D.E. Publicado em 17/08/2018 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação para anular a r. sentença e, avançando ao mérito, julgar improcedente o pedido inicial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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QUESTÃO DE ORDEM
Inicialmente, cabe salientar que estamos diante de apelação interposta pela empresa "SI GROUP CRIOS RESINAS S/A" em face da sentença que, em ação cautelar preparatória de inquérito administrativo, julgou procedente o pedido formulado pelo CADE, deferindo a busca e apreensão de quaisquer bens, objetos, documentos, livros, computadores, laptops, arquivos magnéticos ou quaisquer outras formas de registro que possam comprovar eventual formação de cartel perante as citadas empresas e deferiu o compartilhamento das provas com o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal.
O provimento judicial almejado pelo CADE funda-se em inquérito administrativo instaurado para apurar eventual formação de cartel, em cujo processamento considerou-se necessária busca e apreensão nas empresas envolvidas, surgindo assim o interesse da autarquia, pois tal medida reclama a obtenção de mandado judicial, nos termos do artigo 13, VI, "d", da Lei nº 12.529/11.
Mas, antes de examinar as alegações do recorrente, cabe destacar que não houve a intimação do Ministério Público Federal, a fim de lhe oportunizar a manifestação na qualidade de fiscal do ordenamento jurídico, medida que refuto imprescindível, senão vejamos:
A Lei nº 12.529/11, no artigo 1º, estabelece sua finalidade:
"Art. 1o Esta Lei estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência - SBDC e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.
Parágrafo único. A coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por esta Lei."
E, no artigo 20, prevê que:
"Art. 20. O Procurador-Geral da República, ouvido o Conselho Superior, designará membro do Ministério Público Federal para, nesta qualidade, emitir parecer, nos processos administrativos para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica, de ofício ou a requerimento do Conselheiro-Relator."
Por sua vez, a Lei Complementar nº 75, de 20.05.1993, a qual dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, estabelece como função institucional o zelo pela observância dos princípios constitucionais relativo à atividade econômica (art. 5º, II, "c", LC 75/93).
Considerando que a "coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por esta Lei" (art. 1º, parágrafo único, Lei nº 12.529/11), entre eles a livre concorrência, o combate ao aumento arbitrário de lucros e a vedação de exercício abusivo de posição dominante, podemos concluir que estamos diante de interesses ou direitos difusos (art. 81, parágrafo único, I, CDC).
E, do inquérito administrativo instaurado pelo CADE podem surgir elementos que podem formar a opinio delicti do Ministério Público, titular por excelência da ação penal pública, a ensejar o oferecimento de denúncia por eventual crime contra a ordem econômica.
Ademais, na esfera civil, eventuais provas oriundas do mandado de busca e apreensão que ora se almeja podem ensejar eventual termo de ajustamento de conduta ou a propositura de ação civil pública pelo Ministério Público, inclusive.
Destarte, vislumbrando a provável presença de interesse do Ministério Público na causa sub judice, nos termos do artigo 178, caput e inciso I, do Código de Processo Civil, considero prudente e, talvez, indispensável sua intimação para eventual manifestação antes de julgar o presente recurso.
Apesar da ausência de intimação do Ministério Público no primeiro grau de jurisdição, tal circunstância não enseja a imediata declaração de nulidade, pois, antes, deve ser conferida a oportunidade para que ele manifeste sobre a existência ou inexistência de prejuízo, conforme determina o §2º, do artigo 279, do Código de Processo Civil: "A nulidade só pode ser decretada após a intimação do Ministério Público, que se manifestará sobre a existência ou a inexistência de prejuízo.".
Por fim, considerando que o voto do I. Relator, ao reformar a sentença, afetaria interesse do órgão ministerial, já que deferiu o compartilhamento das provas obtidas pelo CADE com o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal, a ausência de sua prévia oitiva violaria a garantia do contraditório e da ampla defesa, previstas no artigo 5º, LV, da Constituição Federal e artigo 9º do Código de Processo Civil.
Diante do exposto, com fulcro no artigo 938, §4º, c/c artigo 932, VII, todos do Código de Processo Civil, suscito a presente questão de ordem com a finalidade de intimar o Ministério Público Federal, através da Procuradoria Regional da República da 3ª Região, a fim de lhe permitir manifestar sobre eventual interesse em intervir no feito, evitando-se posterior declaração de prejuízo e nulidade decorrente da não intervenção do órgão ministerial.
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RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta por SI GROUP CRIOS RESINAS SA em ação cautelar preparatória de inquérito civil ajuizada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE - para modificar a sentença que julgou procedente o pedido de busca e apreensão de quaisquer bens, objetos, documentos, livros, computadores, laptops, arquivos magnéticos ou quaisquer outras formas de registro que possam comprovar eventual formação de cartel perante as citadas empresas e deferiu o compartilhamento das provas com o MPE e MPF, condenando as rés ao pagamento rateado das custas e honorários fixados em 10% sobre o valor da causa.
Alegou o autor que houve assinatura do termo de leniência entre as empresas do grupo Reichhold e dois de seus empregados que teriam noticiado a formação de cartel em três frentes distintas: coatings-alquídicas (2004 a 2012), resinas poliéster (2006 a 2013) e resinas fenólicas (2004 a 2013); sendo que a apelante participou apenas do cartel das resinas fenólicas.
Sustentou que cada um desses mercados teria feito ajustes de fixação de preços, divisão da área de atuação de cada empresa e troca de informações sensíveis com o objetivo de obter a hegemonia no setor.
Argumentou que a Lei nº 12.529/2011, em seu Artigo nº 13, VI, d, possibilitou ao CADE a realização de pedido de busca e apreensão junto ao Poder Judiciário.
Pugnou pela decretação do segredo de Justiça e deferimento da busca e apreensão inaudita altera parte, o que foi deferido.
Em contestação, a Brampac SA alegou ausência de individualização de conduta, ilegalidade da medida de busca e apreensão, nulidade das provas obtidas e violação de direitos constitucionais.
A sentença julgou o pedido procedente condenando as rés em custas e honorários fixados em 10% sobre o valor da causa.
Apenas a empresa SI Group Resinas SA apelou.
Em apelação, a empresa SI Group Resinas SA alega a nulidade da sentença por falta de fundamentação, a ilegalidade da busca e apreensão fora das hipóteses previstas em lei, a nulidade do acordo de leniência, em razão da inexistência de assinatura de representante da Reichhold no histórico de condutas em que as práticas anticoncorrenciais foram imputadas ao SI GROUP e a ausência de indícios materiais que justificassem a busca e apreensão.
Em contrarrazões, alega o CADE que foi expressamente instaurado inquérito administrativo para a colheita de indícios do cartel investigado com fundamento na Lei nº 12.529/2011, que a sentença foi bem fundamentada, que o acordo de leniência não apresenta qualquer irregularidade, que as alegações tendentes a infirmar a certeza do CADE sobre sua culpabilidade só poderão ser analisadas após o devido processo legal administrativo, que o CADE possui o poder-dever de fiscalizar condutas complexas e temporalmente persistentes, como ocorre com os cartéis e que há indícios suficientes para a medida cautelar de busca e apreensão.
O Ministério Público Federal manifestou pelo "não provimento da apelação e pela reforma da sentença".
É o relatório.
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VOTO
A preliminar de nulidade da sentença por ausência de fundamentação comporta acolhida.
As decisões judiciais sujeitam-se ao dever de fundamentação insculpido no art. 93, IX, da Constituição Federal.
A r. sentença transcreveu ipsis litteris a decisão que concedeu liminar inaudita altera parte, sem enfrentar nenhum dos argumentos aventados nas contestações, ignoradas por completo.
No único trecho em que faz referência à peça contestatória, assim dispôs a r. sentença, imediatamente após transcrever na íntegra a decisão liminar:
Ora, a contestação da ora apelante defende: (i) a impossibilidade de busca e apreensão antes da instauração de inquérito; (ii) a invalidade de um acordo de leniência apócrifo; (iii) a insuficiência dos elementos indiciários para a drástica medida de busca e apreensão, contudo, a r. sentença não se debruçou sobre nenhum dos temas.
Reconheço, por conseguinte, a nulidade da r. sentença por ausência de fundamentação, passando à imediata apreciação do mérito, nos termos do art. 1.013, §3º, IV, do CPC, porquanto trata-se de causa madura em condições de julgamento.
Aduz a apelante, em apertada síntese: (i) a nulidade do acordo de leniência por ausência de assinatura do leniente; (ii) descabimento da busca e apreensão em procedimento preparatório de inquérito administrativo; (iii) a inexistência de indícios materiais a justificar a busca e apreensão.
Questiona a apelante a fragilidade dos elementos indiciários que fundamentaram a busca e apreensão,
O acordo de leniência aponta a formação de cartel em três frentes distintas, a saber: (i) coatings-alquídicas; (ii) resinas poliéster; e (iii) resinas fenólicas.
A apelante é apontada como participante de um cartel no mercado de resinas fenólicas, composto apenas por ela e pela empresa leniente (REICHHOLD).
Os indícios de sua participação no suposto esquema seriam:
Causa estranheza a diferença entre a descrição do alegado cartel nas outras frentes objeto da leniência (coatings-alquídicas e resinas poliéster) e a descrição do alegado conluio no mercado de resinas fenólicas em que a apelante estaria envolvida.
Enquanto que nos demais segmentos a empresa leniente descreve com detalhes o funcionamento e a dinâmica do alegado cartel, como divisão das fatias do mercado e alocação de clientes, no segmento das resinas fenólicas os indícios restringem-se a frágeis elementos como um cartão de visita e emails entre secretárias dos executivos para agendamento de café da manhã.
Da leitura dos autos, infere-se que a apelante é a única denunciada que atua exclusivamente no mercado de resinas fenólicas. Todas as demais empresas citadas no acordo de leniência atuam nos segmentos de coating-alqídicas e poliéster.
Ora, se o conluio se deu entre a empresa leniente e a apelante, a denunciante não terá dificuldade em indicar quais foram os atos de violação à livre concorrência por elas praticados, sejam os preços acordados, o fatiamento dos clientes, as definições da atuação de cada empresa, ou qualquer outra ação caracterizadora da formação de cartel.
No entanto, até o momento a leniente sequer descreveu quais foram os atos praticados, tampouco apresentou indícios materiais dessas práticas.
Isso indica a necessidade de prévia instauração de inquérito administrativo para melhor apuração da existência de elementos mínimos para instauração de processo administrativo, nos termos do art. 66, §1º da Lei 12.259/2011, verbis:
Daí a prematuridade da busca e apreensão baseada em acordo de leniência que não descreve efetivos fatos caracterizadores da formação de cartel e cujos elementos materiais apresentados são inconclusivos (cartão de visitas, agendamento de café da manhã por secretárias de executivos, planilha de composição de preço apócrifa, etc.).
Uma vez instaurado e instruído o inquérito administrativo, caso a empresa leniente impute à apelante a prática de efetivos atos anticoncorrenciais, indicando-os com clareza e apresentando elementos indiciários mínimos, poderá requerer ao Poder Judiciário a expedição de mandado de busca e apreensão de objetos, papéis, livros, computadores e arquivos magnéticos da empresa, na forma do art. 13, VI, "d" da Lei 12.529/2011.
Por ora, ausentes os indícios mínimos da formação de cartel no segmento de resinas fenólicas, não há razão para a precipitação da drástica medida de busca e apreensão em desfavor da apelante.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso de apelação para anular a r. sentença por ausência de fundamentação e, prosseguindo no julgamento do mérito nos termos do art. 1.013, §3º, IV, do CPC, aprecio o mérito para julgar improcedente o pedido inicial em relação à apelante, com a inversão dos ônus sucumbenciais.
É como voto.
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