Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 15/12/2017
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0007768-68.2012.4.03.6100/SP
2012.61.00.007768-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS
APELADO(A) : BARSA PLANETA INTERNACIONAL LTDA
ADVOGADO : SP174377 RODRIGO MAITTO DA SILVEIRA e outro(a)
REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 26 VARA SÃO PAULO Sec Jud SP
No. ORIG. : 00077686820124036100 26 Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

MANDADO DE SEGURANÇA. ENFITEUSE. DECRETO-LEI Nº 9.760/46. SÍTIO TAMBORÉ. ANTIGA ALDEIA. CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO COMPROVA DOMÍNIO DIRETO DA UNIÃO. REFORMA DA R. SENTENÇA.
I - A questão central do embate versa sobre a existência, ou não, do domínio público pela União no que respeita as terras do denominado "Sítio Tamboré", situado no Município de Barueri-SP.
II - O Supremo Tribunal Federal em ação promovida pelo Espólio de Bernardo José Leite Penteado, Apelação nº 2.392, acórdão de 14.01.1918, decidiu pela restituição do imóvel aos herdeiros do então requerente (Espólio de Bernardo José Leite Penteado), reconhecendo o domínio direto da União, o qual já tinha sido extinto pela decisão do STF de 1892.
III - Posteriormente, o antigo Decreto 9.760/46 prescreveu expressamente que se incluem entre os bens da União os terrenos dos extintos aldeamentos de índios (art. 1º, letra h).
IV - Neste ponto, vejo que proteção constitucional do tema deve ser enfrentada, claramente, para se chegar a uma conclusão se a atual Carta Magna recepcionou o conteúdo do texto legal acima.
V - Neste aspecto aponto que, ainda que nossa Constituição Federal preveja dentre os bens da União "as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios" (art. 20, XI), é nítido que seu conceito se mostra um tanto elástico.
VI - A Constituição de 1937 determinou que os bens da União fossem demarcados por norma infraconstitucional - em cuja vigência foi editado o Decreto-Lei 9.760/46.
VII - Já a Constituição de 1946 dispôs sobre os bens da União, mencionando no seu art. 34 os bens ali incluídos, levando o intérprete a refletir se outros estariam excluídos, além daqueles, como reforça a Apelante em seu arrazoado.
VIII - A Constituição de 1967, por meio da Emenda Constitucional nº 1 de 1969, veio a prescrever que se incluem entre os bens da União as terras ocupadas pelos silvícolas (art. 4º, IV).
IX - É perceptível que esta Constituição passou a exigir a ocupação silvícola em concreto para que aquelas área fossem tidas como públicas.
X - A nossa Carta de 1988, diferentemente, usa a larga expressão "terras tradicionalmente ocupadas pelos índios"; não exigindo, ao que parece, uma ocupação concreta e presente para sua configuração como bem público.
XI - Não se duvida, nos presentes autos, que a área em apreço foi efetivamente, no passado, um aldeamento indígena - aliás, o próprio nome denuncia: "Fazenda Tamboré" - e o deslinde da questão prende-se ao fato de se saber se os termos do Decreto de 1946 estão contidos ou não na nossa Carta atual.
XII - Terrenos de extintos aldeamentos de índios e terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas são expressões contraditórias? De forma alguma. Numa singela abordagem interpretativa, não vislumbro colisão entre as expressões acima. Ao contrário, são ideias que se complementam ou se somam.
XIII - Fato é que nenhum texto constitucional anterior foi taxativo o suficiente para prescrever que somente o que ali constasse seria tido como bem da União. Inversamente, todos foram elásticos o bastante para não excluírem outras hipóteses de bens públicos já previstos legalmente.
XIV - Mas o aspecto deveras relevante a enfrentar é o da segurança jurídica.
XV - Efetivamente, os registros públicos imobiliários conferem a segurança jurídica necessária para a validade do direito de propriedade, assim albergado pelo texto constitucional.
XVI - O art. 1.245 do Código Civil consagra que somente por meio de ação própria é que se invalidará o registro público de um imóvel. Em não havendo decisão neste sentido, o adquirente continuará a ser havido como seu dono.
XVII - A ação de que trata este dispositivo diz respeito aos graves defeitos porventura existentes no registro imobiliário, gerados por circunstâncias ligadas à invalidade do ato jurídico originário, considerado nulo de pleno direito, nos termos do art. 166 desta legislação ordinária.
XVIII - Não havendo requisitos tais, o ato registral é público e gerados de efeitos, não se podendo alvejá-lo, apenas, com o prisma da negação da verdade histórica. É preciso, ainda, o embasamento jurídico exigido pelo ordenamento, para não se comprometer a segurança registral vigente.
XIX - Com razão, ou a lei determina esta nova situação fático-jurídica - com força retroativa, eliminando as enfiteuses pretéritas - ou se utiliza do prescrito no ordenamento em curso para buscar a anulação os atos jurídicos já realizados, seja ele em que tempo tenha sido.
XX - Destarte, somente a mera indignação do intérprete não seria capaz de tanto, por mais bem intencionado que se possa demonstrar neste espinhoso exercício de hermenêutica.
XXI - Apelação da União e remessa oficial providas. Denegação da ordem.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da União e à remessa oficial, para o fim de reformar a r. sentença, denegando a segurança, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 05 de dezembro de 2017.
COTRIM GUIMARÃES
Desembargador Federal


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Data e Hora: 07/12/2017 12:02:03



APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0007768-68.2012.4.03.6100/SP
2012.61.00.007768-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS
APELADO(A) : BARSA PLANETA INTERNACIONAL LTDA
ADVOGADO : SP174377 RODRIGO MAITTO DA SILVEIRA e outro(a)
REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 26 VARA SÃO PAULO Sec Jud SP
No. ORIG. : 00077686820124036100 26 Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES (Relator): Trata-se de reexame necessário e de recurso de apelação interposto pela União Federal em face da r. sentença de fls. 307 e ss. que, nos autos do mandado de segurança impetrado por BARSA PLANETA INTERNACIONAL LTDA contra ato do GERENTE REGIONAL DA SECRETARIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO, julgou procedente o pedido e concedeu a segurança para o fim de determinar o cancelamento das cobranças efetuadas pela autoridade impetrada, a título de foros e laudêmio, consubstanciadas no processo administrativo n.º 04977.278607/2004-59, devendo a autoridade impetrada se abster de inscrever tal débito em dívida ativa ou de proceder à sua cobrança em execução fiscal, bem como de incluir o nome da impetrante em cadastro de devedores ou, caso já tenha ocorrido a inclusão, deverá excluí-lo, em decorrência das mencionadas cobranças. Sem honorários, conforme o disposto no art. 25 da Lei 12.016/09.


A apelante sustenta, em apertada síntese, que não há que se falar em inexistência de relação jurídica entre o impetrante e a União, devendo ser cumpridas as obrigações inerentes ao regimento de aforamento, tais como o pagamento de foro, tendo em vista o exercício, pelo foreiro dos seus direitos sobre o domínio útil do imóvel, ou de laudêmio (fls. 321 e ss.).


Devidamente processado o recurso, vieram os autos a esta E. Corte.


A Procuradoria Regional da República opina pelo provimento do recurso (fls. 377 e ss.).


É o relatório.



VOTO

O Exmo. Sr. Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES (Relator): Anoto, de início, que se encontram presentes todos os pressupostos que autorizam o uso da via mandamental, sendo incabível a aplicação do art. 151 do CTN, uma vez que o foro e o laudêmio não possuem natureza jurídica de tributo.

A questão central do embate versa sobre a existência, ou não, do domínio público pela União no que respeita às terras do denominado "Sítio Tamboré", situado no Município de Barueri-SP.


Narra a impetrante, na petição inicial, que foi possuidora do domínio útil do imóvel localizado na Rua Javari, nº 200, Barueri/SP, no período de 1980 a 2008 e que, em setembro de 2008, transferiu-o outra empresa. Aduz que foi intimada, por meio da Notificação Direp-Financeiro nº 816/2012, expedida no processo administrativo nº 04977.278607/2004-59, a recolher diferenças de foros dos anos de 2007 e 2008, bem como diferenças do valor recolhido a título de laudêmio, no total de R$ 367.559,30. Sustenta ser indevida tal cobrança, tendo em vista que o imóvel em questão não é de propriedade da União. Alega que a área onde se encontra o imóvel pertencia ao antigo "Sítio Tamboré", de propriedade de índios que, posteriormente, o aforaram ao Sr. Francisco Rodrigues Penteado, transferindo-lhe o domínio útil do bem. Assevera que houve o registro da posse do Sítio Tamboré em nome da família Penteado, nos termos da Lei Paroquial nº 601/1850.


De fato, o Supremo Tribunal Federal em ação promovida pelo Espólio de Bernardo José Leite Penteado, Apelação nº 2.392, acórdão de 14.01.1918, decidiu pela restituição do imóvel aos herdeiros do então requerente (Espólio de Bernardo José Leite Penteado), reconhecendo o domínio direto da União, o qual já tinha sido extinto pela decisão do STF de 1892.


Posteriormente, o antigo Decreto 9.760/46 prescreveu expressamente que se incluem entre os bens da União os terrenos dos extintos aldeamentos de índios (art. 1º, letra h).


Neste ponto, vejo que proteção constitucional do tema deve ser enfrentada, claramente, para se chegar a uma conclusão se a atual Carta Magna recepcionou o conteúdo do texto legal acima.


Neste aspecto aponto que, ainda que nossa Constituição Federal preveja dentre os bens da União "as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios" (art. 20, XI), é nítido que seu conceito se mostra um tanto elástico.


A Constituição de 1937 determinou que os bens da União fossem demarcados por norma infraconstitucional - em cuja vigência foi editado o Decreto-Lei 9.760/46.


Já a Constituição de 1946 dispôs sobre os bens da União, mencionando no seu art. 34 os bens ali incluídos, levando o intérprete a refletir se outros estariam excluídos, além daqueles, como reforça a Apelante em seu arrazoado.


A Constituição de 1967, por meio da Emenda Constitucional nº 1 de 1969, veio a prescrever que se incluem entre os bens da União as terras ocupadas pelos silvícolas (art. 4º, IV).


É perceptível que esta Constituição passou a exigir a ocupação silvícola em concreto para que aquelas área fossem tidas como públicas.


A nossa Carta de 1988, diferentemente, usa a larga expressão "terras tradicionalmente ocupadas pelos índios"; não exigindo, ao que parece, uma ocupação concreta e presente para sua configuração como bem público.


Não se duvida, nos presentes autos, que a área em apreço foi efetivamente, no passado, um aldeamento indígena - aliás, o próprio nome denuncia: "Fazenda Tamboré" - e o deslinde da questão prende-se ao fato de se saber se os termos do Decreto de 1946 estão contidos ou não na nossa Carta atual.


Terrenos de extintos aldeamentos de índios e terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas são expressões contraditórias?


De forma alguma. Numa singela abordagem interpretativa, não vislumbro colisão entre as expressões acima. Ao contrário, são ideias que se complementam ou se somam.


Fato é que nenhum texto constitucional anterior foi taxativo o suficiente para prescrever que somente o que ali constasse seria tido como bem da União. Inversamente, todos foram elásticos o bastante para não excluírem outras hipóteses de bens públicos já previstos legalmente.


Mas o aspecto deveras relevante a enfrentar é o da segurança jurídica.


Efetivamente, os registros públicos imobiliários conferem a segurança jurídica necessária para a validade do direito de propriedade, assim albergado pelo texto constitucional.


O art. 1.245 do Código Civil consagra que somente por meio de ação própria é que se invalidará o registro público de um imóvel. Em não havendo decisão neste sentido, o adquirente continuará a ser havido como seu dono.


A ação de que trata este dispositivo diz respeito aos graves defeitos porventura existentes no registro imobiliário, gerados por circunstâncias ligadas à invalidade do ato jurídico originário, considerado nulo de pleno direito, nos termos do art. 166 desta legislação ordinária.


Não havendo requisitos tais, o ato registral é público e gerados de efeitos, não se podendo alvejá-lo, apenas, com o prisma da negação da verdade histórica. É preciso, ainda, o embasamento jurídico exigido pelo ordenamento, para não se comprometer a segurança registral vigente.


Com razão, ou a lei determina esta nova situação fático-jurídica - com força retroativa, eliminando as enfiteuses pretéritas - ou se utiliza do prescrito no ordenamento em curso para buscar a anulação os atos jurídicos já realizados, seja ele em que tempo tenha sido.


Destarte, somente a mera indignação do intérprete não seria capaz de tanto, por mais bem intencionado que se possa demonstrar neste espinhoso exercício de hermenêutica.


Como se percebe, não há elementos fático-probatórios hábeis para desconstituir o direito real de enfiteuse. Pelo contrário, há robusto lastro registral imobiliário, legislações de importância histórica, por que fica patente o domínio direto da União Federal sobre os imóveis em comento (fls. 41/45). No caso em tela, não se trata do apego, amiúde propalado em sede teórica de jus-discussões, sobre a recepção ou não, por esta ou aquela Constituição, a este ou àquele diploma, que em evolutiva linha do tempo assim ou de outro modo tivesse prescrito.


Nesse sentido:


"ADMINISTRATIVO. CIVIL. SÍTIO TAMBORÉ. ENFITEUSE. REGISTRO IMOBILIÁRIO. PRESUNÇÃO DE PROPRIEDADE. 1. A jurisprudência desta Corte assentou o entendimento de que subsiste regime de enfiteuse na região de Alphaville, área pertencente ao antigo Sítio Tamboré, de modo que o registro imobiliário respectivo surte seus naturais efeitos jurídicos. 2. Embora no direito brasileiro o registro do título translativo no Registro de Imóveis não gere presunção absoluta do direito real de propriedade, apenas relativa (CC/1916, art. 527 e CC/2002, art. 1.231), constata-se que a parte interessada - que adquiriu o domínio útil ciente das peculiaridades que gravavam a propriedade - não carreou aos autos documentos a inquinar as certidões de registro de imóveis dele constantes (TRF da 3ª região, AC n. 1331365, Des. Fed. José Lunardelli, j. 06.03.12). 3. Apelação não provida." (TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, AC 0018220-94.1999.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW, julgado em 25/03/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/04/2013)

Ante o exposto, dou provimento à apelação da União e à remessa oficial, para o fim de reformar a r. sentença, denegando a segurança.


É como voto.


COTRIM GUIMARÃES
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Nº de Série do Certificado: 35E71261813E6CB4
Data e Hora: 07/12/2017 12:02:00