D.E. Publicado em 05/03/2018 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e dar parcial provimento à remessa oficial, tida por submetida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação e remessa oficial, tida por submetida, em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra J & F INVESTIMENTOS S/A, requerendo: (1) a condenação da ré à recuperação de área de preservação permanente efetivamente degradada (florestamento), haja vista a construção de um rancho nas margens do reservatório UHE Jupiá, no município de Castilho/SP; (2) a demolição das construções compreendidas no perímetro da APP; (3) a cessação de qualquer intervenção na APP; e (4) o pagamento de indenização, quantificada em perícia ou por arbitramento, correspondente aos danos ambientais causados.
O órgão ministerial instruiu a inicial com procedimento administrativo (f. 18/230) que apurou e concluiu pela ocorrência de interferência antrópica em área de preservação permanente.
Contestou a ré (f. 259/282).
O Juízo a quo indeferiu a liminar (f. 330/331).
Após, houve réplica à contestação (f. 334/339).
Foi determinada a produção de prova pericial e nomeado perito (f. 364), este apresentou proposta de honorários (f. 367/368).
A ré indicou assistente técnico para a perícia e formulou quesitos (f. 371/373). Em seguida, impugnou a estimativa de honorários do profissional designado pelo Juízo (f. 375/377).
O MPF aderiu à impugnação referente aos honorários de perícia, sugeriu a designação da Coordenadoria de Fiscalização Ambiental (CFA) para realização de vistoria técnica e formulou quesitos (f. 379/382).
Ordenou-se a intimação do IBAMA para informar eventual interesse em integrar a lide, assim como se manifestar quanto à aprovação do Plano Ambiental de Conservação e Uso do Entorno do Reservatório Artificial - PACUERA - da UHE Eng. Souza Dias (f. 396). Em resposta, a autarquia solicitou ingresso no polo ativo do feito e esclareceu que o reportado plano se encontrava em análise (f. 401/402).
Restou deferida a inclusão do IBAMA como assistente simples do autor, bem como foi determinada a elaboração de perícia pela CFA (f. 418).
Ato contínuo, anexou-se ao processo Relatório Técnico de Vistoria elaborado pela CFA, apoiada pela Polícia Militar Ambiental (f. 474/488). Consequentemente, IBAMA e MPF se manifestaram (f. 489/496 e 497/499).
Laudo técnico confeccionado pelo assistente pericial da ré foi juntado (f. 503/540), bem como memoriais (f. 541/551) e impugnação ao relatório da CFA (f. 553/561).
A sentença julgou parcialmente procedente a ação para condenar a ré a: (a) regularizar as intervenções compatíveis com a ocupação e demolir aquelas não autorizadas, com observância das normas técnicas pertinentes e sob fiscalização dos órgãos competentes; (b) não edificar ou realizar qualquer outra atividade antrópica na faixa de desapropriação do reservatório; (c) se abster de construir novas edificações, reformar, cercar, suprimir vegetação, aterrar, plantar, criar gado, dentre outras atividades lesivas ao meio ambiente na APP; e (d) se abster de despejar, no solo ou na água, quaisquer substâncias poluidoras. Ausente condenação em honorários (f. 565/572).
Apelou a ré, alegando: (1) que a faixa de APP deve ser aferida com base na previsão do artigo 62 do Novo Código Florestal e não conforme o artigo 4º, inciso III, do mesmo diploma normativo, interpretação esta adotada na sentença, e (2) que existem contradições no laudo pericial que o invalidam (f. 574/585).
Com contrarrazões (f. 589/592 e 594/602), subiram os autos a esta Corte, opinando a Procuradoria Regional da República pelo não provimento do apelo (f. 604/606).
A seguir, a ré protocolizou petição suscitando a existência de nulidades na sentença cognoscíveis de ofício, na medida em que, alegadamente, ocorrido julgamento extra petita, baseado em laudo pericial, por sua vez, nulo (f. 666/672).
Os autos vieram conclusos e foram recebidos fisicamente no Gabinete em 14/12/2017, com inclusão em pauta para julgamento na sessão de 21/02/2018.
É o relatório.
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VOTO
Senhores Desembargadores, a ilação de sentencimento extra petita causa espécie.
Alegou a ré (f. 666/667) que a sentença a condenou a "obrigações que criou a seu modo (fls. 565/572): i) regularização de intervenções compatíveis com a ocupação e demolição das intervenções não autorizadas, sob fiscalização do órgão competente; ii) não edificar nem realizar qualquer outra atividade antrópica na faixa de desapropriação do reservatório, incluindo a instalação de banheiros, fossas sépticas e aparelhos de lazer; iii) abstenção de qualquer nova construção, reforma, cerceamento, supressão de vegetação, aterramento, plantação, criação de gado ou similar, ou qualquer outra atividade lesiva ao meio ambiente na área de APP redefinida; iv) na abstenção de despejar, em solo ou nas águas do rio Paraná, qualquer espécie de substâncias poluidoras".
Sucede que todos estes provimentos estão contidos no teor dos pedidos formulados na inicial destes autos. Pela clareza, transcrevo, no que pertinente (f. 10/11):
Veja-se, todos os provimentos destacados pela ré que não possuem literal identidade com os pedidos deduzidos pelo parquet são simples decorrências destes. Assim há possibilidade de uso do loteamento, contanto que respeitados os provimentos jurisdicionais requeridos e concedidos - daí falar-se em "regularização" (sendo que o Juízo já mencionara, em fundamentação, que "as medidas sanadoras das intervenções [na APP] serão adotadas em cumprimento de sentença, com base na perícia judicialmente determinada"), que guarda relação semântica com a adoção de "práticas de adequação ambiental", como requerido pelo Ministério Público Federal. De outro lado, a proibição de despejo de quaisquer substâncias poluidoras na área de preservação ambiental é mera consequência, deveras evidente, da proibição de atividade antrópica neste perímetro.
Improcedente tal suscitação, tampouco há qualquer fundamento, de fato ou direito, a amparar a arguida nulidade do laudo pericial, tão-somente pela ausência de demonstração de inscrição do perito encarregado em órgão de classe. Aliás, pelo contrário, o artigo 91, § 1º, do CPC/2015 expressamente prevê o cabimento de que entidade pública realize perícia requerida pelo Ministério Público Federal, como no caso dos autos (em que atuou a Coordenadoria de Fiscalização Ambiental da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, assistida pela Polícia Ambiental do Estado de São Paulo e a equipe de topografia da gestora do reservatório da UHE Jupiá):
Nesta linha, o artigo 156 do CPC/2015, ao tratar do perito, prevê a possibilidade de que tribunais façam consulta ao Ministério Público para indicação de profissionais ou de órgãos técnicos interessados:
Nota-se que o legislador não concebeu os profissionais inscritos em conselhos de classe como os únicos detentores do conhecimento científico necessário para a realização de perícia técnica, como parece supor a manifestação do réu.
Neste sentido já julgou esta Corte:
No mais, não há qualquer prova nos autos de que a perícia tenha sido realizada sem os instrumentos necessários para as medições realizadas, menos ainda prejuízo de qualquer sorte à ré em razão desta suposta deficiência. A extensão da faixa de APP a ser considerada, por sua vez, é matéria de mérito, e desta forma será tratada. Registre-se, apenas, que o critério de medição adotado pelo perito apenas poderia ensejar inutilidade do laudo - e não nulidade, até porque a deficiência seria restrita a este tema - se o Juízo adotasse posicionamento que não permitisse a identificação de dano segundo o critério utilizado na produção probatória, o que não foi o caso.
Vencidas as preliminares, prossigo no mérito.
Retome-se, a presente ação civil pública foi ajuizada buscando a reparação de dano ambiental pela existência e manutenção de imóvel em área de preservação permanente.
Consta dos autos que a ré construiu piscina, quiosque, salão de festas, calçada e outras edificações às margens do reservatório da Usina Hidrelétrica Eng. Souza Dias (Jupiá), no Rio Paraná, suprimindo vegetação rasteira, impedindo sua regeneração natural, impermeabilizando o solo e aterrando o reservatório.
Como antevisto, no curso da presente ação foi deferida prova pericial para averiguar a distância entre as construções e a margem do reservatório, a extensão dos danos provocados, a definição da área de preservação permanente, dentre outros quesitos.
No laudo técnico apurou-se que as intervenções antrópicas modificaram o perfil do terreno, trazendo risco de contaminação do reservatório, causando a perda da biodiversidade, destruição e diminuição do habitat natural, afugentamento de espécies da fauna, além de prejuízos à vegetação. Ademais, foi verificado que o IBAMA, com fundamento no PACUERA elaborado durante o processo de Regularização Ambiental da UHE Jupiá, exarou o Parecer Técnico 6742/2013-COHID/IBAMA (f. 408/413), estabelecendo os limites da APP do entorno do reservatório como sendo a área compreendida entre o nível máximo normal de operação (cota de 280 metros) e a área desapropriada pela concessionária do empreendimento (cota de 283,50 metros). Foi, então, recomendada a retirada de todos os fatores de degradação ambiental e recomposição florística com espécies nativas de ocorrência regional.
Verifica-se que o ponto nodal a ser analisado refere-se ao critério utilizado para demarcar área de preservação permanente às margens de represa de usina hidrelétrica.
O Código Florestal de 1965 já previa como área de preservação permanente as florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais, contudo, deixou de precisar a faixa de APP a ser observada.
Atento à necessidade de regulamentação da lei, o CONAMA, órgão consultivo e deliberativo do SISNAMA, editou a Resolução 302/2002, especificando como área de preservação permanente a superfície com largura mínima, em projeção horizontal, no entorno dos reservatórios artificiais, medida a partir do nível máximo normal de trinta metros para os reservatórios artificiais situados em áreas urbanas consolidadas e cem metros para áreas rurais. Veja-se:
Oportuno colacionar julgados que tratam da matéria:
Contata-se, pois, que o espaço em comento já era considerado APP à luz do Código Florestal de 1965 (Lei 4.771/1965).
Ocorre que, em 25/05/2012, houve a edição da Lei 12.651/2012, o Novo Código Florestal. Esse, por sua vez, trouxe novas regras para delimitação das áreas de preservação permanente, quais sejam as do artigo 4º, inciso III, e do art. 62:
O artigo 62 faz referência à Medida Provisória 2.166-67/2001, esta, conforme relata à sentença (f. 569): "alterou a redação do parágrafo 6º ao artigo 4º da Lei nº 4.771/65. Nesta mesma alteração passou a constar a competência do CONAMA para a definição dos parâmetros e regime de uso de tais APPs por meio de resolução [...]. Não foi por outro motivo que o CONAMA editou a resolução 302 de 20.03.2002". Ou seja, antes da inovação gerada pela MP 2.166-67/2001 e do advento da Resolução CONAMA 302/2002 não existia parâmetro para a fixação de APP ao redor dos reservatórios artificiais, consoante já mencionado neste voto.
Ainda segundo o artigo 62, consta que após a MP 2.166-67/2001 deve ser caracterizada como APP a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum. Ocorre que tal previsão deve ser aplicada apenas aos casos não contemplados pela regra geral do artigo 4º, inciso III, qual seja a de se considerar APP as áreas no entorno dos reservatórios artificiais na faixa definida na licença ambiental do empreendimento.
Seguindo a regra do artigo 4º, inciso III, o IBAMA, órgão ambiental licenciador da UHE Eng. Souza Dias, editou o Parecer Técnico 6742/2013-COHID/IBAMA, delimitando uma APP com largura variável no entorno do reservatório e com média de 100 metros.
Ressalta-se, por conseguinte, que a aplicação do artigo 62 claramente implica em situação de menor proteção ambiental, isso porque reduziria a APP tão somente para a faixa inundável do reservatório, o que na prática significaria afirmar que, em certos trechos do terreno, a zona de preservação equivaleria a zero. É patente, nessa hipótese, violação ao princípio da vedação ao retrocesso ecológico.
Conquanto a previsão do artigo 4º, inciso III, do novo Código Florestal seja mais benéfica ao meio ambiente do que a do artigo 62, como entendido na sentença, verifica-se que ao presente caso a aplicação da Lei 4.771/1965 somada à resolução 302/2002 é que deve prevalecer, haja vista o princípio do tempus regit actum em matéria ambiental e o fato de que a legislação mais antiga estabelece uma área de preservação permanente de 100 metros em todo o entorno da UHE Eng. Souza Dias.
Não é, portanto, o caso de aplicabilidade das normas do novo Código Florestal ou de alterações supervenientes, pois consolidou o Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que o novo regramento material tem eficácia ex nunc e não alcança fatos pretéritos, quando implicar a redução do patamar de proteção do meio ambiente sem necessária compensação.
Confira-se:
Com relação ao pagamento de indenização, não fixada na sentença, há precedentes da Turma pela possibilidade de cumulação de tal condenação com a obrigação de recuperar a área degradada, em valor compatível com a efetiva degradação, a ser apurado em liquidação por arbitramento e a ser revertido em prol do Fundo Nacional do Meio Ambiente - FNMA:
Ante o exposto, nego provimento à apelação e dou parcial provimento à remessa oficial, tida por submetida, para reformar a sentença nos termos supracitados.
É como voto.
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Data e Hora: | 22/02/2018 17:29:32 |