Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 23/04/2018
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000553-88.2016.4.03.6136/SP
2016.61.36.000553-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : RONALDO LUIZ DOS SANTOS
ADVOGADO : SP329551 GIOVANNA RIBEIRO PORTO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00005538820164036136 1 Vr CATANDUVA/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. APREENSÃO DE QUATRO PÁSSAROS SILVESTRES IRREGULARMENTE MANTIDOS EM CATIVEIRO DOMICILIAR PELO ACUSADO, INCLUSIVE AMEAÇADAS DE EXTINÇÃO, PORTANDO RELAÇÃO NÃO ATUALIZADA DE PASSERIFORMES NO ENDEREÇO DO PLANTEL, TODOS COM ANILHAS VISIVELMENTE ALARGADAS, EM DESACORDO COM O ARTIGO 32, II e III, DA INSTRUÇÃO NORMATIVA IBAMA N. 10/2011. USO INDEVIDO DE DUAS ANILHAS DO IBAMA PELO RÉU, SABIDAMENTE, ALARGADAS. DELITOS IMPUTADOS NA DENÚNCIA DEVIDAMENTE TIPIFICADOS NO ARTIGO 29, § 1º, III, E § 4º, I, DA LEI 9.605/98, E NO ARTIGO 296, § 1º, I E III, DO CÓDIGO PENAL, EM CONCURSO MATERIAL. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO NÃO APLICÁVEL NO CASO CONCRETO. AUSÊNCIA DE CONFLITO APARENTE DE NORMAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NÃO INCIDENTE IN CASU. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEMONSTRADAS. DOLO CONFIGURADO. DOSIMETRIA E SUBSTITUIÇÃO DA SOMA DAS PENAS CORPORAIS APLICADAS AO RÉU POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. REDUÇÃO DA PENA DE MULTA REFERENTE AO DELITO AMBIENTAL, MANTIDA A CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA DO ARTIGO 29, § 4º, I, DA LEI 9.605/98. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO E RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Em suas razões recursais (fls. 138/142), o Ministério Público Federal pleiteia a reforma parcial da r. sentença, para condenar o réu também pela prática do delito previsto no artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal. Já defesa, em suas razões recursais (fls. 145/154), pleiteia a absolvição do acusado também no tocante à imputação delitiva descrita no artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98, em razão de eventual incidência do princípio da insignificância no caso concreto, por suposta falta de provas da autoria delitiva ou ainda com fundamento no artigo 386, VI, do Código de Processo Penal, requerendo, subsidiariamente, a exclusão ou diminuição dos 180 (cento e oitenta) dias-multa, bem como a exclusão da prestação de serviços à comunidade, em razão de o réu, em tese, não possuir condições físicas, psíquicas e econômicas para cumpri-los.
2. A despeito da posição adotada pelo magistrado sentenciante às fls. 128-v da r. sentença e em consonância com o apelo ministerial, não há de se falar em conflito aparente de normas entre os tipos penais descritos no artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal (uso indevido de anilhas do IBAMA adulteradas ou falsificadas) e no artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98 (guarda irregular de pássaros silvestres, inclusive espécies consideradas ameaçadas de extinção, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente), a resultar em equivocada absorção do primeiro (suposto delito-meio) pelo segundo (pretenso delito-fim), sendo de rigor o seu afastamento.
3. Cumpre observar que os tipos penais em epígrafe tutelam bens jurídicos distintos (o primeiro, a fé pública; o segundo, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, destacadamente, a fauna silvestre), além de decorrerem de condutas diversas e autônomas, razão pela qual não se vislumbra, na presente hipótese, a incidência do princípio da consunção.
4. Ao contrário do sustentado pela defesa e em sintonia com o pugnado pela acusação, os elementos de cognição demonstram que o criador amador RONALDO LUIZ DOS SANTOS (CTF n. 497451), de forma livre e consciente, mantinha, irregularmente, em cativeiro domiciliar, 04 (quatro) pássaros silvestres, consistentes em 01 (um) corrupião (Icterus jamacaii), 01 (um) coleira-papa-capim (Sporophila caerulescens), 01 (um) sanhaço-de-coleira (Schistochlamys melanopis) e 01 (um) curió (Sporophila angolensis), inclusive espécies consideradas ameaçadas de extinção, todos sem estarem devidamente anilhados, sobretudo, pelo visível alargamento dos diâmetros internos de suas respectivas anilhas "IBAMA 03/04 3,5 026663", "IBAMA 03/04 2,2 000031", "26 6 SOSP 2000 384" e "CSO 26.2.2001.094" (tendo saído com facilidade de suas patas), e sequer portava relação de passeriformes atualizada no endereço de seu plantel, em nítido desacordo com eventual licença, permissão ou autorização obtida junto ao órgão ambiental competente, nos termos do artigo 32, incisos II e III, da Instrução Normativa IBAMA n. 10/2011, os quais vieram a ser apreendidos por policiais militares ambientais, em 02/07/2015, na própria residência do acusado no Município de Catanduva/SP, além de incorrer, também de maneira livre e consciente, no uso indevido de 02 (duas) anilhas, em tese, originalmente cadastradas pelo IBAMA e posteriormente adulteradas/falsificadas (ambas de diâmetro interno bastante superior ao normativamente permitido), mantidas apostas pelo réu nos tarsos dos aludidos corrupião ("IBAMA 03/04 3,5 026663") e coleira-papa-capim ("IBAMA 03/04 2,2 000031"), no mesmo contexto delitivo.
5. Consoante o Laudo Biológico (fl. 09), das 04 (quatro) aves silvestres apreendidas em poder do acusado, 02 (duas) delas já integravam à época dos fatos lista oficial de espécies consideradas ameaçadas de extinção no âmbito do Estado de São Paulo (Anexo I do Decreto Estadual n. 60.133/2014), quais sejam, 01 (um) sanhaço-de-coleira (Schistochlamys melanopis) e 01 (um) curió (Sporophila angolensis). Ademais, asseverou que "todos os pássaros estavam com anilhas maiores que as recomendáveis e saíram com facilidade das suas patas".
6. Considerando sua larga experiência enquanto criador amador de passeriformes com cadastro no IBAMA, pelo menos, desde 2004 (fls. 25/34), não merece prosperar a frágil tese defensiva de que o réu teria adquirido de modo regular todos os seus passeriformes ora apreendidos, em tese, desconhecendo qualquer adulteração em suas respectivas anilhas, cujo alargamento era visível a olho nu.
7. Restaram incontestes a materialidade e autoria delitivas, assim como o dolo do réu, no mínimo eventual, em relação à prática dos delitos previstos no artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal, e no artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98, em concurso material, não se olvidando da natureza diversa dos bens jurídicos penalmente tutelados em cada um dos tipos penais em comento, respectivamente, a fé pública e a proteção ao meio ambiente (destacadamente, a fauna silvestre), à míngua de qualquer das causas de absolvição previstas no artigo 386 do Código de Processo Penal.
8. Tampouco há de se cogitar erro sobre a ilicitude do fato (seja inevitável, seja evitável) ou sobre os elementos do tipo, ou mesmo eventual excludente de culpabilidade, incompatível com o presente contexto delitivo, cujas circunstâncias não autorizam a concessão do perdão judicial previsto no artigo 29, § 2º, da Lei 9.605/98, inclusive, pela presença de espécies silvestres consideradas ameaçadas de extinção (fl. 09).
9. O réu foi inicialmente condenado a 09 (nove) meses de detenção, em regime inicial aberto, e 180 (cento e oitenta) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática delitiva descrita no artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98, ficando substituída a pena privativa de liberdade por uma única restritiva de direitos consistente em prestação de serviços à comunidade, pelo mesmo tempo da pena corporal substituída, mediante "a atribuição ao condenado de tarefas gratuitas junto a parques e jardins públicos e unidades de conservação, e, no caso de dano da coisa particular, pública ou tombada, na restauração desta, se possível", conforme se depreende da sentença de fls. 125/129.
10. Em relação ao delito do artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal, fixaram-se as penas-base no patamar mínimo legal, a saber, 02 (dois) anos de reclusão, e 10 (dez) dias-multa, em consonância com o artigo 59 do mesmo diploma legal. A culpabilidade, as circunstâncias, os motivos e as consequências do delito mostraram-se normais à espécie delitiva. Além disso, não se visualizaram nos autos elementos concretos acerca da personalidade e da conduta social do acusado, tampouco que sirvam como "maus antecedentes".
11. Na segunda fase da dosimetria, não se vislumbraram nos autos quaisquer agravantes ou atenuantes, razão pela qual restaram mantidas, provisoriamente, as mesmas penas-base. De qualquer sorte, a Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça adverte que "a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal".
12. Na ausência de quaisquer causas de aumento ou diminuição, fixaram-se definitivamente a pena privativa de liberdade de "RONALDO LUIZ" em 02 (dois) anos de reclusão, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do delito contra a fé pública capitulado no artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal, nos moldes dos artigos 49, § 1º, e 68, do mesmo diploma legal.
13. No que se refere ao crime ambiental previsto no artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98, reduziram-se, inclusive de ofício, as penas-base inicialmente fixadas pelo magistrado sentenciante para o mínimo patamar legal, a saber, 06 (seis) meses de detenção, e 10 (dez) dias-multa, em consonância com o artigo 59 do mesmo diploma legal e ainda com o artigo 6º da Lei 9.605/98, uma vez que a culpabilidade, as circunstâncias, os motivos e as consequências do delito para a saúde pública e para o meio ambiente mostraram-se normais à espécie delitiva. Além disso, inexistem nos autos elementos concretos acerca da personalidade e da conduta social do acusado, tampouco que sirvam como "maus antecedentes".
14. Na segunda fase da dosimetria, ainda que presente a atenuante prevista no artigo 14, IV, da Lei 9.605/98 (o réu colaborou com os agentes encarregados da vigilância e do controle ambiental - fls. 04/06), a Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça adverte que "a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal", como poderia, em tese, ser cogitado, razão pela qual restaram preservadas as sanções intermediárias em 06 (seis) meses de detenção, e 10 (dez) dias-multa, relativamente ao delito do artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98, à míngua de quaisquer agravantes.
15. Na terceira fase da dosimetria da pena, manteve-se, de resto, a incidência da causa de aumento especial prevista no artigo 29, § 4º, inciso I, da Lei 9.605/98 (ficando as penas intermediárias ora fixadas aumentadas de metade), em razão de o referido delito ambiental ter sido praticado, inclusive, contra espécies consideradas ameaçadas de extinção (fl. 09)
16. Dessa forma, fixou-se definitivamente a pena privativa de liberdade de "RONALDO LUIZ" em 09 (nove) meses de detenção, em regime inicial aberto, nos mesmos termos da r. sentença, e em 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do delito capitulado no artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98, atendendo, nesse ponto, ao pleito subsidiário da defesa (redução da pena cumulativa de multa inicialmente fixada pelo magistrado sentenciante à fl. 129).
17. Com efeito, as penas corporais definitivas dos delitos em comento devem ser somadas, em concurso material, à vista do artigo 69 do Código Penal, perfazendo o total de 02 (dois) anos e 09 (nove) meses de reclusão/detenção (executando-se primeiro a pena de reclusão). A propósito, observa-se que, no concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente, na forma do artigo 72 do Código Penal.
18. Ademais, na forma do artigo 44, § 2º, segunda parte, do Código Penal, e do artigo 8º da Lei 9.605/98, substituiu-se a soma das penas privativas de liberdade impostas a "RONALDO LUIZ" por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo mesmo prazo da soma das penas corporais substituídas, e prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário-mínimo, destinada à União Federal.
19. Nada obstante as preocupações aventadas pela defesa às fls. 151/154 de suas razões recursais, ainda que desprovidas de qualquer comprovação, salientou-se que, em qualquer fase da execução, poderá o Juiz, motivadamente, alterar, a forma de cumprimento da pena de prestação de serviços à comunidade, ajustando-a às aptidões e condições pessoais do condenado e às características do estabelecimento, da entidade ou do programa comunitário ou estatal, nos moldes dos artigos 148 e 149 da Lei de Execuções Penais.
20. Apelo da acusação provido e apelo da defesa parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo interposto pela acusação, para condenar RONALDO LUIZ DOS SANTOS a 02 (dois) anos de reclusão, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, também pela prática do delito contra a fé pública capitulado no artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal, nos moldes dos artigos 49, § 1º, e 68, do mesmo diploma legal, afastando-se a incidência do princípio da consunção no caso concreto, e tendo em vista o concurso material entre os tipos penais descritos no artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98, e no artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal, calcular a soma de suas penas privativas de liberdade em 02 (dois) anos e 09 (nove) meses de reclusão/detenção, em regime inicial aberto, que ficam substituídas por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo mesmo prazo da soma das penas corporais substituídas, e prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário-mínimo, destinada à União Federal, nos termos do voto do Des. Fed. Relator; prosseguindo, a Turma, por maioria, decidiu dar provimento parcial ao apelo interposto pela defesa, apenas para, relativamente ao delito do artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98, reduzir a pena cumulativa de multa inicialmente fixada ao réu para apenas 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, nos termos do voto do Des. Fed. Relator, com quem votou o Des. Fed. Nino Toldo, vencido o Des. Fed. Fausto De Sanctis que mantinha a pena de multa no tocante ao delito tipificado no art. 29, §1º, III, e §4º, I, da lei 9.605/98 em 180 (cento e oitenta) dias-multa, tal como fixado na sentença.



São Paulo, 10 de abril de 2018.
JOSÉ LUNARDELLI


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000553-88.2016.4.03.6136/SP
2016.61.36.000553-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : RONALDO LUIZ DOS SANTOS
ADVOGADO : SP329551 GIOVANNA RIBEIRO PORTO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00005538820164036136 1 Vr CATANDUVA/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de apelações criminais interpostas pela defesa de RONALDO LUIZ DOS SANTOS e pelo Ministério Público Federal em face da sentença proferida pelo Juízo Federal da 1ª Vara Federal de Catanduva/SP, que condenou o réu pelo cometimento do delito do artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98, e o absolveu em relação ao crime previsto no artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal, com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal, à luz do princípio da consunção.

Narra a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (fls. 60/61):

RONALDO LUIZ DOS SANTOS, em 02 de julho de 2015, na cidade de Catanduva/SP, fez uso indevido de sinal público adulterado (anilha de identificação de pássaros de fabrico do IBAMA), bem como manteve em cativeiro espécimes da fauna silvestre sem a devida autorização da autoridade competente, sendo duas delas espécies ameaçadas de extinção.
Conforme restou apurado, em 02 de julho de 2015, durante patrulhamento ambiental rural, policiais militares ambientais dirigiram-se até a rua Nair de Freitas, nº 230, Jardim Martani, na cidade de Catanduva/SP, residência do ora denunciado. Na ocasião, RONALDO LUIZ DOS SANTOS apresentou uma relação virtual de passeriformes, na qual constavam 09 (nove) pássaros de diversas espécies nativas. Após vistoria, constatou-se a existência de 04 (quatro) pássaros silvestres no local. Munidos de um paquímetro, os policiais mensuraram as anilhas de identificação dos passeriformes e constataram que todas as 04 (quatro) estavam em situação irregular, nos termos em que segue: [...]
Vale ressaltar que, de acordo com o relatório dos policiais ambientais (fls. 05), foi possível retirar todas as anilhas com as próprias mãos, visto que estavam alargadas.
E mais, das aves encontradas com anilhamento irregular, as espécies popularmente conhecidas como "Curió" (Spreophi[l]a angolensis) e "Sanhaço de coleira" (Schistochlamys melanopis) encontram-se ameaçadas de extinção, conforme anexo I, do Decreto Estadual nº 60.133, de 07/02/2014.
Segundo o denunciado, os demais pássaros constantes da relação de seu plantel vieram a óbito ou fugiram, informando que não atualizou a sua relação por não ter mais interesse na criação.
O Laudo de Perícia Criminal Federal nº 026/2016 - UTEC/DPF/ARU/SP concluiu que a anilha com a inscrição IBAMA 03-04 2,2 00031 apresenta sinal de adulteração com ferramenta, provavelmente para a adulteração do diâmetro. Quanto à anilha com inscrição IBAMA 03/04 3,5 26663, restou apurado que se trata de anilha falsa, visto que apresentava caracteres desalinhados e com o espaçamento dispostos de forma irregular, além de não apresentar um anel de cor preta característico de anilha padrão. Em relação às outras duas anilhas (CSO - 26.2.2001.094 e 26 SOSP 2000 384), supostamente emitidas por associação ornitológica, não existem elementos de segurança para determinação de autenticidade, nem padrões de comparação para as anilhas.
Destaque-se ainda que o plantel registrado em nome de RONALDO junto à autarquia ambiental não coincidia com a realidade que foi flagrada pelos policiais militares ambientais. Isto porque, apesar de terem sido encontradas em sua posse 04 (quatro) animais, à época dos fatos, em seu cadastro SISPASS constavam registradas 09 (nove) aves em seu nome.
Cumpre salientar que as anilhas são anéis de metal, codificados sequencialmente e só podem ser fornecidas pelo órgão ambiental (IBAMA). São consideradas selo público, ou seja, sinais de autenticação de atos oficiais e, portanto, emitidos pelo governo brasileiro.
A materialidade e a autoria dos delitos em comento encontram-se consubstanciadas no boletim de ocorrência ambiental nº 150401 (fls. 04/06); no auto de infração ambiental (fls. 07); no termo de apreensão (fls. 08); no termo de destinação de animais apreendidos (fls. 10); no exame de constatação (fls. 14); no auto de apreensão de anilhas (fls. 19); no cadastro SISPASS em nome do denunciado (fls. 25/34); nas declarações de RONALDO (fls. 38) e no Laudo de Perícia Criminal Federal (fls. 45/49).
Pelo exposto, o Ministério Público Federal denuncia RONALDO LUIZ DOS SANTOS como incurso nas penas do artigo 296, § 1º, incisos I e III, do Código Penal, em concurso com as penas do artigo 29, § 1º, inciso III c.c art. 29, § 4º, inciso I, ambos da Lei nº 9.605/98, tudo na forma do art. 69 do Código Penal [...].

A denúncia foi recebida em 25/05/2016 (fls. 62/63).

Resposta à acusação (fls. 79/84) apresentada por defensora dativa nomeada à fl. 74 (Dra. Giovanna Ribeiro Porto - OAB/SP 329.551).

Decisão afastando as hipóteses de absolvição sumária previstas no artigo 397 do Código de Processo Penal e determinando o prosseguimento do feito (fl. 86).

Alegações finais da acusação (fls. 108/112) e da defesa (fls. 119/123).

Boletim de Ocorrência Ambiental n. 150401 (fls. 04/06); Auto de Infração Ambiental n. 319983 (fl. 07); Termo de Apreensão (fl. 08); Laudo Biológico (fl. 09); Termos de Destinação (fls. 10/11); informações sobre o plantel virtual do acusado (fl. 12); Exame de Constatação (fls. 14/16); relatório fotográfico (fls. 17/18); Auto de Apreensão das anilhas (fl. 19); relatório geral Sispass em nome do réu (fls. 25/34); Laudo Pericial relativo às anilhas apreendidas (fls. 45/49); relatório policial (fls. 51/52); depoimento judicial da testemunha (fls. 105/106-mídia); interrogatório do acusado em sede policial (fl. 38).

Após regular instrução, sobreveio a sentença de fls. 125/129, que julgou parcialmente procedente a denúncia, absolvendo RONALDO LUIZ DOS SANTOS da imputação delitiva descrita no artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal, com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal, à luz do princípio da consunção, e o condenando pela prática delitiva descrita no artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98, a 09 (nove) meses de detenção, em regime inicial aberto, e 180 (cento e oitenta) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos, ficando substituída a pena privativa de liberdade por uma única restritiva de direitos consistente em prestação de serviços à comunidade, pelo mesmo tempo da pena corporal substituída, mediante "a atribuição ao condenado de tarefas gratuitas junto a parques e jardins públicos e unidades de conservação, e, no caso de dano da coisa particular, pública ou tombada, na restauração desta, se possível".

Publicada a sentença em 06/09/20170 (fl. 130).

Apela o Ministério Público Federal (fls. 137/142), pleiteando a reforma parcial da r. sentença, para condenar o réu também pela prática do delito previsto no artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal.

Contrarrazões da defesa (fls. 170/175), pelo não provimento do apelo ministerial.

Apela a defesa de RONALDO LUIZ DOS SANTOS (fls. 145/154), pleiteando a absolvição do acusado também no tocante à imputação delitiva descrita no artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98, em razão de eventual incidência do princípio da insignificância no caso concreto, por suposta falta de provas da autoria delitiva ou ainda com fundamento no artigo 386, VI, do Código de Processo Penal. Subsidiariamente, requer a exclusão ou diminuição dos 180 (cento e oitenta) dias-multa, bem como a exclusão da prestação de serviços à comunidade, em razão de o réu não possuir condições físicas, psíquicas e econômicas para cumpri-los.

Contrarrazões ministeriais (fls. 160/165), pelo não provimento do apelo da defesa.

Parecer da Procuradoria Regional da República (fls. 177/180), pelo desprovimento do apelo da defesa e pelo provimento do apelo da acusação, para que o réu seja condenado também pela prática delitiva descrita no artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal.

É o relatório.

À revisão, na forma regimental.

JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000553-88.2016.4.03.6136/SP
2016.61.36.000553-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : RONALDO LUIZ DOS SANTOS
ADVOGADO : SP329551 GIOVANNA RIBEIRO PORTO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00005538820164036136 1 Vr CATANDUVA/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Em suas razões recursais (fls. 138/142), o Ministério Público Federal pleiteia a reforma parcial da r. sentença, para condenar o réu também pela prática do delito previsto no artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal.

Já a defesa de RONALDO LUIZ DOS SANTOS, em suas razões recursais (fls. 145/154), pleiteia a absolvição do acusado também no tocante à imputação delitiva descrita no artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98, em razão de eventual incidência do princípio da insignificância no caso concreto, por suposta falta de provas da autoria delitiva ou ainda com fundamento no artigo 386, VI, do Código de Processo Penal, requerendo, subsidiariamente, a exclusão ou diminuição dos 180 (cento e oitenta) dias-multa, bem como a exclusão da prestação de serviços à comunidade, em razão de o réu não possuir condições físicas, psíquicas e econômicas para cumpri-los.


I - DA AUSÊNCIA DE CONFLITO APARENTE DE NORMAS E DA INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO NO CASO CONCRETO

A despeito da posição adotada pelo magistrado sentenciante às fls. 128-v da r. sentença e em consonância com o apelo ministerial, não há de se falar em conflito aparente de normas entre os tipos penais descritos no artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal (uso indevido de anilhas do IBAMA adulteradas ou falsificadas) e no artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98 (guarda irregular de pássaros silvestres, inclusive espécies consideradas ameaçadas de extinção, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente), a resultar em equivocada absorção do primeiro (suposto delito-meio) pelo segundo (pretenso delito-fim), sendo de rigor o seu afastamento.

Cumpre observar que os tipos penais em epígrafe tutelam bens jurídicos distintos (o primeiro, a fé pública; o segundo, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, destacadamente, a fauna silvestre), além de decorrerem de condutas diversas e autônomas, razão pela qual não se vislumbra, na presente hipótese, a incidência do princípio da consunção (g.n.):

Artigo 296, § 1º, do Código Penal
Falsificação do selo ou sinal público
Art. 296 - Falsificar, fabricando-os ou alterando-os:
I - selo público destinado a autenticar atos oficiais da União, de Estado ou de Município;
II - selo ou sinal atribuído por lei a entidade de direito público, ou a autoridade, ou sinal público de tabelião:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.
§ 1º - Incorre nas mesmas penas:
I - quem faz uso do selo ou sinal falsificado;
II - quem utiliza indevidamente o selo ou sinal verdadeiro em prejuízo de outrem ou em proveito próprio ou alheio.
III - quem altera, falsifica ou faz uso indevido de marcas, logotipos, siglas ou quaisquer outros símbolos utilizados ou identificadores de órgãos ou entidades da Administração Pública.
Artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98
Dos crimes contra a fauna
Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas:
I - quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida;
II - quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural;
III - quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.

A respeito da inaplicabilidade do princípio da consunção em face das mesmas condutas delitivas ora imputadas, em concurso material, na presente denúncia, colaciono emblemático aresto deste E-TRF3 (g.n.):

PENAL. CRIMES AMBIENTAIS. FALSIDADE DE SELO OU SINAL PÚBLICO. CRIMES CONTRA A FAUNA. PASSÁROS SILVESTRES EM CATIVEIRO SEM A NECESSÁRIA LICENÇA E COM ANILHAS ADULTERADAS. PROVA DA MATERIALIDADE E AUTORIA. NULIDADE DA PERÍCIA TÉCNICA. INEXISTENTE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. DESCABIMENTO. DOLO CONFIGURADO. APELAÇÃO DO RÉU DESPROVIDA.
1. Policiais federais e agentes do IBAMA estiveram na residência do apelante e deram cumprimento a mandado de busca e apreensão, ali encontrando 12 pássaros da fauna silvestre nacional de diversas espécies com anilhas, em doze gaiolas, cinco das quais incompatíveis com as características dos pássaros que ali se encontravam. Além disso, encontraram um papagaio sem qualquer identificação.
2. No tocante a alegação de imprestabilidade da prova pericial, como bem ressalvado pelo eminente juízo de primeiro grau por ocasião da sentença, a acusação não é de falsificação das anilhas para identificação de aves, mas sim, do uso de anilhas falsificadas, e ainda, não obstante constar a ausência de lacre quando do recebimento do material a ser periciado, o fato é que não há divergência em relação às anilhas apreendidas na residência do réu.
3. De qualquer forma, a prova técnica se baseou na elaboração de laudo documentoscópico e foi objeto de impugnação posterior pela defesa do apelante no curso da ação penal, sendo que durante o exercício regular do contraditório nenhuma prova foi capaz de elidi-la, sendo descabida a pretensão recursal neste tópico.
4. O apelante detinha licença da autoridade competente para a guarda de aves, porém, tal licença expirou em 31 de julho de 2008, ou seja, mais de um ano antes da data dos fatos. Todas as aves, portanto, estavam em situação irregular. A autoria é inconteste, sendo certo que os pássaros foram encontrados na residência do réu, configurando situação de flagrante delito, e o apelante não logrou êxito em provar que os pássaros apreendidos já foram adquiridos com as respectivas anilhas. Observo que o ora apelante é criador de pássaros e possuía familiaridade com os trâmites e procedimentos para a regularização da guarda das aves perante o IBAMA, não restando dúvida quanto à sua responsabilização, restando devidamente demonstrado o elemento subjetivo do tipo (dolo).
5. O apelante invoca em seu favor a aplicação do princípio da consunção, sob o argumento de que o delito previsto no artigo 296, § 1º, inciso III, do CP, constitui meio para a consecução do crime previsto no artigo 29, § 1º, inciso III, da Lei nº 9.605/98. Contudo, não há que se falar em absorção de um delito por outro. Os crimes pelos quais o apelante foi condenado tutelam bens jurídicos diversos e decorrem de ações diversas. A adulteração de anilhas não é crime de passagem para a consumação do delito de guarda ilegal de pássaros. As condutas são autônomas, sendo, portanto, inaplicável o princípio da consunção ao caso concreto em exame.
6. Apelação do réu desprovida.
(ACR 0009303-19.2009.4.03.6106, 2ª Turma - TRF3, Rel. Juiz Convocado Fernão Pompêo, e-DJF3 Judicial 1 18/12/2013, g.n.)

Portanto, fica devidamente afastada a incidência do princípio da consunção no caso em apreço.


II - DA MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS

Ao contrário do sustentado pela defesa e em sintonia com o pugnado pela acusação, os elementos de cognição demonstram que o criador amador RONALDO LUIZ DOS SANTOS (CTF n. 497451), de forma livre e consciente, mantinha, irregularmente, em cativeiro domiciliar, 04 (quatro) pássaros silvestres, consistentes em 01 (um) corrupião (Icterus jamacaii), 01 (um) coleira-papa-capim (Sporophila caerulescens), 01 (um) sanhaço-de-coleira (Schistochlamys melanopis) e 01 (um) curió (Sporophila angolensis), inclusive espécies consideradas ameaçadas de extinção, todos sem estarem devidamente anilhados, sobretudo, pelo visível alargamento dos diâmetros internos de suas respectivas anilhas "IBAMA 03/04 3,5 026663", "IBAMA 03/04 2,2 000031", "26 6 SOSP 2000 384" e "CSO 26.2.2001.094" (tendo saído com facilidade de suas patas), e sequer portava relação de passeriformes atualizada no endereço de seu plantel, em nítido desacordo com eventual licença, permissão ou autorização obtida junto ao órgão ambiental competente, nos termos do artigo 32, incisos II e III, da Instrução Normativa IBAMA n. 10/2011, os quais vieram a ser apreendidos por policiais militares ambientais, em 02/07/2015, na própria residência do acusado no Município de Catanduva/SP, além de incorrer, também de maneira livre e consciente, no uso indevido de 02 (duas) anilhas, em tese, originalmente cadastradas pelo IBAMA e posteriormente adulteradas/falsificadas (ambas de diâmetro interno bastante superior ao normativamente permitido), mantidas apostas pelo réu nos tarsos dos aludidos corrupião ("IBAMA 03/04 3,5 026663") e coleira-papa-capim ("IBAMA 03/04 2,2 000031"), no mesmo contexto delitivo: Boletim de Ocorrência Ambiental n. 150401 (fls. 04/06); Auto de Infração Ambiental n. 319983 (fl. 07); Termo de Apreensão (fl. 08); Laudo Biológico (fl. 09); Termos de Destinação (fls. 10/11); informações sobre o plantel virtual do acusado (fl. 12); Exame de Constatação (fls. 14/16); relatório fotográfico (fls. 17/18); Auto de Apreensão das anilhas (fl. 19); relatório geral Sispass em nome do réu (fls. 25/34); Laudo Pericial n. 026/2016/UTEC/DPF/ARU/SP relativo às anilhas apreendidas (fls. 45/49); depoimento judicial da testemunha (fls. 105/106-mídia); interrogatório do acusado em sede policial (fl. 38).



Segundo apontado pelo Boletim de Ocorrência Ambiental n. 150401 (fls. 04/06) e respectiva planilha (fl. 15), dos 09 (nove) pássaros silvestres à época relacionados no plantel virtual do acusado (fl. 12), apenas 04 (quatro) deles se encontravam fisicamente em seu domicílio, todos portando anilhas, visivelmente, irregulares, cujas bitolas internas, aferidas mediante o uso de paquímetro digital, revelaram-se muito maiores que as medidas normativamente permitidas, razão pela qual, durante a vistoria, os agentes de fiscalização puderam facilmente retirá-las, com as "próprias mãos", dos tarsos dos referidos passeriformes, portanto, em nítido desacordo com o disposto no artigo 32, incisos II e III, da Instrução Normativa IBAMA n. 10, de 20/09/2011:

Art. 32 - Todos os Criadores Amadores e Comerciais de Passeriformes deverão: [...]
II - Manter todos os pássaros do seu plantel devidamente anilhados com anilhas invioláveis, não adulteradas, fornecidas pelo IBAMA ou fábricas credenciadas ou, ainda, por federações, clubes ou associações até o ano de 2001 ou por criadores comerciais autorizados.
III - Portar relação de passeriformes atualizada no endereço do plantel, conforme modelo do Anexo III.

Consoante o Laudo Biológico (fl. 09), das 04 (quatro) aves silvestres apreendidas em poder do acusado, 02 (duas) delas já integravam à época dos fatos lista oficial de espécies consideradas ameaçadas de extinção no âmbito do Estado de São Paulo (Anexo I do Decreto Estadual n. 60.133/2014), quais sejam, 01 (um) sanhaço-de-coleira (Schistochlamys melanopis) e 01 (um) curió (Sporophila angolensis). Ademais, asseverou que "todos os pássaros estavam com anilhas maiores que as recomendáveis e saíram com facilidade das suas patas".

De acordo com o Laudo Pericial n. 026/2016/UTEC/DPF/ARU/SP (fls. 45/49), as duas anilhas supostamente emitidas pelo IBAMA objeto de apreensão seriam adulteradas por apresentarem diâmetros internos bastante alterados, incompatíveis com o padrão nelas informado (a saber, as anilhas "IBAMA 03/04 3,5 026663" e "IBAMA 03/04 2,2 000031"), sendo que esta última seria, inclusive, falsa, porquanto desprovida de "anel interno de cor preta característico da anilha padrão". Já com relação às outras duas anilhas supostamente emitidas por associação ornitológica, não existiriam, em princípio, "elementos de segurança para determinação de autenticidade, nem padrões de comparação", nada obstante o inequívoco alargamento constatado pelos fiscais no momento da vistoria ambiental (fls. 04/06, 9, 12, 15 e 17/18).

Ouvida em juízo, a testemunha de acusação e policial militar Virgílio Euzébio Netto (fls. 105/106-mídia) afirmou recordar-se da fiscalização ambiental realizada em parceria com o Cabo Leandro na casa do réu, que estando presente os recebera. Ao confrontarem a lista de passeriformes com o plantel físico de "RONALDO LUIZ", vieram a constatar in loco a presença de apenas 04 (quatro) das 09 (nove) aves silvestres constantes na relação de passeriformes do acusado, que, por sua vez, passou a aduzir a versão fantasiosa e isolada nos autos de que os pássaros faltantes, supostamente, teriam fugido ou falecido. A propósito, as 04 (quatro) aves apreendidas em poder do réu portavam anilhas irregulares (alargadas), inclusive, um curió, considerado espécie ameaçada de extinção. Apenas olhando para tais anilhas "muito acima do diâmetro, muito mais alargadas" já seria possível identificar sua adulteração, o que veio a ser confirmado tecnicamente na ocasião a partir de sua aferição por paquímetro digital, em sintonia com o relatório fotográfico (fls. 17/18) e as conclusões do subsequente Laudo Pericial n. 026/2016/UTEC/DPF/ARU/SP (fls. 45/49).

Interrogado apenas em sede policial (fl. 38), já que injustificadamente deixara de comparecer a seu próprio interrogatório judicial (fls. 104-mídia/106), o réu reconheceu naquela oportunidade ser criador amador cadastrado no IBAMA ("desde 2007 ou 2008, não se recorda ao certo") e que, de fato, havia sido visitado por policiais militares ambientais, os quais, em 02/07/2015, "vistoriaram os quatro pássaros que viviam em sua casa, e conforme os policiais ambientais disseram ao declarante, todos os pássaros estavam com medida errada, sendo que os pássaros foram apreendidos" durante a diligência.

Considerando sua larga experiência enquanto criador amador de passeriformes com cadastro no IBAMA, pelo menos, desde 2004 (fls. 25/34), não merece prosperar a frágil tese defensiva de que o réu simplesmente teria adquirido de modo regular todos os seus passeriformes ora apreendidos, em tese, desconhecendo qualquer adulteração em suas respectivas anilhas, cujo alargamento era visível a olho nu.

Destarte, restam incontestes a materialidade e autoria delitivas, assim como o dolo do réu, no mínimo eventual, em relação à prática dos delitos previstos no artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal, e no artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98, em concurso material, não se olvidando da natureza diversa dos bens jurídicos penalmente tutelados em cada um dos tipos penais em comento, respectivamente, a fé pública e a proteção ao meio ambiente (destacadamente, a fauna silvestre), à míngua de qualquer das causas de absolvição previstas no artigo 386 do Código de Processo Penal.

Tampouco há de se cogitar erro sobre a ilicitude do fato (seja inevitável, seja evitável) ou sobre os elementos do tipo, ou mesmo eventual excludente de culpabilidade, incompatível com o presente contexto delitivo, cujas circunstâncias não autorizam a concessão do perdão judicial previsto no artigo 29, § 2º, da Lei 9.605/98, inclusive, pela presença de espécies silvestres consideradas ameaçadas de extinção (fl. 09).


III - DA DOSIMETRIA

RONALDO LUIZ DOS SANTOS foi inicialmente condenado a 09 (nove) meses de detenção, em regime inicial aberto, e 180 (cento e oitenta) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática delitiva descrita no artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98, ficando substituída a pena privativa de liberdade por uma única restritiva de direitos consistente em prestação de serviços à comunidade, pelo mesmo tempo da pena corporal substituída, mediante "a atribuição ao condenado de tarefas gratuitas junto a parques e jardins públicos e unidades de conservação, e, no caso de dano da coisa particular, pública ou tombada, na restauração desta, se possível", conforme se depreende da sentença de fls. 125/129.

Em relação ao delito do artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal, fixo as penas-base no patamar mínimo legal, qual seja, 02 (dois) anos de reclusão, e 10 (dez) dias-multa, em consonância com o artigo 59 do mesmo diploma legal. A culpabilidade, as circunstâncias, os motivos e as consequências do delito mostraram-se normais à espécie delitiva. Além disso, não visualizo nos autos elementos concretos acerca da personalidade e da conduta social do acusado, tampouco que sirvam como "maus antecedentes".

Na segunda fase da dosimetria, não vislumbro nos autos quaisquer agravantes ou atenuantes, razão pela qual mantenho, provisoriamente, as mesmas penas-base. De qualquer sorte, a Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça adverte que "a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal".

Na ausência de quaisquer causas de aumento ou diminuição, fixo definitivamente a pena privativa de liberdade de "RONALDO LUIZ" em 02 (dois) anos de reclusão, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do delito contra a fé pública capitulado no artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal, nos moldes dos artigos 49, § 1º, e 68, do mesmo diploma legal.

No que se refere ao crime ambiental previsto no artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98, reduzo, inclusive de ofício, as penas-base inicialmente fixadas pelo magistrado sentenciante para o mínimo patamar legal, qual seja, 06 (seis) meses de detenção, e 10 (dez) dias-multa, em consonância com o artigo 59 do mesmo diploma legal e ainda com o artigo 6º da Lei 9.605/98, uma vez que a culpabilidade, as circunstâncias, os motivos e as consequências do delito para a saúde pública e para o meio ambiente mostraram-se normais à espécie delitiva. Além disso, inexistem nos autos elementos concretos acerca da personalidade e da conduta social do acusado, tampouco que sirvam como "maus antecedentes".

Na segunda fase da dosimetria, ainda que presente atenuante prevista no artigo 14, IV, da Lei 9.605/98 (o réu colaborou com os agentes encarregados da vigilância e do controle ambiental - fls. 04/06), a Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça adverte que "a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal", como poderia, em tese, ser cogitado, razão pela qual preservo as sanções intermediárias em 06 (seis) meses de detenção, e 10 (dez) dias-multa, relativamente ao delito do artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98, à míngua de quaisquer agravantes.

Na terceira fase da dosimetria da pena, mantenho, de resto, a incidência da causa de aumento especial prevista no artigo 29, § 4º, inciso I, da Lei 9.605/98 (ficando as penas intermediárias ora fixadas aumentadas de metade), em razão de o referido delito ambiental ter sido praticado, inclusive, contra espécies consideradas ameaçadas de extinção, a saber, 01 (um) sanhaço-de-coleira (Schistochlamys melanopis) e 01 (um) curió (Sporophila angolensis), nos termos do Anexo I do Decreto Estadual n. 60.133, de 7 de fevereiro de 2014, em sintonia com o Laudo Biológico acostado à fl. 09.

Dessa forma, fixo definitivamente a pena privativa de liberdade de "RONALDO LUIZ" em 09 (nove) meses de detenção, em regime inicial aberto, nos mesmos termos da r. sentença, e em 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do delito capitulado no artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98, atendendo, nesse ponto, ao pleito subsidiário da defesa (redução da pena cumulativa de multa inicialmente fixada pelo magistrado sentenciante à fl. 129).

Com efeito, as penas corporais definitivas dos delitos em comento devem ser somadas, em concurso material, à vista do artigo 69 do Código Penal, perfazendo o total de 02 (dois) anos e 09 (nove) meses de reclusão/detenção (executando-se primeiro a pena de reclusão).

Nos termos do artigo 33, §2º, "c", e §3º, do Código Penal, fixo o regime prisional inicial aberto.

A propósito, observo que, no concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente, na forma do artigo 72 do Código Penal.

Ademais, na forma do artigo 44, § 2º, segunda parte, do Código Penal, e do artigo 8º da Lei 9.605/98, substituo a soma das penas privativas de liberdade impostas a "RONALDO LUIZ" por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo mesmo prazo da soma das penas corporais substituídas, e prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário-mínimo, destinada à União Federal.

Nada obstante as preocupações aventadas pela defesa às fls. 151/154 de suas razões recursais ("o apelante não possui condições físicas, psíquicas e econômicas"), ainda que desprovidas de qualquer comprovação nos presentes autos, saliento que, em qualquer fase da execução, poderá o Juiz, motivadamente, alterar, a forma de cumprimento da pena de prestação de serviços à comunidade, ajustando-a às aptidões e condições pessoais do condenado e às características do estabelecimento, da entidade ou do programa comunitário ou estatal, nos moldes dos artigos 148 e 149 da Lei de Execuções Penais.


IV - DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA

Em sessão de julgamento de 05 de outubro de 2016, o Plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu que o artigo 283 do Código de Processo Penal não veda o início do cumprimento da pena após esgotadas as instâncias ordinárias, e indeferiu liminares pleiteadas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44.

Desse modo, curvo-me ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, que reinterpretou o princípio da presunção de inocência no julgamento do HC 126.292-SP, reconhecendo que "A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal".

Diante desse cenário, independentemente da pena cominada, deve ser determinada a execução provisória da pena decorrente de acórdão penal condenatório, proferido em grau de apelação.

Destarte, exauridos os recursos nesta Corte e interpostos recursos dirigidos às Cortes Superiores (Recurso Extraordinário e Recurso Especial), expeça-se Carta de Sentença, bem como comunique-se ao Juízo de Origem para o início da execução da pena imposta ao réu, sendo dispensadas tais providências em caso de trânsito em julgado, hipótese em que terá início a execução definitiva da pena.

Ante o exposto, (i) dou provimento parcial ao apelo interposto pela defesa, apenas para, relativamente ao delito do artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98, reduzir a pena cumulativa de multa inicialmente fixada ao réu para apenas 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos; e (ii) dou provimento ao apelo interposto pela acusação, para (ii.1) condenar RONALDO LUIZ DOS SANTOS a 02 (dois) anos de reclusão, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, também pela prática do delito contra a fé pública capitulado no artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal, nos moldes dos artigos 49, § 1º, e 68, do mesmo diploma legal, afastando-se a incidência do princípio da consunção no caso concreto, e (ii.2) tendo em vista o concurso material entre os tipos penais descritos no artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98, e no artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal, calcular a soma de suas penas privativas de liberdade em 02 (dois) anos e 09 (nove) meses de reclusão/detenção, em regime inicial aberto, que ficam substituídas por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo mesmo prazo da soma das penas corporais substituídas, e prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário-mínimo, destinada à União Federal.

É como voto.

Comunique-se ao Juízo da Execução Criminal.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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