D.E. Publicado em 19/02/2018 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa necessária, tida por interposta, e à apelação do Ministério Público Federal e dar parcial provimento às apelações das rés, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de remessa necessária, tida por interposta, e apelações interpostas pelo Ministério Público Federal, pela Libra Terminais S/A e pela Tomé Equipamentos e Transportes S/A em face da sentença que julgou parcialmente procedente o pedido inicial formulado em ação civil pública de responsabilização por danos ambientais.
O Ministério Público Federal ajuizou a presente demanda em razão de, no dia 22 de outubro de 2002, por volta das 18h10m, na Av. Ismael Coelho Souza, junto ao muro do pátio T-35, durante serviço de manutenção da empilhadeira Stacker, prefixo GEP 16, realizado, indevidamente, por funcionários da empresa Tomé Engenharia Transportes Ltda., contratada pela empresa Libra Terminais S/A, ter ocorrido vazamento de óleo lubrificante do cárter contido numa bandeja, no piso do logradouro. Assim, o produto escoou, devido à inclinação do piso, culminando por atingir um bueiro da rede de drenagem de águas pluviais, sendo lançado no corpo d'água receptor, ou seja, nas águas do estuário de Santos, cerca de 10 (dez) litros de óleo lubrificante de motor, contribuindo para a manutenção do estresse crônico do ecossistema, considerado região poluída.
Dessa forma, postulou pela condenação das pessoas jurídicas Libra Terminais e Tomé Equipamentos e Transportes à obrigação de fazer, consistente na recuperação do meio ambiente ou, na impossibilidade, ao pagamento de indenização por danos causados ao meio ambiente natural, no valor de R$ 593.247,33 (quinhentos e noventa e três mil duzentos e quarenta e sete reais e trinta e três centavos), com incidência de juros de mora e correção monetária, até a data do efetivo depósito, a ser revertido ao Fundo de Reparação de Interesses Difusos Lesados e aplicados em medidas ou projetos para recuperação do Estuário de Santos, ou à adoção de medida compensatória consistente em custear um ou mais projetos prioritários na área ambiental desenvolvidos pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Santos, no valor da condenação; bem como à perda de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público e da participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito.
Devidamente citadas, as rés apresentaram contestações (fls. 296/327 e 330/342).
O laudo pericial foi juntado às fls. 735/860, seguindo-se manifestações das partes sobre ele (fls. 864/871, 872/881, 905/927 e 1.043/1.105).
Foram apresentadas alegações finais (fls. 1.153, 1.156/1.164 e 1.174/1.182).
Em seguida, aos 22.10.2012, o MM Juízo da 1ª Vara Federal de Santos/SP prolatou sentença, julgando parcialmente procedente o pedido inicial formulado pelo Ministério Público Federal, conforme seguinte dispositivo:
(fls. 1.200/1.205)
Inconformadas, as empresas-rés Tomé Equipamentos e Transportes S.A. e Libra Terminais S.A. interpuseram apelação.
A Tomé Equipamentos e Transportes S.A. pugna pela reforma integral da sentença, alegando para tanto que o Ministério Público objetiva sua condenação por fato incerto, na medida que o vazamento do óleo não chegou efetivamente até a água através do mencionado bueiro. Sustenta que não houve qualquer deterioração ao estuário de Santos pelo derramamento de 3 (três) litros de óleo, tampouco que tal volume de óleo seria suficiente para atingir o bueiro, dada sua distância em relação à empilhadeira. Afirma que prontamente providenciou a instalação de barreiras absorventes, de modo a coletar todo e qualquer resíduo que viesse a contribuir ainda mais para a degradação do já degradado estuário. Assim, não há se falar em nenhuma responsabilidade sua, uma vez que o material colhido pelas barreiras absorventes é totalmente diverso daquele descrito na inicial (fls. 1.212/1.217).
A seu turno, a Libra Terminais S.A. aduz que inexiste culpa a lhe ser imputada, na medida que não era proprietária do equipamento que apresentou o vazamento de óleo do cárter, o qual não era inspecionado por empregados ou prepostos seus, mas apenas o alugou para a empresa Tomé Engenharia e Transportes. Assim, sob os argumentos de que não teve qualquer participação no ato ilícito e que a solidariedade deve ser prevista em lei, pugna pela exclusão de sua responsabilidade. Em relação à quantidade de óleo, afirma que apenas 3 (três) litros teriam vazado para o estuário, conforme reconhecido no laudo pericial, uma vez que teria adotado medidas para minimizar os efeitos do vazamento. Por fim, com base no princípio da razoabilidade e proporcionalidade, requer a redução do valor indenizatório (fls. 1.224/1.231).
Por sua vez, o Ministério Público Federal pugna pela majoração do valor da condenação para R$ 593.247,33, conforme estimado no laudo da CESTESB, uma vez que aquele fixado na sentença é desproporcional e ínfimo em relação ao dano ambiental. Ainda, requer a alteração do termo inicial dos juros de mora para a data do evento danoso e do percentual, para que incidam em 6% ao ano até 10.01.2003 e, partir dessa data, em 12% ao ano até a data do efetivo depósito (fls. 1.240/1.255).
Ambas as apelações foram recebidas no efeito devolutivo (fl. 1.262).
Foram apresentadas contrarrazões (fls. 1.266/1.271, 1.272/1.277 e 1.279/1.291).
A Procuradoria Regional da República opina pelo provimento do recurso do Ministério Público Federal e improvimento dos recursos dos réus (fls. 1.296/1.301).
É o relatório.
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VOTO
Inicialmente, cumpre salientar que deve ser conhecida, ex officio, a remessa oficial, uma vez que o artigo 19 da Lei nº 4.717/65 (Lei de Ação Popular), segundo o qual: "a sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição", deve ser aplicado analogicamente às ações civis públicas, pois tanto estas quanto as ações populares visam tutelar o patrimônio público lato sensu, estando ambas regidas pelo microssistema processual da tutela coletiva.
Ainda que a sentença tenha julgado parcialmente procedente o pedido inicial, tal fato não afasta a submissão do julgado ao reexame necessário, uma vez que tal instituto, nas ações coletivas, visa conferir a mais ampla e efetiva tutela aos bens jurídicos tutelados.
Assim, devem ser reexaminados pelo Juízo ad quem todos os pleitos deduzidos na inicial e voltados à concretização e higidez do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ainda que não devolvidos pela parte autora em sede recursal, de modo que eventual piora da situação anterior para os demandados não implica em reformatio in pejus.
Passando ao exame do mérito, destaca-se, de início, que a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado consiste em direito fundamental de terceira geração, sendo dever do Poder Público e da coletividade defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, conforme determina o artigo 225 da Constituição Federal:
Neste contexto, a fim de conferir uma maior proteção ao meio ambiente, a Lei nº 6.938/81, denominada Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, prevê que a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva, ou seja, independe da caracterização da culpa, além de ser fundada na teoria do risco integral, razão pela qual é incabível a aplicação de excludentes de responsabilidade para afastar a obrigação de reparar ou indenizar, verbis:
Nesse sentido é firme a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça, o qual já se manifestou inclusive sob o rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973:
Assim, basta a demonstração do dano ambiental e o nexo causal entre o resultado lesivo e a situação de risco criada pelo agente no exercício de atividade, no seu interesse e sob seu controle, dispensando-se o elemento subjetivo, para configurar a responsabilidade por dano ambiental.
No caso sub judice, conforme consta no Relatório de Inspeção elaborado pela autoridade portuária (fl. 38), no dia 22 de outubro de 2002, por volta das 18h10m, na Av. Ismael Coelho Souza, junto ao muro do pátio T-35, durante serviço de manutenção da empilhadeira Stacker, prefixo GEP 16, realizado, indevidamente, por funcionários da empresa Tomé Engenharia Transportes S/A, contratada pela empresa Libra Terminais S/A, ter ocorrido vazamento de óleo lubrificante do cárter contido numa bandeja, no piso do logradouro. Assim, o produto escoou, em função da inclinação do piso, atingindo um bueiro da rede de drenagem de águas pluviais, sendo lançado, no corpo d'água receptor, ou seja, nas águas do estuário de Santos, cerca de 10 (dez) litros de óleo lubrificante de motor, contribuindo para a manutenção do estresse crônico do ecossistema, considerado região poluída.
Induvidoso, portanto, que houve efetivo dano ambiental, na medida que tal fato causou poluição, ou seja, "degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;", nos termos do artigo 3°, III, da Lei n° 6.938/01.
Assim, o derramamento, no estuário do Porto de Santos/SP, de óleo lubrificante de motor, proveniente de equipamento operado pela ré Tomé Engenharia e Transportes S/A, alugado pela empresa-ré Libra Terminais S/A, causou incontestável dano ecológico, sendo irrelevante que tal bioma já se encontrava poluído.
Tal conclusão encontra-se descrita, de forme pormenorizada, no laudo pericial, que descreveu os impactos do lançamento do óleo ao mar, os quais são de diversas ordens:
Comprovado o dano ambiental, deve-se perquirir apenas acerca das condutas das empresas-rés e da presença do nexo de causalidade entre elas e aquele.
Conforme infere-se da interpretação dos artigos 3°, IV e 14, § 1°, da Lei 6.938/81, a responsabilidade do poluidor ambiental é solidária, alcançando, inclusive, aqueles que indiretamente contribuíram para a degradação ao meio ambiente, de modo que deve ser imputado a ambas as empresas o dano efetivamente causado ao meio ambiente.
Nesse sentido:
Assim, não subsiste qualquer alegação da ré Libra Terminais S/A de que não teria qualquer parcela de responsabilidade para o dano ambiental, pois, conforme exposto, a responsabilidade é objetiva, integral e solidária entre todos aqueles que, de alguma maneira, contribuíram para o dano ecológico, não cabendo analisar se houve eventual culpa ao fornecer o equipamento à empresa Tomé Engenharia e Transportes S/A.
Outrossim, conforme visto acima, a responsabilidade ambiental é fundada na Teoria do Risco Integral, segundo a qual são inadmissíveis excludentes, razão pela qual não se pode invocar fato de terceiro para se eximir do dever de recompor o meio ambiente.
Muito embora as rés tenham adotado medidas mitigadoras do dano ambiental, tal circunstância, por si só, não exclui a responsabilidade, mas pode ser considerada por ocasião no arbitramento da indenização.
Tanto é assim que as obrigações de fazer ou não fazer destinadas à recomposição in natura do bem lesado e a indenização pecuniária são perfeitamente cumuláveis, por terem pressupostos diversos, priorizando os princípios do poluidor-pagador e da reparação integral do dano ambiental, nos termos dos artigos 225, §3°, da Constituição Federal e 4° da Lei n° 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente).
Destaca-se que os deveres de indenizar e recuperar possuem natureza de ressarcimento cível, os quais almejam de forma simultânea e complementar a restauração do status quo ante do meio ambiental lesado, finalidade maior a ser alcançada pelo Poder Público e pela sociedade.
A possibilidade de cumulação visa, em última análise, evitar o enriquecimento sem causa, já que a submissão do poluidor tão somente à reparação do ecossistema degradado fomentaria a prática de ilícitos contra o meio ambiente.
Inexistindo, portanto, bis in idem, os réus não se eximem da obrigação de indenizar ainda que demonstrem o propósito de recuperar a área ambientalmente degradada.
De acordo com esse entendimento, é a pacífica jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça:
No caso dos autos, a recomposição ao status quo ante é inviável, em face da dispersão do poluente nas águas do mar e do lapso temporal decorrido, restando tão somente a condenação em indenização pecuniária, a ser quantificada de acordo, inclusive, com a quantidade de óleo lubrificante lançado do estuário do Porto de Santos.
Muito embora a perícia tenha estimado que apenas o volume de 3 (três) litros, dos 30 (trinta) litros laçados no estuário, deixou de ser recolhido (fl. 768), adoto a conclusão do Relatório de Inspeção, segundo o qual 10 (dez) litros foram efetivamente lançados na água (fls. 38/39), pois este foi realizado às 20h15 do dia 22.10.2002, ou seja, pouco mais de duas horas após o acidente, sendo que a perícia judicial somente foi realizada após 8 (oito) anos da data dos fatos.
Nesse diapasão, cabe lembrar que o magistrado não está vinculado às conclusões do perito, pois inexiste qualquer hierarquia entre as provas no nosso ordenamento, vigorando no sistema processual o principio do livre convencimento motivo, segundo qual o juiz é livre para formar seu convencimento, desde que de maneira fundamentada, conferindo às provas o valor que entender pertinente em cada caso concreto.
Outrossim, o "Critério para Valoração de Danos Ambientais Causados por Derrames de Petróleo ou de seus derivados em Mar" adotado pela CETESB, que, no caso em tela, apurou o valor de US$ 354.813,00, pode ser utilizado como parâmetro para a quantificação do dano ambiental em apreço, mas não de forma absoluta, devendo o valor indenizatório se adequar às particularidades do caso concreto, de acordo com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Nesse sentido:
Destarte, não podendo ser ignorada a circunstância da empresa ré ter adotado, de imediato, medidas tendentes a reduzir o impacto causado ao meio ambiente pelo derramamento de óleo, reduzo a indenização para R$ 70.000,00 (setenta mil reais), de modo a privilegiar o comportamento pautado na boa-fé e a consciência ambiental, sem olvidar de seu caráter preventivo.
Sobre o valor da indenização, devem ser acrescidos juros de mora de 6% (seis por cento) ao ano até dezembro de 2002 (arts. 1.062, 1.063 e 1.064, CC/16) e, a partir de janeiro de 2003, serão computados com base na Taxa SELIC, excluído qualquer outro índice de correção ou de juros de mora (art. 406, CC/02), a partir do evento danoso.
Diante do exposto, nego provimento à remessa necessária, tida por interposta, e à apelação do Ministério Público Federal e dou parcial provimento às apelações das rés.
É o voto.
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