Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 05/03/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002067-08.2012.4.03.6107/SP
2012.61.07.002067-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal CARLOS MUTA
APELANTE : J E F INVESTIMENTOS S/A
ADVOGADO : SP121377 AQUILES TADEU GUATEMOZIM e outro(a)
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : THALES FERNANDO LIMA
APELADO(A) : Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis IBAMA
ADVOGADO : SP201495 RODRIGO NASCIMENTO FIOREZI
No. ORIG. : 00020670820124036107 1 Vr ANDRADINA/SP

EMENTA

DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SENTENCIAMENTO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. PERÍCIA NULA. DESCARACTERIZAÇÃO. DANO AMBIENTAL. RESERVATÓRIO DA USINA HIDRELÉTRICA ENG. SOUZA DIAS (JUPIÁ). EDIFICAÇÕES EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESOLUÇÃO CONAMA 302/2002. LEI 4.771/1965. ARTIGOS 4º, INCISO III, E 62 DA LEI 12.651/2012. INVALIDADE DA PERÍCIA.
1. Não há que se falar de sentenciamento extra petita. Todos os provimentos destacados pela ré que não possuem literal identidade com os pedidos deduzidos pelo parquet são simples decorrências destes. Assim há possibilidade de uso do loteamento, contanto que respeitados os provimentos jurisdicionais requeridos e concedidos - daí falar-se em "regularização" (sendo que o Juízo já mencionara, em fundamentação, que "as medidas sanadoras das intervenções [na APP] serão adotadas em cumprimento de sentença, com base na perícia judicialmente determinada"), que guarda relação semântica com a adoção de "práticas de adequação ambiental", como requerido pelo Ministério Público Federal. De outro lado, a proibição de despejo de quaisquer substâncias poluidoras na área de preservação ambiental é mera consequência, deveras evidente, da proibição de atividade antrópica neste perímetro.
2. Tampouco há qualquer fundamento, de fato ou direito, a amparar a arguida nulidade do laudo pericial, tão-somente pela ausência de demonstração de inscrição do perito encarregado em órgão de classe. Aliás, pelo contrário, o artigo 91, § 1º, do CPC/2015 expressamente prevê o cabimento de que entidade pública realize perícia requerida pelo Ministério Público Federal, como no caso dos autos, e o artigo 156, ao tratar do perito, prevê a possibilidade de que tribunais façam consulta ao Ministério Público para indicação de profissionais ou de órgãos técnicos interessados. No mais, não há qualquer prova nos autos de que a perícia tenha sido realizada sem os instrumentos necessários para as medições realizadas, ou prejuízo de qualquer sorte à ré em razão desta suposta deficiência.
3. Consta dos autos que a ré construiu piscina, quiosque, salão de festas, calçada e outras edificações às margens do reservatório da Usina Hidrelétrica Eng. Souza Dias (Jupiá), no Rio Paraná, suprimindo vegetação rasteira, impedindo sua regeneração natural, impermeabilizando o solo e aterrando o reservatório.
4. Verifica-se que o ponto nodal a ser analisado refere ao critério utilizado para demarcar área de preservação permanente às margens de represa de usina hidrelétrica.
5. Ressalta-se que a aplicação do artigo 62 claramente implica em situação de menor proteção ambiental, isso porque reduziria a APP tão somente para a faixa inundável do reservatório, o que na prática significaria afirmar que, em certos trechos do terreno, a zona de preservação equivaleria a zero. É patente, nessa hipótese, violação ao princípio da vedação ao retrocesso ecológico.
6. Conquanto a previsão do artigo 4º, inciso III, do novo Código Florestal seja mais benéfica ao meio ambiente do que a do artigo 62, como entendido na sentença, verifica-se que ao presente caso a aplicação da Lei 4.771/1965 somada à resolução 302/2002 é que deve prevalecer, haja vista o princípio do tempus regit actum em matéria ambiental e o fato de que a legislação mais antiga estabelece uma área de preservação permanente de 100 metros em todo o entorno da UHE Eng. Souza Dias.
7. Com relação ao pagamento de indenização, não fixada na sentença, há precedentes da Turma pela possibilidade de cumulação de tal condenação com a obrigação de recuperar a área degradada, em valor compatível com a efetiva degradação, a ser apurado em liquidação por arbitramento e a ser revertido em prol do Fundo Nacional do Meio Ambiente - FNMA.
8. Apelação desprovida e remessa oficial, tida por submetida, parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e dar parcial provimento à remessa oficial, tida por submetida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 21 de fevereiro de 2018.
DENISE AVELAR
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002067-08.2012.4.03.6107/SP
2012.61.07.002067-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal CARLOS MUTA
APELANTE : J E F INVESTIMENTOS S/A
ADVOGADO : SP121377 AQUILES TADEU GUATEMOZIM e outro(a)
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : THALES FERNANDO LIMA
APELADO(A) : Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis IBAMA
ADVOGADO : SP201495 RODRIGO NASCIMENTO FIOREZI
No. ORIG. : 00020670820124036107 1 Vr ANDRADINA/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelação e remessa oficial, tida por submetida, em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra J & F INVESTIMENTOS S/A, requerendo: (1) a condenação da ré à recuperação de área de preservação permanente efetivamente degradada (florestamento), haja vista a construção de um rancho nas margens do reservatório UHE Jupiá, no município de Castilho/SP; (2) a demolição das construções compreendidas no perímetro da APP; (3) a cessação de qualquer intervenção na APP; e (4) o pagamento de indenização, quantificada em perícia ou por arbitramento, correspondente aos danos ambientais causados.


O órgão ministerial instruiu a inicial com procedimento administrativo (f. 18/230) que apurou e concluiu pela ocorrência de interferência antrópica em área de preservação permanente.


Contestou a ré (f. 259/282).


O Juízo a quo indeferiu a liminar (f. 330/331).


Após, houve réplica à contestação (f. 334/339).


Foi determinada a produção de prova pericial e nomeado perito (f. 364), este apresentou proposta de honorários (f. 367/368).


A ré indicou assistente técnico para a perícia e formulou quesitos (f. 371/373). Em seguida, impugnou a estimativa de honorários do profissional designado pelo Juízo (f. 375/377).


O MPF aderiu à impugnação referente aos honorários de perícia, sugeriu a designação da Coordenadoria de Fiscalização Ambiental (CFA) para realização de vistoria técnica e formulou quesitos (f. 379/382).


Ordenou-se a intimação do IBAMA para informar eventual interesse em integrar a lide, assim como se manifestar quanto à aprovação do Plano Ambiental de Conservação e Uso do Entorno do Reservatório Artificial - PACUERA - da UHE Eng. Souza Dias (f. 396). Em resposta, a autarquia solicitou ingresso no polo ativo do feito e esclareceu que o reportado plano se encontrava em análise (f. 401/402).


Restou deferida a inclusão do IBAMA como assistente simples do autor, bem como foi determinada a elaboração de perícia pela CFA (f. 418).


Ato contínuo, anexou-se ao processo Relatório Técnico de Vistoria elaborado pela CFA, apoiada pela Polícia Militar Ambiental (f. 474/488). Consequentemente, IBAMA e MPF se manifestaram (f. 489/496 e 497/499).


Laudo técnico confeccionado pelo assistente pericial da ré foi juntado (f. 503/540), bem como memoriais (f. 541/551) e impugnação ao relatório da CFA (f. 553/561).


A sentença julgou parcialmente procedente a ação para condenar a ré a: (a) regularizar as intervenções compatíveis com a ocupação e demolir aquelas não autorizadas, com observância das normas técnicas pertinentes e sob fiscalização dos órgãos competentes; (b) não edificar ou realizar qualquer outra atividade antrópica na faixa de desapropriação do reservatório; (c) se abster de construir novas edificações, reformar, cercar, suprimir vegetação, aterrar, plantar, criar gado, dentre outras atividades lesivas ao meio ambiente na APP; e (d) se abster de despejar, no solo ou na água, quaisquer substâncias poluidoras. Ausente condenação em honorários (f. 565/572).


Apelou a ré, alegando: (1) que a faixa de APP deve ser aferida com base na previsão do artigo 62 do Novo Código Florestal e não conforme o artigo 4º, inciso III, do mesmo diploma normativo, interpretação esta adotada na sentença, e (2) que existem contradições no laudo pericial que o invalidam (f. 574/585).


Com contrarrazões (f. 589/592 e 594/602), subiram os autos a esta Corte, opinando a Procuradoria Regional da República pelo não provimento do apelo (f. 604/606).


A seguir, a ré protocolizou petição suscitando a existência de nulidades na sentença cognoscíveis de ofício, na medida em que, alegadamente, ocorrido julgamento extra petita, baseado em laudo pericial, por sua vez, nulo (f. 666/672).


Os autos vieram conclusos e foram recebidos fisicamente no Gabinete em 14/12/2017, com inclusão em pauta para julgamento na sessão de 21/02/2018.


É o relatório.


DENISE AVELAR
Juíza Federal Convocada


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Data e Hora: 22/02/2018 17:29:29



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002067-08.2012.4.03.6107/SP
2012.61.07.002067-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal CARLOS MUTA
APELANTE : J E F INVESTIMENTOS S/A
ADVOGADO : SP121377 AQUILES TADEU GUATEMOZIM e outro(a)
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : THALES FERNANDO LIMA
APELADO(A) : Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis IBAMA
ADVOGADO : SP201495 RODRIGO NASCIMENTO FIOREZI
No. ORIG. : 00020670820124036107 1 Vr ANDRADINA/SP

VOTO

Senhores Desembargadores, a ilação de sentencimento extra petita causa espécie.


Alegou a ré (f. 666/667) que a sentença a condenou a "obrigações que criou a seu modo (fls. 565/572): i) regularização de intervenções compatíveis com a ocupação e demolição das intervenções não autorizadas, sob fiscalização do órgão competente; ii) não edificar nem realizar qualquer outra atividade antrópica na faixa de desapropriação do reservatório, incluindo a instalação de banheiros, fossas sépticas e aparelhos de lazer; iii) abstenção de qualquer nova construção, reforma, cerceamento, supressão de vegetação, aterramento, plantação, criação de gado ou similar, ou qualquer outra atividade lesiva ao meio ambiente na área de APP redefinida; iv) na abstenção de despejar, em solo ou nas águas do rio Paraná, qualquer espécie de substâncias poluidoras".


Sucede que todos estes provimentos estão contidos no teor dos pedidos formulados na inicial destes autos. Pela clareza, transcrevo, no que pertinente (f. 10/11):


"Diante do exposto até o momento, o Ministério Público Federal requer a concessão, em sede de cognição sumária, dos seguintes pedidos, nos seguintes termos:
a) Seja determinado à ré que se abstenha de promover ou permitir que se promova qualquer nova atividade antrópica na faixa de APP do imóvel objeto desta ação, como novas construções ou impermeabilizações ou aumento das já existentes, novo plantio de espécies exógenas, colocação de outros animais e movimentação do solo; e
b) seja determinado que, em verificada qualquer nova atividade antrópica que altere a situação atual do imóvel em área de APP, o réu se abstenha imediatamente de praticá-la, devendo, se for o caso, desfazê-la imediatamente, sem prejuízo da imposição de multa pela atividade irregularmente desenvolvida, a ser arbitrada, criteriosamente, pelo juízo ante o caso concreto.
(...)
Diante de todo o exposto, o Ministério Público Federal, em sede de cognição exauriente, além da confirmação dos pedidos concedidos em sede de cognição sumária, requer o seguinte:
a) Seja condenada [a ré], nos termos do artigo 3º e seguintes da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), à obrigação consistente na recuperação da área de preservação permanente efetivamente prejudicada (reflorestamento), mediante a retirada das edificações e impermeabilizações existentes no local e adoção de práticas de adequação ambiental, utilizando-se de técnicas de planto e de manutenção da área e produtos não lesivos ao meio ambiente, mediante a supervisão ambiental, que deverá aprovar a forma de recuperação; e
b) Seja condenada [a ré], nos termos do artigo 3º e seguintes da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), à obrigação de coibir toda e qualquer atividade que possa causar lesão à área de preservação permanente objeto da ação civil pública ou nela promover ou permitir que se promovam atividades danosas, ainda que parcialmente.
c) Seja condenada no pagamento de indenização quantificada em perícia ou por arbitramento deste Juízo Federal, correspondente aos danos ambientais que, no curso do processo, monstrarem-se técnica e absolutamente irrecuperáveis nas áreas de preservação permanente irregularmente utilizadas pelos réus, acrescidas de juros e correção monetária, a ser recolhida ao Fundo a que se refere o artigo 13 da Lei n. 7.347/85 (Ação Civil Pública).
(...)"

Veja-se, todos os provimentos destacados pela ré que não possuem literal identidade com os pedidos deduzidos pelo parquet são simples decorrências destes. Assim há possibilidade de uso do loteamento, contanto que respeitados os provimentos jurisdicionais requeridos e concedidos - daí falar-se em "regularização" (sendo que o Juízo já mencionara, em fundamentação, que "as medidas sanadoras das intervenções [na APP] serão adotadas em cumprimento de sentença, com base na perícia judicialmente determinada"), que guarda relação semântica com a adoção de "práticas de adequação ambiental", como requerido pelo Ministério Público Federal. De outro lado, a proibição de despejo de quaisquer substâncias poluidoras na área de preservação ambiental é mera consequência, deveras evidente, da proibição de atividade antrópica neste perímetro.


Improcedente tal suscitação, tampouco há qualquer fundamento, de fato ou direito, a amparar a arguida nulidade do laudo pericial, tão-somente pela ausência de demonstração de inscrição do perito encarregado em órgão de classe. Aliás, pelo contrário, o artigo 91, § 1º, do CPC/2015 expressamente prevê o cabimento de que entidade pública realize perícia requerida pelo Ministério Público Federal, como no caso dos autos (em que atuou a Coordenadoria de Fiscalização Ambiental da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, assistida pela Polícia Ambiental do Estado de São Paulo e a equipe de topografia da gestora do reservatório da UHE Jupiá):


"Art. 91. As despesas dos atos processuais praticados a requerimento da Fazenda Pública, do Ministério Público ou da Defensoria Pública serão pagas ao final pelo vencido.
§ 1o As perícias requeridas pela Fazenda Pública, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública poderão ser realizadas por entidade pública ou, havendo previsão orçamentária, ter os valores adiantados por aquele que requerer a prova."

Nesta linha, o artigo 156 do CPC/2015, ao tratar do perito, prevê a possibilidade de que tribunais façam consulta ao Ministério Público para indicação de profissionais ou de órgãos técnicos interessados:


"Art. 156. O juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico.
§ 1o Os peritos serão nomeados entre os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado.
§ 2o Para formação do cadastro, os tribunais devem realizar consulta pública, por meio de divulgação na rede mundial de computadores ou em jornais de grande circulação, além de consulta direta a universidades, a conselhos de classe, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à Ordem dos Advogados do Brasil, para a indicação de profissionais ou de órgãos técnicos interessados."

Nota-se que o legislador não concebeu os profissionais inscritos em conselhos de classe como os únicos detentores do conhecimento científico necessário para a realização de perícia técnica, como parece supor a manifestação do réu.


Neste sentido já julgou esta Corte:


AI 0077606-02.1992.4.03.6100, Rel. Des. Fed. JOHONSOM DI SALVO, e-DJF3 20/05/2010: "PROCESSUAL CIVIL. OCORRÊNCIA DE PRECLUSÃO. IMPUGNAÇÃO AO LAUDO PERICIAL INDEFERIDA. AGRAVO IMPROVIDO. 1. No que tange à ocorrência de preclusão para que a empresa agravante se insurgisse contra a nomeação do perito judicial, verifica-se que esta ocorreu tendo em vista que a nomeação do Sr. Kichiro Maki foi publicada no Diário Oficial de 1º de abril de 1991 e, obviamente, desde então a agravante dispunha da identidade da pessoa indicada pela CETESB para desempenho do "múnus" e possuía as condições para averiguar a situação do mesmo e - querendo - impugnar a nomeação. 2. O MM. Juiz "a quo", ao deferir a realização de prova pericial determinou que esta fosse realizada pela CETESB - Companhia Tecnológica de Saneamento Ambiental, órgão público estadual com atribuições pertinentes, sendo oficiado para o prestigioso órgão que indicou um membro de seus quadros para conduzir os trabalhos técnicos, o Sr. Kichiro Maki, funcionário da referida empresa e ocupante do cargo de analista de avaliação de ruído, o que - à míngua de prova em contrário que cabia ser feita por quem estivesse inconformado - era signo de ser o nomeado possuidor de qualificações suficientes para elaborar avaliação técnica, além de óbvia imparcialidade. 3. Estando a perícia a cargo de funcionário da CETESB atuante na área técnica específica para os objetivos da perícia (avaliação de ruídos) não há que se falar em nulidade da perícia por ausência de comprovação de inscrição do profissional em órgão de classe, pois conforme o corretíssimo entendimento adotado pelo juízo "a quo" a CETESB concentra a melhor tecnologia disponível em saneamento ambiental no país, e não se poderia encontrar profissionais mais qualificados para avaliação de nível de ruído dos aparelhos em outra instituição. Estar inscrito no CREA não é sinônimo de conhecimentos científicos superiores aos de quem integra os quadros técnicos, por meio de concurso, da CETESB. 4. Agravo improvido."

No mais, não há qualquer prova nos autos de que a perícia tenha sido realizada sem os instrumentos necessários para as medições realizadas, menos ainda prejuízo de qualquer sorte à ré em razão desta suposta deficiência. A extensão da faixa de APP a ser considerada, por sua vez, é matéria de mérito, e desta forma será tratada. Registre-se, apenas, que o critério de medição adotado pelo perito apenas poderia ensejar inutilidade do laudo - e não nulidade, até porque a deficiência seria restrita a este tema - se o Juízo adotasse posicionamento que não permitisse a identificação de dano segundo o critério utilizado na produção probatória, o que não foi o caso.


Vencidas as preliminares, prossigo no mérito.


Retome-se, a presente ação civil pública foi ajuizada buscando a reparação de dano ambiental pela existência e manutenção de imóvel em área de preservação permanente.


Consta dos autos que a ré construiu piscina, quiosque, salão de festas, calçada e outras edificações às margens do reservatório da Usina Hidrelétrica Eng. Souza Dias (Jupiá), no Rio Paraná, suprimindo vegetação rasteira, impedindo sua regeneração natural, impermeabilizando o solo e aterrando o reservatório.


Como antevisto, no curso da presente ação foi deferida prova pericial para averiguar a distância entre as construções e a margem do reservatório, a extensão dos danos provocados, a definição da área de preservação permanente, dentre outros quesitos.


No laudo técnico apurou-se que as intervenções antrópicas modificaram o perfil do terreno, trazendo risco de contaminação do reservatório, causando a perda da biodiversidade, destruição e diminuição do habitat natural, afugentamento de espécies da fauna, além de prejuízos à vegetação. Ademais, foi verificado que o IBAMA, com fundamento no PACUERA elaborado durante o processo de Regularização Ambiental da UHE Jupiá, exarou o Parecer Técnico 6742/2013-COHID/IBAMA (f. 408/413), estabelecendo os limites da APP do entorno do reservatório como sendo a área compreendida entre o nível máximo normal de operação (cota de 280 metros) e a área desapropriada pela concessionária do empreendimento (cota de 283,50 metros). Foi, então, recomendada a retirada de todos os fatores de degradação ambiental e recomposição florística com espécies nativas de ocorrência regional.


Verifica-se que o ponto nodal a ser analisado refere-se ao critério utilizado para demarcar área de preservação permanente às margens de represa de usina hidrelétrica.


O Código Florestal de 1965 já previa como área de preservação permanente as florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais, contudo, deixou de precisar a faixa de APP a ser observada.


Atento à necessidade de regulamentação da lei, o CONAMA, órgão consultivo e deliberativo do SISNAMA, editou a Resolução 302/2002, especificando como área de preservação permanente a superfície com largura mínima, em projeção horizontal, no entorno dos reservatórios artificiais, medida a partir do nível máximo normal de trinta metros para os reservatórios artificiais situados em áreas urbanas consolidadas e cem metros para áreas rurais. Veja-se:


"Art 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área com largura mínima, em projeção horizontal, no entorno dos reservatórios artificiais, medida a partir do nível máximo normal de:
I - trinta metros para os reservatórios artificiais situados em áreas urbanas consolidadas e cem metros para áreas rurais;
II - quinze metros, no mínimo, para os reservatórios artificiais de geração de energia elétrica com até dez hectares, sem prejuízo da compensação ambiental.
III - quinze metros, no mínimo, para reservatórios artificiais não utilizados em abastecimento público ou geração de energia elétrica, com até vinte hectares de superfície e localizados em área rural.
§ 1º Os limites da Área de Preservação Permanente, previstos no inciso I, poderão ser ampliados ou reduzidos, observando-se o patamar mínimo de trinta metros, conforme estabelecido no licenciamento ambiental e no plano de recursos hídricos da bacia onde o reservatório se insere, se houver. [...]"

Oportuno colacionar julgados que tratam da matéria:


AgREsp 1.183.018, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJe 15/05/2013: "AMBIENTAL. AGRAVO REGIMENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. LAGOA ARTIFICIAL. USINA HIDROELÉTRICA DE MIRANDA. OBRA NECESSÁRIA AO USO DA ÁGUA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. DETERMINAÇÃO PARA REMOÇÃO DE EDIFICAÇÕES ERGUIDAS NA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMAMENTE. POSSIBILIDADE. 1. A questão do proprietário ribeirinho ter direito à realização de obras para uso da água, contida no art. 80 do Código de Águas, conquanto tenha sido objeto dos embargos de declaração opostos ao acórdão, não foi enfrentada pela Corte de origem. Ausente alegação de maltrato ao art. 535 do Estatuto Processual, incide na espécie a súmula 211/STJ. 2. A Corte Estadual, ao decidir pela remoção das edificações levantadas na área de preservação permanente ao redor do reservatório de água artificial da Represa de Miranda (Usina Hidrelétrica de Miranda), não discrepa da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que entende que "A área de 100 metros em torno dos lagos formados por hidrelétricas, por força de lei, é considerada de preservação permanente" (REsp 194.617/PR), bem como que "possui o Conama autorização legal para editar resoluções que visem à proteção do meio ambiente e dos recurso naturais, inclusive mediante a fixação de parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente" (REsp 994.881/SC). 3. Agravo regimental não provido."
AC 0029934-03.2013.4.03.9999, Rel. Des. Fed. ANTONIO CEDENHO, e-DJF3 15/09/2017: "EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL - MULTA POR UTILIZAÇÃO DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE DO RESERVATÓRIO DA USINA HIDRELÉTRICA DE ILHA SOLTEIRA, LEI 4.771/65, ART. 2º, "B" - NÃO CONFIGURADO O ILÍCITO - PROCEDÊNCIA AOS EMBARGOS - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - APELAÇÃO PROVIDA. 1. O Código Florestal vigente ao tempo dos fatos, Lei 4.771/65, art. 2º, "b", considerava de preservação permanente as áreas ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais. Seguindo as diretrizes da Lei 6.938/81, art. 6º, II, o Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, no exercício de suas atribuições legais, editou a Resolução 302/2002, arts. 2º e 3º, regulamentando aquele dispositivo do Código Florestal. Por sua vez, patente que a norma que resguardava área com largura mínima, em projeção horizontal, no entorno dos reservatórios artificiais, medida a partir do nível máximo normal de 30 metros, visou a permitir preservação do ambiente que margeia a represa, evitando assoreamento e degradação, buscando com que o curso d'água fosse preservado, a fim de que regeneração apropriada do local fosse realizada. 2. De acordo com os autos de infração juntados ao respectivo feito, o embargante foi autuado pelo IBAMA por "utilizar sem autorização do órgão competente, APP do reservatório da UHE de Ilha Solteira", com fundamento no art. 2º, alínea b da Lei nº 4.771/65, arts. 2º, II e 3º, I da Resolução CONAMA nº 302/02, art. 38 e 70 da Lei nº 9.605/98 e art. 25 do Decreto-lei nº 3.179/99, tendo-lhes sido imposta multa no valor de R$ 5.000,00, porém atualizada resultou no valor de R$ 11.521,87. 3. Neste passo, extrai-se do auto infracional que a fiscalização verificou a "utilização de área de preservação permanente sem autorização do órgão competente, relativa ao lago de acumulação da UHE de Ilha Solteira, no município de Três Fronteiras/SP, em lote do Loteamento Guanabara, de Coordenadas Geográficas descritas nos campos 13 e 14, acima. Verificada a utilização de 181,00 m2, com edificações, sendo que o ponto do elemento de intervenção que está mais próximo da linha que contém os pontos do terreno de cota igual à da cota máxima normal de operação do reservatório dista 30,00m dessa linha". (fls. 136/139). 4. A embargante demonstra que é proprietário de um lote localizado no Loteamento Guanabara, no perímetro do município de Três Fronteiras/SP, desde 12/12/2001(fl. 47). Alega que em 15/09/2005, sofreu uma autuação (nº 263800/D - IBAMA) por infração à dispositivos da Lei nº 9.605/98, Lei nº 4.771/65 e Decreto nº 3.179/99. 5. Segundo a infração o limite de construção à margem do rio estava abaixo do permitido, ou seja, inferior a 100m, sendo que por tal motivo, impedia a regeneração da vegetação local. 6. Todavia, a legislação municipal estabelecia que o loteamento estava perfeitamente dentro dos limites ambientais destinado à área, ou mais precisamente, dentro dos 30 metros distantes da margem do rio. 7. A área em questão localiza-se em perímetro urbano conforme a cópia da Lei Complementar nº 95/96 (fl. 53) e Certidão emitida pela Prefeitura Municipal de Três Fronteiras, Seção de Tributação, em 26/11/2006 (fl. 56), o que inclui a referida área no perímetro urbano da cidade de Três Fronteiras-SP. Nesses casos, a distância a ser considerada como área de preservação permanente é de 30 metros de acordo com a Resolução CONAMA 302/2002. 8. Com efeito, o documento juntado às fls. 136/139 indica o embargo de 181,00m² de área localizada a 30m da cota máxima normal de operação do reservatório, sendo certo que o inciso I do art. 3º da Resolução CONAMA nº 302/02 estabelece, como limite, a distância de 30 metros. 9. Em suma, estando comprovado que o imóvel objeto dos autos de infração e termos de embargos respeita os limites da área de preservação permanente definidos na Resolução CONAMA nº 302/02, é de rigor a reforma da r. sentença para que seja reconhecido o direito do embargante à anulação do auto de infração com o consequente cancelamento da multa aplicada e extinção da execução fiscal. 10. Os honorários advocatícios merecem ser fixados em 10% do valor atualizado da causa e as custas devem ser devolvidas se pagas, a título de reembolso. 11. Apelação provida."

Contata-se, pois, que o espaço em comento já era considerado APP à luz do Código Florestal de 1965 (Lei 4.771/1965).


Ocorre que, em 25/05/2012, houve a edição da Lei 12.651/2012, o Novo Código Florestal. Esse, por sua vez, trouxe novas regras para delimitação das áreas de preservação permanente, quais sejam as do artigo 4º, inciso III, e do art. 62:


"Art. 4o  Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
[...]
III - as áreas no entorno dos reservatórios d'água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d'água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento;
[...]
Art. 62.  Para os reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, a faixa da Área de Preservação Permanente será a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum."

O artigo 62 faz referência à Medida Provisória 2.166-67/2001, esta, conforme relata à sentença (f. 569): "alterou a redação do parágrafo 6º ao artigo 4º da Lei nº 4.771/65. Nesta mesma alteração passou a constar a competência do CONAMA para a definição dos parâmetros e regime de uso de tais APPs por meio de resolução [...]. Não foi por outro motivo que o CONAMA editou a resolução 302 de 20.03.2002". Ou seja, antes da inovação gerada pela MP 2.166-67/2001 e do advento da Resolução CONAMA 302/2002 não existia parâmetro para a fixação de APP ao redor dos reservatórios artificiais, consoante já mencionado neste voto.


Ainda segundo o artigo 62, consta que após a MP 2.166-67/2001 deve ser caracterizada como APP a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum. Ocorre que tal previsão deve ser aplicada apenas aos casos não contemplados pela regra geral do artigo 4º, inciso III, qual seja a de se considerar APP as áreas no entorno dos reservatórios artificiais na faixa definida na licença ambiental do empreendimento.


Seguindo a regra do artigo 4º, inciso III, o IBAMA, órgão ambiental licenciador da UHE Eng. Souza Dias, editou o Parecer Técnico 6742/2013-COHID/IBAMA, delimitando uma APP com largura variável no entorno do reservatório e com média de 100 metros.


Ressalta-se, por conseguinte, que a aplicação do artigo 62 claramente implica em situação de menor proteção ambiental, isso porque reduziria a APP tão somente para a faixa inundável do reservatório, o que na prática significaria afirmar que, em certos trechos do terreno, a zona de preservação equivaleria a zero. É patente, nessa hipótese, violação ao princípio da vedação ao retrocesso ecológico.


Conquanto a previsão do artigo 4º, inciso III, do novo Código Florestal seja mais benéfica ao meio ambiente do que a do artigo 62, como entendido na sentença, verifica-se que ao presente caso a aplicação da Lei 4.771/1965 somada à resolução 302/2002 é que deve prevalecer, haja vista o princípio do tempus regit actum em matéria ambiental e o fato de que a legislação mais antiga estabelece uma área de preservação permanente de 100 metros em todo o entorno da UHE Eng. Souza Dias.


Não é, portanto, o caso de aplicabilidade das normas do novo Código Florestal ou de alterações supervenientes, pois consolidou o Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que o novo regramento material tem eficácia ex nunc e não alcança fatos pretéritos, quando implicar a redução do patamar de proteção do meio ambiente sem necessária compensação.


Confira-se:


AgRg no AREsp 327.687/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, DJe 26/08/2013: "ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. FORMAÇÃO DA ÁREA DE RESERVA LEGAL. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. SÚMULA 83/STJ. PREJUDICADA A ANÁLISE DA DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. SUPERVENIÊNCIA DA LEI 12.651/12. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO IMEDIATA. IRRETROATIVIDADE. PROTEÇÃO AOS ECOSSISTEMAS FRÁGEIS. INCUMBÊNCIA DO ESTADO. INDEFERIMENTO. 1. A jurisprudência desta Corte está firmada no sentido de que os deveres associados às APPs e à Reserva Legal têm natureza de obrigação propter rem, isto é, aderem ao título de domínio ou posse, independente do fato de ter sido ou não o proprietário o autor da degradação ambiental. Casos em que não há falar em culpa ou nexo causal como determinantes do dever de recuperar a área de preservação permanente. 2. Prejudicada a análise da divergência jurisprudencial apresentada, porquanto a negatória de seguimento do recurso pela alínea "a" do permissivo constitucional baseou-se em jurisprudência recente e consolidada desta Corte, aplicável ao caso dos autos. 3. Indefiro o pedido de aplicação imediata da Lei 12.651/12, notadamente o disposto no art. 15 do citado regramento. Recentemente, esta Turma, por relatoria do Ministro Herman Benjamin, firmou o entendimento de que "o novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da 'incumbência' do Estado de garantir a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I)." Agravo regimental improvido."
PET no REsp 1240122/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 19/12/2012: "PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. NOVO CÓDIGO FLORESTAL (LEI 12.651/2012). REQUERIMENTO. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO CONTRA ACÓRDÃO. INVIABILIDADE. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. RECEBIMENTO COMO EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC NÃO APONTADA. AUTO DE INFRAÇÃO. IRRETROATIVIDADE DA LEI NOVA. ATO JURÍDICO PERFEITO. DIREITO ADQUIRIDO. ART. 6º, CAPUT, DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO. 1. Trata-se de requerimento apresentado pelo recorrente, proprietário rural, no bojo de "ação de anulação de ato c/c indenizatória", com intuito de ver reconhecida a falta de interesse de agir superveniente do Ibama, em razão da entrada em vigor da Lei 12.651/2012 (novo Código Florestal), que revogou o Código Florestal de 1965 (Lei 4.771) e a Lei 7.754/1989. Argumenta que a nova legislação "o isentou da punição que o afligia", e que "seu ato não representa mais ilícito algum", estando, pois, "livre das punições impostas". Numa palavra, afirma que a Lei 12.651/2012 procedera à anistia dos infratores do Código Florestal de 1965, daí sem valor o auto de infração ambiental lavrado contra si e a imposição de multa de R$ 1.500, por ocupação e exploração irregulares, anteriores a julho de 2008, de Área de Preservação Permanente nas margens do rio Santo Antônio. 2. O requerimento caracteriza, em verdade, pleito de reconsideração da decisão colegiada proferida pela Segunda Turma, o que não é admitido pelo STJ. Nesse sentido: RCDESP no AgRg no Ag 1.285.896/MS, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, DJe 29.11.2010; AgRg nos EREsp 1.068.838/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, DJe 11.11.2010; PET nos EDcl no AgRg no Ag 658.661/MG, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, DJe 17.3.2011;RCDESP no CC 107.155/MT, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Segunda Seção, DJe 17.9.2010; RCDESP no Ag 1.242.195/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 3.9.2010. Por outro lado, impossível receber pedido de reconsideração como Embargos de Declaração, sob o manto do princípio da fungibilidade recursal, pois não se levanta nenhuma das hipóteses do art. 535 do CPC. 3. Precedente do STJ que faz valer, no campo ambiental-urbanístico, a norma mais rigorosa vigente à época dos fatos, e não a contemporânea ao julgamento da causa, menos protetora da Natureza: O "direito material aplicável à espécie é o então vigente à época dos fatos. In casu, Lei n. 6.766/79, art. 4º, III, que determinava, em sua redação original, a 'faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de cada lado' do arroio" (REsp 980.709/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 2.12.2008). 4. Ademais, como deixa claro o novo Código Florestal (art. 59), o legislador não anistiou geral e irrestritamente as infrações ou extinguiu a ilicitude de condutas anteriores a 22 de julho de 2008, de modo a implicar perda superveniente de interesse de agir. Ao contrário, a recuperação do meio ambiente degradado nas chamadas áreas rurais consolidadas continua de rigor, agora por meio de procedimento administrativo, no âmbito de Programa de Regularização Ambiental - PRA, após a inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural - CAR (§ 2°) e a assinatura de Termo de Compromisso (TC), valendo este como título extrajudicial (§ 3°). Apenas a partir daí "serão suspensas" as sanções aplicadas ou aplicáveis (§ 5°, grifo acrescentado). Com o cumprimento das obrigações previstas no PRA ou no TC, "as multas" (e só elas) "serão consideradas convertidas em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente". 5. Ora, se os autos de infração e multas lavrados tivessem sido invalidados pelo novo Código ou houvesse sido decretada anistia geral e irrestrita das violações que lhe deram origem, configuraria patente contradição e ofensa à lógica jurídica a mesma lei referir-se a "suspensão" e "conversão" daquilo que não mais existiria: o legislador não suspende, nem converte o nada jurídico. Vale dizer, os autos de infração já constituídos permanecem válidos e blindados como atos jurídicos perfeitos que são - apenas a sua exigibilidade monetária fica suspensa na esfera administrativa, no aguardo do cumprimento integral das obrigações estabelecidas no PRA ou no TC. Tal basta para bem demonstrar que se mantém incólume o interesse de agir nas demandas judiciais em curso, não ocorrendo perda de objeto e extinção do processo sem resolução de mérito (CPC, art. 267, VI). 6. Pedido de reconsideração não conhecido."

Com relação ao pagamento de indenização, não fixada na sentença, há precedentes da Turma pela possibilidade de cumulação de tal condenação com a obrigação de recuperar a área degradada, em valor compatível com a efetiva degradação, a ser apurado em liquidação por arbitramento e a ser revertido em prol do Fundo Nacional do Meio Ambiente - FNMA:


AC 0000482-98.2010.4.03.6006, Rel. p/ Aco. Des. Fed. NELTON DOS SANTOS, e-DJF3 :06/09/2017: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP). EDIFICAÇÃO. DEMOLIÇÃO. INDENIZAÇÃO. CABIMENTO. VERBA HONORÁRIA. VEDAÇÃO. 1. Comprovado que o imóvel situa-se às margens do rio Paraná, e que este possui largura variável, entre 1.600 e 2.300 metros, a área de preservação permanente, a ser respeitada, abrange a faixa de 500 metros desde a respectiva margem, configurando dano ambiental a ocupação ou edificação, com capacidade de suprimir ou impedir a regeneração da vegetação nativa. 2. Cabível a condenação do réu à demolição das construções e à retirada do respectivo entulho na área de proteção ambiental, correspondente à faixa de 500 metros da margem do rio, mantidas as demais cominações. 3. Não é caso de aplicabilidade das normas do novo Código Florestal ou de alterações supervenientes, pois consolidou o Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que o novo regramento material tem eficácia ex nunc e não alcança fatos pretéritos, quando implicar a redução do patamar de proteção do meio ambiente sem necessária compensação. 4. Sequer cabe cogitar de direito adquirido à permanência do imóvel no local, por transcurso do tempo, dada a existência de ilícito, representado por construção em local proibido, suprimindo e impedindo regeneração da vegetação em área de preservação permanente. 5. No que diz respeito ao pagamento de indenização, esta Terceira Turma, em 4 de agosto de 2016, no julgamento do feito n. 0007718-74.2010.4.03.6112/SP, de relatoria do e. Desembargador Federal Antônio Cedenho, decidiu que as obrigações de fazer ou não fazer destinadas à recomposição in natura do bem lesado e a indenização pecuniária são perfeitamente cumuláveis, ao menos em tese, por terem pressupostos diversos, priorizando os princípios do poluidor-pagador e da reparação integral do dano ambiental, nos termos dos artigos 225, § 3°, da Constituição Federal e 4° da Lei n° 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente). 6. Dessa forma, imperiosa a condenação do réu ao pagamento de indenização pelos danos causados pela intervenção antrópica na área de preservação permanente, correspondente à extensão da degradação ambiental e ao período temporal em que a coletividade esteve privada desse bem comum. Contudo, o valor indenizatório deverá ser fixado na liquidação por arbitramento, nos termos dos artigos 509 e 510 do Código de Processo Civil, em valor compatível com a efetiva degradação, sendo revertido ao Fundo Federal de Defesa de Direitos Difusos. 7. Por simetria, considerado o disposto nos artigos 17 e 18 da Lei 7.347/1985, não cabe condenação do réu em verba honorária pela sucumbência em ação civil pública, salvo a hipótese de litigância de má-fé. Precedentes. 8. Apelação de Manoel da Silva Marques e remessa oficial, tida por submetida, desprovida e apelação do Ministério Público Federal provida."
AC 0008848-65.2011.4.03.6112, Rel. Des. Fed. ANTONIO CEDENHO, e-DJF3 28/08/2017: "AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERVENÇÃO ANTRÓPICA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. MARGEM DE RIO. AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. DANO AMBIENTAL "IN RE IPSA". RESPONSABILIDADE OBJETIVA. OBRIGAÇÃO "PROPTER REM". ÁREA URBANA PASSÍVEL DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. CUMULAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES DE INDENIZAR E REPARAR. 1. Remessa oficial conhecida ex officio, uma vez que o artigo 19 da Lei nº 4.717/65 (Lei de Ação Popular) deve ser aplicado analogicamente às ações civis públicas, pois tanto estas quanto as ações populares visam tutelar o patrimônio público lato sensu, estando ambas regidas pelo microssistema processual da tutela coletiva. 2. Incidência dos princípios in dubio pro natura e da precaução, de modo que ao poluidor recai o ônus probatório de inocorrência de potencial ou efetiva degradação ambiental. 3. Totalmente dispensável a produção de quaisquer outras provas, já que a parte ré não apresentou nenhum elemento hábil a desconstituir a presunção de legitimidade que gozam os documentos que instruem os autos, muito menos apresentou qualquer argumento de imprescindibilidade de produção de prova pericial. 4. Havendo documentos mais que suficientes demonstrando que o lote em tela está inteiramente inserido em área de preservação permanente ciliar, sendo pacífico na jurisprudência que a mera ocupação nesse espaço territorial especialmente protegido pelo Poder Público por si só constitui dano in re ipsa, em razão de ser qualificado como território non aedificandi, revela-se totalmente dispensável a produção de prova técnica pericial, em homenagem aos princípios da economia processual e razoável duração do processo. 5. Em face dos princípios tempus regit actum e da não regressão ou vedação ao retrocesso ecológico, a Lei n° 4.771/65, embora revogada, pode ser aplicada aos fatos ocorridos antes da vigência da Lei n° 12.651/12, ainda que a norma seja mais gravosa ao poluidor. 6. No caso em tela, a faixa de área de preservação permanente em questão é de 500m (quinhentos metros), uma vez que o imóvel está situado na margem do Rio Paraná, cuja margem possui largura superior a 600 (seiscentos) metros, nos termos do artigo 2°, "a", item 5, do antigo Código Florestal. 7. A responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva, ou seja, independe da caracterização da culpa, além de ser fundada na teoria do risco integral, razão pela qual é incabível a aplicação de excludentes de responsabilidade para afastar a obrigação de reparar ou indenizar. 8. A obrigação de reparar os danos ambientais é considerada propter rem, sendo irrelevante que o autor da degradação ambiental inicial não seja o atual o proprietário, possuidor ou ocupante, pois aquela adere ao título de domínio ou posse, sem prejuízo da solidariedade entre os vários causadores do dano, sendo inviável qualquer alegação de direito adquirido à degradação, nos termos do artigo 7° do novo Código Florestal. 9. Eventual preexistência de degradação ambiental não possui o condão de desconfigurar uma área de preservação permanente, vez que sua importância ecológica em proteger ecossistemas sensíveis ainda se perpetua, sendo a lei imperiosa no sentido de que constitui área protegida aquela coberta ou não por vegetação nativa (art. 1°, §2°, II, Lei n° 4.771/65 e art. 3, II, Lei n° 12.651/12), sendo necessária a recuperação ambiental, em respeito ao fim social da propriedade e a prevalência do direito supraindividual ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. 10. O imóvel está situado em espaço territorial especialmente protegido pelo Poder Público, que está gravado por obrigação propter rem, de maneira que a alegação de preexistência de construções a posse não exime seu titular da obrigação de reparar e indenizar os danos ambientais, em face da inexistência de direito adquirido de poluir. 11. Considerando que as construções implicaram na supressão de vegetação nativa e suas manutenções impediram ou, ao menos, dificultaram a regeneração natural, não havendo autorização estatal, que poderia ser concedida apenas em caso de utilidade pública, interesse social ou de baixa impacto ambiental (art. 4°, caput, Lei n° 4.717/65 e art. 8°, caput, Lei n° 12.651/12), a mera manutenção de edificação em área de preservação permanente configura ilícito civil, passível de responsabilização por dano ecológico in re ipsa, sendo medida de rigor a manutenção da condenação dos réus, nos termos da r. sentença. 12. Tratando-se de área de preservação permanente situada ao longo de rio, denota-se irrelevante qualquer discussão sobre a natureza da área do local em tela, se rural ou urbana, tendo em vista que a legislação é categórica no sentido que o aludido espaço territorial possui faixa mínima de 500 (quinhentos) metros para cursos d´água com largura acima de 600 (seiscentos) metros. 13. Eventuais atos normativos municipais no sentido de reconhecer a área em questão como urbana ou consolidada não possui o condão de afastar a aplicação das leis ambientais, sobretudo pela previsão legal expressa de necessidade de consentimento do órgão ambiental competente para supressão da vegetação na área de preservação permanente, o que, aliás, não ocorreu no presente caso, vez que ocorreu a ocupação e construção irregular, sem qualquer anuência das autoridades públicas. 14. As obrigações de fazer ou não fazer destinadas à recomposição in natura do bem lesado e a indenização pecuniária são perfeitamente cumuláveis, ao menos em tese, por terem pressupostos diversos, priorizando os princípios do poluidor-pagador e da reparação integral do dano ambiental, nos termos dos artigos 225, §3°, da Constituição Federal e 4° da Lei n° 6.938/81. 15. Imperiosa a condenação dos réus ao pagamento de indenização pelos danos causados pela intervenção antrópica na área de preservação permanente, correspondente à extensão da degradação ambiental e ao período temporal em que a coletividade esteve privada desse bem comum, cujo novo quantum debeatur, a ser revertido ao Fundo previsto no artigo 13 da Lei nº 7.347/85, por se tratar de dano a direito e interesse difuso, deverá ser fixado em liquidação por arbitramento. 16. Remessa necessária, tida por interposta, provida, apelação dos réus improvida e apelações do Ministério Público Federal e da União parcialmente providas."


Ante o exposto, nego provimento à apelação e dou parcial provimento à remessa oficial, tida por submetida, para reformar a sentença nos termos supracitados.


É como voto.


DENISE AVELAR
Juíza Federal Convocada


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