribunal Federal em que a E. Corte reafirmou que as decisões judiciais não se pautam por dogmas religiosos, mas por parâmetros jurídicos, a saber: ADI 4277/ADPF 132 (união homoafetiva) e ADPF 54 (anencefalia).
Não se verifica, dessa forma, a existência de nenhum privilégio para os professantes da religião católica, tampouco prejuízo para os demais cidadãos, decorrente da presença de crucifixos em instalações do Poder Judiciário, o que se estende para toda a Administração Federal no Estado de São Paulo.
No mesmo sentido, priorizando o respeito a aspectos culturais da sociedade, decidiu o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, no caso Soile Lautsi x Estado da Itália, concluindo-se que o crucifixo presente em escolas não constitui apenas um símbolo religioso, possuindo valores históricos e culturais da sociedade italiana.
Por derradeiro, saliento que o Conselho Nacional de Justiça já se manifestou favoravelmente acerca da presença de símbolos religiosos em tribunais, concluindo que a presença desses elementos não fere direitos dos que praticam outras crenças e não afeta o Estado laico, a exemplo do julgamento do Pedido de Providências nºs 0001058-48.2012.2.00.0000.
De rigor, portanto, a manutenção da r. sentença
Diante do exposto, nego provimento ao recurso de apelação.
É como voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 15/02/2018 19:29:49 |