D.E. Publicado em 18/04/2018 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso de apelação da autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | VALDECI DOS SANTOS:10136 |
Nº de Série do Certificado: | 4503A7553BCFC389 |
Data e Hora: | 12/04/2018 17:52:17 |
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RELATÓRIO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS:
Trata-se de apelação interposta pela autora, LUZIA MATURQUE, contra a r. sentença que julgou improcedente a demanda, nos termos do artigo 269, inciso I, do CPC/1973.
A ação cominatória foi ajuizada em face do INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, objetivando a concessão do título de domínio definitivo referente ao lote 149 do Assentamento Bela Vista do Chibarro, em Araraquara/SP, sob o argumento de que a autora beneficiária teria cumprido todas as obrigações constantes no contrato de assentamento, devendo pagar ao réu, a título de indenização pelo imóvel, a quantia de R$ 11.197,38, correspondente ao valor atribuído pelo próprio INCRA a módulo fiscal no estado do Paraná, semelhante ao objeto destes autos.
Nas fls. 41/43, a autora emendou a inicial, regularizando o valor da causa e a sua representação processual, bem como juntando cópia de seus documentos pessoais.
Devidamente citado, o INCRA apresentou contestação (fls. 48/75), requerendo a improcedência do pedido, com a condenação da autora nas penas da litigância de má-fé. Subsidiariamente, no caso de procedência da ação, alega a necessidade de ressarcimento à autarquia do valor do preço de mercado do imóvel, bem como dos créditos concedidos à autora, totalizando aproximadamente R$ 341.763,65.
Em seu parecer na primeira instância (fls. 255/263), o Ministério Público Federal requereu a conversão do julgamento em diligência, "com vistas à realização de perícia contábil relativamente ao valor a ser pago pelo lote em questão, a título de ressarcimento ao INCRA, levando-se em conta o disposto na Lei nº 8.629/93 e na Instrução Normativa INCRA nº 30, de 24 de fevereiro de 2006". No mérito, opinou pelo deferimento do pedido, devendo ser concedido à autora o título definitivo de domínio, mediante pagamento de indenização ao INCRA, a ser efetuado na esfera administrativa, no valor a ser estabelecido em sentença.
A MM. Juíza a quo converteu o julgamento em diligência, determinando ao INCRA a apresentação da avaliação do imóvel (lote 149 do Assentamento Bela Vista do Chibarro), nos termos do §3º do artigo 18 da Lei nº 8.629/93, apurando o real valor de mercado da terra, bem como determinando a expedição de Mandado de Constatação no referido lote (fl. 264).
Ato contínuo, o INCRA apresentou novo laudo de vistoria (fls. 290/294) e laudo de avaliação (fls. 295/298), no qual foi apurado o valor de R$ 410.629,80 referente à quantia total devida pela autora a título de indenização pelo imóvel. Neste último, restou assinalado, ao final, que os referidos cálculos são estimados, de modo que, "caso a titulação venha a ocorrer, será necessário realizar uma avaliação do imóvel, na qual será necessário fazer uma pesquisa de campo para se chegar ao valor atual de mercado".
Instada a se manifestar, a autora impugnou os cálculos e requereu a nomeação de perito para a avaliação da terra (fls. 309/312).
Em nova manifestação, o Ministério Público Federal reiterou o pedido de realização de perícia contábil do Juízo, a fim de se determinar o valor de mercado do lote em questão, desconsiderando as benfeitorias realizadas, assim como a produção agrícola existente.
A MM. Juíza a quo entendeu desnecessária a realização de perícia contábil e proferiu sentença (fls. 315/322), julgando improcedente a demanda, nos termos do artigo 269, inciso I, do CPC/1973, sob o fundamento de que houve desvio de finalidade do lote em questão, uma vez que a autora não reside no local, tampouco exerce atividade agrária.
Irresignada, apela a autora, requerendo a reforma da r. sentença, para que lhe seja concedido o título de domínio sobre o lote 149, sob o argumento de que: a) o laudo de constatação da servidora da Justiça (fl. 267), dotado de fé pública, se contrapõe aos relatórios do INCRA, que foram subscritos por prestadores de serviço terceirizados, de modo que não são dotados de fé pública; b) de acordo com a cláusula 6ª, "c", do Termo de Assentamento, o beneficiário pode residir no lote ou em área pertencente ao projeto, de modo que o fato de residir na vila agrícola, localizada dentro do assentamento, não caracteriza abandono do lote; c) não há exigência legal de dedicação exclusiva do beneficiário ao trabalho no lote do assentamento, ainda mais quando outros membros da família suprem as necessidades para o cultivo; d) o INCRA não viabilizou projeto de irrigação, açudes ou qualquer benfeitoria no assentamento, por falta de dinheiro, de modo que não se pode exigir a sua dedicação exclusiva à terra; e) exerce atividade social junto aos assentados, ou seja, trabalha dentro do projeto de assentamento.
Decorrido o prazo legal, subiram os autos a esta Corte Regional.
Em seu parecer, o Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da apelação (fls. 342/351).
É o relatório.
VOTO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS:
Narra a peça inicial que, em 21-07-1999, a autora LUZIA MATURQUE, ora apelante, firmou contrato de assentamento nº SP00150000135 com o INCRA, ora apelado, passando a ser beneficiária de lote para fins de reforma agrária no Assentamento Bela Vista do Chibarro, localizado no município de Araraquara/SP, onde reside com sua família desde então.
Consta que, em observância aos termos do referido contrato, a autora explorava a terra pessoalmente, mantendo agricultura familiar de cultivo de milho, frutas, hortaliças e legumes, e cultivando cana-de-açúcar, que era vendida exclusivamente para a Usina Zanin - Açúcar e Álcool Ltda., bem como respeitava as áreas de proteção ambiental e os marcos divisórios de sua parcela.
Relata que, decorridos 10 (dez) anos de sua permanência e exploração ininterrupta da terra, a autora procurou o INCRA, a fim de que lhe fosse outorgado o título definitivo de domínio do lote. Para tanto, dirigiu-se diversas vezes ao INCRA, bem como protocolou processo administrativo, pessoalmente e através da Associação Representativa do Assentamento, sem obter qualquer resposta do referido Instituto.
Diante disso, ajuizou a presente ação, a fim de obter o título definitivo de domínio do lote, alegando ser devido ao INCRA, a título de indenização pelo imóvel, a quantia de R$ 11.197,38, correspondente ao valor atribuído pela própria autarquia a módulo rural localizado no estado do Paraná, semelhante ao objeto destes autos.
O INCRA apresentou Contestação, alegando que, no caso, não foram preenchidas as exigências dispostas na Instrução Normativa INCRA nº 30/2006 e no artigo 18 da Lei nº 8.629/93 (medição e demarcação topográfica do imóvel, desmembramento da parcela em relação ao projeto de assentamento e condições socioeconômicas a possibilitar aos beneficiários a prática de atividade agrária sem a tutela do INCRA e que, em vista de tal circunstância, já tenham condições de ressarcir os créditos concedidos pela autarquia, bem como de efetuar o pagamento do imóvel rural).
Sustentou, outrossim, que, para ter o direito à titulação, é necessário que o beneficiário respeite todas as cláusulas resolutivas. Afirmou que, na vistoria técnica efetuada pelo INCRA, foram apuradas cinco irregularidades no tocante ao lote da autora: 1) a autora reside na Agrovila do Assentamento e não efetua o cultivo do lote direta e pessoalmente, exercendo atividade laborativa urbana, de forma ininterrupta, desde o ano de 2001, sendo que o seu vínculo empregatício atual é com a Prefeitura de Araraquara, onde exerce a atividade de enfermeira no Posto de Atendimento do Assentamento; 2) cultivo de cana-de-açúcar em 47,9% da área total do lote, em sistema de arrendamento/parceria com a Usina Zanin de Açúcar e Álcool Ltda.; 3) total abandono e descuido do lote; 4) arrendamento a terceiros de área de 01 hectare, onde é produzida mandioca; 5) construção de forma irregular de dois pequenos tanques para criação de peixes.
Requereu, assim, a improcedência da ação, com a condenação da autora nos ônus da sucumbência e nas penas da litigância de má-fé. Subsidiariamente, no caso de provimento da ação, pleiteou o reconhecimento expresso da obrigação da autora de ressarcir o INCRA pelo preço de mercado do imóvel e pelos créditos concedidos, no valor total de R$ 341.763,65.
Sobreveio sentença de improcedência, com resolução do mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do CPC/1973.
Irresignada, a autora interpôs o presente recurso de apelação, requerendo a reforma da r. sentença.
Brevemente relatados os fatos, passo a análise do recurso.
Inicialmente, assevero que o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64) define reforma agrária como "o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade".
Com efeito, a sua implementação tem como objetivo precípuo promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio, através de um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra (artigo 16 da mesma lei).
Para tal fim, a Constituição Federal, em seu artigo 184, autoriza a desapropriação por interesse social da propriedade rural que não esteja cumprindo a sua função social, ou seja, aquela que não atende aos requisitos dispostos no artigo 186, incisos I a IV, da Carta Magna: aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
O procedimento desta modalidade de desapropriação é dividido em três fases. A primeira se dá por meio de decreto expropriatório do Presidente da República, após a identificação do imóvel como improdutivo pelo INCRA; a segunda ocorre na esfera judicial, quando a União, com fundamento no decreto expropriatório e no prazo de até dois anos a partir de sua publicação, propõe ação de desapropriação em face do proprietário do imóvel em questão; e a terceira se refere à distribuição pelo INCRA das parcelas da propriedade expropriada aos pretensos beneficiários da reforma agrária, previamente cadastrados na autarquia.
Nesse contexto, a Lei nº 8.629/93, em consonância com o que prevê a Constituição Federal (artigo 189), dispõe em seu artigo 18 que a distribuição das parcelas do imóvel rural pode se dar por meio de títulos de domínio, de concessão de uso ou de concessão de direito real de uso - CDRU, esta última modalidade foi incluída pela Lei nº 13.001/2014, inegociáveis pelo prazo de dez anos, sendo assegurado ao beneficiário do contrato de concessão de uso o direito de adquirir, em definitivo, o título de domínio da propriedade.
No tocante à qualidade de beneficiário da reforma agrária, a redação do artigo 20 da Lei nº 8.629/93 vigente à época dos fatos tratados no presente feito dispunha que não poderia ser beneficiário o proprietário rural, salvo algumas exceções, tampouco aquele que exercesse função pública, autárquica ou em órgão paraestatal, ou o que estivesse investido de atribuição parafiscal, ou, ainda, quem já tivesse sido contemplado anteriormente com parcelas em programa de reforma agrária.
Os beneficiários têm a obrigação de cultivar a sua parcela direta e pessoalmente, ou através de seu núcleo familiar, e de não ceder o seu uso a terceiros, a qualquer título, pelo prazo de 10 (dez) anos (artigo 21 da mesma lei), sob pena de rescisão do contrato e o retorno do imóvel ao INCRA.
No caso em análise, o INCRA alega que, quando da vistoria no lote da autora, foram encontradas cinco irregularidades, dentre elas o fato da autora não residir no local e de não efetuar o seu cultivo direta e pessoalmente, exercendo atividade laborativa urbana.
Compulsando detidamente os autos, verifico que, no Contrato de Assentamento nº SP00150000135 (fls. 12/13) firmado entre a autora e o réu, consta como uma das causas de rescisão contratual o beneficiário "deixar de residir no local de trabalho ou área pertencente ao Projeto" (cláusula sexta, "c"). Ainda, a mesma cláusula determina que o beneficiário não pode "deixar de cultivar direta e pessoalmente a parcela por espaço de três meses".
Ocorre que, conforme informado pelo próprio INCRA em seus laudos técnicos (fls. 78/86 e 290) e pela servidora da Justiça (Mandado de Constatação na fl. 267), a apelante reside na Agrovila do Assentamento, ou seja, em área pertencente ao Projeto, de modo que não houve violação à referida cláusula resolutiva nesse ponto.
No mais, embora a apelante exerça atividade laboral no Posto de Saúde da Prefeitura localizado no Assentamento, não restou comprovado que ela deixou de se dedicar ao cultivo de seu lote, até mesmo porque o seu trabalho não é incompatível com as atividades rurais, que pode ser exercida depois do expediente ou em dias de descanso.
Nesse sentir, cumpre ressaltar que o artigo 20 da Lei nº 8629/93 supramencionado foi alterado pela Lei nº 13.465/2017, passando a ter a seguinte redação:
Desse modo, embora tal alteração seja posterior aos fatos aqui tratados, a nova redação do artigo denota a intenção do legislador, ante a realidade social do país e a precária condição econômica da maioria dos pretensos beneficiários da reforma agrária, de não obstar a possibilidade dessas pessoas buscarem uma complementação de sua renda familiar, ou de trabalharem em cargo, emprego ou função pública em favor da própria comunidade. Tais disposições se coadunam com a finalidade precípua da reforma agrária de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural, bem como o desenvolvimento econômico do país.
Neste diapasão, conforme consta no laudo de vistoria do INCRA, realizada em 10 de maio 2012 (fls. 290), a apelante foi eleita agente comunitária do Assentamento no ano de 2001, e, nessa qualidade, presta serviço de forma terceirizada no Posto de Saúde da Prefeitura (desde 2007 - CNIS na fl. 324), localizado dentro da comunidade, fazendo visitas domiciliares para atendimento das famílias assentadas (fl. 267), ou seja, serviço na área da saúde exercido no interesse comunitário do próprio Assentamento, em conformidade com os §§ 2º e 3º acima transcritos.
Ademais, no tocante aos outros vínculos empregatícios urbanos da apelante (Provac Serviços Limitados, de 2001 a 2002; e Hospital Psiquiátrico, de 2002 a 2007), não restou comprovado que a renda familiar em decorrência do trabalho urbano da apelante superava três salários mínimos, tampouco a incompatibilidade de tais atividades com o labor rural, tendo em vista que a apelante alega nunca ter deixado de se dedicar ao cultivo do lote, tendo deixado apenas de se dedicar de forma exclusiva às atividades rurais.
Em relação à alegada irregularidade em razão do cultivo de cana-de-açúcar em 47,9% da área total do lote, em sistema de arrendamento/parceria com a Usina Zanin de Açúcar e Álcool Ltda., bem asseverou a ilustre representante do Ministério Público Federal, em seu parecer na primeira instância: "O plantio de cana-de-açúcar no assentamento em questão é atividade recente quando se considera que sua instalação dera-se no início dos anos 90. Outrossim, é fato comprovado que, mesmo nos dias atuais em que o cultivo de cana-de-açúcar é prevalente em relação às demais, a assentada autora nunca deixou de produzir para a sua subsistência e de sua família. Ademais, não se pode olvidar que a realidade econômica do país faz com que o cultivo da cana-de-açúcar seja condição de sustentabilidade".
Nesse ponto, o próprio INCRA assinalou, em sua contestação, que tem ciência da importância do cultivo de cana-de-açúcar na região do estado de São Paulo, razão pela qual não é sua intenção "proibir, de forma intransigente, a cultura de cana-de-açúcar no assentamento, mas zelar para que a produção de cana se dê em conformidade com a legislação agrária e ambiental em vigor, objetivando, em apertada síntese, que os assentados explorem pessoalmente as terras que lhe foram cedidas, não pratiquem a monocultura e, ao mesmo tempo, não degradem as áreas de preservação permanente de seus lotes (...) Nesse sentido, o INCRA vem atuando junto aos assentados e à Usina em processo de adequação do uso da área em que se situa o assentamento" (fl. 61).
Ora, da análise dos documentos acostados aos autos, observo que o cultivo de cana na propriedade da apelante é realizado dentro dos parâmetros mencionados pelo INCRA. Isso porque não houve degradação de área de preservação permanente, tampouco há que se falar em monocultura de cana-de-açúcar, já que consta no relatório técnico do próprio INCRA, decorrente de vistoria efetuada em 03/2010 (fls. 78/94), que na referida propriedade também há o cultivo de abacaxi, milho, mamão, manga, graviola, limão, banana, maracujá, abóbora, mandioca e um canteiro de hortaliças, sendo reconhecido expressamente no laudo referente à vistoria de 05/2012 (fl. 290) que "o lote apresenta características básicas de agricultura familiar".
Alie-se a isso o fato de que, conforme se verifica no informativo enviado aos assentados no ano de 2008, subscrito pelo Superintendente Regional do INCRA (fls. 33/35), em 2004 a autarquia deu início ao Programa de Recuperação do Assentamento - PRA, através do qual foram apuradas irregularidades em diversos lotes do Assentamento Bela Vista do Chibarro, acarretando a abertura de processos administrativos e, em alguns casos, o posterior ajuizamento de ações de reintegração de posse, nas quais o INCRA foi vitorioso, não sendo nenhuma dessas demandas ajuizadas em face da apelante. Dessa forma, como bem pontuou o Ministério Público Federal (fls. 259/260), se tal providência não foi tomada em relação ao lote da autora, não tendo o INCRA apresentado sequer um procedimento administrativo apurando as supostas irregularidades, "é porque os fatos que noticia como óbices à concessão do título de propriedade, em verdade, não eram aptos a tal medida extrema".
Com efeito, nos autos do Procedimento Administrativo nº 1.34.017.000104/2004-33, instaurado para apurar irregularidades no Assentamento Bela Vista do Chibarro, mormente aquelas relacionadas ao arrendamento de lotes a terceiros para o cultivo de cana-de-açúcar, o Ministério Público Federal, em despacho datado de agosto de 2009 (fls. 229/237), assinalou que o referido cultivo no assentamento não viola os preceitos constitucionais e legais da reforma agrária, nos seguintes termos:
Por fim, ainda em relação à cultura de cana-de-açúcar, a autora juntou aos autos declaração, datada de agosto de 2010, do então prefeito de Araraquara/SP (fl. 193), no sentido de que, no ano de 1995, durante o seu mandato como deputado federal, agendou audiência com o Ministro de Agricultura e Reforma Agrária, no qual requereu em nome dos beneficiários do Assentamento Bela Vista do Chibarro o direito destes cultivarem cana-de-açúcar, com as consequentes operações de plantio, cultivo, colheita, corte, carregamento e transporte, podendo se dar por intermédio de Grupo Associativo dos assentados, tendo o i. Ministro concordado com todos os termos do pedido.
Desta feita, por todos os ângulos analisados, não se vislumbra qualquer violação às cláusulas resolutivas do contrato de assentamento por parte da beneficiária, ora apelante. Ainda que assim não fosse, os relatórios técnicos do INCRA juntados aos autos se referem a vistorias realizadas em 2010 e 2012 no lote da apelante, de modo que ambos são extemporâneos ao prazo decenal em que vigentes as cláusulas resolutivas do contrato em questão, qual seja, de 1999 a 2009.
Outrossim, no tocante às alegações de que a concessão do título de domínio definitivo à autora não se mostra possível, em razão da não efetivação de medição e demarcação dos lotes no Assentamento, cumpre ressaltar que o INCRA não pode opor a sua própria desídia à concessão do referido título, uma vez que tais medidas deveriam ter sido efetivadas pelo Instituto.
Nesse sentido, inclusive, é o depoimento de Márcia Fabiana da Silva Ferreira (mídia na fl. 252), testemunha arrolada pelo INCRA em processo semelhante, juntado a estes autos como prova emprestada a requerimento da autora. A depoente, que era servidora do INCRA e atuava como técnica do assentamento, afirmou que somente um assentado conseguiu obter, na via judicial, o título de domínio de seu lote, e nenhum conseguiu pela via administrativa; que a razão do INCRA não conceder tais títulos é a ausência de maturidade do Assentamento para ser titulado, explicando que se entende por "maduro" o assentamento que tem todas as infraestruturas necessárias e que conta com a independência financeira dos assentados; que caberia ao INCRA promover a grande maioria das infraestruturas, e não o faz por ausência de recursos financeiros; que a rede de esgoto instalada no assentamento atende a Agrovila, mas não os lotes.
Tal ausência de infraestrutura também foi relatada pela apelante, que informou que não há sequer projeto de irrigação no assentamento, impossibilitando, inclusive, a sua dedicação exclusiva às atividades rurais no lote.
Diante disso, claro está que não houve o cumprimento das obrigações contratuais por parte do INCRA, e não da autora, ora apelante. A cláusula terceira do contrato de assentamento dispõe que o INCRA assume o compromisso de: a) medir e demarcar a parcela; b) implantar a infraestrutura física básica correspondente ao sistema viário; c) expedir o documento de titulação sob condições resolutivas ao beneficiário, se cumpridas as condições do contrato e demonstrada profissionalização para a exploração da parcela; d) conceder ao beneficiário Crédito para Alimentação, Fomento e Habitação, na forma prevista no Art. 75, alínea "b" do Decreto n. 59.428, de 27/10/66.
Desta feita, tendo a apelante cumprido suas obrigações contratuais, bem como decorrido o prazo decenal legalmente previsto, deve o INCRA tomar todas as providências necessárias no âmbito administrativo à expedição do documento de titulação do lote 149 do Assentamento Bela Vista do Chibarro, em Araraquara/SP, em nome da apelante LUZIA MATURQUE.
No que se refere ao valor da indenização a ser paga pela beneficiária ao INCRA, caberá à autarquia aferir o quantum devido pelo lote e pelos créditos concedidos, nos termos da Lei nº 8.629/93, da Instrução Normativa nº 69/2011 e do Decreto nº 8.738/2016. Este último, editado em 2016, dispõe em seus artigos 42 e 43:
Nesse sentido, é a jurisprudência:
Remanescendo divergência entre as partes em relação ao valor do imóvel rural, poderá a beneficiária, ora apelante, impugná-lo na via administrativa e judicial, em ação própria.
No que concerne aos honorários advocatícios, o seu arbitramento pelo magistrado fundamenta-se no princípio da razoabilidade, devendo, como tal, pautar-se em uma apreciação equitativa dos critérios contidos no §3º do artigo 20 do Código de Processo Civil/1973, evitando-se que sejam estipulados em valor irrisório ou excessivo.
Os honorários devem ser fixados em quantia que valorize a atividade profissional advocatícia, homenageando-se o grau de zelo, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço, tudo visto de modo equitativo.
Assim sendo, afigura-se razoável a fixação de honorários advocatícios em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), devidos à parte autora.
Diante do exposto, dou provimento ao recurso de apelação, para determinar ao INCRA a outorga do título de domínio definitivo do lote 149 do Assentamento Bela Vista do Chibarro à apelante Luzia Maturque, mediante pagamento de indenização a ser efetuado pela beneficiária, em valor a ser estabelecido na esfera administrativa, nos termos da fundamentação, bem como para condenar o INCRA ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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