Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 27/02/2018
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0009151-90.2012.4.03.6000/MS
2012.60.00.009151-1/MS
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : JOSE ROBERTO DE FARIA
ADVOGADO : PR007459 SERGIO CANAN e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00091519020124036000 5 Vr CAMPO GRANDE/MS

EMENTA

PENAL. TRANSPORTE ILEGAL DE AGROTÓXICO DE ORIGEM ESTRANGEIRA. TIPICIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS. DOSIMETRIA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.
1. O art. 3º da Lei n. 7.802/89 dispõe que: "Os agrotóxicos, seus componentes e afins (...), só poderão ser produzidos, exportados, importados, comercializados e utilizados, se previamente registrados em órgão federal, de acordo com as diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde, do meio ambiente e da agricultura".
2. O transporte dessas substâncias está regulamentado pela Norma Regulamentadora n. 31 do Ministério do Trabalho e Emprego, aprovada pela Portaria Ministerial n. 86, de 03.03.05, publicada no Diário Oficial da União de 04.03.05.
3. Em princípio, o transporte de agrotóxico em infração às normas de regência pode ser tipificado em duas normas penais, tanto no art. 56 da Lei n. 9.605/98 quanto no art. 15 da Lei n. 7.802/89.
4. Conforme a jurisprudência, o aparente conflito entre as normas penais resolve-se da seguinte forma: o agente que, após importar agrotóxico em desobediência à legislação pertinente, transporta-o no interior do território brasileiro, comete o crime do art. 56 da Lei n. 9.605/98, especial em relação ao delito de contrabando (CP, art. 334). Diversa é a situação do agente que, sem ter introduzido o agrotóxico em solo nacional, é autuado transportando-o internamente, hipótese em que restará tipificado o crime do art. 15 da Lei n. 7.802/90 (STJ, REsp n. 1378064/PR, Rel. Ministro Felix Fischer, j. 27.06.17; REsp n. 1449266/PR, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, j. 06.08.15; TRF da 3ª Região, ACR n. 2007.60.02.004157-8, Rel. Juiz Fed. Conv. Márcio Mesquita, j. 22.10.09; TRF da 4ª Região, ACR n. 2006.71.16.000686-2, Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, j. 15.07.09).
5. O tipo penal do art. 15 da Lei n. 7.802/89 faz referência a agrotóxicos, componentes e afins, sendo "resíduos e embalagens vazias" complemento do objeto material, a saber, "agrotóxicos, seus componentes e afins".
6. Comprovadas a materialidade e autoria delitivas.
7. Na espécie, a considerável quantidade de agrotóxico ilegalmente transportado pelo acusado (37 kg), bem como seus maus antecedentes representados por condenação transitada em julgado (cfr. fl. 224) diversa daquela que ensejou a exasperação da pena pela reincidência (cfr. fls. 212 e 214), ensejam o aumento da pena-base em 1/6 (um sexto), para 2 (dois) anos e 4 (quatro) de reclusão, e 11 (onze) dias-multa, nos termos do art. 59 do Código Penal.
8. Dada a reincidência do acusado, ficam mantidos o regime inicial semiaberto e o indeferimento da substituição da pena de reclusão por restritivas de direitos. Na espécie, ainda que descontado, nos termos do art. 387 do Código de Processo Penal, o período de 4 (quatro) dias em que o réu permaneceu preso em flagrante delito, mantém-se o regime inicial semiaberto, em razão da reincidência.
9. Desprovida a apelação do acusado.
10. Provida a apelação do Ministério Público Federal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do réu e dar provimento ao apelo do Ministério Público Federal para majorar a pena-base, tornando as penas definitivas, em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, regime inicial semiaberto, e 11 (onze) dias-multa., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 19 de fevereiro de 2018.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0009151-90.2012.4.03.6000/MS
2012.60.00.009151-1/MS
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : JOSE ROBERTO DE FARIA
ADVOGADO : PR007459 SERGIO CANAN e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00091519020124036000 5 Vr CAMPO GRANDE/MS

RELATÓRIO

Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e por José Roberto de Faria contra a sentença (fls. 249/257) que o condenou pelo crime do art. 15 da Lei n. 7.802/89, a 2 (dois) anos de reclusão, regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa no valor unitário mínimo legal. Ainda, em razão da detração (CPP, art. 387), a pena de reclusão foi diminuída em 4 (quatro) dias, tornando-se definitiva em 1 (um) ano, 11 (onze) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão.

A acusação, em suas razões de apelação (fl. 286v.), postula a exasperação da pena-base ante a quantidade e a natureza do agrotóxico transportado pelo acusado, bem como em razão dos maus antecedentes.

Em suas razões recursais (fls. 299/302) o acusado sustenta, em síntese, a absolvição pela atipicidade da conduta.

Foram apresentadas contrarrazões (fls. 303/304 e 305/307).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Álvaro Luiz de Mattos Stipp, manifestou-se pelo provimento do apelo da acusação e pelo desprovimento da apelação do acusado (cfr. fls. 309/310v.).

Os autos foram submetidos à revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.



Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0009151-90.2012.4.03.6000/MS
2012.60.00.009151-1/MS
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : JOSE ROBERTO DE FARIA
ADVOGADO : PR007459 SERGIO CANAN e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00091519020124036000 5 Vr CAMPO GRANDE/MS

VOTO

Imputação. José Roberto de Faria foi denunciado pelos crimes do art. 334, § 1º, c, do Código Penal c. c. o art. 56, caput, da Lei n. 9.605/98, em concurso material (CP, art. 69).

Em síntese, segundo a denúncia (fls. 76/77) e seu aditamento (fl. 80), no dia 03.09.12, por volta de 20h, no Terminal Rodoviário de Campo Grande/MS, durante fiscalização de rotina empreendida por Policiais Militares em ônibus da Viação Eucatur que percorria o itinerário Porto Alegre (RS) - Aripuanã (MT), constatou-se que o acusado trazia consigo, no interior de duas grandes malas dispostas no bagageiro externo do ônibus, aproximadamente 37 kg de agrotóxico de origem estrangeira.

Ainda segundo a denúncia (fls. 76/77) e respectivo aditamento (fl. 80), quando de seu interrogatório em sede policial, o acusado afirmou que os agrotóxicos foram adquiridos na cidade fronteiriça de Toledo (PR), pelo preço de R$ 100,00 (cem reais) cada kg, sendo que planejava levá-lo à cidade de Comodoro (MT), onde o aplicaria e, caso produzisse os efeitos esperados, passaria a comercializá-lo.

Do processo. O acusado foi preso em flagrante delito, permaneceu preso durante 4 (quatro) dias e foi solto após o pagamento de fiança (cfr. fls. 2/9, 26 e 256/257).

Sob o entendimento de bis in idem, o Juízo a quo absolveu o acusado do delito do art. 334, § 1º, c, do Código Penal, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal, e mediante emendatio libelli (CPP, art. 383) reclassificou a conduta tipificada no art. 56, caput, da Lei n. 9.605/98 para o crime do art. 15 da Lei n. 7.802/89 (cfr. fls. 249/257).

Materialidade. A materialidade delitiva está comprovada pelos seguintes elementos de convicção:

a) auto de apresentação e apreensão (fls. 10/11);
b) termo de guarda fiscal (fl. 40); e
c) laudo de química forense (fls. 42/46).

Transporte de agrotóxico. Tipificação. O art. 3º da Lei n. 7.802/89, dispõe que: "Os agrotóxicos, seus componentes e afins (...), só poderão ser produzidos, exportados, importados, comercializados e utilizados, se previamente registrados em órgão federal, de acordo com as diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde, do meio ambiente e da agricultura".

O transporte dessas substâncias está regulamentado pela Norma Regulamentadora n. 31 do Ministério do Trabalho e Emprego, aprovada pela Portaria Ministerial n. 86, de 03.03.05, publicada no Diário Oficial da União de 04.03.05:

31.8.19 Os agrotóxicos, adjuvantes e produtos afins devem ser transportados em recipientes rotulados, resistentes e hermeticamente fechados.
31.8.19.1 É vedado transportar agrotóxicos, adjuvantes e produtos afins, em um mesmo compartimento que contenha alimentos, rações, forragens, utensílios de uso pessoal e doméstico.
31.8.19.2 Os veículos utilizados para transporte de agrotóxicos, adjuvantes e produtos afins, devem ser higienizados e descontaminados, sempre que forem destinados para outros fins.

Em princípio, o transporte de agrotóxico em infração às normas de regência pode ser tipificado em duas normas penais:

Lei n. 7.802/89:
Art. 15. Aquele que produzir, comercializar, transportar, aplicar, prestar serviço, der destinação a resíduos e embalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins, em descumprimento às exigências estabelecidas na legislação pertinente estará sujeito à pena de reclusão, de dois a quatro anos, além de multa.

Lei n. 9.605/98:
Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Conforme a jurisprudência, o aparente conflito entre as normas penais resolve-se da seguinte forma: o agente que, após importar agrotóxico em desobediência à legislação pertinente, transporta-o no interior do território brasileiro, comete o crime do art. 56 da Lei n. 9.605/98, especial em relação ao delito de contrabando (CP, art. 334). Diversa é a situação do agente que, sem ter introduzido o agrotóxico em solo nacional, é autuado transportando-o internamente, hipótese em que restará tipificado o crime do art. 15 da Lei n. 7.802/90:


PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 15 DA LEI 7.802/89 E ART. 56 DA LEI 9.605/98. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. APLICAÇÃO NO CASO CONCRETO. REVALORAÇÃO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. FATOS EXPLICITAMENTE ADMITIDOS E DELINEADOS NO V. ACÓRDÃO PROFERIDO PELO EG. TRIBUNAL A QUO. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE. POSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO (...).
II - A Lei n. 7.802/89 é especial em relação à Lei 9.605/98 no que tange ao transporte de agrotóxico. Entretanto, aquela não veicula o verbo importar como um dos núcleos do tipo previsto no art. 15, diferentemente do que ocorre com a Lei dos Crimes Ambientais, em seu art. 56. Este dispositivo é mais amplo, contendo doze núcleos, dentre eles o de importar e o de transportar substâncias tóxicas.
III - Na hipótese vertente, tendo o mesmo agente se valido, em um mesmo contexto fático, do transporte de agrotóxicos, após ingressar em território nacional destituído da autorização e documentação devidas para tanto, pratica tão somente a infração prevista no art. 15 da Lei 7.802/89, (norma mais grave e especial em relação à Lei de Crimes Ambientais) porquanto o núcleo importar, in casu, estava inteiramente subordinado à consecução do transporte de agrotóxico (...).
(STJ, REsp n. 1378064/PR, Rel. Ministro Felix Fischer, j. 27.06.17)
RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. IMPORTAÇÃO DE SUBSTANCIA TÓXICA (ARTIGO 56 DA LEI Nº 9.605/98) E TRANSPORTE DE AGROTÓXICO (ARTIGO 15 DA LEI N° 7.802/89). ADEQUAÇÃO TÍPICA.
1. Inexistindo elementos no sentido de que o denunciado, tendo recebido na rodoviária de Foz de Iguaçu mala com produto que sabia ter procedência estrangeira para transporte dentro do território nacional, tenha ajustado ou aderido à importação antes da sua consumação, não se pode falar em participação na importação de substância tóxica (artigo 56 da Lei nº 9.605/98) mas em delito autônomo de transporte de agrotóxico (artigo 15 da Lei n° 7.802/89) (...).
(STJ, REsp n. 1449266/PR, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, j. 06.08.15)
PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRANSPORTE DE AGROTÓXICO DE ORIGEM ESTRANGEIRA, SEM DOCUMENTAÇÃO DE REGULAR INTERNAÇÃO E SEM REGISTRO NO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA. CONFLITO APARENTE ENTRE O ARTIGO 334 DO CÓDIGO PENAL E ARTIGO 15 DA LEI 7.802/1989. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA COMPROVADA COM RELAÇÃO A UM DOS CO-RÉUS. DOSIMETRIA DA PENA: PROCESSOS EM ANDAMENTO. MAUS ANTECEDENTES. AFERIÇÃO NO CASO CONCRETO (...).
2. Os réus são acusados de importar e transportar agrotóxico de procedência estrangeira sem prova de importação regular, bem como sem a competente autorização do Ministério da Agricultura. O conflito aparente entre as normas do artigo 334, caput, do Código Penal e artigo 15 da Lei nº 7.802/89 resolve-se pela aplicação do princípio da especialidade e da consunção.
3. Se o agrotóxico sem registro no Ministério da Agricultura é espécie do gênero mercadoria proibida, então a conduta de transportar agrotóxico deve ser enquadrada na norma mais específica, qual seja, o artigo 15 da Lei nº 7.802/89, e não no artigo 334 do Código Penal.
4. Não é possível concluir-se que essa mesma conduta tipifica ambos os crimes, ao fundamento de que os bens jurídicos tutelados são distintos. O crime do artigo 334 visa proteger o interesse público do Estado na regularidade do estabelecimento de suas políticas de comércio exterior, enquanto que o tipo do artigo 15 da Lei nº 7.802/89 visa proteger a saúde das pessoas e o meio ambiente. Não há interesse do Estado na proteção da regularidade do comércio exterior, no caso do agrotóxico desprovido de registro. Esse tem sua importação proibida, não em razão da política estatal de comércio exterior, mas pelo fato de não possuírem registro no Ministério da Agricultura. Tanto que é proibida a comercialização de qualquer agrotóxico sem registro, seja ele importado ou nacional.
5. O transporte de agrotóxico de origem estrangeira configura apenas o crime do artigo 15 da Lei nº 7.802/89. Precedentes.
6. Não há há elementos os autos que indiquem que Edgar tenha participado do transporte do agrotóxico nem da sua importação, de modo que é de rigor a manutenção do decreto absolutório.
7. Materialidade demonstrada pelo auto de apreensão de 160 quilos de agrotóxico da marca Pegasus; laudo de exame agrotóxico, que atesta que o agrotóxico possui princípio ativo registrado na Agencia Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, porém não pode ser comercializado ou utilizado no Brasil por não possuir registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, sendo mercadoria de origem chinesa, importada pelo Paraguai (...).
(TRF da 3ª Região, ACR n. 2007.60.02.004157-8, Rel. Juiz Fed. Conv. Márcio Mesquita, j. 22.10.09)
PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE AGROTÓXICOS. IMPORTAÇÃO E TRANSPORTE IRREGULARES. AMBIENTAL. LEI N.º 7.802/89, ARTIGO 15. LEI N.º 9.605/98, ARTIGO 56. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO. PENA MÍNIMA PREVISTA EM ABSTRATO. UM ANO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. LEI N.º 9.099/95. POSSIBILIADE.
1. O art. 15 da Lei n.º 7.802/89 é especial em relação ao art. 56 da Lei n.º 9.605/89 no que coincidem as respectivas ações nucleares, devendo preponderar em relação a este. Deixa, no entanto, de sê-lo no que diferem. Importar, por exemplo, não é conduta tipificada no art. 15 da Lei n.º 7.802/89, mas está, quanto a substâncias tóxicas proibidas ou ilegais, elencada na regra proibitiva do art. 56 da Lei n.º 9.605/98.
2. O agente que, após pessoalmente importar agrotóxico em desobediência à legislação pertinente, transporta-o no interior do território brasileiro, sujeita-se às penas somente do delito previsto no art. 56 da Lei n.º 9.605/98. O transporte de substância tóxica por aquele que a importou consiste em pós-fato impunível, pois quem, por si mesmo, importa, para tanto, necessariamente, transporta. Diversa é a situação em que, sem ter introduzido o agrotóxico em solo pátrio, encontra-se o agente a transportá-lo (internamente), hipótese em que estará descumprindo a regra do art. 15 da Lei n.º 7.802/89.
3. Se, ainda que na sentença, ocorre a desclassificação do crime delineado na denúncia para delito cuja pena máxima prevista em abstrato é igual ou inferior a um ano, afigura-se possível o oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo.
(TRF da 4ª Região, ACR n. 2006.71.16.000686-2, Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, j. 15.07.09)

Do caso dos autos. O réu sustenta a absolvição pela atipicidade da conduta. Para tanto, aduz que agrotóxico não constituiu objeto material do crime do art. 15 da Lei n. 7.802/89.

Não lhe assiste razão.

O transporte de agrotóxico de procedência estrangeira sem registro na autoridade federal competente (cfr. fls. 42/46) e em condições (acondicionados em malas de viagem, cfr. fl. 10) que infringem a Norma Regulamentadora n. 31 do Ministério do Trabalho e Emprego, tipifica o delito do art. 15 da Lei n. 7.802/89.

O tipo penal em alusão faz referência a agrotóxicos, componentes e afins, sendo "resíduos e embalagens vazias" complemento do objeto material, a saber, "agrotóxicos, seus componentes e afins".

Alegação de atipicidade da conduta que se rejeita.

Autoria. Também há provas suficientes da autoria delitiva, que se encontra comprovada pelos mesmos elementos de convicção denotativos da materialidade delitiva e também pelas declarações judiciais das testemunhas (cfr. mídia de fl. 121) e pelo próprio interrogatório do réu perante o Juízo (cfr. mídia de fl. 121), ocasião em que admitiu a prática delitiva, não questionada na apelação interposta (cfr. fls. 299/302).

Portanto, mantém-se a condenação do acusado pelo crime do art. 15 da Lei n. 7.802/89.

Dosimetria. Com base no art. 59 do Código Penal, o Juízo a quo fixou a pena-base no mínimo legal, 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

A condenação do acusado pela prática pretérita do crime do art. 180 do Código Penal, transitada em julgado (cfr. fls. 212 e 214), motivou a incidência da agravante da reincidência (CP, art. 61, I), a qual, porém, foi compensada com a atenuante da confissão espontânea (CP, art. 65, III, d), restando a pena fixada em 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Ainda, em razão da detração (CPP, art. 387), a pena de reclusão foi diminuída em 4 (quatro) dias, tornando-se definitiva em 1 (um) ano, 11 (onze) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão.

Dada a reincidência do acusado, foi fixado o regime inicial semiaberto e negada a substituição da pena de reclusão por restritivas de direitos.

O valor unitário do dia-multa foi arbitrado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, mínimo legal.

A acusação, em suas razões de apelação (fl. 286v.), postula a exasperação da pena-base ante a quantidade e a natureza do agrotóxico transportado pelo acusado, bem como em razão dos maus antecedentes.

Com razão o Ministério Público Federal.

Na espécie, a considerável quantidade de agrotóxico ilegalmente transportado pelo acusado (37 kg), bem como seus maus antecedentes representados por condenação transitada em julgado (cfr. fl. 224) diversa daquela que ensejou a exasperação da pena pela reincidência (cfr. fls. 212 e 214), ensejam o aumento da pena-base em 1/6 (um sexto), para 2 (dois) anos e 4 (quatro) de reclusão, e 11 (onze) dias-multa, nos termos do art. 59 do Código Penal.

Na sequência, mediante a compensação da agravante da reincidência (CP, art. 61, I) com a atenuante da confissão espontânea (CP, art. 65, III, d), a pena resta fixada em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, e 11 (onze) dias-multa.

Dada a reincidência do acusado, ficam mantidos o regime inicial semiaberto e o indeferimento da substituição da pena de reclusão por restritivas de direitos. Na espécie, ainda que descontado, nos termos do art. 387 do Código de Processo Penal, o período de 4 (quatro) dias em que o réu permaneceu preso em flagrante delito (cfr. fls. 2/9, 26 e 256/257), mantém-se o regime inicial semiaberto, em razão da reincidência.

Também o valor unitário do dia-multa fica mantido em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, mínimo legal, a ser corrigido quando do pagamento, na forma do art. 49, § 2º, do Código Penal.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação do réu e DOU PROVIMENTO ao apelo do Ministério Público Federal para majorar a pena-base, tornando as penas definitivas em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, regime inicial semiaberto, e 11 (onze) dias-multa.

É o voto.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 20/02/2018 14:08:01