D.E. Publicado em 04/05/2018 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso de apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta por MARIA DA CONCEIÇÃO NOIA DO SANTOS visando a reforma da r. sentença (fls. 156/159) que, em sede de ação civil pública, julgou procedente o pedido e, em consequência, condenou MARIA DA CONCEIÇÃO NOIA DO SANTOS e JOSE CARLOS NUNES DOS SANTOS na obrigação de fazer consistente na demolição das intervenções não autorizadas na Área de Preservação Permanente objeto da presente ação, devendo recompor a cobertura florestal na área após aprovação de projeto pelos órgãos competentes, além de indenizar eventuais danos ambientais comprovadamente ocorridos em decorrência da ocupação irregular.
Em seu recurso (fls. 162/170), MARIA DA CONCEIÇÃO NOIA DO SANTOS sustenta, em síntese, a manutenção da ocupação com fundamento em interesse social na continuidade da atividade de pesca artesanal com modesto impacto ambiental.
Contrarrazões (fls. 181/183 e fls. 186/190).
O Órgão Ministerial opina (fls. 192/193), em segunda instância, pelo não provimento do recurso interposto.
Subiram os autos a este Egrégio Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
VOTO
No presente feito, a CESP - COMPANHIA ENERGÉTICA DE SÃO PAULO ajuizou a presente ação civil pública em face de MARIA DA CONCEIÇÃO NOIA DO SANTOS e JOSE CARLOS NUNES DOS SANTOS. Segundo consta, os réus seriam responsáveis por ocupação irregular às margens do reservatório da Usina Hidrelétrica e Porto Primavera consistente em barraco de lona com vigamento de madeira e piso de terra batida, caixa d'água e horta.
Pois bem.
Passo à analise das alegações invocadas no recurso, sem me ater, entretanto, à ordem em que foram colocadas.
O art. 225 da Constituição Federal consagrou o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental, criando o dever de o agente degradador reparar os danos causados e estabeleceu o fundamento de responsabilização de agentes poluidores, pessoas físicas e jurídicas. Para assegurar a efetividade desse direito, a CF determina ao Poder Público, entre outras obrigações, que crie espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos em todas as unidades da Federação. Confira-se:
"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
(...)
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
(...)
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
(...)
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados."
Essa disposição constitucional recepcionou a proteção anteriormente existente na esfera da legislação ordinária, destacando-se, em especial, a Lei nº 4.771/1965, que instituiu o antigo Código Florestal.
Em 18 de julho de 1989 foi editada a Lei nº 7.803, que incluiu um parágrafo único ao art. 2º do Código Florestal então vigente, informando que os limites definidos como áreas de proteção permanente (que haviam sido ampliados pela Lei nº 7.511/86), também se aplicavam às áreas urbanas e deveriam ser observados nos planos diretores municipais, in verbis:
"Art. 1° As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem.
(...)
§ 2o Para os efeitos deste Código, entende-se por:
(...)
II - área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2o e 3o desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)
(...)
Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
(...)
b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais.
(...)
Art. 4o A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.
(...)
§ 6o Na implantação de reservatório artificial é obrigatória a desapropriação ou aquisição, pelo empreendedor, das áreas de preservação permanente criadas no seu entorno, cujos parâmetros e regime de uso serão definidos por resolução do CONAMA"
Referida legislação infraconstitucional foi revogada com a edição do novo Código Florestal (Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012). A nova lei florestal manteve basicamente a sistemática adotada pela Lei n° 4.771/65 e alterações posteriores, estabelecendo faixas protegidas nas margens de cursos d'água, lagos, reservatórios artificiais, nascentes, dentre outros. Reproduzo os artigos 3º, II, e 4º, III, ambos, da Lei nº 12.651/12:
Art. 3o Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
(...)
II - Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;
(...)
Art. 4o Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
(...)
III - as áreas no entorno dos reservatórios d'água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d'água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento; (Incluído pela Lei nº 12.727/2012).
O mesmo diploma legal (Lei nº 12.651/2012) fixou o regime de proteção das Áreas de Preservação Permanente:
"Art. 7º. A vegetação situada em Área de Preservação Permanente deverá ser mantida pelo proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado.
§ 1º. Tendo ocorrido supressão de vegetação situada em Área de Preservação Permanente, o proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título é obrigado a promover a recomposição da vegetação, ressalvados os usos autorizados previstos nesta Lei.
§ 2º. A obrigação prevista no § 1o tem natureza real e é transmitida ao sucessor no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural.
§ 3º. No caso de supressão não autorizada de vegetação realizada após 22 de julho de 2008, é vedada a concessão de novas autorizações de supressão de vegetação enquanto não cumpridas as obrigações previstas no § 1º.
Art. 8º. A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei.
§ 1º. A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, dunas e restingas somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública.
§ 2º. A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente de que tratam os incisos VI e VII do caput do art. 4o poderá ser autorizada, excepcionalmente, em locais onde a função ecológica do manguezal esteja comprometida, para execução de obras habitacionais e de urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de interesse social, em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda.
§ 3º. É dispensada a autorização do órgão ambiental competente para a execução, em caráter de urgência, de atividades de segurança nacional e obras de interesse da defesa civil destinadas à prevenção e mitigação de acidentes em áreas urbanas.
§ 4º. Não haverá, em qualquer hipótese, direito à regularização de futuras intervenções ou supressões de vegetação nativa, além das previstas nesta Lei.
Art. 9º. É permitido o acesso de pessoas e animais às Áreas de Preservação Permanente para obtenção de água e para realização de atividades de baixo impacto ambiental."
Verifica-se, portanto, que as Áreas de Preservação Permanente são espaços de proteção impositiva e integral, que não admitem qualquer tipo de exploração. Em outros termos, são áreas destinadas, unicamente, à proteção do meio ambiente. A delimitação do uso de tais terrenos pelo legislador objetivou, portanto, evitar a ocorrência de desequilíbrio irreparável ao ecossistema, mediante proteção dos recursos hídricos, da biodiversidade, da fauna e da flora.
Ressalto que, com relação à tutela ambiental, se aplica a responsabilidade objetiva, ou seja, não há espaço para a discussão de culpa, bastando a comprovação da atividade e o nexo causal com o resultado danoso, consoante determinação expressa do artigo 4º, inciso VII, c/c artigo 14, § 1º, ambos, da Lei nº 6.938/1981:
"Art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará:
(...)
VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos."
"Art. 14.
(...)
§ 1º. Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente."
Vale lembrar, ainda, quanto ao cometimento de danos ambientais e ao dever de repará-los, tem-se que as obrigações decorrentes de eventuais prejuízos ou interferências negativas ao meio ambiente são propter rem, possuindo caráter acessório à atividade ou propriedade em que ocorreu a poluição ou degradação. Está claro que o adquirente é responsável pelo passivo ambiental do imóvel adquirido. Caso contrário, a degradação ambiental dificilmente seria reparada, uma vez que bastaria cometer-se a infração e desfazer-se do bem lesado para que o dano ambiental estivesse consolidado e legitimado, sem qualquer ônus reparatório.
Cabe reconhecer, na realidade, que o simples fato de o novo proprietário/possuidor se omitir no que tange à necessária regularização ambiental é mais do que suficiente para caracterizar o nexo causal. Ademais, sua ação ou omissão, além de não garantir a desejada reparação, permitirá a continuidade do dano ambiental iniciado por outrem. Daí, ser inegável sua responsabilidade civil. Neste sentido, o atual Código Florestal (Lei nº 12.651/12) preceitua, em seu artigo 2º, § 2º, que "as obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural".
Destaca-se, também, que a Constituição Federal estabelece que "a propriedade atenderá a sua função social" (art. 5º, inciso XXIII) e que o Código Civil assinala que "o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas" (artigo 1.228, § 1º, da Lei 10.406/02).
Não se pode negar, portanto, que a função social da propriedade só é observada se utilizada de forma racional, com a preservação do meio ambiente, e se atendidos os objetivos previstos na legislação para cada tipo de área protegida. Desrespeitar uma área definida como de Preservação Permanente, construindo-se, por exemplo, um imóvel no local protegido, significa descumprir sua função ambiental, o que é suficiente para caracterizar o dano ao meio ambiente. Tal prejuízo só pode ser reparado com a destruição do imóvel erguido em local indevido, o que possibilitará a regeneração natural da vegetação originariamente existente e garantirá o retorno da função sócio ambiental daquela propriedade.
Destaco os seguintes julgados:
Quanto ao local do imóvel, cabe salientar a Lei nº 8.028, de 12/04/1990, que deu nova redação ao artigo 6º, II, da Lei n. 6.938/81, e instituiu, assim, a composição do Sistema Nacional do Meio Ambiente:
"Art 6º - Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, assim estruturado:
(...)
II - órgão consultivo e deliberativo: o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), com a finalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida"
Fazem parte do Sistema Nacional do Meio Ambiente, igualmente, os órgãos ou entidades estaduais responsáveis pela execução de programas e projetos e de controle e fiscalização das atividades suscetíveis de degradarem a qualidade ambiental (órgãos seccionais) e os órgãos ou entidades municipais responsáveis pelo controle e fiscalização dessas atividades, nas suas respectivas áreas de jurisdição (órgãos locais) e, bem assim, os Estados e Municípios, estes últimos, observadas as normas e padrões federais e estaduais, poderão elaborar normas supletivas e complementares e padrões relacionados com o meio ambiente, observados os que forem estabelecidos pelo CONAMA (artigo 6o, incisos, IV e V, e parágrafos § 1o e 2o).
Possui o CONAMA autorização legal para editar resoluções que visem à proteção das reservas ecológicas, entendidas como as áreas de preservação permanentes existentes às margens dos lagos formados por hidrelétricas. Estas normas possuem caráter geral, às quais devem estar vinculadas as normas estaduais e municipais, nos termos do artigo 24, inciso VI e §§ 1º e 4º, da Constituição Federal e do artigo 6º, incisos IV e V, e § § 1º e 2º, da Lei n. 6.938/81.
Feitas tais considerações, importante destacar as resoluções CONAMA nº 302/02 e nº 369/06, que dispuseram sobre os parâmetros, definições e limites de áreas de preservação permanente de reservatórios artificiais e o regime de uso do entorno.
No caso dos autos, a controvérsia diz respeito em verificar se os réus são possuidores de imóvel em área de preservação permanente, margem esquerda do Rio Paraná no reservatório da Usina Hidrelétrica de Porto Primavera (Engenheiro Sérgio Motta), sem licença ambiental dos órgãos competentes.
Nos termos da r. sentença: "em relação à UHE Sérgio Mota (Porto Primavera) é cediço que a Egrégia 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, nos autos do Inquérito Civil Público nº 1.34.009.000333/2010-03, posicionou-se no sentido de que a APP equivale à área desapropriada pela CESP, constante no licenciamento ambiental, ou seja, pugnou pela aceitação dos termos do artigo 4º, inciso III do novo Código Florestal, o que reverbera efeitos nestes autos.
No caso em tela, conforme noticiado às fls. 506 a 516 do processo 0011601-63.2009.403.6112, houve aprovação do PACUERA da UHE Sérgio Motta nos termo nele propostos, ou seja, considera-se como APP do referido reservatório o espaço compreendido entre a cota normal de operação e o limite da área desapropriada pela CESP, ou seja, a APP é aquela faixa assim definida no licenciamento ambiental do empreendimento.
Deste modo, as noticiadas intervenções em APP ocorreram, o que mostra ser razoável a proposta do MPF, devendo os órgãos responsáveis adotarem as medidas necessárias que ao caso se aplicarem".
Restou claro, portanto, que o imóvel encontra-se em área de preservação permanente no entorno do reservatório da UHE de Porto Primavera.
Também não há que falar que a ocupação atenta ao interesse social, conforme pretendido no recurso de apelação, nos termos preconizados pelo Código Florestal ou por qualquer resolução CONAMA.
Assim, a r. sentença deve ser mantida.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso de apelação de MARIA DA CONCEIÇÃO NOIA DO SANTOS.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 22/03/2018 15:47:07 |