D.E. Publicado em 19/04/2018 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conhecer do agravo retido e dar-lhe provimento, e dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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Data e Hora: | 12/04/2018 17:16:57 |
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta por José Basílio da Silva e Olívia Maria da Silva contra sentença que, nos autos da ação ordinária em que se objetiva a revisão das cláusulas do contrato de mútuo habitacional firmado sob as regras do Sistema Financeiro da Habitação, julgou improcedente o pedido, com fundamento no art. 269, I, do Código de Processo Civil de 1973.
Honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00 (um mil reais) a ser proporcionalmente dividido entre os réus.
Alega-se, em síntese, o seguinte: a) inobservância do método de reajuste das prestações pelo Plano de Equivalência Salarial - PES/CP; b) indevida cobrança do CES - Coeficiente de Equiparação Salarial, no percentual de 15% sobre a primeira prestação, sem previsão legal ou contratual, considerando que o referido coeficiente passou a vigorar somente após a edição da Lei 8.692/93; c) perda de renda do mutuário, por ato oficial, por ocasião da implantação do Plano Real (Medida Provisória nº 434/94), que converteu os salários em URV no dia 1º de março de 1994, não tendo o agente financeiro levado em consideração esse fato; d) indevida atualização do saldo devedor com base no coeficiente de remuneração da poupança indicado para a quinzena, ante a ilegal adoção de índices diversos para remunerar as cadernetas com aniversário na primeira (IPC - 84,32%) ou na segunda quinzena (BTN - 41,28%) do mês, por ocasião da edição da Medida Provisória nº 168/90, convertida na Lei nº 8.024/90, que instituiu o Plano Collor, em 15 de março de 1990; e) aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, na limitação da taxa de juros, ante a onerosidade excessiva que recai sobre o mutuário; f) substituição da Taxa Referencial - TR pelo INPC para reajuste do saldo devedor; f) ilegalidade do método de atualização e amortização do saldo devedor pela Tabela Price; g) expectativa de resíduo indevido em razão do valor excessivo da prestação; h) devolução em dobro dos valores pagos a maior; i) ilegalidade da imposição da contratação do seguro-habitacional; j) ilegalidade do Decreto-lei nº 70/66.
Os réus apresentaram contrarrazões, tendo a União arguido, alternativamente, em caso de reforma parcial da sentença, a apreciação do agravo retido interposto a fls. 577/591, acerca da sua ilegitimidade passiva ad causam.
É o relatório.
VOTO
Código de Defesa do Consumidor
O Colendo Superior Tribunal de Justiça colocou uma pá de cal sobre a questão da aplicabilidade dos dispositivos do código consumerista aos contratos bancários e de financiamento em geral com edição da Súmula 297: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".
No mesmo sentido, o STF firmou entendimento no julgamento da ADI nº 2.591/DF, todavia, excetuou da abrangência do CDC "a definição do custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas na exploração da intermediação de dinheiro na economia":
Portando, a aplicabilidade do CDC às instituições financeiras não tem o alcance que se pretende dar, uma vez que os contratos bancários também estão regidos por normas específicas impostas pelo Banco Central do Brasil.
Nessa ordem de ideias, a submissão do contrato à lei consumerista está condicionada à análise de cada hipótese, ocasião em que se apurará eventual descompasso no cumprimento da obrigação.
Da leitura do contrato de mútuo, firmado em 27.06.88 e acostado a fls. 41/50, vê-se que foram adotados, para o reajuste das prestações, o Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional - PES/CP; para o reajuste do saldo devedor, os mesmos índices de correção das cadernetas de poupança livres; e para a amortização do débito, a Tabela Price.
Plano de Equivalência Salarial - PES/CP
O Sistema Financeiro de Habitação - SFH, instituído pela Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964, com o objetivo de estabelecer políticas públicas a fim de facilitar e promover a construção e a aquisição da casa própria ou moradia, especialmente pelas classes de menor renda da população:
O Decreto-Lei nº 19, de 30 de agosto de 1966, estabeleceu critérios para fixação dos índices a serem adotados, além da periodicidade do reajuste das prestações dos contratos habitacionais:
A Resolução do Conselho de Administração nº 25, de 16 de junho de 1967 do BNH - Banco Nacional da Habitação BNH criou o Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), alterou o critério de adoção do Plano "A" e criou o Plano "C":
A Resolução do Conselho de Administração do BNH nº 36/69 criou o Plano de Equivalência Salarial - PES, adotou o Sistema Francês de Amortização (SFA) e criou o Coeficiente de Equiparação Salarial (CES):
Com a vigência do Decreto-lei nº 2.164, de 19 de setembro de 1984, o conceito de "equivalência salarial" tornou-se princípio básico do Sistema Financeiro da Habitação - SFH, estabelecendo que a prestação mensal do financiamento deveria guardar relação de proporção com a renda familiar do adquirente do imóvel, dispondo o seu art. 9º, com a redação dada pela Lei nº 8.004/90:
Com fundamento na referida legislação, ficou estabelecido que, a partir de 1985, o reajuste das prestações mensais do mútuo habitacional seria realizado de acordo com o percentual de aumento salarial da categoria profissional do mutuário.
Ademais, na hipótese de o mutuário não pertencer a nenhuma categoria profissional, dever-se-ia observar o § 4º do mesmo dispositivo:
A partir de 1991, com a entrada em vigor da Lei nº 8.177, de 1 de março de 1991, estabeleceu-se para o reajuste do saldo devedor e das prestações dos contratos do SFH, o mesmo índice utilizado para corrigir os depósitos da poupança:
A Lei nº 8.692, de 28 de julho de 1993, criou o Plano de Comprometimento da Renda - PCR, trazendo nova modificação no modo de cálculo da prestação dos contratos imobiliários:
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido da validade dessas modificações legislativas acerca dos critérios de atualização do saldo devedor e reajuste das prestações mensais, vinculadas aos contratos de mútuo habitacional, celebrados sob as regras do Sistema Financeiro da Habitação:
Na hipótese restou demonstrado que a Caixa não observou o Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional - PES/CP.
Tal sistema de reajuste, como se viu, tem por objetivo preservar a capacidade de adimplemento do contrato por parte do mutuário, visando a sua sobrevivência e o seu pleno cumprimento.
Os mutuários pugnaram pela produção de prova pericial, com inversão do ônus da prova, à luz do Código de Defesa do Consumidor (fl. 235). O Juízo indeferiu o pedido de inversão do ônus da prova (fl. 238). Os autores noticiaram a interposição de agravo de instrumento (fl. 244), ao qual foi concedido o efeito suspensivo (fls. 247/248). A Segunda Turma deste Tribunal negou provimento ao agravo de instrumento (fls. 267, 284/291).
O Juízo nomeou perito e oportunizou a apresentação de quesitos pelas partes (fl. 268).
Apresentado o laudo pericial (fls. 337/379) foi conclusivo ao afirmar a não observância do Plano de Equivalência Salarial, pela Caixa:
Instadas as partes a se manifestarem acerca do laudo (fl. 391), o Banco Itaú apresentou laudo pericial contrário, sustentando que o reajuste das prestações se dá de acordo com os índices da categoria profissional, podendo destoar dos índices efetivamente concedidos ao trabalhador, cabendo, assim, ao mutuário, a apresentação de seus comprovantes de rendimento para revisão do contrato (fls. 405/412).
O assistente técnico dos autores divergiu da conclusão do perito judicial, no tocante ao procedimento adotado no trato dos juros não pagos no mês (amortização negativa), quando do cálculo dos saldos devedores apresentados nos Anexos II e III do Laudo Pericial, bem como acerca da resposta do expert aos quesitos onde os autores solicitavam o cálculo do financiamento segundo as teses por eles defendidas (fls. 449/465).
O Juízo determinou aos autores a juntada dos comprovantes de rendimentos relativos ao período de permanência do contrato, considerando que, na elaboração do laudo pericial, os índices utilizados foram os obtidos pela categoria de Trabalhadores Petroleiros, e não os percentuais de aumentos salariais percebidos pelos mutuários (fl. 611).
Os mutuários pugnaram pela dilação de prazo para cumprimento (fl. 614).
Em resposta, os autores trouxeram aos autos nova declaração do Sindicato dos Petroleiros do Litoral Paulista, e comprovantes de renda do mutuário José Basílio da Silva (fls. 618, 621/680).
Retornaram aos autos ao perito, para complementação do laudo (fl. 681), ocasião em que o senhor perito requereu a intimação dos mutuários para apresentarem "comprovantes de pagamento salarial hollerith's de todo o período contratual (comprovante de rendimento salarial declarado pelo empregador), tendo em vista que foi apresentado nos autos somente a partir de 2003, e o período que deve ser analisado abrange desde 27/07/88 até a propositura da ação" (fl. 693).
Instados (fl. 694), os autores apresentaram novamente a declaração do Sindicato dos Petroleiros do Litoral Paulista (fls. 701/702).
O perito reiterou o seu pedido de fl. 693 (fls. 706/707).
Os autores mais uma vez apresentaram a declaração do Sindicato dos Petroleiros do Litoral Paulista (fls. 720/721).
O perito reiterou o seu pedido de fl. 693 (fls. 732/733).
Os autores apresentaram declaração da Petrobrás - Petróleo Brasileiro S/A e da Petros - Fundação Petrobrás de Seguridade Social, bem como da ficha financeira do mutuário (fls. 755/917).
Sobreveio o laudo complementar, no qual o perito apresentou as seguintes considerações:
A parte autora manifestou-se, concordando com o laudo complementar (fl. 942).
A União deu-se por ciente do laudo complementar (fl. 943).
(fls. 949v./950)
Merece reforma a sentença, sob esse aspecto, na medida em que a restituição dos valores cobrados a maior pelo agente financeiro deve ocorrer mediante compensação com as prestações vincendas imediatamente subsequentes, ou por meio de devolução em espécie, não sendo admitida a compensação com o saldo devedor, nos exatos termos do art. 23 da Lei nº 8.004/90:
CES - Coeficiente de Equiparação Salarial
O Sistema Financeiro da Habitação foi criado pelo governo federal através da Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964, para facilitar a aquisição da casa própria.
Visando impulsionar a adesão ao programa, foi lançado o Plano de Equivalência Salarial - PES através da Resolução nº 36, de 11 de novembro de 1969, que estipulava que a responsabilidade pelo saldo devedor dos financiamentos contratados seria assumida, em nome dos mutuários, pelo Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS.
Através da referida norma, determinou-se que o número de prestações pactuadas seria fixo, bem como o reajustamento das prestações seria realizado sessenta dias após o aumento do salário mínimo e na mesma razão da variação deste, sendo facultado ao mutuário pactuar mês predeterminado para reajustamento da prestação.
Foi por isto que a citada Resolução nº 36/69 criou o Coeficiente de Equiparação Salarial - CES, cuja ideia era aplicar uma majoração percentual sobre a prestação inicial, que fosse suficiente para cobrir as diferenças advindas da adoção de diferentes índices e periodicidade para o saldo e prestações e assim, prevenir resíduos ao término do prazo do financiamento e, de outra parte, atenuar o impacto da incidência do primeiro reajustamento na data-base, ocasião em que se aplicaria o índice acumulado dos doze meses do período.
Como se vê, muito embora somente tenha obtido amparo legal com a edição da Lei nº 8.692, de 28 de julho de 1993, que o autorizou expressamente em seu artigo 2º, o CES já possuía previsão normativa que legitimava sua instituição e cobrança.
Então, tendo em mente que, nos contratos do Sistema Financeiro da Habitação, mutuários e agentes financeiros estão obrigados a celebrar o mútuo segundo as normas do próprio SFH editadas pelo Conselho Monetário Nacional, não há como negar a aplicação do CES, que se encontra previsto tanto na legislação, quanto em contrato.
Contudo, a jurisprudência tranquila do Superior Tribunal reconhece a legalidade e a possibilidade de sua cobrança, mesmo antes do advento da Lei nº 8.692/93, desde que presente a cláusula contratual:
No presente caso, se revela inexigível a cobrança de tal encargo, na medida em que o contrato firmado entre as partes não trouxe a pactuação expressa de incidência do Coeficiente e Equiparação Salarial - CES:
Execução extrajudicial
O Egrégio Supremo Tribunal Federal já declarou a constitucionalidade do Decreto-Lei nº 70/66:
Por sua vez, o Decreto-Lei nº 70/66 prevê expressamente a possibilidade de o devedor purgar o débito calculado até a assinatura do auto de arrematação, conforme se extrai dos seguintes artigos:
Acerca do tema, o precedente jurisprudencial do colendo Superior Tribunal de Justiça:
Por fim, conheço do agravo retido, reiterado em contrarrazões pela União, para dar-lhe provimento, vez que, nas causas versando sobre os contratos do Sistema Financeiro de Habitação - SFH com cláusula do Fundo de Compensação de Variação Salarial - FCVS, a competência para figurar no polo passivo é exclusiva da Caixa Econômica Federal, sendo desnecessário o ingresso da União como litisconsorte.
Nesse sentido é vasta a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
Portanto, não sendo o caso de formação do litisconsórcio necessário, deve a União permanecer na lide como assistente simples, tal como requerido a fl. 524.
Para fins de prequestionamento, refuto as alegações de violação e negativa de vigência aos dispositivos legais e constitucionais apontados no recurso interposto.
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Data e Hora: | 12/04/2018 17:16:53 |