D.E. Publicado em 19/02/2018 |
|
|
|
|
|
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à remessa oficial, tida por interposta, e à apelação da AES Tietê S.A. para anular a r. sentença, devendo os autos retornarem à Vara de Origem para que seja realizada prova pericial, restando prejudicada a apelação do réu José Lúcio Romero, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | ANTONIO CARLOS CEDENHO:10061 |
Nº de Série do Certificado: | 11A21704266AF7E7 |
Data e Hora: | 08/02/2018 20:58:24 |
|
|
|
|
|
RELATÓRIO
Trata-se de apelações interpostas pela AES Tietê S.A. e por José Lúcio Romero em face da sentença que julgou parcialmente procedente o pedido inicial formulado em ação civil pública ambiental ajuizada pelo Ministério Público Federal.
Segundo narrado pelo Parquet na inicial, no caso do loteamento "Estância Beira Rio", situado no Município de Cardoso/SP, o projeto habitacional apresentado inicialmente mantinha intacta a Área de Preservação Permanente, de modo que foi aprovado pelo Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais - GRAPROHAB, compostas pelas Secretarias da Saúde e do Meio Ambiente, Procuradoria Geral do Estado, CETESB e CESB, dentre outros. Porém, referido profeto foi executado por Antônio Ferreira Henrique, responsável pela implantação do mencionado loteamento, com violação à lei, na medida que os lotes foram implantados a uma distância de 72 metros da cota máxima normal de operação, ao invés de 120 metros, conforme constatado pelo Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais - DEPRN. A seu turno, José Lúcio Romero adquiriu um lote desse loteamento, causando dano ambiental direto em área de preservação permanente, ao impedir a regeneração natural da vegetação local, através de manutenção de edificações às margens do reservatório de acumulação de água para geração de energia elétrica da Usina Hidrelétrica Água Vermelha. Assim, pleiteou a condenação de José Lúcio Romero à obrigação de fazer consistente na completa recuperação da área de preservação permanente efetivamente prejudicada (florestamento), mediante a retirada das edificações e impermeabilizações existentes no local e adoção de práticas de adequação ambiental, utilizando-se técnicas de plantio e de manutenção da área e produtos não lesivos ao meio ambiente, mediante a supervisão do órgão ambiental, que deverá aprovar a forma de recuperação; bem como à obrigação de coibir toda e qualquer atividade que possa causar lesão à área de preservação permanente objeto da ação civil pública ou nela promover ou permitir que se promovam atividades danosas, ainda que parcialmente; a condenação de Antônio Ferreira Henrique, do Município de Cardoso e da empresa AES Tietê S/A, solidariamente, à obrigação de fazer consistente na completa recuperação da área de preservação permanente efetivamente prejudicada, mediante auxílio na remoção das edificações existentes no local e da adoção de práticas de adequação ambiental, utilizando-se técnicas de plantio e de manutenção da área e produtos não lesivos ao meio ambiente; a condenação de José Lúcio Romero, de Antônio Ferreira Henrique e da empresa AES Tietê S/A ao pagamento de indenização quantificada em perícia ou por arbitramento, correspondente aos danos ambientais irrecuperáveis, a ser recolhida ao Fundo referido no artigo 13 da Lei n° 7.347/85 (fls. 02/18).
Devidamente citados, os réus apresentaram contestações (fls. 123/136, 211/224, 243/323 e 343/352).
Réplicas do Ministério Público Federal às fls. 190/204, 228/237, 332/336 e 355.
Foram indeferidos os pedidos de produção de prova pericial e de juntada de novos documentos e deferida a produção de prova testemunhal (fl. 402).
As testemunhas arroladas foram ouvidas através de cartas precatórias (fls. 422/468).
Foram apresentadas alegações finais pelas partes às fls. 477/492, 495/503, 504/506 e 511/556.
Aos 10 de março de 2015, o MM Juízo da 4ª Vara Federal de São José do Rio Preto/SP prolatou sentença, integrada pela decisão que rejeitou os embargos de declaração opostos pelo réu José Lúcio Romero (fl. 677), julgando parcialmente procedente os pedidos iniciais, nos seguintes termos:
Em razões recursais, a AES Tietê S.A. alega nulidade da sentença em face do indeferimento da prova técnica pericial. Aduz que o artigo 62 da Lei n° 12.651/12 é constitucional. Sustenta que houve perda do objeto em face da superveniência do Novo Código Florestal. Alternativamente, pugna pela suspensão do feito até decisão final do Supremo Tribunal Federal em relação às Ações Diretas de Inconstitucionalidade n° 4.901, 4.902 e 4.903, pois se tratam de questão prejudicial à análise do mérito da causa. Ainda em caráter alternativo, requer: redução das multas e concessão de prazo de 180 dias para cumprimento das determinações impostas nas sentença (fls. 679/741).
Por sua vez, o réu José Lúcio Romero pugna pela reforma da sentença, sob o fundamento de que, tendo sido reconhecido que seu imóvel constitui em loteamento situado em área urbana, cuja área de preservação permanente é de 30 (trinta) metros, o pedido inicial deveria ser julgado improcedente, na medida que os lotes foram implantados a uma distância de 72 (setenta e dois) metros da cota máxima normal de operação. Afirma que a sentença é ultra petita, pois foi imposta a obrigação de demarcação da área de preservação permanente, não postulada na petição inicial. Aduz que a Lei n° 12.651/12 não poderia ampliar a área de preservação permanente, de forma a invadir um imóvel particular, bem como que o magistrado sentenciante não poderia aplicar nova legislação em situação consolidada conforme aquela vigente ao tempo do fato. Afirma que não violou qualquer legislação ambiental, mormente porque seu imóvel encontra-se inserido em área urbana (fls. 970/979).
As apelações foram recebidas em ambos os efeitos (fl. 986).
Foram apresentadas contrarrazões pelo Ministério Público Federal (fls. 989/1.007v).
A Procuradoria Regional da República, reiterando os termos das contrarrazões, opinou pelo improvimento das apelações (fls. 1.010/1.011v).
É o relatório.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | ANTONIO CARLOS CEDENHO:10061 |
Nº de Série do Certificado: | 11A21704266AF7E7 |
Data e Hora: | 08/02/2018 20:58:21 |
|
|
|
|
|
VOTO
Inicialmente, é de rigor conhecer ex officio da remessa oficial, vez que o artigo 19 da Lei nº 4.717/65 (Lei de Ação Popular), o qual determina que: "a sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição", aplica-se analogicamente às ações civis públicas, pois tanto estas quanto as ações populares visam tutelar o patrimônio público lato sensu, estando ambas regidas pelo microssistema processual da tutela coletiva, conforme entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça.
Ainda que não devolvidos, em sede recursal, os demais pleitos iniciais, deve-se examinar, neste Juízo ad quem, a possibilidade de serem acolhidos, de forma a conferir a mais ampla e efetiva tutela ao meio ambiente, sem que se incorra em reformatio in pejus.
Passando ao exame do mérito, destaca-se, de início, que a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado consiste em direito fundamental de terceira geração, sendo dever do Poder Público e da coletividade defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, conforme determina o artigo 225 da Constituição Federal.
O caso em tela refere-se a danos ambientais causados pela construção e manutenção de rancho em área de preservação permanente situada às margens do reservatório UHE de Água Vermelha/SP, formado em razão de represamento das águas do Rio Grande.
Antes de adentrar na análise dos recursos, cabe destacar que não se pode concluir que com o advento novo Código Florestal, a área de preservação permanente deixou de existir, nos termos do artigo 62 ("Para os reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, a faixa da Área de Preservação Permanente será a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum.").
Para se chegar a tal conclusão, seria imprescindível a realização de perícia técnica para constatar a cota máxima de operação e a cota maxima maximorum.
Insta frisar que, em face dos princípios tempus regit actum e da não regressão ou vedação ao retrocesso ecológico, a legislação ambiental, ainda que revogada, tal como a Lei n° 4.771/65, pode ser aplicada aos fatos ocorridos antes da vigência da Lei n° 12.651/12, ainda que a norma seja mais gravosa ao poluidor.
Nesse sentido:
Nessa linha, com o fito de fixar parâmetros, definições e limites para as reservas ecológicas e áreas de preservação permanente no entorno de reservatórios artificiais, foram editadas as Resoluções n° 4, de 18.09.1985, n° 302, de 20.03.2002, e n° 303, de 20.03.2002, ambas pelo CONAMA, o qual possui a competência para editar tais atos normativos, conforme prevê o artigo 8°, VII, da Lei n° 6.938/81 e artigo 4° do Decreto n° 89.336/84.
No sentido da legalidade de tais Resoluções editadas pelo CONAMA, colaciono julgados do C. Superior Tribunal de Justiça:
Neste contexto, os documentos que instruem os autos revelam que os danos ambientais foram verificados em datas pretéritas ao advento do novo Código Florestal, de modo que se torna imperiosa a realização de prova pericial, pois somente com as conclusões do expert é que se poderá delimitar a área de preservação permanente de acordo com a legislação atual e anterior.
Ademais, com o advento da Lei n° 12.651/12 houve alteração do critério de medida da área de preservação permanente no entorno de reservatórios d'água artificiais, passando a ser vertical, ou seja, com base no nível da água, em detrimento do horizontal, baseado na medida fixa a partir da margem do nível máximo normal ou operacional, razão pela qual houve evidente retrocesso na proteção ambiental, uma vez que a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota maxima maximorum pode resultar, em determinados trechos, na faixa zero.
Repise-se que a revogação da legislação anterior não implica, por si só, na aplicação imediata da lei em vigor, sendo necessária o exame do caso concreto para definir quais regras lhe serão aplicáveis, notadamente por se tratar do direito fundamental do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Em casos análogos, as Turmas desta C. Segunda Seção vêm adotando tal posição:
Por outro lado, ainda no tocante à dimensão da área de preservação permanente, independentemente da época da consolidação do reservatório, pode-se afirmar que podem prevalecer as regras previstas nas Resoluções CONAMA n° 4/85, n° 302/02 e n° 303/02 sobre as disposições da Lei nº 12.651/12, haja vista que essa veicula normas de direito material, cuja eficácia é ex nunc, por implicar redução de proteção do meio ambiente.
Nesse sentido, esta C. Corte já se manifestou em caso análogo:
Destarte, verifica-se a ocorrência de cerceamento do direito de defesa, haja vista que a causa demanda a realização de exame pericial para ser dirimida, seja por versar sobre matéria fática controvertida, seja pelo fato de tanto a parte autora quanto a ré terem postulado por tal prova, em especial para constatar a existência e extensão da degradação ambiental, a possibilidade de restauração do status quo ante da área degradada, se as edificações e demais formas que impedem a regeneração da vegetação nativa estão situadas em área de preservação permanente e se o espaço territorial em tela foi objeto de eventual inundação.
Infere-se, por outro lado, que a causa não versa exclusivamente sobre matéria de direito, sendo que a matéria fática é controversa, reclamando produção de provas para ser dirimida, não estando, portanto, em condições de ser julgada desde logo por esta C. Corte, nos termos do artigo 1.013, §3°, do Código de Processo Civil (art. 515, §3º, CPC/73).
Tal medida coaduna com as garantias da ampla defesa e do contraditório, possibilitando, inclusive, que as partes discutam acerca da técnica de recuperação da área de preservação permanente prejudicada, forma de remoção de edificações, eventual valor indenizatório correspondente aos danos ambientais, entre outras questões.
Nesse sentido é o entendimento desta C. Corte Regional, verbis:
Aliás, esta C. Terceira Turma já teve inúmeras oportunidades, em casos semelhantes, de decidir nesse mesmo sentido, pois aqueles também se referiam a ranchos construídos às margens do reservatório da UHE de Água Vermelha, situados igualmente no município de Cardoso/SP, diferenciando-se do presente caso apenas pela titularidade de posse e localização do imóvel, conforme seguintes julgados cujas ementas ora transcrevo:
Diante do exposto, dou provimento à remessa oficial, tida por interposta, e à apelação da AES Tietê S.A. para anular a r. sentença, devendo os autos retornarem à Vara de Origem para que seja realizada prova pericial, restando prejudicada a apelação do réu José Lúcio Romero.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | ANTONIO CARLOS CEDENHO:10061 |
Nº de Série do Certificado: | 11A21704266AF7E7 |
Data e Hora: | 08/02/2018 20:58:27 |