Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 05/03/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002737-88.2008.4.03.6106/SP
2008.61.06.002737-0/SP
RELATORA : Desembargadora Federal DIVA MALERBI
APELANTE : NELSON GORAYEB
ADVOGADO : SP213094 EDSON PRATES e outro(a)
APELANTE : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : SP147927 ANNA CLAUDIA LAZZARINI e outro(a)
APELANTE : PREFEITURA MUNICIPAL DE CARDOSO SP
ADVOGADO : SP161093 ROBERTO DE SOUZA CASTRO e outro(a)
APELANTE : Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis IBAMA
ADVOGADO : SP225013 MAURICIO SIGNORINI PRADO DE ALMEIDA e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
APELADO(A) : AES TIETE S/A
ADVOGADO : SP270902 RAFAEL FERNANDO FELDMANN e outro(a)
: SP131351 BRUNO HENRIQUE GONCALVES
No. ORIG. : 00027378820084036106 1 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

EMENTA

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ART. 19 DA LEI 4.717/1965. DANO AMBIENTAL. AREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE EM RIO QUE BANHA MAIS DE UM ESTADO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. DANO AMBIENTAL. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. RETROATIVIDADE. IMPOSSIBILIDADE. INTERVENÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP) DO LAGO ARTIFICIAL DA HIDRELÉTRICA ÁGUA VERMELHA. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NÃO COMPROVADA. ÁREA RURAL. FIXAÇÃO DE APP DE 100 METROS. DANO AMBIENTAL RECUPERÁVEL. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO DO MPF PARCIALMENTE PROVIDAS. APELAÇÃO DO IBAMA PROVIDA. APELAÇÃO DE NELSON GORAYEB E DO MUNICÍPIO DE CARDOSO/SP NÃO PROVIDAS.
1. Sentença submetida à remessa oficial, consoante a jurisprudência assente do C. Superior Tribunal de Justiça e deste E. Tribunal Regional Federal, aplicando-se por analogia a Lei nº 4.717, de 1965, a qual prevê, em seu art. 19, que "a sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição".
2. Os rios que banham mais de um Estado da federação e os seus terrenos marginais, bem como os potenciais de energia hidráulica são bens da União, de interesse dos entes federais, incisos III e VIII da Constituição Federal, o que atrai a competência da Justiça Federal para processar e julgar a presente ação, inciso I do art. 109 da Carta Magna.
3. Cinge-se a controvérsia em apurar se a área em que se encontra o imóvel em questão, localizado às margens do reservatório da usina hidrelétrica Água Vermelha, às margens do Rio Grande, no município de Cardoso/SP, deve ser considerada área rural e, portanto, com APP de 100 (cem) metros, ou se área urbana consolidada, com APP de 30 (trinta) metros, nos termos do disposto no inciso I do art. 3º da Resolução nº 302/2002 do CONAMA, ou, ainda, como loteamento irregular, em área urbana, com APP de 30 (trinta) metros, nos moldes da r. sentença.
4. O fato de existirem, no curso do processo de apuração, três leis tratando dessa matéria (4.771, de 1965 - 7.803, de 1989 e 12651, de 2012), por razões de segurança jurídica, deve-se aplicar o princípio do tempus regit actum, até porque, como já decidiu o C. STJ, o novo Código Florestal tem eficácia ex nunc e não alcança fatos pretéritos quando isso implicar a redução do patamar de proteção do meio ambiente.
5. O CONAMA tem competência legal para editar normas, estabelecer critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com o objetivo de garantir o uso racional, principalmente, dos recursos hídricos, conforme dispõe o inciso VII do art. 8º da Lei nº 6938, de 1981.
6. O IBAMA, além de ter autorização legal para se habilitar como litisconsorte, nos termos do §2º do art. 5º da Lei nº 7.347, de 1985, detém competência, também legal, para executar medidas de proteção e melhoria da qualidade do meio ambiente, nos moldes do que estabelece o inciso IV do art. 6º da Lei nº 6.938, de 1981. Portanto, mediante a expressa concordância do MPF e do interesse do Instituto, é perfeitamente possível sua inclusão no polo ativo da ação como litisconsorte do parquet.
7. É importante ressaltar que este E. Tribunal tem exigido a realização de prova pericial no âmbito judicial, para averiguar eventuais danos ambientais ocasionados, seus elementos e alcance.
8. A prova pericial no âmbito judicial, neste caso específico e excepcionalmente, mostra-se prescindível, haja vista o que consta do Laudo de Exame Para Constatação de Dano Ambiental, documento expedido por órgão público com competência para dizer sobre questões ambientais e que instruiu a presente ação civil pública.
9. A Lei nº 8.171, de 1991, o Contrato de Concessão nº 92/99 (852/870) e a Licença de Operação nº 345/2003 (fls. 279/281) são claros ao afirmar a responsabilidade da AES em recuperar e fiscalizar a utilização da APP no entorno do lago artificial da hidrelétrica Água Vermelha, que na hipótese é de 100 (cem) metros.
10. Considerando que o imóvel está localizado em área rural e que o dever de fiscalização dos municípios restringe-se, no que se refere à ocupação ordenada do solo, à área urbana, não há que se falar em responsabilidade solidária do município de Cardoso/SP.
11. Resta comprovado que o dano ambiental ocorreu em área de APP fixada em 100 (cem) metros e, portanto, a reparação da área danificada é determinação constitucional nos termos do § 3º do art. 225 da Constituição da República e deve ser promovida pelo seu causador.
12. A área é plenamente recuperável, desde que se promova a demolição e a remoção das edificações e a elaboração de um Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD) que deve ser apresentado à autoridade ambiental competente para aprovação e fiscalização de sua execução.
13. Dá-se parcial provimento ao reexame necessário e à apelação do MPF, dá-se provimento ao recurso da União (IBAMA) e nega-se provimento às apelações de Nelson Gorayeb e do município de Cardoso/SP.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, parcial provimento ao reexame necessário e à apelação do Ministério Público Federal, dar provimento ao recurso da União e negar provimento às apelações de Nelson Gorayeb e do município de Cardoso/SP, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 22 de fevereiro de 2018.
DIVA MALERBI
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002737-88.2008.4.03.6106/SP
2008.61.06.002737-0/SP
RELATORA : Desembargadora Federal DIVA MALERBI
APELANTE : NELSON GORAYEB
ADVOGADO : SP213094 EDSON PRATES e outro(a)
APELANTE : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : SP147927 ANNA CLAUDIA LAZZARINI e outro(a)
APELANTE : PREFEITURA MUNICIPAL DE CARDOSO SP
ADVOGADO : SP161093 ROBERTO DE SOUZA CASTRO e outro(a)
APELANTE : Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis IBAMA
ADVOGADO : SP225013 MAURICIO SIGNORINI PRADO DE ALMEIDA e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
APELADO(A) : AES TIETE S/A
ADVOGADO : SP270902 RAFAEL FERNANDO FELDMANN e outro(a)
: SP131351 BRUNO HENRIQUE GONCALVES
No. ORIG. : 00027378820084036106 1 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

RELATÓRIO

A SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL DIVA MALERBI (RELATORA): Trata-se de apelações interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pela UNIÃO (IBAMA), pelo município de Cardoso/SP e por Nelson Morayeb contra a r. sentença que julgou improcedente os pedidos contidos na inicial destes autos de ação civil pública ambiental, promovida pelo Parquet Federal contra os corréus: pessoa física, NELSON MORAYEB; pessoa jurídica: MUNICÍPIO DE CARDOSO/SP, AES TIETÊ S/A e IBAMA.


A petição inicial, distribuída à 1ª Vara Federal de São José do Rio Preto/SP (fls. 02/20), com pedido de antecipação de tutela, veiculou, em suma, que o réu, Nelson Gorayeb promoveu indevida edificação em Área de Preservação Permanente (APP), às margens do lago artificial da usina hidrelétrica Água Vermelha (AES TIETÊ) e a consequente supressão e corte de vegetação, teriam impedido a regeneração natural da flora, podendo acarretar outros danos ambientais, como por exemplo, lançamento de efluentes e assoreamento, com infringência do disposto na alínea "b" do art. 2º da Lei nº 4.771, de 1965; e das Resoluções do CONAMA de nº 4, de 1985 e 302, de 2002.


O imóvel está situado no loteamento "Messias Leite", município de Cardoso/SP, às margens do lago artificial da usina hidrelétrica Água Vermelha (AES TIETÊ).


Informa que depois de lavrado o Auto de Infração Ambiental/Interdição pelo IBAMA (fls. 23/24), o réu, em conjunto com outros moradores locais, apresentou Projeto de Recuperação Ambiental Coletivo, projeto este rejeitado pelo MPF por não atender as determinações técnicas para a completa regeneração da área degradada.


Afirma que o réu foi intimado dessa decisão e informado que, querendo, poderia apresentar novo projeto, mas que não o fez, continuando a danificar a APP, impedindo a regeneração natural da flora.


Sustenta que o município de Cardoso/SP, não exerceu o seu dever de fiscalizar, infringiu o disposto nos arts. 23, VI, 37, §6º e 225, VII e §3º da Constituição Federal e que, portanto, também deve ser responsabilizado pelos danos causados.


No que se refere a AES TIETÊ S/A., alega que, também por não exercer o seu dever de fiscalizar, infringiu o art. 23 da Lei nº 8.171, de 1991 e as Portaria do Ministério de Minas e Energia de nº 1.415, de 1984 e 170, de 1987.


Quanto ao IBAMA, ainda por não exercer o seu dever de fiscalizar, teria infringido os arts 6º, III e 11, §1º, da Lei nº 7.804, de 1989 e a Lei nº 6.938, de 1981.


O requerimento de antecipação de tutela foi parcialmente deferido (fls. 122/123v), nos seguintes termos:



"Logo, eventual ocupação de áreas às margens daquela represa, em princípio, está a ferir as normas citadas. Assim, tenho como presente a fumaça do bom direito. Porém, entendo ser precipitado determinar a demolição das construções e instalações.

Acompanhando o que foi decidido em sede de Agravo de Instrumento, feito nº 2008.03.00.008037-5, da Quarta Turma do E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região (Desembargador Federal Roberto Haddad), defiro parcialmente a antecipação da tutela pretendida, determinando que não se construa ou prossiga na construção eventualmente iniciada na área de preservação permanente, permitindo apenas o uso do imóvel que não agrave ou aumente as modificações ambientais já introduzidas, inclusive quanto a animais e plantas, sob pena de aplicação de multa diária de R$ 100,00 (cem reais), devendo o IBAMA proceder à fiscalização periódica do local para acompanhar o cumprimento da medida, informando este juízo".


Interposto Agravo de Instrumento às fls. 139/144v, requerendo o deferimento na totalidade do pedido de tutela inibitória e a concessão de efeito suspensivo. Mantida a decisão agravada e o efeito suspensivo negado às fls. 167/170.


Negado provimento ao Agravo de Instrumento (fls. 989/993). Transito em julgado certificado à fl. 994.


Embargos de Declaração em Agravo de Instrumento rejeitados às fls. 1042/1043v.


A União Federal manifestou-se afirmando não ter interesse no feito (fls. 151/152).


Promovida a citação e intimação dos réus (fls. 136, 149, 165 ).


Contestaram a inicial o réu Nelson Gorayeb (fls. 198/216); a AES (fls. 231/270); o município de Cardoso/SP (fls. 872/904); e o IBAMA (fls. 223/227), momento em que requer a sua exclusão do polo passivo da ação e sua inclusão no polo ativo da demanda.


Réplica do MPF às fls. 907/919.


Provas requeridas pelo MPF (fls. 921/922), por Nelson Gorayeb (fl. 924) e pela AES (fl. 927/928).


Impugnação ao valor da causa apensada nos termos da Certidão de fl. 228 e acolhida nos termos da decisão de fls. 987/988v, para fixá-la em R$ 10.000,00 (dez mil reais).


Sobreveio a r. sentença (fls. 813/818) que julgou improcedentes os pedidos iniciais, na forma do dispositivo abaixo transcrito, em seus trechos essenciais:

"[...]

Os documentos juntados demonstram que o requerido possui um imóvel num conglomerado de residências, que não pode ser considerado como área rural, pois ali não se praticam atividades agrícolas, pastoris ou agroindustriais. Portanto, a medida a ser observada como sendo área de preservação permanente é de 30 metros, contados da cota máxima de operação.

Os peritos da Polícia Federal constataram que o calçamento da residência e a piscina estão distantes 23 e 26 metros, respectivamente, da cota máxima de operação (folhas 94/101). Com isso, o primeiro requerido adentrou na área de preservação permanente de 30 metros, o que é considerado dano ambiental (art. 2º, "b", da Lei 4.771/1965. c/c art. 3º, I, Resolução CONAMA 302/2002) e obriga à reparação (art. 225, § 3º, CF, c/c art. 14, § 1º, Lei 6.938/1981).

O Município de Cardoso/SP responde solidariamente pelo dano, por ter permitido que um aglomerado urbano surgisse no local, sem observar as normas ambientais, inclusive por ter fornecido o substrato legislativo autorizador das ocupações. Com efeito, a municipalidade informa que as áreas são consideradas urbanas por força de sua legislação. A Lei Municipal nº 2.135/1998 declarou o local como sendo "zona de expansão urbana"

[...]

3. Dispositivo.

Diante do exposto:

a) Extingo o processo em relação ao IBAMA, por falta de interesse de agir. Decorrido o prazo recursal, ao setor de distribuição para anotação.

b) reconheço a ilegitimidade passiva de AES Tietê S/A e extingo o processo sem julgamento do mérito em relação a ela (art. 3º e 267, VI CPC).

c) afasto as demais preliminares e julgo procedente, em parte, o pedido e condeno Nélson Gorayeb a desocupar a área de preservação permanente (30 metros a partir da cota máxima normal de operação). Condeno os réus Nélson Gorayeb e Município de Cardoso/SP, solidariamente, a repararem o dano ambiental verificado na APP mencionada, devendo providenciar a elaboração de plano de recuperação de área degradada, no prazo de cento e vinte dias após o trânsito em julgado, e, após a aprovação pelo órgão ambiental responsável, adotarem as medidas nele postas.

d) condeno o requerido Nélson Gorayeb a pagar as custas processuais (o município de Cardoso/SP está isento por força do art. 4º, I, Lei 9.289/96).

[...]

(os destaques são do original)



Interposta apelação de Nelson Gorayeb (fls. 978/983), na qual argumenta, em resumo, que a faixa de APP a ser considerada é de 5 (cinco) metros, sob o fundamento de que é o córrego Tomazinho, ou Córrego dos Tomazes, que passa na frente do lote, que deve servir de referência para a fixação da faixa de APP.


Apelação recebida nos efeitos suspensivo e devolutivo (fl.986).


Contrarrazões do MPF (fls. 1016/1022).


Interposta Apelação do Ministério Público Federal (fls. 998/1015), na qual argumenta, em resumo, o seguinte: que a perícia é necessária para estabelecer a extensão dos danos, suas consequências, se é possível reparar a área, o custo da demolição, da retirada de entulho, da recuperação do solo e das águas; insurge-se contra o fato de que a r. sentença considerou o local como área urbana e, portanto, que a faixa de APP a ser observada é de 30 (trinta) metros; afirma trata-se de área rural e que a faixa de APP a ser observada é de 100 (cem) metros, para todos os efeitos; sustenta a legalidade das Resoluções do CONAMA; pede a condenação dos réus Nelson Gorayeb, município de Cardoso/SP e AES Tietê S/A, na forma da inicial e se manifesta favorável à exclusão do IBAMA do polo passivo da ação.


Apelação recebida nos efeitos suspensivo e devolutivo (fl. 1023).


Contrarrazões da AES às fls. 1046/1059.


Interposta apelação do município de Cardoso/SP (fls. 1024/1037), na qual argumenta, em resumo, o seguinte: a incompetência do juízo; insurge-se contra a decretação de sua responsabilidade solidária; afirma que o imóvel somente passou a integrar o perímetro da expansão urbana com a edição da lei municipal, que até então fazia parte da área rural do município; aduz que o judiciário não pode, com suas decisões, comprometer e colocar em risco a continuidade da prestação de serviços públicos, uma vez que o município não tem previsão orçamentaria para executar o determinado na sentença; e requer a nulidade da r. sentença.


Apelação recebida nos efeitos suspensivo e devolutivo (fl. 1038).


Contrarrazões do MPF (fls. 1066/1077),


Interposta apelação do IBAMA às fls. 1080/1093v, na qual argumenta, em resumo, o seguinte: insurge-se contra o fato de o IBAMA não ter sido incluído no polo ativo da demanda; manifesta-se pela fixação da APP de 100 (cem) metros e sustenta a legalidade das Resoluções do CONAMA; adere o inconformismo do MPF com a exclusão da AES do polo passivo da ação; pugna pela reforma da r. sentença para sua inclusão no polo ativo da ação e pede a condenação dos demais réus considerando-se, para esse fim, a faixa de APP de 100 (cem) metros.


A apelação foi recebida nos efeitos suspensivo e devolutivo (fl. 1094).


Petição da AES na qual sustenta a perda do objeto da ação e a falta de interesse de agir do MPF em face da edição da Lei Federal nº 12.651, de 2012, em especial de seu art. 62, alegando que os efeitos de sua vigência são imediatos (fls. 1304/1313).


Pugna pela extinção do feito nos termos do inciso VI do art. 267 do CPC, c/c os arts. 462, 303, I e 471, I e II, do mesmo diploma legal.


Vieram os autos a esta Egrégia Corte Regional.


O Ministério Público Federal, com atribuição nesta instância, manifestou-se pelo indeferimento do pedido de extinção do feito e pelo provimento do recurso ministerial, com a consequente anulação da r. sentença e retorno dos autos à origem para a realização de perícia, ou pela sua reforma, para condenar os réus na forma da inicial e opina pelo não provimento do recurso dos corrés.


É o relatório.



DIVA MALERBI
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 23/02/2018 15:27:26



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002737-88.2008.4.03.6106/SP
2008.61.06.002737-0/SP
RELATORA : Desembargadora Federal DIVA MALERBI
APELANTE : NELSON GORAYEB
ADVOGADO : SP213094 EDSON PRATES e outro(a)
APELANTE : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : SP147927 ANNA CLAUDIA LAZZARINI e outro(a)
APELANTE : PREFEITURA MUNICIPAL DE CARDOSO SP
ADVOGADO : SP161093 ROBERTO DE SOUZA CASTRO e outro(a)
APELANTE : Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis IBAMA
ADVOGADO : SP225013 MAURICIO SIGNORINI PRADO DE ALMEIDA e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
APELADO(A) : AES TIETE S/A
ADVOGADO : SP270902 RAFAEL FERNANDO FELDMANN e outro(a)
: SP131351 BRUNO HENRIQUE GONCALVES
No. ORIG. : 00027378820084036106 1 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

VOTO

00027378820084036106
"EMENTA"
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ART. 19 DA LEI 4.717/1965. DANO AMBIENTAL. AREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE EM RIO QUE BANHA MAIS DE UM ESTADO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. DANO AMBIENTAL. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. RETROATIVIDADE. IMPOSSIBILIDADE. INTERVENÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP) DO LAGO ARTIFICIAL DA HIDRELÉTRICA ÁGUA VERMELHA. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NÃO COMPROVADA. ÁREA RURAL. FIXAÇÃO DE APP DE 100 METROS. DANO AMBIENTAL RECUPERÁVEL. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO DO MPF PARCIALMENTE PROVIDAS. APELAÇÃO DO IBAMA PROVIDA. APELAÇÃO DE NELSON GORAYEB E DO MUNICÍPIO DE CARDOSO/SP NÃO PROVIDAS.
1. Sentença submetida à remessa oficial, consoante a jurisprudência assente do C. Superior Tribunal de Justiça e deste E. Tribunal Regional Federal, aplicando-se por analogia a Lei nº 4.717, de 1965, a qual prevê, em seu art. 19, que "a sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição".
2. Os rios que banham mais de um Estado da federação e os seus terrenos marginais, bem como os potenciais de energia hidráulica são bens da União, de interesse dos entes federais, incisos III e VIII da Constituição Federal, o que atrai a competência da Justiça Federal para processar e julgar a presente ação, inciso I do art. 109 da Carta Magna.
3. Cinge-se a controvérsia em apurar se a área em que se encontra o imóvel em questão, localizado às margens do reservatório da usina hidrelétrica Água Vermelha, às margens do Rio Grande, no município de Cardoso/SP, deve ser considerada área rural e, portanto, com APP de 100 (cem) metros, ou se área urbana consolidada, com APP de 30 (trinta) metros, nos termos do disposto no inciso I do art. 3º da Resolução nº 302/2002 do CONAMA, ou, ainda, como loteamento irregular, em área urbana, com APP de 30 (trinta) metros, nos moldes da r. sentença.
4. O fato de existirem, no curso do processo de apuração, três leis tratando dessa matéria (4.771, de 1965 - 7.803, de 1989 e 12651, de 2012), por razões de segurança jurídica, deve-se aplicar o princípio do tempus regit actum, até porque, como já decidiu o C. STJ, o novo Código Florestal tem eficácia ex nunc e não alcança fatos pretéritos quando isso implicar a redução do patamar de proteção do meio ambiente.
5. O CONAMA tem competência legal para editar normas, estabelecer critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com o objetivo de garantir o uso racional, principalmente, dos recursos hídricos, conforme dispõe o inciso VII do art. 8º da Lei nº 6938, de 1981.
6. O IBAMA, além de ter autorização legal para se habilitar como litisconsorte, nos termos do §2º do art. 5º da Lei nº 7.347, de 1985, detém competência, também legal, para executar medidas de proteção e melhoria da qualidade do meio ambiente, nos moldes do que estabelece o inciso IV do art. 6º da Lei nº 6.938, de 1981. Portanto, mediante a expressa concordância do MPF e do interesse do Instituto, é perfeitamente possível sua inclusão no polo ativo da ação como litisconsorte do parquet.
7. É importante ressaltar que este E. Tribunal tem exigido a realização de prova pericial no âmbito judicial, para averiguar eventuais danos ambientais ocasionados, seus elementos e alcance.
8. A prova pericial no âmbito judicial, neste caso específico e excepcionalmente, mostra-se prescindível, haja vista o que consta do Laudo de Exame Para Constatação de Dano Ambiental, documento expedido por órgão público com competência para dizer sobre questões ambientais e que instruiu a presente ação civil pública.
9. A Lei nº 8.171, de 1991, o Contrato de Concessão nº 92/99 (852/870) e a Licença de Operação nº 345/2003 (fls. 279/281) são claros ao afirmar a responsabilidade da AES em recuperar e fiscalizar a utilização da APP no entorno do lago artificial da hidrelétrica Água Vermelha, que na hipótese é de 100 (cem) metros.
10. Considerando que o imóvel está localizado em área rural e que o dever de fiscalização dos municípios restringe-se, no que se refere à ocupação ordenada do solo, à área urbana, não há que se falar em responsabilidade solidária do município de Cardoso/SP.
11. Resta comprovado que o dano ambiental ocorreu em área de APP fixada em 100 (cem) metros e, portanto, a reparação da área danificada é determinação constitucional nos termos do § 3º do art. 225 da Constituição da República e deve ser promovida pelo seu causador.
12. A área é plenamente recuperável, desde que se promova a demolição e a remoção das edificações e a elaboração de um Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD) que deve ser apresentado à autoridade ambiental competente para aprovação e fiscalização de sua execução.
13. Dá-se parcial provimento ao reexame necessário e à apelação do MPF, dá-se provimento ao recurso da União (IBAMA) e nega-se provimento às apelações de Nelson Gorayeb e do município de Cardoso/SP.

A SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL DIVA MALERBI (RELATORA): Registro, inicialmente, que na presente hipótese a r. sentença está sujeita à remessa oficial, consoante jurisprudência assente do C. Superior Tribunal de Justiça e deste E. Tribunal Regional Federal, mediante a aplicação, por analogia, do art. 19 da Lei nº 4.717, de 1965, conforme segue:

"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ART. 19 DA LEI 4.717/1965.

1. "Por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário".

2. Agravo regimental não provido".

(AgRg no REsp 1219033/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIM, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe 25/04/2011)

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA - REEXAME NECESSÁRIO - PRELIMINARES - ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DESATIVADA - MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS - CLASSIFICADA PELA LEI Nº 4.943/96 COMO ELEMENTO DE PRESERVAÇÃO - MEDIDA ACAUTELATÓRIA - IMPOSIÇÃO À UNIÃO FEDERAL E AO IPHAN A ADOÇÃO DE MEDIDAS PROTETIVAS - IMPOSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE TOMBAMENTO - ADOÇÃO DE MEDIDAS DE CONSERVAÇÃO MÍNIMAS - CUSTEADAS PELO FUNDO DE PRESERVAÇÃO MUNICIPAL - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS INDEVIDOS.

Submetem-se ao duplo grau de jurisdição obrigatório as sentenças que reconhecerem a carência da ação ou julgarem improcedentes os pedidos deduzidos em sede de ação civil pública, por força da aplicação analógica da regra contida no art. 19 da lei nº 4717/65.

[...]".

(TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, AC 0003381-16.2003.4.03.6103, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL MAIRAN MAIA, julgado em 09/10/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 17/10/2014)

Assim, uma vez não acolhidas as pretensões constantes da inicial desta ação civil pública, deve submeter-se o provimento ao duplo grau obrigatório, ainda que não se tenha cogitado na instância originária, promovendo-se a analise conjunta dos recursos voluntários.

Suscita o município de Cardoso/SP, em preliminar (fl.1026/1029), a incompetência da Justiça Federal, sob o fundamento de que "Para a caracterização da competência deste Juízo Federal, necessário seria que, pelo contrário, a lesão fosse praticada em detrimento de bem pertencente à União, ou seja, de unidade federal de conservação, o que, como visto, não constitui a situação em tela".

Nesse ponto adoto os fundamentos da r. sentença que foi bastante clara e sucinta ao dispor sobre o assunto, para afastar a preliminar:

"Laboraram em equívoco, pois o município em questão encontra-se dentro da área jurisdicional das Varas Federais de São José do Rio Preto. No tocante á matéria, temos que o Rio Grande banha os estados de São Paulo e de Minas Gerais, portanto, é considerado patrimônio da União (art. 20, III, CF); os potenciais de energia hidráulica também são considerados patrimônio da União (art. 20, VIII, CF). Logo, é da Justiça Federal a competência para o conhecimento de questões ligadas ao reservatório de Água Vermelha, pois os atos ali praticados afetam bens, serviços (produção de energia elétrica) e interesses da União, aliás, em caso análogo, isso já foi reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça (CC 45.154/SP, Terceira Seção, Min. Gilson Dipp, DJU 11/10/2004, p. 233). Assim, afasto a preliminar" (fl. 968).

Quanto ao mérito, cinge-se a controvérsia em apurar se a área em que se encontra o imóvel em questão, localizado às margens do reservatório da usina hidrelétrica Água Vermelha, às margens do Rio Grande, no município de Cardoso/SP, deve ser considerada área rural e, portanto, com APP de 100 (cem) metros, ou se área urbana consolidada, com APP de 30 (trinta) metros, nos termos do disposto no inciso I do art. 3º da Resolução nº 302/2002 do CONAMA, ou, ainda, como um conglomerado de residências, que não pode ser considerado como área rural, com faixa de APP de 30 (trinta) metros, nos moldes da r. sentença.

A AES peticionou nos autos (fls. 903/912) para sustentar que diante da edição do novo Código Florestal, estaria evidenciada a falta de interesse de agir, pois, pela nova sistemática fixada no art. 62 da Lei nº 12.651, de 2012, não há mais que se falar que o imóvel em questão encontra-se em APP e, em razão disso, pugna pela extinção do feito, nos termos do art. 267, VI c/c o art. 462, 303, I e 471, I e II, todos do CPC.

A ilegalidade da ocupação desse imóvel, do ponto de vista ambiental, vem sendo apontada, discutida e apurada desde 12/04/2005, data em que o réu José Cláudio Alvarez foi autuado nos moldes do Auto de Infração Ambiental/Interdição nº 263662 (fl. 36/37). Portanto, na vigência do antigo código, Lei nº 4.771, de 1965.

Diante do fato de existirem, no curso do processo de apuração, três leis tratando dessa matéria (4.771, de 1965 - 7.803, de 1989 e 12651, de 2012), por razões de segurança jurídica, deve-se aplicar o princípio do tempus regit actum, até porque, como já decidiu o C. STJ, o novo Código Florestal tem eficácia ex nunc e não alcança fatos pretéritos quando isso implicar a redução do patamar de proteção do meio ambiente:

"PROCESSO CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE POR DANOS AMBIENTAIS. MATA CILIAR AO REDOR DO RESERVATÓRIO HIDRELÉTRICO DE SALTO SANTIAGO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DANOS AMBIENTAIS. REFLORESTAMENTO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INEXISTÊNCIA. ART. 6º, §§ 2º E 3º, DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO. NÃO VIOLAÇÃO. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. IRRETROATIVIDADE. PRECEDENTES.

[...]

5. O novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da "incumbência" do Estado de garantir a preservação e a restauração dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I). Precedentes".

(AgRg no REsp 1434797 / PRAGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL2013/0395471-7 - Ministro HUMBERTO MARTINS - SEGUNDA TURMA - Julgamento em 17/05/2016 - Publicado no DJe 07/06/2016)

Nesse mesmo sentido o entendimento deste Tribunal Regional:

"CONSTITUCIONAL. PROCESSO CIVIL. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO RETIDO. REITERAÇÃO. INOCORRÊNCIA. REQUERIMENTO DE PROVA PERICIAL. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP). UHE DE ÁGUA VERMELHA. DANO AMBIENTAL. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. RETROATIVIDADE. IMPOSSIBILIDADE. MULTAS POR DESCUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES IMPOSTAS. RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. SUSPENSÃO DA AÇÃO ATÉ DECISÃO FINAL PELO STF OU CONCESSÃO DE PRAZO PARA CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. IMPOSSIBILIDADE.

1. Agravo retido não conhecido, uma vez que a parte deixou de reiterá-lo expressamente nas razões ou na resposta de apelação, conforme o disposto no art. 523, § 1º, do Código de Processo Civil.

2. Muito embora a ré AES Tietê S/A tenha requerido, em sua contestação, a produção de prova pericial, ao ser devidamente intimada a especificar as provas que pretendia produzir, justificando-as, apresentou manifestação protestando tão somente pela oitiva de testemunhas e juntada de novos documentos, razão pela qual não se vislumbra qualquer cerceamento de defesa, face à ocorrência de indubitável preclusão consumativa.

3. A ação civil pública constitui importante instrumento processual que visa a apurar e coibir os danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, por infração da ordem econômica e da economia popular, assim como à ordem urbanística, conforme prevê a Lei n.º 7.347/85.

4. Pretende a apelante a extinção do feito, ante a falta de interesse de agir superveniente em razão da revogação do conceito de área de preservação permanente com o advento do novo Código Florestal (Lei n.º 12.651/2012), alegando que, tendo em vista que a cota máxima normal de operação e a cota máxima maximorum na UHE de Água Vermelha coincidem no valor de 383,30 metros, a faixa da Área de Preservação Ambiental Permanente no referido reservatório seria igual a zero, nos moldes do art. 62 da supracitada Lei.

5. Contudo, é entendimento assente que o novo Código Florestal não pode retroagir a fim de reduzir a proteção de ecossistemas frágeis, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da "incumbência" do Estado de garantir a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais.

6. Também não prospera a alegação da apelante de que não se verificou falta no cumprimento de suas obrigações legais e contratuais, nem nexo causal entre a sua conduta e as ocupações havidas na área em comento, porquanto foi justamente o descumprimento de obrigações legais e contratuais o fator determinante para a degradação das áreas de preservação permanente no entorno do reservatório da Usina Hidrelétrica UHE de Água Vermelha.

7. Não assiste razão à apelante quanto ao pedido de redução das multas fixadas na r. sentença nos montantes de R$ 5.000,00 e R$ 1.000,00 em caso de descumprimento das obrigações impostas, haja vista que, diante da condição econômica da apelante, os montantes fixados se mostram adequados à finalidade de induzir ao cumprimento da obrigação, não caracterizando valor irrisório, nem abusivo, tendo havido claro respeitou os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade aplicáveis ao caso concreto.

8. Não há que se falar, igualmente, em suspensão do trâmite da presente ação até decisão final pelo Supremo nas ADI's n.ºs 4.901, 4.902 e 4.903 acerca da constitucionalidade de dispositivos da Nova Lei Florestal, uma vez que inexiste determinação expressa de sobrestamento e vige em nosso ordenamento jurídico o Princípio da Presunção da Constitucionalidade das Leis, segundo o qual, toda norma jurídica presume-se constitucional até que seja declarada sua incompatibilidade com a Carta Magna.

9. Não prospera o pedido subsidiário de concessão do prazo de 180 (cento e oitenta) dias para cumprimento das determinações impostas na r. sentença, porquanto a presente demanda tem como objeto não apenas a responsabilização dos réus por dano ambiental em área de preservação permanente como também a cessação do dano e a recomposição ambiental, situação que inibiria a eficaz proteção ao meio ambiente.

10. Agravo retido não conhecido. Apelação improvida".

(AC - APELAÇÃO CÍVEL - 2114586 / SP 0005072-80.2008.4.03.6106 - DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA - SEXTA Turma - Julgamento em 17/03/2016 - Publicado no e-DJF3 Judicial 1 DATA:01/04/2016)

Nesse passo vale destacar a competência legal do CONAMA para editar normas, estabelecer critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com o objetivo de garantir o uso racional, principalmente, dos recursos hídricos, conforme dispõe o inciso VII do art. 8º da Lei nº 6.938, de 1981.

O § 2º do art. 5º da Lei nº 7.347, de 1985, ao disciplinar a ação civil pública, confere legitimidade ao poder público para habilitar-se como litisconsorte de qualquer das partes, na hipótese, no polo ativo.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, na condição de órgão público federal, no primeiro momento em que lhe foi dado se manifestar nos autos, requereu sua exclusão do polo passivo e sua habilitação no polo ativo, como litisconsorte do Ministério Público Federal, nos termos do disposto às fls. 223/227 (contestação).

Os fundamentos utilizados pelo IBAMA são: para sua exclusão do polo passivo sustenta que o pedido, no que se refere a ele, corresponde exatamente as suas atribuições legais e que não há pretensão resistida; e invoca, para sua admissibilidade no polo ativo, o § 2º do art. 5º da Lei nº 7.347, de 1985.

A r. sentença, ao apreciar o pedido do IBAMA, acolheu a primeira parte e decretou a extinção do processo, sem julgamento do mérito, em relação a ele, mas deixou de se pronunciar a respeito de sua inclusão no polo ativo (fls. 968v e 969).

O MPF, à fl. 1002, afirma que vem concordando com a exclusão do IBAMA do polo passivo da relação jurídica processual e com sua inclusão no respectivo polo ativo. Mais adiante, peticiona para informar que "deixará de contrarrazoar a apelação interposta pelo IBAMA (fls. 1080/1093), tendo em vista que seus fundamentos estão em consonância com a pretensão formulada pelo Parquet" (fl. 1095).

O IBAMA, além de ter autorização legal para se habilitar como litisconsorte, nos termos do §2º do art. 5º da Lei nº 7.347, de 1985, detém competência, também legal, para executar medidas de proteção e melhoria da qualidade do meio ambiente, nos moldes do que estabelece o inciso IV do art. 6º da Lei nº 6.938, de 1981. Portanto, mediante a expressa concordância do MPF e do interesse do Instituto, é perfeitamente possível sua inclusão no polo ativo da ação como litisconsorte do parquet.

É importante ressaltar que este E. Tribunal tem exigido a realização de prova pericial no âmbito judicial, para averiguar eventuais danos ambientais ocasionados, seus elementos e alcance.

Nesse sentido o julgado:

"APELAÇÕES E REEXAME NECESSÁRIO TIDO POR INTERPOSTO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA OBJETIVANDO A REPARAÇÃO DE DANO AMBIENTAL JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. MATÉRIA PRELIMINAR AFASTADA. ALEGADA INTERVENÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. NECESSIDADE DE PERÍCIA TÉCNICA. "ESTADO DE PERPLEXIDADE" A JUSTIFICAR A ORDEM DE PERÍCIA. PODER PROBATÓRIO DO JUIZ. SENTENÇA ANULADA. RECURSOS PREJUDICADOS.

1. Apelações interpostas contra a sentença de parcial procedência da ação civil pública objetivando a reparação de dano ambiental decorrente de alegada intervenção em área de preservação permanente (APP), na margem esquerda do Rio Paraná, em Rosana/SP.

2. Remessa oficial tida por interposta, nos termos do artigo 19 da Lei da Ação Civil Pública c/c artigo 475, I, do Código de Processo Civil.

3. Preliminar de nulidade da citação afastada. O artigo 241 do Código de Processo Civil determina que o prazo para resposta se inicie com a juntada no processo do mandado de citação cumprido, e não com a publicação desse ato. As informações disponibilizadas na internet pela Justiça Federal não substituem as de caráter oficial, na contagem de prazos (STJ - AGARESP 201202504070, Primeira Turma Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJE 2/9/2014).

4. Os réus que residem na Alemanha foram regularmente citados na pessoa do procurador constituído com poderes para tanto.

5. Feito instruído com um Laudo de Perícia Criminal Federal e um Relatório Técnico de Vistoria, elaborados pela Polícia Federal e pelo IBAMA, respectivamente, e não expostos ao contraditório.

6. A realização da perícia é necessária, por se tratar de demanda que depende conhecimento técnico para ser dirimida, especialmente no que diz respeito à existência e extensão do dano ambiental que se pretende ver recomposto. Precedentes dessa Corte (TRF 3ª Região - AC 0006558-04.2011.4.03.6104, Sexta Turma, Relator Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO, julgado em 28/5/2015, e-DJF3 11/6/2015; AC 0003373-54.2008.4.03.6106, Terceira Turma, Relatora Desembargadora Federal CECILIA MARCONDES, julgado em 19/12/2013, e-DJF3 10/1/2014; AC 0008512-21.2007.4.03.6106, Terceira Turma, Relator Juiz Convocado ROBERTO JEUKEN, julgado em 18/4/2013, e-DJF3 26/4/2013; AC 0011315-74.2007.4.03.6106, Sexta Turma, Relatora Desembargadora Federal REGINA COSTA, julgado em 19/4/2012, e-DJF3 26/4/2012; AI 0038296-23.2010.4.03.0000, Quarta Turma, Relatora Desembargadora Federal MARLI FERREIRA, julgado em 5/5/2011, e-DJF3 12/5/2011).

7. "Estado de perplexidade" do Juízo. Descabe ao magistrado substituir a parte na demonstração probatória, mas quando o mesmo se vê inabilitado para decidir por causa da inoperância das partes ou da insuficiência do acervo probatório por elas reclamado/providenciado, o referido "estado de perplexidade" justifica a determinação de provas ex officio e ainda que em caráter complementar. Ou seja, ao final da instrução quando o magistrado verifica que está diante da ...impossibilità di formarsi um convencimento sui fatti dela causa... (in MICHELI, GIAN ANTONIO - L'onere dela proba, Padova:CEDAM, 1966, p. 176), pode ordenar o fazimento de prova que seja capaz de retirá-lo do angustiante cenário de perplexidade.

8. Sentença anulada em sede de remessa oficial, para que se realize prova pericial capaz de bem elucidar a situação do local antes e depois da obra questionada, bem como apurar a existência ou não de prejuízos ambientais, assegurando-se aos litigantes a possibilidade de ofertar quesitos.

9. Recursos prejudicados".

(AC - APELAÇÃO CÍVEL - 2015934 / SP 0002941-41.2013.4.03.6112 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO - SEXTA TURMA - Julgamento em 12/11/2015 - Publicado no e-DJF3 Judicial 1 DATA:19/11/2015)

Contudo, com raras exceções e excepcionalmente, o Tribunal tem entendido que nas hipóteses em que do processo conste Relatórios e Laudos específicos e expedidos por órgãos governamentais com competência legal para dizer sobre questões ambientais, estes se mostram suficientes para demonstrar e comprovar a existência ou não do dano ambiental, sua extensão, se é possível a sua reparação e qual a faixa de APP a ser considerada.

A r. sentença, ao decidir sobre a produção de provas (fls. 967v e 968) requeridas por três dos quatro réus, entendeu que a documentação juntada aos autos era suficiente para a formação de sua convicção e concluiu que "Não tem pertinência saber se no local existe ou existiu vegetação nativa, o que importa é saber se a área é de preservação permanente (art. 1º, § 2º, II, Código Florestal)" e ao final julgou improcedentes os pedidos.

Na presente hipótese o Laudo de Exame Para Constatação de Dano Ambiental de nº 1020/06-SE/SP, espedido pelo Núcleo de Criminalística do Setor Técnico-Científico da Superintendência Regional em São Paulo do Departamento de Polícia Federal é bastante específico e faz uma análise detalhada da situação do imóvel em questão.

Destaco alguns trechos do referido Laudo que foi feito em respostas aos quesitos formulados pelo delegado de polícia federal em São José do Rio Preto/SP, especificamente sobre o imóvel de Nelson Gorayeb:

"O local objeto do referido Laudo Pericial está situado na área rural do município de Cardoso, no noroeste do Estado de São Paulo, divisa com Minas Gerais, às margens do Rio Grande. Neste ponto, o rio encontra-se represado, tratando-se, portanto, de Reservatório da Usina Hidrelétrica José E. Morais (Água Vermelha), com largura média superior a 600m". (fl. 95)

"Coordenadas geográficas: Latitude Sul 20º 03' 36,7" - Longitude Oeste 49º 55' 17,3". (fl. 95)

"Para a aferição do recuo da construção (distância entre esta e a margem da represa), os signatários entenderam como medida de boa técnica e segurança adotar como ponto de partida a linha definida pela marca deixada pela água no terreno da margem da represa, aqui denominada "LINHA-BASE". Essa linha registra o ponto mais elevado (e visualmente identificável) da variação recente do nível da água, correspondendo, nos termos do artigo 2º, inciso IV, da Resolução CONAMA 302, de 20 de março de 2002, ao "Nível Máximo Normal", que é a cota máxima normal de operação do reservatório". (fl. 95)

"Sim, houve danos à flora. O local onde se situa a propriedade examinada possuiu, no passado, cobertura vegetal nativa. No momento deste exame pericial, foi constatada a ausência de tal vegetação e presença de edificações diversas. Com isso, infere-se, logicamente, que houve a remoção da flora nativa em algum momento". (fl. 97)

"Sim, houve prejuízos, sendo que para melhor compreendê-los, é preciso considerar o contexto geográfico, biológico e social em que se insere o local examinado, ou seja, as margens de um rio importante e de grandes extensões, nas quais deveria haver cobertura nativa de mata ciliar". (fl. 98)

"Pelo exposto, a propriedade periciada constitui um dos muitos pontos de intervenção humana na mata ciliar do Rio Grande e, na medida em que nela ocorre o impedimento da regeneração vegetal nativa, ela acaba por contrair uma parcela de responsabilidade no tocante à descaracterização dos atributos naturais e aos distúrbios das relações ecológicas e sociais acima descritas". (fl. 99)

"Na região geográfica onde se situa a propriedade vistoriada, a fisionomia botânica predominante é de Floresta Estacional Semidecídua. No tocante à Lei 4.771/65, no entanto, seu artigo 2º considera "de preservação permanente", pelo só efeito da lei, áreas não somente de florestas, como também das demais formas de vegetação natural que atendem a determinados requisitos". (fl. 99)

"Infere-se, com base nestes dados, que a Área de Preservação Permanente no local deve abranger a distância de 100 m a partir do Nível Máximo Normal do reservatório. Pode-se afirmar, portanto, que a propriedade periciada encontra-se integralmente situada dentro de área de Preservação Permanente". (fl. 99)

"Sim. A vegetação nativa pode ser adequadamente regenerada com a total eliminação da atuação antrópica e seus resquícios na área, isto é, a demolição da edificações erigidas, a retirada dos materiais construtivos e a implementação de um programa assistido de revegetação, com o extermínio das espécies vegetais exóticas, a preparação do solo e o plantio e manutenção de mudas nativas. A forma adequada de se implementar tais ações é a elaboração/contratação, pela parte responsável pelo dano, de um PRAD (Programa de Recuperação de Área Degradada), que deve ser apresentado à autoridade ambiental competente, para aprovação e acompanhamento de sua execução". (fls. 99 e 100)

Como se vê, o Laudo foi bastante detalhado, claro e específico o suficiente ao dispor sobre a situação da área em questão, fornecendo todos os elementos necessários para a formação da convicção sobre a ocorrência do dano ambiental e suas consequências e não foi questionado pelas partes.

No que se refere à afirmação constante do Laudo de que se trata de área rural e não urbana consolidada é de se ressaltar que as áreas urbanas consolidadas, assim consideradas, são aquelas submetidas ao processo estabelecido no art. 65 da Lei nº 12.651, de 2012 e cabe ao Poder Público, na hipótese o município de Cardoso/SP, adotar as providências necessárias, junto aos órgãos competentes, com o objetivo de regularização fundiária do loteamento Messias Leite que fica às margens do reservatório da usina hidrelétrica Água Vermelha.

É certo também, que a simples edição de lei municipal declarando a área como de expansão urbana, autorizando assim o Poder Público cobrar o IPTU, não supre a apreciação do órgão ambiental competente, quando suscitada a hipótese de dano ambiental.

Ressalte-se ainda, que a análise dos critérios cumulativos fixados na Resolução CONAMA 302/2002, para que uma determinada região seja considerada área urbana consolidada, compete aos órgãos ambientais, no curso do processo de regularização fundiária.

Sendo assim, na ausência de prova da regularização fundiária, a APP a ser considerada é de 100 (cem) metros, conforme estabelece o art. 4º, III, da Lei nº 12.651/2012 c/c o art. 3º, I, parte final, da Resolução CONAMA nº 302, de 2002. Nesse sentido vem sendo o entendimento jurisprudencial deste E. TRF da 3ª Região:

"AMBIENTAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. ESPAÇO DE LAZER. MARGENS DA REPRESA DA USINA HIDRELÉTRICA SÉRGIO MOTTA. DENUNCIAÇÃO DA LIDE NÃO ADMITIDA. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A POLUIR. DANO AMBIENTAL E NEXO DE CAUSALIDADE COMPROVADAS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. APELAÇÃO DESPROVIDA.

- No esteio da Constituição Federal de 1988, o CONAMA publicou a Resolução 302/2002, que substituiu a Resolução 04/1985 e manteve o resguardo ao entorno dos reservatórios artificiais como sendo áreas de proteção permanente.

- Dispõe a Resolução 302/2002 que a área de proteção permanente deve ser de 30 (trinta) metros para os reservatórios artificiais situados em áreas urbanas consolidadas e de 100 (cem) metros para áreas rurais. Estabelece, ainda, que para uma região ser considerada área urbana consolidada, deve atender os critérios cumulativos de: definição legal pelo poder público; densidade demográfica superior a cinco mil habitantes por km²; e existência de no mínimo quatro dos seguintes equipamentos de infra-estrutura urbana: i) malha viária com canalização de águas pluviais; ii) rede de abastecimento de água; iii) rede de esgoto; iv) distribuição de energia elétrica e iluminação pública; v) recolhimento de resíduos sólidos; vi) tratamento de resíduos sólidos urbanos.

- Restou constatado nos autos que a área em comento não preenche os requisitos para ser tida como área urbana consolidada. Não houve definição legal da área como sendo área urbana; a região não possui coleta de esgoto ou infraestrutura urbanizada; e a densidade demográfica tampouco supera cinco mil habitantes por km² - a densidade era de 16,97 habitantes por km² no censo de 2010, de acordo com o sítio do IBGE na internet.

- Caracterizado o local como sendo área rural, seria necessária a observância da faixa de 100 (cem) metros lindeiros aos reservatórios artificiais da Usina Hidrelétrica Sérgio Motta (Porto Primavera).

- Tendo sido comprovada a ocorrência de ocupação irregular sobre os 100 (cem) metros da área de proteção permanente, é de rigor a responsabilização do proprietário do terreno.

- Não cabe denunciação da lide à CESP, pois a ação trata da responsabilidade objetiva do réu (DER), causador do dano ambiental, e a lide secundária trataria de responsabilidade subjetiva da CESP perante o DER, o que acarretaria ampliação indevida dos limites objetivos do processo.

- Constatados a conduta lesiva, o dano ambiental e o nexo de causalidade, é de rigor a imposição de responsabilidade objetiva ambiental e correspondentes consequências.

- A preservação do meio ambiente é uma obrigação propter rem e inerente à função social da propriedade, não havendo direito adquirido a danificar o meio ambiente. Precedentes.

- Possível a cumulação das obrigações de reparar o dano causado ao meio ambiente e de pagar indenização. Precedentes do STJ.

- Apelação desprovida".

(AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1612978 / SP 0013711-69.2008.4.03.6112 - DESEMBARGADORA FEDERAL DIVA MALERBI - SEXTA TURMA - Julgamento em 08/10/2015 - Publicado no e-DJF3 Judicial 1 de 16/10/2015)

A AES afirma que não é proprietária da área em questão, uma vez que esta não integra a concessão outorgada pela União (fl. 234).

Sustenta que é proprietária de uma faixa de segurança de apenas 20 (vinte) metros e que por isso não detém a posse nem a propriedade da totalidade da APP, que é de 100 (cem) metros (fl. 234).

Afirma que "a AES TIETÊ cedeu tacitamente o uso de parte da área objeto desta ação ao Sr. NELSON GORAYEB" (fl. 236 - destaques do original).

Aduz que "É certo que a AES TIETÊ tem a obrigação de fiscalizar a utilização racional das áreas de sua responsabilidade, no entanto, ela não tem poder de polícia para rechaçar eventual degradação do ambiente que venha a ser causada pelo usuário. O que a AES TIETÊ pode fazer, e efetivamente tem feito, é notificar aos órgãos públicos competentes sobre a ocorrência de ocupações irregulares, de modo que o poder público possa tomar as medidas cabíveis" (fl. 242 - destaques do original).

A Lei nº 8.171, de 1991, o Contrato de Concessão nº 92/99 (852/870) e a Licença de Operação nº 345/2003 (fls. 279/281) são claros ao afirmar a responsabilidade da AES em recuperar e fiscalizar a utilização da APP no entorno do lago artificial da hidrelétrica Água Vermelha, que na hipótese é de 100 (cem) metros.

O fato da AES não ter firmado contrato formal com o réu Nelson Gorayeb não a exime da responsabilidade de recuperar e fiscalizar a APP total naquele local, ainda que parte dela esteja ocupada pelo mencionado réu de forma consentida, tacitamente. Tanto é assim que ela tem autorização legal para firmar contratos formais com particulares para a ocupação daquelas áreas.

De igual modo, a alegação de que se trata de área particular não exclui o seu dever de fiscalizar e recuperar a APP em torno do lago artificial da hidrelétrica Água Vermelha. Portanto, tudo que consta dos autos é suficiente para demonstrar a responsabilidade da AES TIÊTE S/A.

Nesse sentido o julgado da Quarta Turma deste Tribunal:

"CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REEXAME NECESSÁRIO. APELAÇÃO. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADA. CÓDIGO FLORESTAL VIGENTE À ÉPOCA DA DEGRADAÇÃO. LEI Nº 4.771/65. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E PROPTER REM DO POSSUIDOR. FUNÇÃO SÓCIO AMBIENTAL DA PROPRIEDADE. DANO AMBIENTAL CONFIGURADO. OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESOLUÇÃO CONAMA. INTERESSE NACIONAL. SUPERIORIDADE DAS NORMAS FEDERAIS.

[...]

- Cumpre salientar, ainda, que incumbe à AES TIETÊ a fiscalização do entorno do reservatório e a recuperação dos danos ambientais na referida área, nos termos do art. 23, da Lei nº 8.171/91 que dispõe que "as empresas que exploram economicamente águas represadas e as concessionárias de energia elétrica serão responsáveis pelas alterações ambientais por elas provocadas e obrigadas a recuperação do meio ambiente, na área de abrangência de suas respectivas bacias hidrográficas". Conforme observado no parecer ministerial, "de acordo com o contrato de concessão nº 92/1999, a União Federal conferiu a AES TIETÊ a obrigação de preservar toda a área de entorno diretamente banhada pelo reservatório de Água Vermelha até o limite de borda livre, razão pela qual a condenação foi no sentido de que cabe a AES TIETÊ recompor danos ambientais existentes em área da União, não merecendo ser acolhida a alegação de que a área a ser recomposta é de titularidade de terceiros". Patente, também, a responsabilidade da AES TIETÊ pela recuperação dos danos ambientais em questão.

[...]"

(Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2167017/SP 0002796-76.2008.4.03.6106 - DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE - QUARTA TURMA - Julgamento em 21/09/2016 - Publicado no e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/10/2016)

É certo o poder dever do município para fiscalizar a ocupação ordenada do solo urbano, além da competência comum de proteger o meio ambiente, nos moldes do inciso VI do art. 23 da Constituição da República.

Na presente hipótese, trata-se de propriedade privada localizada em área rural, situação reconhecida pelo município de Cardoso/SP, nos termos do disposto no recurso de apelação de fl. (1032).

Com isso, considerando que o imóvel está localizado em área rural e que o dever de fiscalização dos municípios restringe-se, no que se refere à ocupação ordenada do solo, à área urbana, não há que se falar em responsabilidade solidária do município de Cardoso/SP.

Nesse sentido o julgado:

"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. RESERVATÓRIO ARTIFICIAL. UHE ÁGUA VERMELHA. ZONA RURAL. CÓDIGO FLORESTAL VIGENTE À ÉPOCA DA DEGRADAÇÃO. NULIDADE INTIMAÇÃO. OMISSÃO. SUPRIMENTO.

[...]

7. Improcedente a alegada responsabilidade do Município de Cardoso/SP pela irregular ocupação do imóvel em questão, pois não há provas da interferência direta da municipalidade no evento danoso, tampouco se lhe podendo atribuir conduta omissiva, já que seu dever de fiscalização pela ocupação ordenada do solo restringe-se à área urbana, e não rural, como na espécie".

(Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1632218/SP 0008866-46.2007.4.03.6106 - DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA - TERCEIRA TURMA - Julgamento em 01/12/2016 - Publicado no e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/12/2016)

A alegação não comprovada do réu Nelson Gorayeb de que existe um córrego entre o seu imóvel e o lago artificial da hidrelétrica Água Vermelha, não interfere no resultado do julgamento, haja vista que se o córrego realmente existi integra a faixa da APP de 100 (cem) metros.

Certo, portanto, que o dano ambiental ocorreu efetivamente, que a recuperação da área degradada é possível, que se trata de área rural e, portanto, com faixa de APP a ser considerada de 100 (cem) metros e que a área é plenamente recuperável, desde que se promova a demolição e a remoção das edificações e a elaboração de um Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD) que deve ser apresentado à autoridade ambiental competente para aprovação e fiscalização de sua execução.

Ante o exposto, dou parcial provimento à remessa oficial e à apelação do Ministério Público Federal, dou provimento ao recurso da União (IBAMA) e nego provimento ao recurso de Nelson Gorayeb e do município de Cardoso/SP, para considerar a APP de 100 (cem) metros; reconhecer a não aplicação, na espécie, da Lei nº 12.651, de 2012 e a competência legal do CONAMA para edição de normas, bem como a responsabilidade da AES TIÊTE S/A e do município de Cardoso/SP, mantidas as demais determinações da r. sentença.

É como voto.

DIVA MALERBI
Desembargadora Federal


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