Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 16/03/2018
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001717-88.2005.4.03.6002/MS
2005.60.02.001717-8/MS
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : ANTONIO CELSO MAAS
ADVOGADO : SP303394 BRUNO CARLOS DOS RIOS (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00017178820054036002 2 Vr DOURADOS/MS

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. CONDUTA DE TRANSPORTAR SUBSTÂNCIA AGROTÓXICA. ARTIGO 56 DA LEI N.º 9.605/1998. ARTIGO 15 DA LEI 7.802/1989. CONTRABANDO. IDENTIDADE DOS BENS JURÍDICOS TUTELADOS. VEDAÇÃO DO BIS IN IDEM. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. SUBSUNÇÃO AO DISPOSTO NO ARTIGO 15 DA LEI 7.802/1989. CONDUTA IMPORTAR (CONTRABANDO) IMBRICA-SE COM A CONDUTA DE TRANSPORTAR. ABSORÇÃO DO ANTEFATO IMPUNÍVEL. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. APLICAÇÃO DA ATENUANTE DE CONFISSÃO ESPONTÂNEA. IMPOSSIBILIDADE. ATENUANTE PREVISTA NO ARTIGO 14, INCISO I, DA LEI N.º 9.605/1998. NÃO APLICAÇÃO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. CONCESSÃO. PARCIAL PROVIMENTO DAS APELAÇÕES.
- Fatos que se subsomem apenas ao disposto no artigo 15 da Lei n.º 7.802/1989, mas não na figura descrita no artigo 56 da Lei n.º 9.605/1998, porquanto este último dispositivo tipifica a conduta de transportar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências legais, enquanto que o primeiro, mais específico, tipifica a conduta de quem efetua o transporte de agrotóxicos, componentes e afins.
- Hipótese de conflito aparente de normas, que se resolve pelo princípio da especialidade.
- Imputação que igualmente encontra adequação ao delito estampado no artigo 334 do Código Penal, na figura do contrabando (redação vigente à época dos fatos), especificamente na conduta de importar mercadoria proibida (agrotóxico de procedência estrangeira sem autorização do órgão federal responsável).
- Fatos narrados na denúncia que se amoldam apenas ao disposto no artigo 15 da Lei n.º 7.802/1989 (o diploma legal que regula particularmente o mercado de produtos agrotóxicos), mas não à hipótese de contrabando disposta no artigo 334, caput, do Código Penal (lei vigente à época dos fatos, e, portanto, anterior à Lei n.º 13.008, de 26.06.2014), não havendo que se cogitar na hipótese de concurso formal de crimes, resolvendo-se o aparente conflito de normas, por meio da aplicação do princípio da especialidade.
- No delito de contrabando, a tutela ao bem jurídico não se esgota na própria Administração Pública, na sua moralidade, sendo certo que o espectro de proteção também alcança valores outros como o controle do ingresso e saída de mercadorias do país, não somente sob a ótica da política estatal de comércio exterior, mas também em decorrência de outras questões atreladas à saúde e até mesmo ao meio ambiente. O disposto no artigo 15 da Lei n.º 7.802/1989 tem como bem jurídico protegido a saúde pública e o próprio meio ambiente. A condenação por ambas as figuras típicas em concurso configuraria bis in idem, o que é vedado.
- Afastado argumento de que a ação de "importar" descrita no artigo 334 do Código Penal não está prevista no artigo 15 da Lei n.º 7.802/1989 e que referida conduta igualmente fora descrita na inicial acusatória, razão pela qual incidiria o concurso de crimes.
- A conduta de "importar" do contrabando imbrica-se com a conduta de "transportar", quando realizada em contexto único, com unidade de desígnios, no qual o delito fim seria o transporte do agrotóxico clandestino, restando, pois, absorvida a conduta "importar", já que esta tipifica de forma menos completa o desvalor do injusto.
- Não há que se falar em concurso de crimes, aplicando-se o raciocínio relativo ao antefato impunível, ante a aplicação do princípio da consunção.
- A materialidade, autoria e dolo necessários à caracterização do delito estampado no artigo 15 da Lei n.º 7.802/1989 restaram devidamente comprovados.
- Pena-Base. Artigo 59 do Código Penal. Valoração negativa de uma circunstância judicial (circunstâncias do crime). As circunstâncias em que o crime fora perpetrado demonstram uma maior ousadia do acusado em sua execução, na medida em que ocultou o agrotóxico em tambores de diesel, subterfúgio levado a efeito com o objetivo de impedir a fiscalização, e uma sofisticação além daquela descrita ordinariamente para a conduta típica (a ocultação do objeto do crime não constitui elementar do tipo).
- Na segunda fase da dosimetria, reconhecimento da confissão como atenuante genérica (art. 65, III, d, do Código Penal), considerando que o acusado confessou os fatos em seu interrogatório policial, aduzindo que "tinha pleno conhecimento que o veneno que levava era de entrada proibida no Brasil", bem como em seu interrogatório judicial admitiu a compra dos agrotóxicos com um paraguaio. Ambos os interrogatórios foram considerados na fundamentação para comprovação da autoria delitiva.
- Não incidência da atenuante prevista no art. 14, inciso I, da Lei n.º 9.605/1998, por se referir especificamente aos crimes descritos na Lei n.º 9.605/1998.
- Pena de multa fixada proporcionalmente à pena privativa de liberdade.
- Destinação da prestação pecuniária à União, na qualidade de vítima.
- Indícios suficientes acerca da hipossuficiência econômica do réu. Concessão da gratuidade da justiça.
- Parcial provimento das apelações.



ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL provimento ao recurso de Antonio Celso Maas, apenas para conceder a gratuidade da justiça e, de ofício, reconhecer a atenuante da confissão espontânea, bem como DAR PARCIAL provimento ao recurso do Ministério Público Federal, para condenar o réu como incurso nas penas do art. 15 da Lei n.º 7.802/89, fixando a pena corporal definitiva em 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direito, bem como à pena de 10 (dez) dias-multa, e reverto, de ofício, a prestação pecuniária em favor da União, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 27 de fevereiro de 2018.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001717-88.2005.4.03.6002/MS
2005.60.02.001717-8/MS
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : ANTONIO CELSO MAAS
ADVOGADO : SP303394 BRUNO CARLOS DOS RIOS (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00017178820054036002 2 Vr DOURADOS/MS

VOTO CONDUTOR

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Acompanho o e. relator quanto ao mérito, e peço vênia para divergir parcialmente da dosimetria da pena, mais especificamente quanto a atenuante da confissão espontânea, quantidade de dias-multa e destinação da prestação pecuniária.

Por tal razão, passo à dosimetria da pena.


Primeira fase da dosimetria:

Acompanho o e. relator na fixação da pena-base, em 2 (dois) anos e 03 (três) meses de reclusão.


Segunda fase da dosimetria:

Reconheço a atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, "d", do Código Penal), considerando que o acusado confessou os fatos em seu interrogatório policial, aduzindo que "tinha pleno conhecimento que o veneno que levava era de entrada proibida no Brasil", bem como em seu interrogatório judicial admitiu a compra dos agrotóxicos com um paraguaio. Ambos os interrogatórios foram considerados na fundamentação para comprovação da autoria delitiva.

Sendo assim, reduzo a pena para o mínimo legal de 02 (dois) anos de reclusão, em observância à Súmula 231 do STJ.


Terceira fase da dosimetria:

Inexistentes causas de aumento ou diminuição, resta a pena definitiva fixada em 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, pois entendo que a quantidade de dias-multa deve ser fixada na mesma proporção da pena privativa de liberdade.

Substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito

Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, o e. relator manteve a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, no valor de dois salários mínimos vigente à época do pagamento para entidade assistencial, na forma a ser estabelecida pelo Juízo da Execução.

Quanto à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, divirjo apenas quanto à destinação da prestação pecuniária, pois entendo que a mesma deve ser revertida, de ofício, em favor da União, na qualidade de vítima, nos termos do art. 45, § 1º, do Código Penal.


Dispositivo:

Ante o exposto, DOU PARCIAL provimento ao recurso de Antonio Celso Maas, apenas para conceder a gratuidade da justiça e, de ofício, reconhecer a atenuante da confissão espontânea, bem como DOU PARCIAL provimento ao recurso do Ministério Público Federal, para condenar o réu como incurso nas penas do art. 15 da Lei n.º 7.802/89, fixando a pena corporal definitiva em 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direito, bem como à pena de 10 (dez) dias-multa, e reverto, de ofício, a prestação pecuniária em favor da União.

É o voto.



JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001717-88.2005.4.03.6002/MS
2005.60.02.001717-8/MS
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
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APELANTE : ANTONIO CELSO MAAS
ADVOGADO : SP303394 BRUNO CARLOS DOS RIOS (Int.Pessoal)
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APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00017178820054036002 2 Vr DOURADOS/MS

RELATÓRIO

Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal (fls. 358/362) e Antonio Celso Maas (fls. 374/379), em face da sentença de fls. 344/350v., que julgou parcialmente procedente ação penal, desclassificando as imputações do artigo 334 do Código Penal e artigo 15 da Lei nº 7.802/1989 para condenar o réu como incurso no artigo 56 da Lei 9.605/1998, condenando-o: i) a pena privativa de liberdade de 01 (um) ano e 03 (três) meses de reclusão substituída por duas restritivas de direito consistentes na prestação de serviços comunitários e pagamento de multa equivalente a dois salários mínimos e; ii) ao pagamento de 20 (vinte) dias-multa, fixado em 1/30 do salário mínimo vigente em junho de 2005.


Réu preso em flagrante aos 13/06/2005 durante fiscalização de rotina na MS-166, próximo ao trevo da Pedra, em Dourados, segundo o auto de apreensão (fls. 17), em razão de estar transportando 623 (seiscentos e vinte e três) pacotes de herbicidas, 100 gramas cada pacote, marca CLORIFURON 25 (Polvo Mojable WP) e 163 (cento e sessenta e três) pacotes de herbicidas, 200 gramas cada pacote, marca CLOETIL (Herbicida Polvo Mojable).


Liberdade provisória concedida, sendo o réu posto em liberdade aos 17/06/2005 (fls. 39).


O Ministério Público Federal ofereceu denúncia aos 16/08/2005 (fls. 68), recebida em 14/10/2005 (fls. 83), imputando ao Réu a prática dos delitos previstos no art. 334 do Código Penal e artigo 15 da Lei n. 7.802/1989.


Ação julgada parcialmente procedente, nos termos acima expostos (fls. 344/350v.).


Sentença publicada em 10/12/2010 (fls. 351v.).


Apela o Ministério Público Federal (fls. 358/362), pleiteando a reforma parcial da sentença, para que seja condenado o réu nos crimes tipificados nos artigos 334, caput, do Código Penal e artigo 15 da Lei nº 7.802/89, em concurso formal impróprio.


A defesa, por sua vez, apela às fls. 374/379, pleiteando, em resumida síntese: pela absolvição do acusado, à medida em que a conduta praticada não ofendeu o bem jurídico tutelado pela norma (saúde humana e proteção ao meio ambiente); a fixação da pena-base no mínimo legal, afastando-se a circunstância desfavorável quanto à ocultação das substâncias em barris de diesel para dificultar a fiscalização; aplicação da atenuante relativa ã confissão do acusado; aplicação da atenuante prevista no artigo 14, inciso I, da Lei n. 9.605/98 (baixo grau de instrução e escolaridade do agente); e a concessão da gratuidade de justiça para afastar a condenação ao pagamento das custas processuais.


Recursos processados e recebidos, com contrarrazões do réu às fls. 364/368 e do MPF às fls. 381/386v. Subiram os autos a esta colenda Corte.


Oficiando nesta instância, o representante do Ministério Público Federal opinou às fls. 388/398 pelo desprovimento do recurso defensivo e pelo provimento parcial do recurso ministerial afim de adequar a conduta do acusado ao delito descrito no artigo 15 da Lei nº 7.802/89, com os devidos ajustes na dosimetria da pena.


É o relatório.


À revisão.



FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001717-88.2005.4.03.6002/MS
2005.60.02.001717-8/MS
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : ANTONIO CELSO MAAS
ADVOGADO : SP303394 BRUNO CARLOS DOS RIOS (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00017178820054036002 2 Vr DOURADOS/MS

VOTO

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de ANTÔNIO CELSO MAAS pela prática do delito estampado no artigo 15 da Lei n.º 7.802, de 11.07.1989, c.c. o artigo 334 do Código Penal, porquanto aos 13.06.2005, o réu transportava na caçamba de sua caminhonete dois tambores azuis, de 200 litros cada, dentro dos quais havia 623 pacotes de 100 gramas cada do veneno da marca Clorifuron 25 (62.300kg), e 163 pacotes de 200 gramas cada do veneno da marca Cloetil (32.600 kg), substâncias de fabricação estrangeira sem registro no Ministério da Agricultura, tendo importado mercadoria proibida, bem como em desacordo com a legislação aduaneira vigente, iludindo o pagamento de imposto devido pela entrada de mercadorias, razão pela qual fora preso em flagrante.


A sentença julgou parcialmente procedente a denúncia a fim de desclassificar as imputações do artigo 334 do Código Penal e do artigo 15 da Lei n.º 7.802, de 11.07.1989, para a conduta descrita no artigo 56 da Lei n.º 9.605, de 12.02.1998 (foi oportunizada vista ao Ministério Público Federal para fins de eventual proposta de suspensão condicional do processo, o que foi afastado pelo Parquet Federal), tendo condenado o réu à pena privativa de liberdade de 01 (um) ano e 03 (três) meses de reclusão e ao pagamento de 20 (vinte) dias-multa (fls. 336, 341/342 e 344/350).


Referidos dispositivos legais, ao tempo da conduta (13.06.2005), ostentavam a seguinte redação:





Código Penal


Art. 334 Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.

Lei n.º 7.802, de 11.07.1989


Art. 15. Aquele que produzir, comercializar, transportar, aplicar, prestar serviço, der destinação a resíduos e embalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins, em descumprimento às exigências estabelecidas na legislação pertinente estará sujeito à pena de reclusão, de dois a quatro anos, além de multa. (Redação dada pela Lei nº 9.974,
de 2000) (grifei)

Lei n.º 9.605, de 12.02.1998

Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa (grifei)

Apela o Ministério Público Federal (fls. 358/362), pleiteando a reforma parcial da sentença, para que o réu seja condenado pela prática dos crimes tipificados nos artigos 334, caput, do Código Penal (modalidade contrabando) e artigo 15 da Lei nº 7.802/1989, em concurso formal impróprio, ao fundamento de que as condutas teriam sido perpetradas com desígnios autônomos e tratar-se-iam de crimes que ofendem bens jurídicos distintos (fls. 358/362).


O apelo ministerial merece parcial provimento.


Conflito Aparente de Normas. Princípio da Especialidade e Princípio da Consunção


A denúncia narra o transporte de agrotóxico importado em desacordo com as exigências legais.


Em princípio, tais fatos subsomem-se apenas ao disposto no artigo 15 da Lei n.º 7.802/1989, mas não na figura descrita no artigo 56 da Lei n.º 9.605/1998, tal como lançado na sentença, porquanto este último dispositivo tipifica a conduta de transportar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências legais, enquanto que o primeiro, mais específico, tipifica a conduta de quem efetua o transporte de agrotóxicos, componentes e afins.


O próprio artigo 2º, inciso I, da Lei n.º 7.802/1989, bem especifica o que deve ser considerado como agrotóxicos e afins:


I - agrotóxicos e afins:
a) os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos;
b) substâncias e produtos, empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento;

Assim, a conduta de transportar agrotóxicos, em descumprimento às exigências estabelecidas na legislação pertinente, amolda-se, a priori, pelo princípio da especialidade, ao tipo penal descrito na legislação específica de agrotóxicos (artigo 15 da Lei n.º 7.802/1989), o que torna descabida a desclassificação da conduta para o crime estampado no artigo 56 da Lei n.º 9.605/1998.


Portanto, a hipótese dos autos é de conflito aparente de normas, que se resolve pelo princípio da especialidade.


Consoante ensinamentos de Cezar Roberto Bitencourt:


Considera-se especial uma norma penal, em relação a outra geral, quando reúne todos os elementos desta, acrescidos de mais alguns, denominados especializantes. Isto é, a norma especial acrescenta elemento próprio à descrição típica prevista na norma geral (...). A regulamentação especial tem a finalidade, precisamente, de excluir a lei geral e, por isso, deve precedê-la (lex specialis derogat lex generalis). O princípio da especialidade evita o bis in idem, determinando a prevalência da norma especial em comparação com a geral, e pode ser estabelecido in abstracto, enquanto os outros princípios exigem o confronto in concreto das leis que definem o mesmo fato (Tratado de direito penal: parte geral, v. 1, 22.ed. São Paulo: Saraiva, 2016, fl. 255).

Insta destacar que aludida imputação igualmente encontra adequação ao delito estampado no artigo 334 do Código Penal, na figura do contrabando (redação vigente à época dos fatos), especificamente na conduta de importar mercadoria proibida (agrotóxico de procedência estrangeira sem autorização do órgão federal responsável), todavia, não há que se cogitar em concurso formal impróprio entre a conduta do art. 15 da Lei n.º 7.802/1989 com a estampada no art. 334 do Código Penal, como requer o Ministério Público Federal em sede recursal.


Atente-se, inicialmente, que não há, em princípio, qualquer óbice a que uma única conduta enseje a incidência de mais de um tipo penal. Nesse sentido, inclusive, é a previsão do art. 70 do Código Penal, que trata do concurso formal de crimes:


Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.

Consigno que, nos casos em que uma única ação é praticada, incumbe ao intérprete identificar se a hipótese é de concurso formal, situação em que dois ou mais crimes são efetivamente praticados e que, portanto, enseja a aplicação da pena mais grave aumentada de um sexto até a metade; ou se a hipótese é de conflito aparente de normas, situação em que, embora o fato possa, aparentemente, subsumir-se a mais de um tipo penal, somente um deve ser aplicado, tendo em vista os princípios da especialidade, consunção e absorção.


No caso concreto, o agrotóxico sem registro no Ministério da Agricultura é espécie do gênero mercadoria proibida, o que caracterizaria, em tese, portanto, o crime de contrabando e não o de descaminho.


Todavia, os fatos narrados na denúncia, em princípio, devem subsumir-se apenas ao disposto no artigo 15 da Lei n.º 7.802/1989 (o diploma legal que regula particularmente o mercado de produtos agrotóxicos), mas não à hipótese de contrabando disposta no artigo 334, caput, do Código Penal (lei vigente à época dos fatos, e, portanto, anterior à Lei n.º 13.008, de 26.06.2014), não havendo que se cogitar na hipótese de concurso formal de crimes, resolvendo-se o aparente conflito de normas, mais uma vez, por meio da aplicação do princípio da especialidade.


Também não merece prosperar o argumento do órgão ministerial no sentido de que se trataria de violação a bens jurídicos distintos, razão pela qual aludida conduta tipificaria ambos os delitos.


Ao contrário do aventado, por vias diversas, ambos os normativos tutelam os mesmos bens jurídicos. Sob esta ótica, no delito de contrabando, a tutela ao bem jurídico não se esgota na própria Administração Pública, na sua moralidade, sendo certo que o espectro de proteção também alcança valores outros como o controle do ingresso e saída de mercadorias do país, não somente sob a ótica da política estatal de comércio exterior, mas também em decorrência de outras questões atreladas à saúde e até mesmo ao meio ambiente. A seu turno, o disposto no artigo 15 da Lei n.º 7.802/1989 tem como bem jurídico protegido a saúde pública e o próprio meio ambiente.


Como se vê, os fatos irrogados ao réu também ofendem a própria saúde pública e o meio ambiente, bens jurídicos tutelados tanto no contrabando, quanto no art. 15 da Lei 7.802/1989 (bem como no art. 56 da Lei n.º 9.605/1998), de modo que a condenação por essas figuras típicas em concurso configuraria bis in idem, o que é vedado.


Assim, está-se diante não de uma hipótese de concurso de crimes, mas sim de um conflito aparente entre as normas penais incriminadoras, já que se trata de fato único, unidade de bens jurídicos tutelados e normas incriminadoras diversas a reger a matéria, a ser resolvido pelo princípio da especialidade.


Demais disso, o Ministério Público Federal, em suas razões recursais, aduz que a ação de "importar" descrita no artigo 334 do Código Penal não está prevista no artigo 15 da Lei n.º 7.802/1989 e que referida conduta igualmente fora descrita na inicial acusatória, razão pela qual incidiria o concurso de crimes.


Nesta hipótese, ao menos em princípio, tem-se que a conduta de "importar" mercadoria proibida (contrabando) imbrica-se com a conduta de "transportar", desde que realizada em contexto único, com unidade de desígnios, no qual o delito fim seria o transporte do agrotóxico clandestino, restando, pois, absorvida a conduta "importar", já que esta tipifica de forma menos completa o desvalor do injusto.


Em hipóteses como tais, não há que se falar em concurso de crimes, aplicando-se o raciocínio relativo ao antefato impunível, ante a aplicação do princípio da consunção.


Nesse sentido, colaciono o seguinte julgado:


PENAL. PROCESSO PENAL. CONTRABANDO E DESCAMINHO. ARTIGO 15 DA LEI 7.802/89. IDENTIDADE DOS BENS JURÍDICOS TUTELADOS. VEDAÇÃO DO BIS IN IDEM. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. CONDUTA IMPORTAR ASSOCIADA À CONDUTA TRANSPORTAR. APLICAÇÃO DA ATENUANTE DE CONFISSÃO ESPONTÂNEA. ABSORÇÃO DO ANTEFATO IMPUNÍVEL. DESPROVIMENTO DOS RECURSOS.
I - Em seu recurso, alega a defesa que houve cerceamento de defesa por não lhe haver sido deferido tempo hábil para que arrolasse testemunha de defesa em substituição de outra, falecida antes de sua oitiva. É dos autos que, ao receber a notícia do óbito da referida testemunha, o juízo da instrução determinou a intimação da defesa do acusado para se manifestar, restando inerte, todavia.
II - A materialidade, a autoria delitiva e o dolo dos acusados de praticar as condutas de "importar" e "transportar" são incontroversos.
III - É certo que os fatos imputados apresentam relevância penal por ofenderem a saúde pública e o meio ambiente, bens jurídicos tutelados tanto no contrabando, quanto nos delitos do art. 56 da Lei 9.605/98 e do art. 15 da Lei 7802/89. Sendo assim, a condenação por essas figuras típicas em concurso configuraria vedado bis in idem, de sorte que o conflito aparente entre as normas penais incriminadoras deve ser resolvido em conformidade com o princípio da especialidade.
V - Dentre as mencionadas espécies delituosas, não há dúvida de que a mais específica para a subsunção dos fatos imputados é a do art. 15 da Lei 7.802/89, pois, como assinalou o magistrado de primeiro grau, é este o diploma legal que regula particularmente o mercado de produtos agrotóxicos.
VI - A análise da narrativa acusatória e das provas produzidas nos autos evidencia que a conduta de "importar" está logicamente associada à conduta de "transportar", tratando-se de atos praticados em um mesmo contexto e com unidade de desígnio, pois a vontade final externada pelos réus era de trazer as mercadorias proibidas do estrangeiro para revenda em um determinado lugar, não implicando por sua concatenação sequencial ofensa mais grave ao bem jurídico tutelado.
VII - Desse modo, afrontaria a razoabilidade e proporcionalidade o reconhecimento do concurso material de crimes apenas porque o núcleo "importar" não consta do tipo penal especial da Lei 7.802/89, o qual prevalece por sua especialidade em face das disposições do art. 334 do CP, o qual abarca ambas as ações como tipo misto de conteúdo alternativo. Aplica-se, portanto, o princípio da consunção para que o verbo "importar" seja absorvido como antefato impunível em relação ao crime do art. 15 da Lei 7.802/89.
VIII - Reduzidas as penas-base para 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, calculados sobre o valor mínimo unitário, as quais se tornam definitivas por ficar obstada a incidência da circunstância atenuante do art. 65, III, "d", do CP, nos termos da Súmula nº 231 do STJ.
IX - Apelações desprovidas.
(ACR n.º 0003584-19.2005.4.03.6002/MS, Desembargador Federal Cotrim Guimaraes, Segunda Turma, j. 25.02.2014) (grifo nosso).

Feitas tais considerações, passo à análise do mérito.


Mérito


As provas constantes nos autos foram conclusivas no sentido de que as condutas perpetradas pelo réu ANTONIO CELSO MAAS amoldam-se perfeitamente ao tipo penal delineado no artigo 15 da Lei n.º 7.802/1989.


A materialidade, autoria e dolo necessários à caracterização do delito restaram devidamente comprovados.


A materialidade delitiva vem caracterizada por meio do Auto de Prisão em Flagrante (fls. 10/16), o Auto de Apreensão (fl. 17), o Boletim de Ocorrência do Departamento de Operação de Fronteira - DOF (fls. 31 e verso), o Auto de Depósito (fl. 33), o Laudo de Exame em Veículo (fls. 70/72), o Laudo de Exame em Substância (fls. 75/79) e o ofício n.º 079/2005, de lavra do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (fl. 82), os quais atestam que houve a apreensão de 94,9 kg (noventa e quatro quilogramas e novecentos gramas) de agrotóxicos de origem estrangeira, introduzidos ilegalmente em território nacional pelo réu, escondidos dentro de tonéis, como se óleo diesel fossem, na caçamba do veículo Ford F1000, cor cinza, placas HRC 3558, em desacordo com a legislação que rege a matéria.


O Laudo de Exame em Substância n.º 3148/05-INC aponta a existência do herbicida Clorimuron Etil, o qual deve ser registrado no Ministério da Agricultura para obtenção de licença específica para a sua comercialização, bem como que aludido produto não está registrado no Sistema de Agrotóxicos Fitossanitários (AGROFIT), disponível no sítio do Ministério da Agricultura (www.agricultura.gov.br) (fl. 78).


A seu turno, o ofício n.º 079/2005, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Departamento de Fiscalização de Insumos Agrícolas), à fl. 82, atesta a irregularidade do agrotóxico no país.


Como se vê, do acervo probatório referido, inconteste a materialidade delitiva.


A autoria também restou eficazmente comprovada.


O acusado foi preso em flagrante (fls. 10/16), tendo esclarecido em suas declarações prestadas quando da lavratura de seu Auto de Prisão, na presença de sua advogada que desde os 18 anos é lavoreiro, sendo que desde 1985 reside em São Gabriel do Oeste/MS, onde possui sua lavoura e cultiva soja. Saiu de São Gabriel do Oeste/MS no domingo, sendo que parou em Campo Grande/MS, para almoçar, na casa de sua cunhada, e depois seguiu viagem para Ponta Porã, onde chegou à noitinha. O motivo da viagem foi que viera comprar alguns maquinários na fazenda Itamarati, (...) Ao chegarem em Ponta Porã foram para o hotel Frontier. (...) Então foi abordado por uma pessoa que se identificou como Vanderlei Alvarenga, de nacionalidade, ao que parece, Paraguaia (...) Então Vanderlei lhe ofereceu veneno Paraguaio, o que importaria em R$ 7.000,00, que era a quantidade que precisava para utilizar em uma propriedade em Sinop/MT, em uma lavoura de soja, área que iria arrendar. Na ocasião Vanderlei estava em uma camioneta L-200, modelo antigo, de cor branca, com placas do Paraguai (...). Na tarde de segunda-feira, por volta das 15h30min, no local combinado, lá compareceu Vanderlei, na mesma camionete L-200, com dois tambores de 200 litros, na cor azul, dizendo que o produto estava no interior dos mesmos. Então transferiu os tambores da camionete de Vanderlei para a sua e começou viagem em direção a sua cidade, São Gabriel do Oeste/MS (...) Por volta das 18h30min, próximo à entrada da usina, foi parado por policiais do DOF, (...) É a primeira vez que levava veneno Paraguaio para uso em sua propriedade. Acredita que caso comprasse o produto similar no Brasil pagaria o dobro. Esclarece que produto com a mesma composição química, no Brasil, custa certa de R$ 500,00 o quilo. Tinha pleno conhecimento que o veneno que levava era de entrada proibida no Brasil.


Em seu interrogatório na fase judicial, o increpado admitiu a compra dos agrotóxicos com um paraguaio e que a mercadoria Clorifuron e Cloetil foram encontradas pelos policiais junto com o interrogado. Que esses produtos estavam dentro de dois tambores. Que o interrogando comprou os produtos no Paraguai. Que comprou de Vanderlei Alvarenga. Que Vanderlei Alvarenga é do Paraguai (fl. 130)


A seu turno, a prova testemunhal produzida na fase judicial, igualmente corrobora a narrativa fática exposta pelo acusado. Nesse sentido, o testigo Marcio Ribeiro Gago (testemunha de acusação), bem esclareceu que o veículo foi parado; passou-se a vistoriar o veículo; o proprietário não queria que vistoriassem os tambores; Mesmo assim, a testemunha e outros dois policiais, Ernandes e Exeverria, viraram os tambores e localizaram vários pacotes de veneno, de origem Paraguaia ou Chinesa, proibidos no Brasil; os tambores estavam cortados nos fundos e tampados com papelão; quem localizou o veneno foi o Cabo Ernandes; Desconfiaram do conteúdo dos tambores, porque ao moverem não ouvia o barulho de líquido (...) no pacote havia origem do veneno; foi dito para a testemunha que o veneno havia sido comprado por aproximadamente R$ 7.000,00 reais dentro do Paraguai (fls. 178/179).


De idêntico modo, o policial Ernandes Gonçalves Guimarães, ouvido como testemunha de acusação, elucidou que no momento da abordagem o acusado alegou que havia óleo nos tambores (...) Ele afirmou que o agrotóxico teria sido trazido do Paraguai por Vanderlei Soares. O acusado não reagiu à prisão (fl. 161). A sua versão durante a fase inquisitorial também foi no sentido de que o réu disse que nos galões, na parte traseira havia 'resto de óleo diesel'. Checado a carroceria da caminhonete percebeu dois tambores de 200 litros cada, de plástico azul, sujos de óleo (...) assim que abriu a tampa superior, percebeu alguns pacotes brancos (...) no fundo havia um recorte fechado com um papelão, por onde havia sido introduzidos diversos pacotes de veneno com inscrição da Industria Paraguaia. Ambos os tambores continham os pacotes de veneno, sendo 623, de 100 gramas cada, da marca CLORIFURON 25 e 163 pacotes de 200 gramas cada, da marca CLOETIL. Indagado sobre o veneno ANTONIO afirmou que o mesmo lhe havia sido entregue no vilarejo Cabeceira do Apa, por um tal VANDERLEI SOARES, e havia pago pelo mesmo a quantia de 'sete mil e poucos reais'(...) o veneno seria utilizado na plantação de soja em uma área de sua propriedade (fls. 11/12).


As testemunhas de defesa Neri Sorgatto e Celso Roberto Lunardi, em nada contribuíram para a elucidação dos fatos, tendo apenas salientado que o acusado é pessoa trabalhadora e que não há nada que desabone sua conduta (fls. 212/213).


Assim, restou demonstrado que o acusado transportou agrotóxicos de origem estrangeira desde a cidade de Ponta Porã/MS e os levaria a São Gabriel do Oeste/MS, de molde a caracterizar a autoria delitiva.


Por outro lado, exsurge dos elementos coligidos nos autos a presença do elemento subjetivo do tipo consubstanciado no dolo, a despeito de em seu interrogatório judicial o increpado ter se retratado acerca do desconhecimento da ilicitude da conduta.


A testemunha de acusação André Aparecido Barbosa Exeverria asseverou que a maneira que transportava os agrotóxicos evidenciava ter ele conhecimento de que agia de maneira ilegal, bem como o testigo Marcio Ribeiro (também arrolado pela acusação) esclareceu que o condutor da caminhonete afirmava que era óleo diesel, antes da revista; ficou nervoso durante a revista; estava acompanhado com a esposa, a esposa também ficou muito nervosa com o acusado; acredita que ela sabia da existência do conteúdo dos tambores; o acusado possui uma fazenda na região; é comum os proprietários comprarem veneno do Paraguai, pois custa três vezes menos que no Brasil, elementos que evidenciam, a toda sorte, a ciência da ilicitude e da reprovabilidade que o réu detinha acerca de sua conduta (fls. 160 e 179, respectivamente).


Ora, a forma de acondicionamento dos agrotóxicos no interior dos tambores de combustível, além do nervosismo apresentado pelo réu quando abordado pelos policiais (noticiado por estes não só na fase judicial, mas também na fase inquisitorial) estão a revelar que a sua vontade estava dirigida à prática da conduta tipificada.


Some-se a isto o fato de que, quando ouvido na fase extrajudicial, o acusado esclareceu que tinha pleno conhecimento que o veneno que transportava era de entrada proibida no Brasil (fl. 130).


Não se sustenta, ainda, a tese defensiva que pugna pela absolvição do acusado, amparada na ausência de ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora, isto porque, o artigo 15 da Lei n.º 7.802/1989 cuida-se de crime formal, não se exigindo qualquer resultado naturalístico à sua caracterização, o que significa dizer que é prescindível a efetiva lesão à saúde humana ou ao meio ambiente, bastando, pois, que tenha ocorrido quaisquer das condutas descritas no tipo.



Assim, evidenciado que ANTONIO CELSO MAAS, consciente e voluntariamente, transportou agrotóxico de origem estrangeira, de importação irregular, razão pela qual deve ser mantida a sua condenação, todavia, como incurso nas penas do artigo 15 da Lei n.º 7.802/1989.


As demais teses defensivas referem-se à pena, as quais serão sopesadas na sequência.


Da Dosimetria da Pena.


Pena-base


Na primeira fase da dosimetria, o Juízo a quo, ponderando todos os elementos do artigo 59 do Código Penal, fixou a pena-base acima do mínimo legal, em 01 (um) ano e 03 (três) meses de reclusão, pela prática do crime estampado no artigo 56 da Lei n.º 9.605/1998, tendo valorado negativamente uma circunstância judicial (circunstâncias do crime).


Considerando a recapitulação jurídica do delito para o crime estampado no artigo 15 da Lei n.º 7.802/1989 (acolhimento parcial do recurso ministerial), tem-se que a pena ora cominada para aludido delito é a de reclusão, de 02 (dois) a 04 (quatro) anos, além de multa.


A defesa requer a fixação da pena-base no mínimo legal.


Todavia, não merece prosperar o argumento defensivo, porquanto as circunstâncias em que o crime fora perpetrado demonstram uma maior ousadia do increpado em sua execução, na medida em que ocultou o agrotóxico em tambores de diesel, subterfúgio levado a efeito com o objetivo de impedir a fiscalização, e uma sofisticação além daquela descrita ordinariamente para a conduta típica (a ocultação do objeto do crime não constitui elementar do tipo), devendo a pena-base ser fixada em 02 (dois) anos e 03 (três) meses de reclusão, pela prática do crime delineado no artigo 15 da lei n.º 7.802/1989.


Não se verificam, dentre as demais circunstâncias do artigo 59 do Código Penal, qualquer uma que desborde da normalidade típica.




Agravantes e Atenuantes


Na segunda fase da dosimetria o juízo a quo reputou a inexistência de circunstâncias agravantes e atenuantes.


A defesa requer seja considerada a confissão como atenuante.


Não merece guarida aludida pretensão, porquanto como já mencionado alhures, quando de seu interrogatório judicial o increpado retratou-se, alegando desconhecimento acerca da ilicitude da conduta, o que, a toda sorte, não tem o condão de servir como atenuante genérica (art. 65, III, d, do Código Penal).


Com relação à atenuante arguida pela defesa, prevista no art. 14, inciso I, da Lei n.º 9.605/1998, registre-se a impossibilidade de sua incidência, visto que se refere especificamente aos crimes descritos no aludido diploma legal, cuja incidência restou afastada.


Ausentes demais atenuantes ou agravantes deve ser mantida a pena intermediária no mesmo patamar da pena-base fixada.


Causas de Aumento e Diminuição


O magistrado sentenciante também reputou inexistir quaisquer causas de aumento ou de diminuição da pena.


À míngua de impugnação, fixa-se a pena definitiva em 02 (dois) anos e 03 (três) meses de reclusão.


Pena de Multa


A aplicação da pena de multa deve observar os parâmetros previstos no artigo 49, caput, do Código Penal, que estabelece que a pena de multa será calculada por meio do mecanismo de dias-multa, não podendo nem ser inferior a 10 (dez) nem superior a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. A disposição em tela deve ser aplicada tendo como base os postulados constitucionais tanto da proporcionalidade (decorrente da incidência das regras de devido processual legal sob o aspecto substantivo - art. 5º, LIV) como da individualização da pena (art. 5º, XLVI), ambos premissas basilares do Direito Penal, cuja observância pelo magistrado mostra-se obrigatória, ao lado da aplicação do princípio da legalidade no âmbito penal, a impor que o juiz atue no escopo e no limite traçado pelo legislador, demonstrando a evidente intenção de circunscrever a sanção penal a parâmetros fixados em lei, distantes do abuso e do arbítrio de quem quer que seja, inclusive e especialmente do juiz, encarregado de aplica-la ao infrator (NUCCI, Guilherme de Souza, Individualização da Pena, 7ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, pág. 37).


Dentro desse contexto, para os tipos penais em que o preceito secundário estabelece pena de reclusão ou de detenção acrescida de multa, impõe-se que esta última, atendendo à legalidade penal a que foi feita menção anteriormente, guarde proporção com a pena corporal aplicada, respeitando, assim, a regra constitucional de individualização de reprimenda. Desta forma, caso tenha sido fixada a pena corporal no mínimo legal abstratamente cominado ao tipo infringido, mostra-se imperioso o estabelecimento da pena de multa no seu patamar mínimo, qual seja, em 10 (dez) dias-multa; a contrário senso, na hipótese da reprimenda privativa de liberdade ter sido fixada no seu quantitativo máximo, por certo a multa também o deverá ser (360 - trezentos e sessenta - dias-multa).


Importante ser dito que, na primeira fase da dosimetria da pena corporal, a eventual fração de seu aumento não deve guardar correlação direta com o quantum de majoração da pena de multa, pois esta cresceria de forma linear, mas totalmente desproporcional à pena base fixada, tendo em vista a diferença entre o mínimo e o máximo da reprimenda estabelecida para cada delito (variável de tipo penal para tipo penal) e o intervalo de variação da multa (sempre estanque entre 10 - dez - e 360 - trezentos e sessenta - dias-multa).


Isso porque, a despeito de existir uma relação de linearidade entre o aumento da pena base quanto à reprimenda corporal e o aumento da pena de multa, essa relação não é de identidade, cabendo destacar que pensar de modo diferente seria fazer letra morta aos princípios constitucionais anteriormente mencionados, desvirtuando, assim, o sistema penal e afastando a eficácia da pena de multa prevista pelo legislador.


Em outras palavras, caso incidisse na espécie a mesma fração de aumento aplicada quando da majoração da pena base atinente à reprimenda corporal em sede de pena de multa, esta seria estabelecida em patamar irrisório, muito distante do limite máximo estabelecido pelo legislador, ainda mais se se considerar que o valor do dia-multa, na maioria das vezes, é imposto em seu patamar mínimo, vale dizer, 1/30 do salário mínimo. Ou seja, evidenciaria perfeita distorção no quantum pecuniária da pena base, jamais atingindo o esperado pelo legislador ao fixar margens bem distantes entre o mínimo e o máximo da pena de multa.


Aliás, a presente interpretação guarda relação com o item 43 da Exposição de Motivos nº 211, de 09 de maio de 1983, elaborada por força da reforma da Parte Geral do Código Penal, que estabelece que o Projeto revaloriza a pena de multa, cuja força retributiva se tornou ineficaz no Brasil, dada a desvalorização das quantias estabelecidas na legislação em vigor, adotando-se, por essa razão, o critério do dia-multa, nos parâmetros estabelecidos, sujeito a correção monetária no ato da execução.


Ressalte-se que o posicionamento ora adotado encontra o beneplácito da jurisprudência desta E. Corte Regional, conforme é possível ser visto na APELAÇÃO CRIMINAL 56899 (Feito nº 0000039-46.2012.4.03.6114, Rel. Des. Fed. HÉLIO NOGUEIRA, 1ª Turma, votação unânime, julgado em 22/08/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 29/08/2017) e na APELAÇÃO CRIMINAL 62692 (Feito nº 0009683-06.2012.4.03.6181, Rel. Des. Fed. HÉLIO NOGUEIRA, 1ª Turma, votação unânime, julgado em 11/07/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 21/07/2017).


Assim, não há como fixar a pena de multa sem se levar em consideração seus limites mínimo e máximo com adoção de proporcionalidade em face da pena privativa de liberdade, atendendo, pois, aos preceitos constitucionais (da legalidade, da proporcionalidade e da individualidade) e legais (Exposição de Motivos da Reforma da Parte Geral do Código Penal a que foi citada anteriormente).


Portanto, no caso concreto, conclui-se que, considerando que a pena privativa de liberdade estabelecida foi de 02 (dois) anos e 03 (três) meses de reclusão, conclui-se, que proporcionalmente, a pena de multa deve ser fixada em 53 (cinquenta e três) dias- multa.


Valor do dia-multa


A sentença fixou o valor do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente em junho de 2005, devendo ser corrigido o valor a partir do trânsito em julgado da sentença. À míngua de impugnação, deve ser mantido o valor do dia-multa, tal como lançado na sentença.


Regime de Cumprimento da Pena Privativa de Liberdade


O regime fixado foi o ABERTO, nos termos do artigo 33, § 2º, "c", do Código Penal, que deve ser mantido.


Da Substituição da Pena Privativa de Liberdade


Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, o juízo a quo substituiu a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, sendo prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de dois salários mínimos vigente à época do pagamento para entidade assistencial, na forma a ser estabelecida pelo Juízo da Execução.


Ante a inexistência de impugnação, deve ser mantido este tópico da sentença.


No tocante ao valor da prestação pecuniária, deve-se observar que o artigo 45, §1º, do Código Penal, dispõe que a prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 01 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos.


No que tange à destinação da prestação pecuniária, saliente-se que a União é sempre vítima estanque de todo e qualquer delito e o encaminhamento sistemático a ela faria com que as demais hipóteses do artigo mencionado jamais tivessem aplicação. Sob este espeque, a destinação da prestação pecuniária ora determinada pelo juiz sentenciante alcança fins sociais precípuos que o direito penal visa alcançar, de maneira eficaz e objetiva.


Gratuidade da justiça


A defesa requereu, por fim, a reforma da sentença no tocante à condenação ao pagamento das custas do processo, por se tratar de pessoa hipossuficiente, requerendo a gratuidade da justiça.


Em princípio, consigno que a condenação ao pagamento das custas processuais decorre do comando normativo inserto no artigo 804 do Código de Processo Penal, sendo devida mesmo ao acusado que seja beneficiário da Assistência Judiciária Gratuita.


In casu, consta nos autos que o réu é agricultor (fls. 12 e 130), bem como que à fl. 237 requereu a nomeação de um defensor dativo ante a impossibilidade de arcar com os custos de um advogado, tendo, à fl. 239, o juízo a quo nomeado a advogada dativa Dra. Lígia Galando Montilha, do quadro de defensores dativos daquela Subseção Judiciária, para atuar em defesa do increpado. Consta, ainda, posteriormente, que, em razão da instalação da sede da Defensoria Pública da União em Dourados/MS, foi-lhe nomeado Defensor Público Federal, já sendo, portanto, beneficiário da Assistência Judiciária Gratuita. Nesse sentido, há, pois, indícios suficientes acerca da hipossuficiência econômica do réu, devendo-lhe igualmente ser concedida a gratuidade da justiça, nos termos do artigo 98, parágrafos 2º e 3º, do Código de Processo Civil, c.c. o artigo 3º do Código de Processo Penal.



Reparação do dano


Deixo de analisar a questão da reparação dos danos causados, por não ter sido objeto da sentença e do recurso.


Conclusão


Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso de Antonio Celso Maas tão somente para conceder a gratuidade da justiça, bem como dou parcial provimento ao recurso do Ministério Público Federal para condenar o réu como incurso nas penas do art. 15 da Lei n.º 7.802/89, fixando a pena corporal definitiva em 02 (dois) anos e 03 (três) meses de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direito, bem como à pena de 53 (cinquenta e três) dias-multa, nos termos acima explicitados.


É como voto.



FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


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