Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 19/02/2018
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0001714-95.2014.4.03.6139/SP
2014.61.39.001714-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : WADIR BRANDAO
ADVOGADO : PR053924 NATHALIA SUZANA COSTA SILVA TOZETTO e outro(a)
APELADO(A) : Departamento Nacional de Producao Mineral DNPM
PROCURADOR : SP163717 FABIO EDUARDO NEGRINI FERRO
APELADO(A) : Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis IBAMA
PROCURADOR : SP270356 ANDRESSA GURGEL DE OLIVEIRA GONZALEZ ALVES
REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 1 VARA DE ITAPEVA >39ªSSJ>SP
No. ORIG. : 00017149520144036139 1 Vr ITAPEVA/SP

EMENTA

CONSTITUCIONAL. AMBIENTAL. REMESSA NECESSÁRIA. APELAÇÃO. AÇÃO POPULAR. SENTENÇA ANULADA. PEDIDO DE NATUREZA DESCONSTITUTIVO-CONDENATÓRIA. DIRIETO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. OMISSÃO DO PODER PÚBLICO. PODER DE POLÍCIA. SENTENÇA ANULADA. RETORNO AO JUÍZO DE ORIGEM.
1. A ação popular consiste em direito fundamental, sendo importante instrumento processual de participação política do cidadão, cuja finalidade é a defesa do patrimônio público, da moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural.
2. O pedido veiculado na ação popular possui natureza desconstitutivo-condenatória, na medida que visa, principalmente, a insubsistência do ato ilegal e lesivo a qualquer daqueles bens enumerados no inciso LXXIII, do artigo 5°, da Lei Maior.
3. No caso sub judice, o autor, na inicial, alega que os Superintendentes do DNPM e do IBAMA, ambos do Estado de São Paulo, são omissos na fiscalização quanto à atividade de extração de areia no Bairro Vila Ito, realizada no Município de Ribeira/SP, mormente a realizada pela pessoa jurídica Areal Tijuco Extração e Comércio de Areia Ltda. ME, que procede com a referida extração sem licença própria, causando degradação ambiental.
4. Sob essas alegações, o autor popular postulou pelo reconhecimento da omissão do poder público como conduta lesiva a proteção do meio ambiente, com a imposição da obrigação de fazer consistente no exercício do poder de polícia dos órgãos públicos (DNPM e IBAMA). Ainda, pugnou pela determinação ao Superintendente do DNPM, em face da ausência de licença ambiental, da imprescindibilidade desta e dos prazos preclusivos para sua apresentação, para cassação do registro de licença do empreendimento Areal Tijuco Extração e Comércio de Areia Ltda. ME.
5. A ação popular pode ser proposta com o propósito de impugnar atos omissivos ou comissivos que possam acarretar danos ao meio ambiente, inclusive em face de qualquer pessoa jurídica de direito público, mormente quando a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente define poluidor como sendo a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade de degradação ambiental (art. 3°, IV, Lei n° 6.938/81).
6. O Poder Público poderá ser solidariamente responsável por danos ambientais, na hipótese de omissão na fiscalização ambiental ou atuação deficiente, na qualidade de poluidor indireto, pois é dever concorrente de todos os entes políticos exercer o poder de polícia ambiental visando coibir tais males.
7. Para o ajuizamento da ação popular, além da condição de cidadão, basta indícios da presença de ato lesivo ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente ou ao patrimônio histórico e cultural. In casu, esse ato, segundo indicado pelo autor-cidadão, está representado pela omissão do Estado em fiscalizar adequadamente a extração de areia no Bairro Vila Ito, localizado no Município de Ribeira/SP, que, em última análise, acaba contribuindo para a degradação do meio ambiente.
8. Impõe-se a reforma da r. sentença, pois ela não está em harmonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, estando presentes todas as condições da ação, inclusive a adequação da via eleita, devendo retornar ao Juízo de Origem para regular prosseguimento.
9. Inviável a aplicação da Teoria da Causa Madura (art. 515, § 3º, CPC/73), sob pena de supressão de instância, uma vez que a causa não versa unicamente sobre questão de direito, mas sim exige do julgador a análise de extensa matéria fática.
10. Remessa oficial e apelação providas para anular a r. sentença, determinando o retorno dos autos ao Juízo de Origem para regular instrução e prosseguimento do feito.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à remessa oficial e à apelação para anular a r. sentença, determinando o retorno dos autos ao Juízo de Origem para regular instrução e prosseguimento do feito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 07 de fevereiro de 2018.
ANTONIO CEDENHO
Desembargador Federal


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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0001714-95.2014.4.03.6139/SP
2014.61.39.001714-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : WADIR BRANDAO
ADVOGADO : PR053924 NATHALIA SUZANA COSTA SILVA TOZETTO e outro(a)
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RELATÓRIO

Trata-se de reexame necessário e apelação interposta por Wadir Brandão contra sentença que extinguiu, sem resolução do mérito, a ação popular ajuizada pelo apelante em face dos Superintendentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e do Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM, no Estado de São Paulo.


O autor popular, na petição inicial, alega que os apelados foram omissos na fiscalização em relação à atividade de extração de areia no Bairro Vila Ito, no Município de Ribeira/SP, mormente a realizada pela pessoa jurídica Areal Tijuco Extração e Comércio de Areia Ltda. ME, que procede com a referida extração sem licença própria, causando degradação ambiental. Dessa forma, pugna que os recorridos sejam condenados na obrigação de fazer consistente em efetivamente exercer poder de polícia sobre o local, tomando as medidas administrativas necessárias para obstar a continuação da aludida atividade irregular.


Foi concedida antecipação de tutela, determinando-se que os corréus procedessem com verificação in loco do empreendimento indicado na petição inicial (fl. 312)


O DNPM e o IBAMA apresentaram contestações, às fls. 327/339 e 351/363, respectivamente, sustentando, em suma, a inadequação da via eleita e, no mérito, pela improcedência dos pedidos.


Manifestação do autor-cidadão às fls. 366/368.


Aos 16 de setembro de 2014, o MM Juízo Federal da 1ª Vara de Itapeva/SP, acolhendo a preliminar arguida pelos réus de carência de ação por inadequação da via eleita, julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, com fulcro no artigo 267, IV, do Código de Processo Civil de 1973, revogando-se os efeitos da tutela anteriormente concedida (fls. 390/392v).


Em razões recursais, Wadir Brandão pugna pela reforma da sentença, sob o seguinte argumento a ação popular constitui instrumento processual adequado para sanar lesões decorrente de atos estatais comissivos e omissivos, que acarretem danos ao meio ambiente. No mais, reiterou as alegações deduzidas na petição inicial (fls. 395/405).


Foram apresentadas contrarrazões pelo IBAMA às fls. 408/421.


A Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento da apelação e aplicação do art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil de 1973 (fls. 423/426).


É o relatório.



ANTONIO CEDENHO
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0001714-95.2014.4.03.6139/SP
2014.61.39.001714-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : WADIR BRANDAO
ADVOGADO : PR053924 NATHALIA SUZANA COSTA SILVA TOZETTO e outro(a)
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VOTO

Inicialmente, insta destacar que a ação popular consiste em direito fundamental, sendo importante instrumento processual de participação política do cidadão, cuja finalidade é a defesa do patrimônio público, da moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural.


Nesse sentido, dispõe o artigo 5°, inciso LXXIII, da Constituição Federal:


"qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;"

Nesse mesmo sentido, determina a Lei n° 4.717/65:


"Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.
§1º - Consideram-se patrimônio público para os fins referidos neste artigo, os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico."

Diante desses dispositivos, os Tribunais Superiores manifestam-se no sentido de que o pedido veiculado na ação popular possui natureza desconstitutivo-condenatória, na medida que visa, principalmente, a insubsistência do ato ilegal e lesivo a qualquer daqueles bens enumerados no inciso LXXIII, do artigo 5°, da Lei Maior.


No caso sub judice, o autor, na inicial, alega que os Superintendentes do DNPM e do IBAMA, ambos do Estado de São Paulo, são omissos na fiscalização quanto à atividade de extração de areia no Bairro Vila Ito, realizada no Município de Ribeira/SP, mormente a realizada pela pessoa jurídica Areal Tijuco Extração e Comércio de Areia Ltda. ME, que procede com a referida extração sem licença própria, causando degradação ambiental.


Sob essas alegações, o autor popular postulou pelo reconhecimento da omissão do poder público como conduta lesiva a proteção do meio ambiente, com a imposição da obrigação de fazer consistente no exercício do poder de polícia dos órgãos públicos (DNPM e IBAMA). Ainda, pugnou pela determinação ao Superintendente do DNPM, em face da ausência de licença ambiental, da imprescindibilidade desta e dos prazos preclusivos para sua apresentação, para cassação do registro de licença do empreendimento Areal Tijuco Extração e Comércio de Areia Ltda. ME.


Não pode prevalecer o argumento do Magistrado sentenciante no sentido de que o artigo 5°, inciso LXXIII, da Constituição Federal expressamente delimitou o escopo da ação popular como desconstitutivo de atos lesivos, reservando-se para a ação civil pública, nos termos do artigo 3º da Lei n° 7.347/84, as pretensões cominatórias, como são as obrigações de fazer e não fazer.


Em primeiro lugar, deve-se destacar que o Código Civil estabelece, no artigo 186, que: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".


Assim, a expressão "ato" não consubstancia, exclusivamente, em uma conduta comissiva, de modo que se determinado comportamento omissivo possui o potencial de vulnerar direitos subjetivos, também pode lesar o meio ambiente, autorizando o cidadão a promover ação popular contra o responsável pela inércia.


Em segundo lugar, a ação popular pode ser proposta com o propósito de impugnar atos omissivos ou comissivos que possam acarretar danos ao meio ambiente, inclusive em face de qualquer pessoa jurídica de direito público, mormente quando a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente define poluidor como sendo a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade de degradação ambiental (art. 3°, IV, Lei n° 6.938/81).


Neste contexto, insta destacar que o Poder Público poderá ser solidariamente responsável por danos ambientais, na hipótese de omissão na fiscalização ambiental ou atuação deficiente, na qualidade de poluidor indireto, pois é dever concorrente de todos os entes políticos exercer o poder de polícia ambiental visando coibir tais males.


Nesse sentido:


AMBIENTAL. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL (LEI 9.985/00). OCUPAÇÃO E CONSTRUÇÃO ILEGAL POR PARTICULAR NO PARQUE ESTADUAL DE JACUPIRANGA. TURBAÇÃO E ESBULHO DE BEM PÚBLICO. DEVER-PODER DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL DO ESTADO. OMISSÃO. ART. 70, § 1º, DA LEI 9.605/1998. DESFORÇO IMEDIATO. ART. 1.210, § 1º, DO CÓDIGO CIVIL. ARTIGOS 2º, I E V, 3º, IV, 6º E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981 (LEI DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE). CONCEITO DE POLUIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DE NATUREZA SOLIDÁRIA, OBJETIVA, ILIMITADA E DE EXECUÇÃO SUBSIDIÁRIA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO.
1. Já não se duvida, sobretudo à luz da Constituição Federal de 1988, que ao Estado a ordem jurídica abona, mais na fórmula de dever do que de direito ou faculdade, a função de implementar a letra e o espírito das determinações legais, inclusive contra si próprio ou interesses imediatos ou pessoais do Administrador. Seria mesmo um despropósito que o ordenamento constrangesse os particulares a cumprir a lei e atribuísse ao servidor a possibilidade, conforme a conveniência ou oportunidade do momento, de por ela zelar ou abandoná-la à própria sorte, de nela se inspirar ou, frontal ou indiretamente, contradizê-la, de buscar realizar as suas finalidades públicas ou ignorá-las em prol de interesses outros.
2. Na sua missão de proteger o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações, como patrono que é da preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais, incumbe ao Estado "definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção" (Constituição Federal, art. 225, § 1º, III).
3. A criação de Unidades de Conservação não é um fim em si mesmo, vinculada que se encontra a claros objetivos constitucionais e legais de proteção da Natureza. Por isso, em nada resolve, freia ou mitiga a crise da biodiversidade - diretamente associada à insustentável e veloz destruição de habitat natural -, se não vier acompanhada do compromisso estatal de, sincera e eficazmente, zelar pela sua integridade físico-ecológica e providenciar os meios para sua gestão técnica, transparente e democrática. A ser diferente, nada além de um "sistema de áreas protegidas de papel ou de fachada" existirá, espaços de ninguém, onde a omissão das autoridades é compreendida pelos degradadores de plantão como autorização implícita para o desmatamento, a exploração predatória e a ocupação ilícita.
4. Qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, no Direito brasileiro a responsabilidade civil pelo dano ambiental é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura, e do favor debilis, este último a legitimar uma série de técnicas de facilitação do acesso à Justiça, entre as quais se inclui a inversão do ônus da prova em favor da vítima ambiental. Precedentes do STJ.
5. Ordinariamente, a responsabilidade civil do Estado, por omissão, é subjetiva ou por culpa, regime comum ou geral esse que, assentado no art. 37 da Constituição Federal, enfrenta duas exceções principais. Primeiro, quando a responsabilização objetiva do ente público decorrer de expressa previsão legal, em microssistema especial, como na proteção do meio ambiente (Lei 6.938/1981, art.
3º, IV, c/c o art. 14, § 1º). Segundo, quando as circunstâncias indicarem a presença de um standard ou dever de ação estatal mais rigoroso do que aquele que jorra, consoante a construção doutrinária e jurisprudencial, do texto constitucional.
6. O dever-poder de controle e fiscalização ambiental (= dever-poder de implementação), além de inerente ao exercício do poder de polícia do Estado, provém diretamente do marco constitucional de garantia dos processos ecológicos essenciais (em especial os arts. 225, 23, VI e VII, e 170, VI) e da legislação, sobretudo da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981, arts. 2º, I e V, e 6º) e da Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes e Ilícitos Administrativos contra o Meio Ambiente).
7. Nos termos do art. 70, § 1º, da Lei 9.605/1998, são titulares do dever-poder de implementação "os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização", além de outros a que se confira tal atribuição.
8. Quando a autoridade ambiental "tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de co-responsabilidade" (art. 70, § 3°, da Lei 9.605/1998, grifo acrescentado).
9. Diante de ocupação ou utilização ilegal de espaços ou bens públicos, não se desincumbe do dever-poder de fiscalização ambiental (e também urbanística) o Administrador que se limita a embargar obra ou atividade irregular e a denunciá-la ao Ministério Público ou à Polícia, ignorando ou desprezando outras medidas, inclusive possessórias, que a lei põe à sua disposição para eficazmente fazer valer a ordem administrativa e, assim, impedir, no local, a turbação ou o esbulho do patrimônio estatal e dos bens de uso comum do povo, resultante de desmatamento, construção, exploração ou presença humana ilícitos.
10. A turbação e o esbulho ambiental-urbanístico podem - e no caso do Estado, devem - ser combatidos pelo desforço imediato, medida prevista atualmente no art. 1.210, § 1º, do Código Civil de 2002 e imprescindível à manutenção da autoridade e da credibilidade da Administração, da integridade do patrimônio estatal, da legalidade, da ordem pública e da conservação de bens intangíveis e indisponíveis associados à qualidade de vida das presentes e futuras gerações.
11. O conceito de poluidor, no Direito Ambiental brasileiro, é amplíssimo, confundindo-se, por expressa disposição legal, com o de degradador da qualidade ambiental, isto é, toda e qualquer "pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental" (art. 3º, IV, da Lei 6.938/1981, grifo adicionado).
12. Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano urbanístico-ambiental e de eventual solidariedade passiva, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem não se importa que façam, quem cala quando lhe cabe denunciar, quem financia para que façam e quem se beneficia quando outros fazem.
13. A Administração é solidária, objetiva e ilimitadamente responsável, nos termos da Lei 6.938/1981, por danos urbanístico-ambientais decorrentes da omissão do seu dever de controlar e fiscalizar, na medida em que contribua, direta ou indiretamente, tanto para a degradação ambiental em si mesma, como para o seu agravamento, consolidação ou perpetuação, tudo sem prejuízo da adoção, contra o agente público relapso ou desidioso, de medidas disciplinares, penais, civis e no campo da improbidade administrativa.
14. No caso de omissão de dever de controle e fiscalização, a responsabilidade ambiental solidária da Administração é de execução subsidiária (ou com ordem de preferência).
15. A responsabilidade solidária e de execução subsidiária significa que o Estado integra o título executivo sob a condição de, como devedor-reserva, só ser convocado a quitar a dívida se o degradador original, direto ou material (= devedor principal) não o fizer, seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta, assegurado, sempre, o direito de regresso (art. 934 do Código Civil), com a desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do Código Civil).
16. Ao acautelar a plena solvabilidade financeira e técnica do crédito ambiental, não se insere entre as aspirações da responsabilidade solidária e de execução subsidiária do Estado - sob pena de onerar duplamente a sociedade, romper a equação do princípio poluidor-pagador e inviabilizar a internalização das externalidades ambientais negativas - substituir, mitigar, postergar ou dificultar o dever, a cargo do degradador material ou principal, de recuperação integral do meio ambiente afetado e de indenização pelos prejuízos causados.
17. Como consequência da solidariedade e por se tratar de litisconsórcio facultativo, cabe ao autor da Ação optar por incluir ou não o ente público na petição inicial.
18. Recurso Especial provido.
(REsp 1071741/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/03/2009, DJe 16/12/2010)

Assim, para o ajuizamento da ação popular, além da condição de cidadão, basta indícios da presença de ato lesivo ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente ou ao patrimônio histórico e cultural. In casu, esse ato, segundo indicado pelo autor-cidadão, está representado pela omissão do Estado em fiscalizar adequadamente a extração de areia no Bairro Vila Ito, localizado no Município de Ribeira/SP, que, em última análise, acaba contribuindo para a degradação do meio ambiente.


Logo, mostra-se ajustado o manejo da ação popular para a tutela do bem jurídico invocado.


Conclui-se, portanto, que a sentença, ao concluir que "o pedido do autor não visa a anular ato lesivo ao meio ambiente, mas sim obter do Estado cumprimento de obrigação de fazer, objetivo para o qual a via adequada é a da ação civil pública, nos termos da Lei n° 7.347/85, e não da ação popular (Lei n° 4.717/65 e artigo 5°, LXXIII, CF/88)", contrariou o entendimento dos Tribunais Superiores, no sentido de que deve ser adotada a interpretação mais ampliativa de cabimento da ação popular.


Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. AÇÃO POPULAR. COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO EXCLUSIVAMENTE ECONÔMICO. DESNECESSIDADE. PROTEÇÃO AOS BENS E DIREITOS ASSOCIADOS AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. ALTERAÇÃO DO ENTENDIMENTO ALCANÇADO PELA INSTÂNCIA DE ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA RECONHECIDO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. ÓBICE DA SÚMULA 83/STJ.
1. O Superior Tribunal de Justiça possui firme orientação de que um dos pressupostos da Ação Popular é a lesão ao patrimônio público. Ocorre que a Lei 4.717/1965 deve ser interpretada de forma a possibilitar, por meio de Ação Popular, a mais ampla proteção aos bens e direitos associados ao patrimônio público, em suas várias dimensões (cofres públicos, meio ambiente, moralidade administrativa, patrimônio artístico, estético, histórico e turístico).
2. Para o cabimento da Ação Popular, basta a ilegalidade do ato administrativo por ofensa a normas específicas ou desvios dos princípios da Administração Pública, dispensando-se a demonstração de prejuízo material.
3. Hipótese em que a Corte de origem concluiu que "o então Gestor Público Municipal atentou contra os princípios da administração pública, com violação da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, desviando a finalidade de sua atuação para satisfazer sentimento pessoal alheio à ética e à moral (...)".
(...)
(AgInt no AREsp 949.377/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/03/2017, DJe 20/04/2017)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. APLICABILIDADE DO CPC/1973. NULIDADE DE ATO PÚBLICO. OBJETO DA AÇÃO POPULAR. INTERESSE COLETIVO. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. IRREGULARIDADE E LESIVIDADE DO ATO PRATICADO. IMPRESCINDÍVEL ANÁLISE DO CONTEXTO FÁTICO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO.
(...)
2. A ação popular é o meio processual a que tem direito qualquer cidadão que deseje questionar judicialmente a validade de atos que considera lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (art. 5º , LXXIII, da CF/88 ). Não se trata, in casu, de tutela de interesse individual, pois a ação popular se prestou a anular ato ilegal praticado pelo Poder Público em afronta à Constituição Federal e ao ordenamento jurídico brasileiro e, por conseguinte, ao interesse coletivo, sendo, portanto adequada a via eleita.
3. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que a ação popular é cabível para a proteção da moralidade administrativa, ainda que inexistente o dano material ao patrimônio público, porquanto a lesão tanto pode ser efetiva quanto legalmente presumida, visto que a Lei 4.717/1965 estabelece casos de presunção de lesividade (art. 4º), para os quais basta a prova da prática do ato naquelas circunstâncias para considerar-se lesivo e nulo de pleno direito. Precedentes.
(...)
(AgRg no REsp 1504797/SE, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/05/2016, DJe 01/06/2016)

Assim, impõe-se a reforma da r. sentença, pois ela não está em harmonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, estando presentes todas as condições da ação, inclusive a adequação da via eleita, devendo retornar ao Juízo de Origem para regular prosseguimento.


Por fim, inviável a aplicação da Teoria da Causa Madura, prevista anteriormente no artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil de 1973, sob pena de supressão de instância, uma vez que a causa não versa unicamente sobre questão de direito, mas sim exige do julgador a análise de extensa matéria fática.


Diante do exposto, dou provimento à remessa oficial e à apelação para anular a r. sentença, determinando o retorno dos autos ao Juízo de Origem para regular instrução e prosseguimento do feito.


É o voto.


ANTONIO CEDENHO
Desembargador Federal


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Data e Hora: 08/02/2018 20:58:37