Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 16/08/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000793-02.2014.4.03.9999/MS
2014.03.99.000793-2/MS
RELATOR : Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias
REL. ACÓRDÃO : Juiz Federal Convocado OTAVIO PORT
APELANTE : ODAIR DELGADO DE ALMEIDA incapaz
ADVOGADO : MS002923 WELLINGTON COELHO DE SOUZA
REPRESENTANTE : JANETE DELGADO DA SILVA
ADVOGADO : MS002923 WELLINGTON COELHO DE SOUZA
APELADO(A) : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
No. ORIG. : 08007730720118120005 1 Vr ANASTACIO/MS

EMENTA

CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REQUISITOS COMPROVADOS. TERMO INICIAL. APELAÇÃO PROVIDA. TUTELA CONCEDIDA.
I-O benefício da assistência social, de caráter não contributivo, tem como alguns de seus princípios norteadores a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e o enfrentamento da pobreza no nosso País, que constituem os objetivos fundamentais consagrados no art. 3º, I e III, da CF, garantindo-se os mínimos sociais àqueles que efetivamente necessitam.
II-A Lei nº 8.742, de 07.12.1993, regulamentou a Assistência Social, prevista no mencionado art. 203, V, da CF. Em seu art. 20, dispôs sobre as condições para a concessão do benefício: ser pessoa portadora de deficiência, ou idoso com 70 (setenta) anos ou mais - idade posteriormente reduzida para 67 (sessenta e sete) anos - e, em ambos os casos, sem condições de prover seu próprio sustento ou tê-lo provido pela família.
III-O Estatuto do Idoso - Lei nº 10.741, de 01.10.2003 - reduziu a idade mínima do idoso para 65 anos - art. 34.
IV-O art. 20 da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social foi alterado pela Lei nº 12.435, de 06.7.2011 (DOU 07.7.2011), que adotou a expressão "pessoa com deficiência" e a idade de 65 (sessenta e cinco) anos ou mais já prevista no Estatuto do Idoso.
V-Também o conceito de pessoa com deficiência foi alterado pela nova lei. O § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece que a renda per capita familiar deve ser inferior a ¼ do salário mínimo. A inconstitucionalidade desse dispositivo da LOAS foi arguida na ADIN nº 1.232-1, julgada improcedente por maioria de votos pelo Plenário do STF.
VI-A questão não restou pacificada na jurisprudência do STJ e do próprio STF, que passaram a adotar o entendimento de que a ADIn nº 1.232-1 não retirou a possibilidade de aferição da necessidade por outros meios de prova que não a renda per capita familiar, mas, sim, que o § 3º do art. 20 estabeleceu uma presunção objetiva e absoluta de miserabilidade. Assim sendo, a família com renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo encontra-se em estado de penúria, configurando tal situação prova incontestável de necessidade do benefício, dispensando outros elementos probatórios. Daí que, caso suplantado tal limite, outros meios de prova poderiam ser utilizados para a demonstração da condição de miserabilidade, expressa na situação de absoluta carência de recursos para a subsistência.
VII-A questão foi novamente levada a julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a Repercussão Geral da matéria nos autos do Recurso Extraordinário 567985/MT, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 18/04/2013, publicado em 03.10.2013. A fixação da renda per capita familiar inferior ao salário mínimo é excludente do bem-estar e justiça sociais que o art. 193 da Constituição Federal elegeu como objetivos da Ordem Social.
VIII-A estipulação de que o salário mínimo é uma garantia do trabalhador e do inativo para fins de garantir sua manutenção e de sua família, com o mínimo necessário à sobrevivência com dignidade, representa um critério quantificador do bem-estar social que a todos deve ser garantido, inclusive aos beneficiários do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição.
IX-Nessa linha de entendimento, o correto seria que a renda per capita familiar, para fins de concessão do BPC, não pudesse ser superior a 1 (um) salário mínimo. Esse critério traria para dentro do sistema de Assistência Social um número bem maior de pessoas idosas e com deficiência. Seria dar a todos, dentro e fora do sistema de Assistência Social, o mesmo grau de dignidade e de bem-estar, reduzindo desigualdades sociais.
X-Cabe à legislação infraconstitucional a definição dos critérios e requisitos para concessão do benefício, conforme prevê o art. 203, V, da CF. Deve, para isso, obedecer aos princípios do art. 194, dentre eles a seletividade e distributividade. Ou seja, cabe ao legislador ordinário selecionar as contingências merecedoras de proteção e distribuí-las de acordo com o número de beneficiários e o orçamento de que dispõe.
XI-A seletividade e a distributividade, contudo, por serem princípios setoriais, estão conformadas ao princípio geral do respeito à isonomia. Não pode a lei eleger como discrimen critério violador da isonomia.
XII-A fixação do critério aferidor da necessidade é atribuição do legislador e não do juiz. Mas, diante do caso concreto, a jurisdição não pode ser negada por falta de critério legal.
XIII-A atividade legislativa não é do Poder Judiciário, de modo que não lhe cabe criar critério que substitua o previsto no § 3º do art. 20. Porém, parece razoável estabelecer presunção absoluta de miserabilidade quando a renda per capita familiar for inferior a metade do salario mínimo vigente, para que, em sendo superior, outras provas possam ser consideradas para averiguar a real necessidade de concessão do benefício.
XIV-O primeiro laudo médico-pericial, feito em 25.03.2015, às fls. 126vº/134, atesta que a autor apresenta quadro de epilepsia (CID 10-G 40), desde os 6 (seis) anos de idade, e retardo mental leve (CID 10: F70), problemas que o incapacitam de forma parcial e permanente para a prática de atividade laborativa.
XV-O segundo laudo pericial, feito em 26.10.2016, por médico psiquiatra, às fls. 209/211, conclui que o autor é portador de epilepsia e síndromes epiléticas generalizadas idiopáticas (G 40.3), com início aos 6 (seis) anos, e retardo mental moderado (F 71.0), desde o nascimento.
XVI-As patologias apontadas pelos peritos se ajustam ao conceito de pessoa com deficiência previsto no art. 20, § 2º, I e II.
XVII-O estudo social, feito em 02.07.2012, às fls. 42vº/44, dá conta de que a autora reside com a mãe, Sra. Janete Delgado da Silva, de 45 anos, o pai, Sr. Osmando Neco de Almeida, de 56 anos, e os irmãos Mayara Delgado de Almeida, de 11, e Wiliam Delgado da Silva, de 16, em imóvel cedido. As despesas são: alimentação R$ 200,00; água R$ 50,00; energia elétrica R$ 50,00; gás R$ 50,00. A renda da família advém do trabalho formal do pai do autor, que está afastado devido a um acidente de trabalho e recebe o valor de um salário mínimo ao mês, do Programa Federal Bolsa Família, no valor de R$ 160,00, e do Programa Estadual Vale Renda, no valor de R$ 155,00 (cento e cinquenta e cinco reais) mensais.
XVIII-O segundo estudo social feito em 13.10.2015, às fls. 145vº/147, informa que o autor reside com os pais, os irmãos e o avô materno, Sr. Jeremias Delgado da Silva, de 77 anos, em casa cedida pelo avô. A mãe do autor relata que "a renda familiar é insuficiente para atender as necessidades do requerente, declarando despesas mensais de R$ 790,00, com água, energia elétrica, alimentação e gás de cozinha, além dos gastos com consultas e exames médicos a cada seis meses do requerente, realizados no Hospital Evangélico de Campo Grande/MS". A família não tem veículo automotor nem telefone fixo. Os eletrodomésticos são: geladeira com duas portas e um fogão de seis bocas. A renda da família advém da aposentadoria por invalidez que o pai recebe e da aposentadoria do avô, ambos de valor mínimo.
XIX-A consulta ao CNIS indica que o pai tem vários vínculos de trabalho desde 2003, auferindo o valor, em todos, de pouco mais de um salário mínimo ao mês. Passou a ser beneficiário de aposentadoria por invalidez, decorrente de acidente de trabalho, desde 17.02.2014, no valor de pouco mais de um salário mínimo ao mês também, e o avô, idoso, nascido em 05.01.1934, é beneficiário de aposentadoria por idade, desde 17.08.1994, de valor mínimo, benefício este que deve ser excluído no cômputo da renda familiar, por analogia, nos termos do art. 34, par. único, da Lei nº 10.741/2003.
XX-Levando-se em consideração as informações do estudo social e as demais condições apresentadas, entendo que não se justifica o indeferimento do benefício.
XXI-A situação é precária e de miserabilidade, dependendo o autor do benefício assistencial para suprir as necessidades básicas, sem condições de prover o seu sustento com a dignidade exigida pela Constituição Federal.
XXII-Preenche o autor os requisitos necessários ao deferimento do benefício assistencial, independentemente da sua tenra idade.
XXIII-Comprovado o requerimento na via administrativa, o benefício é devido desde essa data.
XXIV-As parcelas vencidas serão acrescidas de correção monetária a partir dos respectivos vencimentos.
XXV-A correção monetária será aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação superveniente, de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, observados os termos do julgamento final proferido na Repercussão Geral no RE 870.947, em 20.09.2017.
XXVI-Com relação às custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6032/74, 8620/93 e 9289/96, bem como nas Leis Estaduais n. 4952/85 e 11608/03. Contudo, tal isenção não exime a Autarquia Previdenciária do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio. Quanto ao Mato Grosso do Sul, em caso de sucumbência, as custas são pagas pelo INSS ao final do processo, nos termos da Lei Estadual n. 3779/09, que revogou a isenção concedida na legislação pretérita, e art. 27 do CPC.
XXVII-Apelação provida para julgar procedente o pedido, desde a data do requerimento administrativo, em 16.10.2007.
XXVIII-Tutela provisória de urgência concedida de ofício.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do voto do Juiz Federal Convocado Otávio Port, que foi acompanhado pelo Des. Fed. Gilberto Jordan e pela Des. Fed. Ana Pezarini (que votou nos termos do art. 942, caput e § 1º, do CPC). Vencido o Relator, que lhe dava provimento em menor extensão. Lavrará acórdão o Juiz Federal Convocado Otávio Port.



São Paulo, 23 de maio de 2018.
OTAVIO PORT
Relator para o acórdão


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000793-02.2014.4.03.9999/MS
2014.03.99.000793-2/MS
RELATORA : Desembargadora Federal DALDICE SANTANA
APELANTE : ODAIR DELGADO DE ALMEIDA incapaz
ADVOGADO : MS002923 WELLINGTON COELHO DE SOUZA
REPRESENTANTE : JANETE DELGADO DA SILVA
ADVOGADO : MS002923 WELLINGTON COELHO DE SOUZA
APELADO(A) : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
No. ORIG. : 08007730720118120005 1 Vr ANASTACIO/MS

DECLARAÇÃO DE VOTO

Juiz Federal Convocado OTÁVIO PORT (Relator): Cuida-se de declarar o voto proferido no julgamento da apelação interposta pelo autor contra sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial.


Na sessão de julgamento de 18 de abril de 2018, o senhor Relator deu provimento à apelação para reformar a sentença e julgar parcialmente procedente o pedido, sendo divergente o voto deste Magistrado, que lhe dava provimento, em maior extensão e foi acompanhado pelo Des. Fed. Gilberto Jordan. Sobrestado o julgamento do feito nos termos do art. 942 caput e § 1º do CPC.


Passo a declarar o voto.


O benefício da assistência social, de caráter não contributivo, tem como alguns de seus princípios norteadores a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e o enfrentamento da pobreza no nosso País, que constituem os objetivos fundamentais consagrados no art. 3º, I e III, da CF, garantindo-se os mínimos sociais àqueles que efetivamente necessitam.


A Lei nº 8.742, de 07.12.1993, regulamentou a Assistência Social, prevista no mencionado art. 203, V, da CF. Em seu art. 20, dispôs sobre as condições para a concessão do benefício: ser pessoa portadora de deficiência, ou idoso com 70 (setenta) anos ou mais - idade posteriormente reduzida para 67 (sessenta e sete) anos - e, em ambos os casos, sem condições de prover seu próprio sustento ou tê-lo provido pela família.


O Estatuto do Idoso - Lei nº 10.741, de 01.10.2003 - reduziu a idade mínima do idoso para 65 anos - art. 34.


O art. 20 da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social foi alterado pela Lei nº 12.435, de 06.7.2011 (DOU 07.7.2011), que adotou a expressão "pessoa com deficiência" e a idade de 65 (sessenta e cinco) anos ou mais já prevista no Estatuto do Idoso.


Também o conceito de pessoa com deficiência foi alterado pela nova lei. O § 2º do art. 20 passou a dispor:


§ 2º. Para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.

O § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece que a renda per capita familiar deve ser inferior a ¼ do salário mínimo. A inconstitucionalidade desse dispositivo da LOAS foi arguida na ADIN nº 1.232-1, julgada improcedente por maioria de votos pelo Plenário do STF.


A questão não restou pacificada na jurisprudência do STJ e do próprio STF, que passaram a adotar o entendimento de que a ADIn nº 1.232-1 não retirou a possibilidade de aferição da necessidade por outros meios de prova que não a renda per capita familiar, mas, sim, que o § 3º do art. 20 estabeleceu uma presunção objetiva e absoluta de miserabilidade. Assim sendo, a família com renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo encontra-se em estado de penúria, configurando tal situação prova incontestável de necessidade do benefício, dispensando outros elementos probatórios. Daí que, caso suplantado tal limite, outros meios de prova poderiam ser utilizados para a demonstração da condição de miserabilidade, expressa na situação de absoluta carência de recursos para a subsistência.


Nesse sentido o entendimento do STJ - REsp 222778/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, j. 04.11.1999, DJU 29.11.1999, p. 190:


"A Lei 8742/93, Art. 20, § 3º, quis apenas definir que a renda familiar inferior a ¼ do salário-mínimo é, objetivamente considerada, insuficiente para a subsistência do idoso ou portador de deficiência; tal regra não afasta, no caso em concreto, outros meios de prova da condição de miserabilidade da família do necessitado".

A questão foi novamente levada a julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a Repercussão Geral da matéria nos autos do Recurso Extraordinário 567985/MT, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 18/04/2013, publicado em 03.10.2013:

"... O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento" (destaquei).

A fixação da renda per capita familiar inferior ao salário mínimo é excludente do bem-estar e justiça sociais que o art. 193 da Constituição Federal elegeu como objetivos da Ordem Social.


A estipulação de que o salário mínimo é uma garantia do trabalhador e do inativo para fins de garantir sua manutenção e de sua família, com o mínimo necessário à sobrevivência com dignidade, representa um critério quantificador do bem-estar social que a todos deve ser garantido, inclusive aos beneficiários do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição.


Nessa linha de entendimento, o correto seria que a renda per capita familiar, para fins de concessão do BPC, não pudesse ser superior a 1 (um) salário mínimo. Esse critério traria para dentro do sistema de Assistência Social um número bem maior de pessoas idosas e com deficiência. Seria dar a todos, dentro e fora do sistema de Assistência Social, o mesmo grau de dignidade e de bem-estar, reduzindo desigualdades sociais.


A declaração de inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social, na prática, resulta na inexistência de nenhum critério, abrindo a possibilidade de o intérprete utilizar todos os meios de provas disponíveis para a verificação da situação de miséria que a lei quer remediar.


Cabe à legislação infraconstitucional a definição dos critérios e requisitos para concessão do benefício, conforme prevê o art. 203, V, da CF. Deve, para isso, obedecer aos princípios do art. 194, dentre eles a seletividade e distributividade. Ou seja, cabe ao legislador ordinário selecionar as contingências merecedoras de proteção e distribuí-las de acordo com o número de beneficiários e o orçamento de que dispõe.


A seletividade e a distributividade, contudo, por serem princípios setoriais, estão conformadas ao princípio geral do respeito à isonomia. Não pode a lei eleger como discrimen critério violador da isonomia.


A fixação do critério aferidor da necessidade é atribuição do legislador e não do juiz. Mas, diante do caso concreto, a jurisdição não pode ser negada por falta de critério legal.


A atividade legislativa não é do Poder Judiciário, de modo que não lhe cabe criar critério que substitua o previsto no § 3º do art. 20. Porém, parece razoável estabelecer presunção absoluta de miserabilidade quando a renda per capita familiar for inferior a metade do salario mínimo vigente, para que, em sendo superior, outras provas possam ser consideradas para averiguar a real necessidade de concessão do benefício.


O primeiro laudo médico-pericial, feito em 25.03.2015, às fls. 126vº/134, atesta que a autor apresenta quadro de epilepsia (CID 10-G 40), desde os 6 (seis) anos de idade, e retardo mental leve (CID 10: F70), problemas que o incapacitam de forma parcial e permanente para a prática de atividade laborativa.


O segundo laudo pericial, feito em 26.10.2016, por médico psiquiatra, às fls. 209/211, conclui que o autor é portador de epilepsia e síndromes epiléticas generalizadas idiopáticas (G 40.3), com início aos 6 (seis) anos, e retardo mental moderado (F 71.0), desde o nascimento.


As patologias apontadas pelos peritos se ajustam ao conceito de pessoa com deficiência previsto no art. 20, § 2º, I e II.


O estudo social, feito em 02.07.2012, às fls. 42vº/44, dá conta de que a autora reside com a mãe, Sra. Janete Delgado da Silva, de 45 anos, o pai, Sr. Osmando Neco de Almeida, de 56 anos, e os irmãos Mayara Delgado de Almeida, de 11, e Wiliam Delgado da Silva, de 16, em imóvel cedido. As despesas são: alimentação R$ 200,00; água R$ 50,00; energia elétrica R$ 50,00; gás R$ 50,00. A renda da família advém do trabalho formal do pai do autor, que está afastado devido a um acidente de trabalho e recebe o valor de um salário mínimo ao mês, do Programa Federal Bolsa Família, no valor de R$ 160,00, e do Programa Estadual Vale Renda, no valor de R$ 155,00 (cento e cinquenta e cinco reais) mensais.


O segundo estudo social feito em 13.10.2015, às fls. 145vº/147, informa que o autor reside com os pais, os irmãos e o avô materno, Sr. Jeremias Delgado da Silva, de 77 anos, em casa cedida pelo avô. A mãe do autor relata que "a renda familiar é insuficiente para atender as necessidades do requerente, declarando despesas mensais de R$ 790,00, com água, energia elétrica, alimentação e gás de cozinha, além dos gastos com consultas e exames médicos a cada seis meses do requerente, realizados no Hospital Evangélico de Campo Grande/MS". A família não tem veículo automotor nem telefone fixo. Os eletrodomésticos são: geladeira com duas portas e um fogão de seis bocas. A renda da família advém da aposentadoria por invalidez que o pai recebe e da aposentadoria do avô, ambos de valor mínimo.


A consulta ao CNIS indica que o pai tem vários vínculos de trabalho desde 2003, auferindo o valor, em todos, de pouco mais de um salário mínimo ao mês. Passou a ser beneficiário de aposentadoria por invalidez, decorrente de acidente de trabalho, desde 17.02.2014, no valor de pouco mais de um salário mínimo ao mês também, e o avô, idoso, nascido em 05.01.1934, é beneficiário de aposentadoria por idade, desde 17.08.1994, de valor mínimo, benefício este que deve ser excluído no cômputo da renda familiar, por analogia, nos termos do art. 34, par. único, da Lei nº 10.741/2003.


Levando-se em consideração as informações do estudo social e as demais condições apresentadas, entendo que não se justifica o indeferimento do benefício.


Diante do que consta nos autos, verifico que a situação é precária e de miserabilidade, dependendo o autor do benefício assistencial para suprir as necessidades básicas, sem condições de prover o seu sustento com a dignidade exigida pela Constituição Federal.


Assim, o autor preenche os requisitos necessários ao deferimento do benefício assistencial, independentemente da sua tenra idade.


Comprovado o requerimento na via administrativa, o benefício é devido desde essa data.


As parcelas vencidas serão acrescidas de correção monetária a partir dos respectivos vencimentos.


A correção monetária será aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação superveniente, de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, observados os termos do julgamento final proferido na Repercussão Geral no RE 870.947, em 20.09.2017.


Com essas considerações, pedindo vênia ao senhor Relator, voto no sentido de DAR PROVIMENTO à apelação, em maior extensão, para julgar procedente o pedido, desde a data do requerimento administrativo, em 16.10.2007. Correção monetária nos termos da fundamentação. No mais, acompanho o senhor Relator.


É como voto.


OTAVIO PORT
Juiz Federal Convocado


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Data e Hora: 26/04/2018 19:02:10