D.E. Publicado em 07/12/2017 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa oficial, havida como submetida, e à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Cuida-se de remessa oficial, havida como submetida, e de apelação em ação de conhecimento, com pedido de tutela antecipada, ajuizada em 12/07/2011, que tem por objeto condenar a Autarquia Previdenciária a conceder o benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente.
O MM. Juízo a quo julgou procedente o pedido, condenando o réu a conceder o benefício assistencial à autoria, no valor de um salário mínimo mensal, desde a data da citação, pagar os valores atrasados acrescidos de correção monetária e juros de mora, na forma da Lei 9.494/97, e honorários advocatícios de 10% sobre o valor da condenação, observada a Súmula 111 do STJ.
Apela o réu, pleiteando a reforma da r. sentença, sustentando que a parte autora não preenche os requisitos legais para a concessão do benefício assistencial. Subsidiariamente, requer seja observado o disposto na Lei 11.960/09 no que tange aos índices da correção monetária e juros de mora, que os honorários advocatícios limitem-se às prestações anteriores à sentença e prequestiona a matéria debatida.
Subiram os autos, com contrarrazões.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo prosseguimento do feito, por não vislumbrar interesse público a justificar a sua intervenção.
É o relatório.
VOTO
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do e. Supremo Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a Terceira Seção do c. Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto minoritário do e. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo", consoante a ementa que ora colaciono:
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag 1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag 1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag 1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag 1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp 1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011; AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe 16/11/2010.
Observa-se que, não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no e. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista recentemente, em 18.04.2013, no julgamento do RE 567985/MT, pelo sistema da repercussão geral, bem como na apreciação da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também submetido ao regime da repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º, do Art. 20, da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o Relator, Ministro Gilmar Mendes, que "era insuficiente para cumprir integralmente o comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente físico.
Com relação ao Art. 34, Parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão decorre da violação ao princípio da isonomia, por se afastar do cálculo da renda per capita familiar apenas o benefício assistencial já concedido a outro membro da família, excluindo-se do mesmo tratamento o deficiente também titular de benefício assistencial, bem como o idoso titular de benefício previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação da Corte Suprema, forçoso concluir que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/99, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. Assim, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
No mesmo sentido, é a jurisprudência uniformizada pela Primeira Seção do e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso representativo de controvérsia, sob o Tema nº 640, in verbis:
Estabelecidas essas premissas, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais para a concessão do benefício pleiteado.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência.
No que concerne ao requisito da deficiência, a autora Edna Bernardo da Silva, nascida aos 28/08/1974, foi submetida à perícia médica na data de 20/03/2012, a cargo do experto nomeado pelo Juízo, que concluiu ser a periciada portadora de Lúpus eritematoso sistêmico, desde 1997 e que estava incapacitada total e temporariamente para o trabalho, desde fevereiro de 2012, sugerindo afastamento pelo período de um ano (fls. 122/128).
Extrai-se do laudo pericial que a incapacidade da autora é causada pela doença Lúpus eritematoso sistêmico - LES, que segundo o experto, depende de cada caso e da evolução da doença.
Consta dos autos que a perícia foi remarcada para o dia 20/03/2012, em razão de que a autora tinha consulta agendada na UNESP de Botucatu (fls. 113), local onde realiza acompanhamento e tratamento médico para a sua doença.
Por ocasião da perícia, a autora apresentou o atestado da UNESP, relatando o perito judicial que "tem CID M32.9 e apresenta rash mala, ulceras orais, fotosenssibilidade, altragia, FAN, anti DNA devendo evitar o sol". O experto também afirma que o quadro incapacitante "Depende de cada caso e da sua evolução".
Embora o perito tenha estabelecido o prazo de um ano para a recuperação da periciada, no estudo social realizado no dia 27/01/2015, foi constatado pela Assistente Social que a doença da autora tinha se agravado, pois ela "aparentava estar muito abatida, com coloração pálida e voz fraca", que havia dado à luz a um menino em 12/09/2014, que apresentou Bradicadia após dias de nascimento e também estava em acompanhamento na UNESP, com suspeita de ter adquirido a doença da mãe, e que a autora "encontra-se com os dedos das mãos atrofiados pela doença, não conseguindo segurar o próprio filho a qual deu a luz, muito menos conseguirá trabalhar para ajudar no sustento familiar" (fls. 152/158).
Destarte, o conjunto probatório comprova que a autora preenche o requisito subjetivo para usufruir do benefício assistencial.
Impende destacar que a Súmula 48 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), dispõe que "A incapacidade não precisa ser permanente para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada."
Nesse sentido, a jurisprudência da Colenda Corte Superior:
Por fim, cabe frisar que o Art. 21 do mesmo diploma legal assegura à Autarquia o direito à revisão periódica do benefício, a cada dois anos, a fim de aferir a persistência das condições que autorizaram a sua concessão.
Por sua vez, foi comprovado que o autor não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Para os efeitos do Art. 20, § 1º, da Lei 8.742/93, o núcleo familiar é constituído por seis integrantes: a autora Edna Bernardo da Silva, nascida aos 28/08/1974, desempregada, o esposo Wilson Vicente Vieira, nascido aos 25/11/1973, Motorista, e os filhos José Francisco da Silva Vieira, nascido 22/11/1997, João Paulo Frederico da Silva Vieira, nascido aos 18/01/2002, Maria Clara da Silva Vieira, nascida aos 14/07/2003, e Anthony Matias da Silva Vieira, nascido aos 12/09/2014, que não auferem nenhum rendimento.
A família não está inserida em nenhum programa social, não possui bens imóveis e nem veículos, não recebe ajuda de terceiros e apenas o recém-nascido recebe mensalmente quatro latas de leite da Unidade de Saúde local, para auxiliar na sua alimentação.
Na visita domiciliar realizada no dia 27/01/2015, constatou a Assistente Social que a família estava residindo em imóvel alugado, composto dois dormitórios, sala, cozinha, e banheiro, guarnecidos com mobiliário básico, e devido à falta de espaço, a cozinha havia sido subdividida em um quarto para acomodar a filha Maria Clara.
A renda familiar era proveniente do salário do cônjuge, no valor de R$1.500,00, e não supria as necessidades básicas da família.
Foram informadas despesas com aluguel do imóvel (R$400,00), alimentação (R$500,00), energia elétrica (R$110,00) água (R$140,00), medicamentos (R$120,00), diversos (leite e feira - R$140,00).
A autora referiu que uma igreja havia doado roupas e fraldas descartáveis para o bebê, mas que ela estava utilizando fraldas de tecido para economizar e que não conseguia comprar roupa para os outros filhos há muito tempo e que os primos repassavam as roupas que não serviam mais.
Concluiu a experta que a condição socioeconômica da requerente era precária (fls. 152/159).
Os extratos do CNIS anexados à apelação dão conta que o cônjuge da autora está empregado formalmente e que no ano de 2016 seu salário correspondia a R$1.648,12 (fls. 185).
Assim, a renda per capita do núcleo familiar composto por seis pessoas, em torno de R$274,00, sequer atingia a metade do salário mínimo vigente.
Como cediço, o critério da renda per capita do núcleo familiar não é o único a ser utilizado para se comprovar a condição de miserabilidade do idoso ou do deficiente que pleiteia o benefício.
No caso em exame, analisando o conjunto probatório, é de se reconhecer que a autora encontra-se em situação de vulnerabilidade e risco social e que preenche os requisitos legais para usufruir do benefício de prestação continuada, correspondente a 1 (um) salário mínimo, nos termos do caput, do Art. 20, da Lei 8.742/93.
O termo inicial do benefício deve ser mantido na data citação (23/11/2011 - fls. 53), em conformidade com o entendimento assente no c. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
Reconhecido o direito ao benefício assistencial, desde a data da citação, com reavaliação no prazo legal, passo a dispor sobre os consectários incidentes sobre as parcelas vencidas e a sucumbência.
A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observando-se a aplicação do IPCA-E conforme decisão do e. STF, em regime de julgamento de recursos repetitivos no RE 870947, e o decidido também por aquela Corte quando do julgamento da questão de ordem nas ADIs 4357 e 4425.
Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em 19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431, com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº 17.
Convém alertar que das prestações vencidas devem ser descontadas aquelas pagas administrativamente ou por força de liminar, e insuscetíveis de cumulação com o benefício concedido, na forma do Art. 20, § 4º, da Lei nº 8.742/93.
Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
Por derradeiro, quanto ao prequestionamento das matérias para fins recursais, não há afronta a dispositivos legais e constitucionais, porquanto o recurso foi analisado em todos os seus aspectos.
Independentemente do trânsito, determino seja enviado e-mail ao INSS, instruído com os documentos da parte autora, em cumprimento ao Provimento Conjunto nº 69/2006, alterado pelo Provimento Conjunto nº 71/2006, ambos da Corregedoria Regional da Justiça Federal da Terceira Região e da Coordenadoria dos Juizados Especiais Federais da Terceira Região, a fim de que se adotem as providências cabíveis à imediata concessão do benefício especificado, conforme os dados do tópico síntese do julgado abaixo transcrito.
Tópico síntese do julgado:
a) nome do beneficiário: Edna Bernardo da Silva;
b) benefício: benefício assistencial (LOAS);
c) renda mensal: RMI - um salário mínimo;
d) DIB: 23/11/2011 - data da citação;
e) número do benefício: indicação do INSS.
Por todo o exposto, dou parcial provimento à remessa oficial, havida como submetida, e à apelação, para adequar os consectários legais e os honorários advocatícios.
É o voto.
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Nº de Série do Certificado: | 10A516070472901B |
Data e Hora: | 28/11/2017 18:01:43 |