Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 19/02/2018
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0007502-14.2008.4.03.6103/SP
2008.61.03.007502-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal NERY JUNIOR
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS
APELANTE : INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL IPHAN
ADVOGADO : SP260306 MARINA DURLO NOGUEIRA LIMA e outro(a)
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
ADVOGADO : RICARDO BALDANI OQUENDO e outro(a)
PARTE AUTORA : Prefeitura Municipal de Sao Jose dos Campos SP
REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 3 VARA DE S J CAMPOS SP
No. ORIG. : 00075021420084036103 3 Vr SAO JOSE DOS CAMPOS/SP

EMENTA

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. BENS DA EXTINTA RFFSA. ESTAÇÃO FERROVIÁRIA. PATRIMÔNIO HISTÓRICO NACIONAL. PERDA SUPERVENIENTE E PARCIAL DO INTERESSE DE AGIR. LEGITIMIDADE UNIÃO E IPHAN. TOMBAMENTO. LEI Nº 11.483/2007 . DECRETO-LEI n. 25/37.

1-Trata-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal em desfavor da União e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN visando condenação das requeridas a adotarem medidas necessárias para recuperação, conservação, preservação, manutenção integral e administração da Estação Ferroviária Eugênio de Melo e entorno ou reconstrução de imóvel semelhante com a mesma volumetria, recomposição da ambiência e a paisagem do entorno.

2- Quanto ao pedido de recuperação e restauro da Estação Ferroviária Eugênio de Melo houve perda superveniente do interesse de agir, pois não mais presente a utilidade e necessidade para se reconhecer a pretendida obrigação. No entanto, subsiste o interesse no prosseguimento do feito quanto ao pedido de restauração do entorno do imóvel e aprovação do projeto pelo COMPHAC.

3- A Lei 11.483/2007 ao dispor sobre a revitalização do setor ferroviário, transferiu para os bens não operacionais da extinta RFFSA para a União (...) Registre que cabe à União, na qualidade de proprietária do bem imóvel objeto desta ação, responder pela conservação e manutenção de bem tombado, nos termos do art. 19 do Decreto-lei n. 25/37, sendo patente sua legitimidade passiva.

4- Quanto à questão da legitimidade do IPHAN, a Lei 11.483/2007 lhe atribuiu a responsabilidade de receber e administrar os bens móveis e imóveis de valor artístico, histórico e cultural, oriundos da extinta Rede Ferroviária Federal SA (RFFSA), bem como zelar pela sua guarda e manutenção. Resta evidente a legitimidade do IPHAN.

5- A edição da Lei Municipal nº 4.943/1996, com suporte na Lei nº 3.021/85, incluiu a Estação Ferroviária Eugênio de Melo como Elemento de Preservação EP-2, conferindo proteção especial, no entanto, tal declaração não cria uma espécie de tombamento, uma vez que para tanto se faz necessária a submissão ao rito ditado do Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937.

6- Ao contrário do consignado na sentença, não há como interpretar que a determinação contida no art. 9º da Lei nº 11.483/2007 atribuiu ao IPHAN a responsabilidade de arcar com a conservação de todos os bens de valor artístico, histórico e cultural oriundos da extinta RFFSA, de forma irrestrita e vinculada, mas somente aos bens de relevância nacional.

7- Não se está a analisar a importância histórica das estações ferroviárias edificadas no Vale do Paraíba, inclusive validada pelo parecer elaborado pela Fundação Cassiano Ricardo (fundação municipal) mas apenas constatando que tal documentação firma o interesse meramente local, que nem sempre se identifica com o posicionamento no âmbito federal, situação que se compatibiliza com os arts. 216 e 23, III, da Constituição Federal, que prevêem a competência comum entre entes federativos para a tutela do patrimônio cultural.

8- Em análise harmônica das normas citadas, resta confirmado que o IPHAN é responsável por receber e administrar os bens de valor artístico, histórico e cultural da extinta RFFSA, limitados aos reconhecidos pela própria autarquia, não estando entre eles o bem objeto destes autos.

9- Inexistindo tombamento ou interesse nacional em relação ao bem, inviável a condenação da União.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial, e dar provimento às apelações, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 07 de fevereiro de 2018.
NERY JÚNIOR
Desembargador Federal


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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0007502-14.2008.4.03.6103/SP
2008.61.03.007502-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal NERY JUNIOR
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS
APELANTE : INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL IPHAN
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PARTE AUTORA : Prefeitura Municipal de Sao Jose dos Campos SP
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RELATÓRIO

Trata-se de reexame necessário e apelações em ação civil pública interpostas pela União e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN contra a sentença de fls. 396/400, que julgou parcialmente procedente o pedido, para condenar a União e o IPHAN a adotarem as medidas necessárias para a recuperação, preservação, manutenção integral e administração da Estação Ferroviária Eugênio de Melo (e de seu entorno), mediante a reparação do imóvel deteriorado ou reconstrução de imóvel semelhante e da paisagem do entorno, em conformidade com projeto a ser elaborado e apresentado para aprovação do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Artístico, Paisagístico e Cultural - COMPHAC de São José dos Campos.

A presente ação foi proposta pelo Ministério Público Federal em desfavor União e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN com a finalidade de proteção do patrimônio cultural brasileiro, bem como a reparação de danos.

Expôs o autor na inicial que a Estação Ferroviária Eugênio de Melo é patrimônio cultural nacional, erguido por ocasião do ápice da produção cafeeira da região, mas que, no entanto se encontra em completo estado de abandono, sendo objeto de ações de vandalismo.

Discorre sobre o valor histórico da Estação Eugênio de Melo, que foi inaugurada em 1898, em área doada pela família Molina, sendo meio de transporte mais utilizado paras as cidades próximas.

Diz que o Município de São José dos Campos, por meio da Lei Municipal nº 4.943/96 erigiu a Estação Ferroviária Eugênio de Melo em Elemento de Preservação Nível 2, conforme classificação constante da Lei Municipal nº 3.021/85.

Sustenta que a União e o IPHA são legalmente responsáveis pelo patrimônio da extinta Rede Ferroviária Federal e que tal responsabilidade está delimitada na Lei 11.483/2007, artigos 2º, 8º e 9º, que permitem concluir que o patrimônio ora defendido é de propriedade da União.

Complementa que a extinta RFFSA, como antiga proprietária da Estação Ferroviária Eugênio de Melo, considerado de valor histórico para o Município de São José dos Campos, tinha o dever de vigiá-la e preservá-la, sendo que a União, como destinatária final e possuidora dos ativos não-operacionais, se encontra obrigada a adotar as providências necessárias para proteger e conservar o bem em questão.

Assevera que o IPHAN tem a obrigação de zelar pelos bens de valor artísticos, histórico e cultural, não importando se o bem foi tombado pela União, Estado ou Município.

Descreve as condições de conservação do imóvel requerendo em antecipação dos efeitos da tutela que seja determinada à União e ao IPHAN que tomem as medidas necessárias para obstar o prosseguimento das depredações, bem como para promover obras urgentes para evitar o desabamento, sob pena de fixação de multa.

Requer facultativamente, no caso de descumprimento da medida, que a Prefeitura seja autorizada a realizar as obrar emergenciais, às custas dos requeridos.

Como providencia final pede a condenação dos requeridos a adotarem medidas necessárias para recuperação, conservação, preservação, manutenção integral e administração da Estação Ferroviária Eugênio de Melo e entorno, restituindo o status quo ante, mediante a reparação do bem deteriorado, ou reconstrução de imóvel semelhante com a mesma volumetria, recomposição da ambiência e a paisagem do entorno, em conformidade com projeto a ser elaborado e apresentado para aprovação do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Artístico, Paisagístico e Cultural - COMPHAC de São José dos Campos, no prazo de 90 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, sob pena de multa.

Requer ainda que o projeto contemple a solução definitiva quando a destinação final do bem, eis que incluído no rol de ativos não-operacionais da RFFSA.

No caso de impossibilidade de reconstrução, sejam os réus condenados a indenizar os danos causados ao patrimônio cultural, em valor a ser arbitrado pelo juízo.

Deu à causa o valor de R$ 300.00,00 (trezentos mil reais) e instruiu a inicial com documentos de fls.25/187.

Às fls. 189 foi determinada a intimação das requeridas para se pronunciarem sobre o pedido formulado, no prazo de 72 (setenta e duas) horas, antes da apreciação da liminar, em cumprimento ao artigo 2º da Lei 8.437/92.

A União Federal manifestou-se às fls. 197/204 alegando a ilegitimidade ad causam do Ministério Público Federal por exercício de representação judicial e consultoria jurídica do Município de São José dos Campos.

Afirmou, ainda, que a instituição de tombamento por meio de lei municipal fere atividade típica do Poder Executivo, ante a impossibilidade de tombamento pelo município de bem pertencente ao patrimônio da União Federal, ente maior da federação.

O IPHAN apresentou manifestação às fls. 221/226 alegando inexistência de requisitos para concessão de antecipação dos efeitos da tutela, ante a inexistência de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, tendo em vista que o bem já teria sido objeto de tombamento pelo Município há mais de uma década.

Arguiu preliminares de ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal para ajuizamento da ação e ilegitimidade passiva do IPHAN, visto não haver interesse nacional na preservação do bem.

O Município de São José dos Campos manifestou-se às fls. 228, afirmando seu interesse em ingressar no feito como assistente litisconsorcial do Ministério Público Federal, o que foi admitido às fls. 233.

O pedido de antecipação dos efeitos da tutela foi indeferido (fls. 229/233), sendo determinada a citação dos requeridos.

O IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional apresentou contestação às fls. 267/288, repisando as preliminares já arguidas, de ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal, bem como passiva "ad causam", tendo em vista não haver interesse nacional na preservação do bem, sendo valor afetivo apenas para o Município de São José dos Campos.

Alega impossibilidade de tombamento por lei municipal. No mérito, requer a improcedência do pedido inicial. Anexou documentos ás fls. 289/99.

A réplica foi apresentada às fls. 303/305.

A União Federal contestou o pedido às fls. 308/317, alegando ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal, e no mérito defendeu a impossibilidade de tombamento de bem da União por meio de lei municipal.

A réplica do Ministério Público Federal foi anexada às fls. 339/347.

Foi realizada audiência de conciliação às fls. 363/364, fixando-se o prazo de 30 dias para que as partes se posicionem sobre a possibilidade de restauração da Estação Ferroviária Eugênio de Melo.

O Município de São José dos Campos e a União informaram sobre a impossibilidade de assumir o restauro da Estação Ferroviária Eugênio de Melo, conforme fls. 376 e 386, respectivamente.

Em sentença proferida às fls. 396/400 o MM. Juiz afastou as preliminares e julgou parcialmente procedente pedido para condenar a União e o IPHAN a adotarem as medidas necessárias para a recuperação, preservação, manutenção integral e administração da Estação Ferroviária Eugênio de Melo (e de seu entorno), mediante a reparação do imóvel deteriorado ou reconstrução de imóvel semelhante e da paisagem do entorno, em conformidade com projeto a ser elaborado e apresentado para aprovação do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Artístico, Paisagístico e Cultural - COMPHAC de São José dos Campos.

Determinou que o projeto em questão deveria ser elaborado no prazo de 90 (noventa) dias, contados do trânsito em julgado da sentença, sob pena de multa.

Consignou que não havia condenação em custas ou honorários advocatícios, nos termos do art. 18 da Lei 7.347/85.

Sujeitou a sentença ao duplo grau de jurisdição obrigatório, nos termos do art. 475, I, do CPC.

A União apresentou recurso de apelação às fls. 404/422 arguindo sua ilegitimidade passiva, asseverando que é o IPHAN a autarquia que responde diretamente pelo objeto da lide.

Sustenta que a sentença merece ser reformada ante a impossibilidade de tombamento do bem pela entidade municipal, de forma que a Lei Municipal nº 3.021/85 não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, pois dispõe sobre normas gerais, sendo que a Lei nº 4.943/96 padece de igual vício, por determinar o tombamento da Estação Ferroviária Eugênio de Melo sem o contraditório, devendo ambas ser declaradas inconstitucionais.

O IPHAN apresentou apelação às fls. 435/449 requerendo preliminarmente a suspensão do processo por seis meses, nos termos do art. 265, II e §3º do CPC, em razão da notícia de que o Município de São José dos Campos possui interesse na utilização, restauro e conservação do imóvel objeto da presente ação, por meio de recurso próprios.

Sustenta que a sentença merece ser reformada ante a inexistência de tombamento municipal, consignando que na realidade a estação não é um bem tombado, a visa de não ter seguido o procedimento do Decreto-Lei nº 26/37, mas somente a edição de lei municipal, incluindo o imóvel na categoria Elemento de Preservação, portanto, não estando protegida nos termos do decreto.

Aduz que o artigo 9º da Lei nº 11.483/2007 deve ser interpretado de forma restritiva para que o IPHAN se responsabilize apenas pelos bens de valor artístico, histórico e cultural oriundos da extinta RFFSA que tenham um interesse nacional.

Às fls. 455/459 o Ministério Público Federal apresentou contrarrazões.

Remetidos os autos a esta Corte, a pedido do Ministério Público, a União foi intimada para informar sobre o andamento do Processo Administrativo nº 04905.004761/2007-82 instaurado para analisar a manifestação de interesse formulada pelo Município de São José dos Campos na utilização e restauro do imóvel objeto da demanda, tendo informado que em 23 de maio de 2013 foi firmado entre a Secretaria de Patrimônio da União - SPU e a Prefeitura, um termo de Cessão Provisória sob o regime de utilização gratuita, conforme fls. 472.

O Ministério Público requereu a expedição de ofícios, o que foi deferido, sendo anexados, em resposta, os documentos de fls. 192/502.

O IPHAN se manifestou às fls. 510/511 sustentando que a presente demanda perdeu o objeto, ante a cessão do bem ao Município de São José dos Campos.

O Ministério Público Federal ofertou parecer consignando inicialmente que inexiste perda superveniente do interesse de agir, opinando pelo desprovimento da remessa necessária e dos recursos dos requeridos (fls. 513/22).

É o relatório.

VOTO

Trata-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal em desfavor da União e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN visando condenação das requeridas a adotarem medidas necessárias para recuperação, conservação, preservação, manutenção integral e administração da Estação Ferroviária Eugênio de Melo e entorno ou reconstrução de imóvel semelhante com a mesma volumetria, recomposição da ambiência e a paisagem do entorno.

Antes de adentrar ao mérito faz-se necessário analisar a questão sobre a perda superveniente do interesse de agir.

Consta dos documentos de fls. 499/502 que foi firmado entre a Secretaria de Patrimônio da União - SPU e o Município de São José dos Campos um termo de cessão provisória sob o regime de utilização gratuita, mediante o qual o Município manifestou interesse na utilização, restauro e conservação do imóvel objeto desta ação.

A restauração do prédio da Estação Eugênio de Melo foi concluída em agosto de 2016 (fls. 493), tendo inclusive informação técnica do IPHAN às fls. 511 de que a obra realizada atende satisfatoriamente à finalidade de preservação do bem.

Entretanto, além da recuperação, conservação e preservação da Estação Ferroviária, o projeto deveria se submeter à aprovação do COMPHAC de São José dos Campos, conforme constou da sentença, e ainda, os requeridos foram condenados a restaurar também o entorno do imóvel, com recomposição da ambiência e a paisagem.

Conforme apontado pelo Ministério Público Federal, nos documentos apresentados pelo Município e na análise realizada pelo IPHAN não constam informações sobre a aprovação do projeto pelo COMPHAC ou sobre o restauro e revitalização do entorno da Estação.

Dessa forma, conclui-se que quanto ao pedido de recuperação e restauro da Estação Ferroviária Eugênio de Melo houve perda superveniente do interesse de agir, pois não mais presente a utilidade e necessidade para se reconhecer a pretendida obrigação.

No entanto, subsiste o interesse no prosseguimento do feito quanto ao pedido de restauração do entorno do imóvel e aprovação do projeto pelo COMPHAC.

Em prosseguimento, cumpre apreciar a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada por ambos apelantes.

A Lei 11.483/2007 ao dispor sobre a revitalização do setor ferroviário, transferiu para os bens não operacionais da extinta RFFSA para a União, assim, tendo em vista que a Estação Ferroviária Eugênio de Melo do Município de São José dos Campos foi considerada um bem não operacional, conforme documento de fls. 93.

Registre que cabe à União, na qualidade de proprietária do bem imóvel objeto desta ação, responder pela conservação e manutenção de bem tombado, nos termos do art. 19 do Decreto-lei n. 25/37, sendo patente sua legitimidade.

Nesse sentido, conforme esclarecido no julgamento do REsp 666.842/RJ:

"Nos termos do art. 19 do Decreto-lei n. 25/37, cabe ao proprietário a responsabilidade pela conservação e manutenção de bem tombado. Na espécie, sendo a União proprietária do imóvel tombado, objeto da ação civil pública, cabe a ela promover as obras e os reparos necessários à conservação do bem. Tal função não se confunde com a atribuição do IPHAN em fiscalizar e proteger o patrimônio histórico e cultural no uso regular do seu poder de polícia. (REsp 666.842/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/10/2009, DJe 28/10/2009)

Quanto à questão da legitimidade do IPHAN, a Lei 11.483/2007 lhe atribuiu a responsabilidade de receber e administrar os bens móveis e imóveis de valor artístico, histórico e cultural, oriundos da extinta Rede Ferroviária Federal SA (RFFSA), bem como zelar pela sua guarda e manutenção.

Assim, resta evidente a legitimidade do IPHAN para figurar no polo passivo da demanda que objetiva a condenação da Autarquia à recuperação e conservação de bem objeto desta ação.

Pertinente ao mérito cinge-se a controvérsia à regularidade do procedimento de tombamento da Estação Ferroviária Eugênio de Melo realizado pelo Município de São José dos Campos e a obrigatoriedade das apelantes em adotar medidas necessárias para restauração, preservação e manutenção do entorno da estação.

Sobre a proteção ao patrimônio cultural brasileiro dispõe o artigo 216 da Constituição Federal:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
(...)
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§ 1º O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

Embora existam várias formas pelas quais o Poder Público pode promover a proteção do patrimônio cultural brasileiro, sendo o tombamento apenas uma delas, o fato é que o bem objeto dos autos não pode ser tombado pelo município.

Dispõem os artigos 24 e 30 da Constituição Federal:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
Promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual;

A leitura conjunta dos artigos permite concluir que se a União não editar normas gerais sobre proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico, a competência suplementar passa aos Estados.

Ao Município, compete legislar sobre assuntos locais e proteger seu patrimônio histórico-cultural.

A edição da Lei Municipal nº 4.943/1996, com suporte na Lei nº 3.021/85, incluiu a Estação Ferroviária Eugênio de Melo como Elemento de Preservação EP-2, conferindo proteção especial, no entanto, tal declaração não cria uma espécie de tombamento, uma vez que para tanto se faz necessária a submissão ao rito ditado do Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937.

Compre consignar que o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que existem dois conceitos, um amplo e um restrito, para determinar a proteção por desapropriação ou tombamento dos bens que integram o patrimônio público de valor histórico e artístico.

Quanto ao tombamento, consignou sua submissão à conceituação mais restrita, referindo-se ao Decreto-lei 25/1937.

Nesse sentido, eis o trecho do voto condutor do RE 1872.782, Rel. Min. Moreira Alves, Primeira Turma, DJ 9.2.1996:

"No tocante ao § 1º do artigo 216 da Constituição Federal, não ofende esse dispositivo constitucional a afirmação constante do acórdão recorrido no sentido de que há um conceito amplo e um conceito restrito de patrimônio histórico e artístico, cabendo à legislação infraconstitucional adotar um desses dois conceitos para determinar que sua proteção se fará por tombamento ou por desapropriação, sendo que, tendo a legislação vigente sobre o tombamento
adotado a conceituação mais restrita, ficou, pois, a proteção dos bens, que integram o conceito mais amplo, no âmbito da desapropriação"
Ao se referir à adoção da conceituação mais restrita pela legislação vigente, o acórdão mencionado referiu-se ao Decreto-lei 25, de 30 de novembro de 1937, que dispõe, em seu art. 1º, § 1º, o seguinte:
"Art. 1º Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
§ 1º Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante do patrimônio histórico o artístico nacional, depois de inscritos separada ou agrupadamente num dos quatro Livros do Tombo, de que trata o art. 4º desta Lei".

E ainda, lição da mais abalizada doutrina aponta no mesmo sentido em clássica doutrina, já se destacava que:

"O tombamento realiza-se através de um procedimento administrativo vinculado, que conduz ao ato final de inscrição do bem num dos livros do Tombo. Nesse procedimento deve ser notificado o proprietário do bem a ser tombado, dando-se-lhe oportunidade de defesa, na forma da lei. Nulo será o tombamento efetivado sem o atendimento das imposições legais e regulamentares, pois que, acarretando restrições ao exercício do direito de propriedade, há que se observar o devido processo legal para sua formalização, e essa nulidade pode ser pronunciada pelo Judiciário na ação cabível, em que serão apreciadas tanto a legalidade dos motivos quanto a regularidade do procedimento administrativo em exame"(Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 536).

Nesse norte, não tendo sido formalizado o procedimento administrativo previsto na legislação federal competente, Decreto-Lei nº 25/1937, o tombamento há de ser desconstituído.

E ainda, por trata-se se bem da União, não poderia o município instituir tombamento como ocorreu com a edição da Lei Municipal nº 4.943/96, por força na norma prevista no art. 5º do Decreto-Lei nº 25/1937, in verbis:

Art. 5º O tombamento dos bens pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios se fará de ofício, por ordem do diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, mas deverá ser notificado à entidade a quem pertencer, ou sob cuja guarda estiver a coisa tombada, a fim de produzir os necessários efeitos

Assim, diante da ausência de tombamento formal, cumpre analisar se é possível exigir dos requeridos, ora apelantes, a obrigação de preservar, restaurar

e administrar o entorno da Estação Ferroviária Eugênio de Melo, por considerá-lo integrante patrimônio nacional.

Conforme consta da sentença, a União e o IPHAN foram condenados nos termos do art. 9º da Lei nº 11.483/2007, a adotarem as medidas necessárias para a recuperação, preservação, manutenção integral e administração do da Estação Ferroviária Eugênio de Melo (e de seu entorno), mediante a reparação do imóvel deteriorado ou reconstrução de imóvel semelhante e da paisagem do entorno.

Com afeito, a Lei nº 11.483/2007 atribuiu ao IPHAN a responsabilidade de receber, administrar e conservar os bens de valor artístico, histórico e cultural oriundos da extinta RFFSA, de forma que compete à própria autarquia selecionar, entre todos, aqueles que detenham tais valores.

Para que o bem seja incluído como patrimônio histórico e artístico nacional, dispõe o Decreto-Lei nº 25/37 sobre os requisitos:

Art. 7º Proceder-se-à ao tombamento voluntário sempre que o proprietário o pedir e a coisa se revestir dos requisitos necessários para constituir parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ou sempre que o mesmo proprietário anuir, por escrito, à notificação, que se lhe fizer, para a inscrição da coisa em qualquer dos Livros do Tombo. (grifei)

Assim, ao contrário do consignado na sentença, não há como interpretar que a determinação contida no art. 9º da Lei nº 11.483/2007 atribuiu ao IPHAN a responsabilidade de arcar com a conservação de todos os bens de valor artístico, histórico e cultural oriundos da extinta RFFSA, de forma irrestrita e vinculada, mas somente aos bens de relevância nacional.

Quanto ao interesse local, a Constituição Federal possui norma especifica atribuindo ao Município tal responsabilidade, nos termos do inciso IX do artigo 30, que dispõe: "compete aos municípios promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual."

Não se está a analisar a importância histórica das estações ferroviárias edificadas no Vale do Paraíba, inclusive validada pelo parecer elaborado pela Fundação Cassiano Ricardo (fundação municipal) mas apenas constatando que tal documentação firma o interesse meramente local, que nem sempre se identifica com o posicionamento no âmbito federal, situação que se compatibiliza com os arts. 216 e 23, III, da Constituição Federal, que prevêem a competência comum entre entes federativos para a tutela do patrimônio cultural.

Em suma, em análise harmônica das normas citadas, resta confirmado que o IPHAN é responsável por receber e administrar os bens de valor artístico, histórico e cultural da extinta RFFSA, limitados aos reconhecidos pela própria autarquia, não estando entre eles o bem objeto destes autos.

Igualmente, inexistindo tombamento ou interesse nacional em relação ao bem, inviável a condenação da União.

Os honorários advocatícios são indevidos, a teor dos arts. 17 e 18 da Lei nº 7.347/85.

Ante o exposto, voto por negar provimento à remessa oficial, e dar provimento às apelações.

É como voto.

NERY JÚNIOR
Desembargador Federal


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